Imprimir acórdão
Proc. n.º 251/03
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figuram como recorrente a sociedade R..., Lda e como recorrida a T..., S.A., foi proferido acórdão, em 5 de Dezembro de 2002 (fls. 549 a 554), em que se decidiu conceder provimento ao recurso de revista que a ora recorrida havia interposto de uma anterior decisão do Tribunal da Relação de Évora, de 31 de Janeiro de
2002.
2. Na sequência daquele acórdão do Supremo Tribunal de Justiça apresentou a ora recorrente um extenso requerimento (fls. 558 a 589), que concluiu da seguinte forma:
“Concluindo,
112. Já vimos que se encontravam preenchidos os pressupostos de aplicação do n °
2 do art. 732-A do C.P.C.
113. Sendo certo que se impunha o dever de sugestão por parte dos Relatores, por qualquer dos adjuntos ou pelo Presidente da Secção Cível, no sentido de o julgamento se fazer com intervenção do plenário das secções cíveis.
114. Uma vez que não foi cumprido o preceito legal citado, desde já se requer a V. Exa. se digne ordenar a reforma do Acórdão (nos termos e para os efeitos do n° 2 do art. 669° do C.P.C.) de forma a que, observado o dever de sugestão a que supra se fez referência, o julgamento se faça com intervenção do plenário das secções cíveis.
115. Entende a Recorrida que se trata da solução mais conveniente com os princípios de economia processual recorrendo-se, caso se entenda necessário, ao princípio da adequação formal referido no art. 265-A do C.P.C.. Caso assim não se entenda o que não se concede e por mera cautela de patrocínio se pondera mas não se concede,
116. Desde já se invoca a nulidade do Acórdão proferido, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos art.°s 201°, n.º 1 e 205° do C.P.C..
117. A nulidade consiste na omissão de um acto/formalidade que a lei prescreve e que consiste na inexistência de sugestão por parte do Exmº Relator, de qualquer dos seus adjuntos e do Presidente da Secção Cível a que o julgamento se fizesse com intervenção do plenário das secções cíveis e,
118. No limite à falta de realização do julgamento com intervenção do plenário das secções, ex vi respectivamente dos nºs 1 e 2 do art. 732°- A do C.P.C..
119. Caso assim não se entenda, é manifesto que estamos perante uma interpretação desconforme com a constituição (inconstitucionalidade} por violação expressa dos art°s 130 n° 1, 202°, n° 2, 205, n° 1 da Constituição da República Portuguesa,
120. Além de violar os princípios da segurança jurídica, da protecção da confiança dos cidadãos e da separação de poderes, extraíveis aqueles dos art°s
2° e 9° alínea b} e definido este pelo art. 111 ° da referida Constituição.
121. Nas sábias palavras do Conselheiro Lúcio Teixeira, citado por ISABEL ALEXANDRE (obra citada pág. 162}:
'(os referidos princípios) pela via da afirmação do Estado de direito, garantem aos cidadãos, o primeiro e o segundo, a durabilidade e a permanência da ordem jurídica e a confiança na estabilidade das respectivas instituições jurídicas, designadamente a permanência e a inalterabilidade do caso julgado (...} e, o terceiro, uma organização do Estado orientada pela eficiência da especialidade e pela abrangência da representatividade das suas funções' Nestes termos e em face do exposto, Requer-se a V. Exa. se digne ordenar a reforma do Acórdão (nos termos e para os efeitos do n° 2 do art. 669 do C.P.C.} de forma a que, observado o dever de sugestão a que supra se fez referência, o julgamento se faça com intervenção do plenário das secções cíveis. Entende a Recorrida que se trata da solução mais conveniente com os princípios de economia processual recorrendo-se, caso se entenda necessário, ao princípio da adequação formal referido no art. 265-A do C.P.C.. Caso assim se não entenda, desde já se requer a V. Exa. se digne declarar a nulidade do Acórdão proferido, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos art°s 201° n° 1 e 205° do C.P.C.. A nulidade consiste na omissão de um acto/formalidade que a lei prescreve e que consiste na inexistência de sugestão por parte do Exm° Relator, de qualquer dos seus adjuntos e do Presidente da Secção Cível a que o julgamento se fizesse com intervenção do plenário das secções cíveis e, no limite à falta de realização do julgamento com intervenção do plenário das secções, ex vi respectivamente dos nºs 1 e 2 do art.
732°- A do C.P.C. isto sob pena de violação dos preceitos constitucionais citados no presente requerimento».
3. Este requerimento foi, contudo, indeferido pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Fevereiro de 2003, que se escudou na seguinte fundamentação:
“A requerente parte do princípio de que se encontravam e encontram preenchidos os pressupostos de aplicação do n° 2 do art.º 732-A do CPC. Salvo o devido respeito, não podemos sufragar este entendimento. Com efeito, deflui do art. 732-A do Cód. Proc. Civil que:
1. O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determina, até à prolação do acórdão, que o julgamento do recurso se faça com intervenção do plenário das secções cíveis, quando tal se revele necessário ou conveniente para assegurar a uniformidade da jurisprudência.
2. O julgamento alargado, previsto no número anterior, pode ser requerido por qualquer das partes ou pelo Ministério Público e deve ser sugerido pelo relator, por qualquer dos adjuntos, ou pelos presidentes das secções cíveis, designadamente quando verifiquem a possibilidade de vencimento de solução jurídica que esteja em oposição com jurisprudência anteriormente firmada, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito. Donde resulta, em primeiro lugar, que quem podia determinar o julgamento ampliado da revista era o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, segundo o seu prudente arbítrio, e que tal só poderia ocorrer até à prolação do acórdão. Como o acórdão já foi proferido, não se vê, desde logo, possibilidade de se realizar um julgamento pelo plenário das secções cíveis. A requerente podia ter formulado pedido nesse sentido, na altura própria (nas contra-alegações de recurso para o Supremo). Como não o fez, busca agora um remédio a posteriori, que, sem quebra do respeito devido, nada justifica. Ademais, não era a possibilidade ou mera verosimilhança de vir a ser proferido um acórdão que acolhesse um ponto de vista incompatível com outro aresto (aquele a que se reporta o ponto 10 da matéria de facto), que obrigava o relator, os adjuntos ou o presidente da secção cível a sugerir o julgamento ampliado. Tal julgamento apenas se justificaria legalmente em condições realmente ponderosas, o que se compreende e foi intenção do legislador, pois, a não ser assim, raramente existiria sessão no Supremo em que não tivessem de intervir pelo menos 3/4, dos Conselheiros em exercício nas secções cíveis (art.º 732-8, n° 3 da lei adjectiva), com as consequências facilmente adivinháveis que isso acarretaria em termos de produtividade na administração da justiça. O julgamento ampliado apenas deverá suceder quando se revele necessário ou conveniente para assegurar a uniformidade de jurisprudência (não de dois acórdãos apenas), ut parte final do n° 1 do art.° 732-A, e designadamente quando haja a possibilidade de vencimento de solução jurídica que esteja em oposição com jurisprudência anteriormente firmada, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito. Sendo que a terminologia 'jurisprudência anteriormente firmada', não sendo equivalente a jurisprudência uniformizada, também se não contenta com a simples oposição entre o acórdão que julga a acção de despejo e o acórdão que, em processo apenso à respectiva acção executiva, julga procedentes os embargos de terceiro. O julgamento pelas secções cíveis do Supremo deverá ocorrer, isso sim, quando se trate de questões suficientemente trabalhadas na jurisprudência para serem submetidas a uma amplamente sentida necessidade ou conveniência de uniformização jurisprudencial. Ora o caso sub judice não se enquadrava nem enquadra em nenhuma das mencionadas exigentes situações, não tendo consequentemente o relator ou os adjuntos do processo ou ainda o presidente da secção cível o 'dever' de sugerir que se fizesse o julgamento ampliado, não se vislumbrado que se tratava de um caso em que o Presidente do Supremo tinha condições legais para o ordenar. Não foi destarte cometida a nulidade referida pela requerente, consistente na omissão da sugestão, pelo relator, adjuntos ou presidente da secção cível, da realização do julgamento em revista ampliada, pois se tratava apenas de um caso em que existia a possibilidade de um conflito pontual de jurisprudência, não se destinando a revista ampliada a prevenir a mera possibilidade de contradição de dois concretos acórdãos. Se a mens legislatoris fosse no sentido pretendido pela requerente - e não é - multiplicar-se-iam de forma desmesurada as revistas e os agravos ampliados, aniquilando por completo o sistema, em manifesto prejuízo da administração da justiça, já de si acusada de lentidão. Por outro lado, nenhuma das situações mencionadas no n° 2 do art.° 669° do Cód. Proc. Civil se divisa na hipótese vertente, não tendo virtualidade a pretensão da reforma do acórdão com intervenção do plenário das secções cíveis, com recurso ao princípio da adequação formal, até porque a reforma da decisão, quando se justifica - o que não é o caso - é feita por quem decidiu, e não por outros julgadores num outro julgamento. Finalmente, nenhuma das citadas disposições da nossa lei fundamental se mostra violada, e tão-pouco se mostram feridos os princípios da segurança jurídica, da protecção da confiança dos cidadãos e da separação dos poderes, ao invés do que, ex novo, vem arguido no requerimento em referência. A requerida T..., S.A só interveio agora, nos embargos de terceiro, não tendo tido qualquer intervenção nem na acção de despejo (apesar de ter sido interposta quando já era cessionária do contrato de arrendamento) onde foi proferido o acórdão indicado no ponto 10 da matéria de facto, nem na execução que se lhe seguiu. Como bem sustenta a requerida, na sua resposta, do que se trata in casu é de uma sucessão de acórdãos com sujeitos diversos, com a contradição, irrelevante para efeitos de uniformização da jurisprudência, entre a decisão proferida em sede de embargos de terceiro, julgando-os procedentes, e a decisão cuja execução foi embargada. Termos em que acordam em indeferir o requerimento, condenando a requerente em quatro UC de taxa de justiça (art.° 16° do Código das Custas Judiciais)”.
4. Desta decisão foi interposto, ao abrigo das alíneas b) e f) do nº 1 do art.
70º da LTC, recurso de constitucionalidade, para apreciação da
“inconstitucionalidade da norma do artigo 732º-A n.º 2 do Código de Processo Civil com a interpretação com que foi aplicada pela decisão recorrida”, por alegada violação dos artigos 13º, n.º 1, 202º, n.º 2, 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, bem como “dos princípios da segurança jurídica, da protecção da confiança dos cidadãos e da separação de poderes, extraíveis aqueles dos art.s 2º e 9º alínea b) e definido este pelo art. 111º da referida Constituição.
5. Já no Tribunal Constitucional foi a recorrente convidada, por despacho do Relator de 28 de Abril de 2003, a
“dar cabal cumprimento ao disposto no art. 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, indicando, designadamente:
- no que se refere à parte do recurso que vem interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 70º da LTC, a exacta interpretação normativa do artigo 732º-A do Código de Processo Civil cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada, bem como a peça processual em que a questão foi suscitada;
- no que se refere à parte do recurso que vem interposto ao abrigo da alínea f) do artigo 70º da LTC, qual a questão ou questões de legalidade que pretende ver apreciada(s), bem como a peça processual em que as mesma foram suscitadas”.
6. Em resposta a esta solicitação apresentou a recorrente o requerimento de fls.
638 a 643, que, na parte ora relevante, dispõe como segue:
“[...]
7. No requerimento constante de fls.. .(requerimento onde foi suscitada a reforma do Acórdão nos termos e para os efeitos do n.º 2 do art.º 669° do C.P.C.) a ora Recorrente requereu que fosse observado o dever de sugestão constante do art.º 732-A do C PC para que o julgamento se fizesse com intervenção do plenário das secções cíveis.
8. Nesse mesmo requerimento, e caso a reforma do Acórdão não fosse efectivada, requereu igualmente a ora Recorrente que fosse declarada a nulidade de Acórdão proferido, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos art.ºs
201° n.º 1 e 205° do CPC. A nulidade requerida consistia na omissão de um acto/formalidade que a lei prescreve e que consiste na inexistência de sugestão por parte do Exmo.Relator, de qualquer dos adjuntos e do Presidente da Secção Cível a que o julgamento de fizesse com intervenção do plenário das secções cíveis e, no limite, à falta de realização do plenário das secções, ex vi respectivamente dos n.ºs 1 e 2 do art.º. 732-A do CPC, sob pena de inconstitucionalidade.
9. Porém a decisão que recaiu sobre aquele requerimento veio entender que “não era a possibilidade ou mera verosimilhança de vir a ser proferido um acórdão que acolhesse um ponto de vista incompatível com outro aresto (aquele a que se reporta o ponto 10 da matéria de facto), que obrigava o relator, os adjuntos ou o presidente da secção cível a sugerir o julgamento ampliado”.
10. Por outro lado, vieram a entender os Exmºs Conselheiros que “tal julgamento apenas se justificaria legalmente em condições realmente ponderosas”.
11. Por outro lado, consideraram os Exmos. Conselheiros de que, apesar de a terminologia “jurisprudência anteriormente firmada” equivalente a jurisprudência uniformizada, “também não se contenta com a simples oposição entre o acórdão que julga a acção de despejo e o acórdão que, em processo apenso à respectiva acção executiva, julga procedentes os embargos de terceiro”, considerando por outro lado que a revista ampliada não se destina a “prevenir a mera possibilidade de contradição de dois concretos acórdãos”.
12. Ora, no entender da Recorrente esta interpretação normativa do artigo 732-A do CPC não poderá ser aceite, razão pela qual se suscitou (e pretende ver apreciada no âmbito deste recurso) a sua inconstitucionalidade (ao abrigo da alínea b) do art.º 70º da LTC) e a respectiva ilegalidade (ao abrigo da alínea f) do art.º 70° da LTC).
13. Por outro lado, a Recorrente esclarece que a peça processual em que as questões supra identificadas foram suscitadas foi o requerimento onde foi requerida a reforma do Acórdão nos termos e para os efeitos do n.º 2 do art.º
669° do C.P.C. e subsidiariamente a sua nulidade, constante de fls...(cfr. Acórdão 95-344-1, de 26 de Junho de 1995 e Acórdão 90-158-1, de 22 de Maio de
1990 já citados no requerimento de interposição de recurso). [...]”.
7. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
“[...] A recorrente indica as alíneas b) e f), do n.º 1, do artigo 70º, da Lei do Tribunal Constitucional, como fundamento do recurso.
É, porém, manifesto, como vai ver-se, que não se verificam os pressupostos de admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional exigidos por qualquer daquelas alíneas.
7.1. O recurso previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 70º da LTC. Desde logo é totalmente descabida a invocação da alínea f), do n.º 1, do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, como fundamento do recurso. A alínea f) refere-se aos recursos de decisões que “apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e)”.
É, porém, manifesto, que não foi aplicada pela decisão recorrida qualquer norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com fundamento em: i) violação de lei de valor reforçado (alínea c); ii) violação do estatuto da região autónoma ou de lei geral da República – no caso de norma constante de diploma regional – (alínea d); ou, finalmente, iii) violação do estatuto da região autónoma ou de lei geral da República – no caso de norma emanada de órgão de soberania – (alínea e).
É, assim, por demais evidente - e não carece, por isso, de mais aprofundada demonstração - que não estão preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso exigidos pela alínea f) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que não se pode, com este fundamento, conhecer do seu objecto.
7.2. O recurso previsto na alínea b) do artigo 70º da LTC. Como este Tribunal tem afirmado, repetidamente, nada obsta a que, num recurso de constitucionalidade, seja questionada apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito. Porém, nesses casos, tem o recorrente o
ónus de indicar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que considera inconstitucional. Com efeito, como se disse, por exemplo, no Acórdão n.º 178/95 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., p.1118.) “tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 269/94, Diário da República, II Série, de 18 de Junho de
1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental”. No caso dos autos, porém, pode ver-se que a recorrente não consegue identificar, nem no requerimento de interposição do recurso, nem na resposta ao convite de fls. 630 - peças processuais que já transcrevemos nas partes ora relevantes -, nos termos claros e perceptíveis que vêm sendo exigidos por este Tribunal, a exacta interpretação normativa do artigo 732º-A do Código de Processo Civil que considera inconstitucional. No requerimento de interposição do recurso limitou-se a recorrente a remeter para “a interpretação com que foi aplicada [a norma do artigo 732º-A, n.º 2, do Código de Processo Civil] na decisão recorrida”. Ora, tal forma de proceder não
é suficiente para que se possa considerar cumprido o ónus referido supra. Efectivamente, dizer que se pretende ver apreciada a inconstitucionalidade de um preceito na interpretação que lhe é dada por uma decisão judicial não é ainda identificar essa interpretação normativa. Na verdade, ao limitar-se a remeter para a interpretação que lhe é dada pela decisão recorrida, a recorrente mais não está do que a transferir – de forma inadmissível – para o Tribunal ad quem – no caso o Tribunal Constitucional – o ónus, que sobre ela impende, de delimitar o objecto do recurso. Por isso mesmo foi a recorrente notificada para suprir a deficiência em falta, indicando “a exacta interpretação normativa do artigo 732º-A do Código de Processo Civil cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada”. A verdade, porém, é que, também no requerimento em que procurou responder a esta solicitação, a recorrente não foi capaz de formular, ao menos da forma clara e perceptível que vem sendo exigida por este Tribunal, uma questão de constitucionalidade normativa susceptível de integrar o recurso de constitucionalidade que pretendeu interpor, limitando-se a, depois de transcrever partes da fundamentação utilizada pela decisão recorrida, concluir que “esta interpretação normativa” - que, contudo, nunca identifica -, é inconstitucional. Assim, torna-se evidente que não pode conhecer-se do objecto do recurso interposto pelo recorrente, por manifesta falta de um dos seus pressupostos legais de admissibilidade, a saber: ter a recorrente identificado, no requerimento de interposição do recurso ou na resposta ao convite formulado pelo Relator, a exacta interpretação normativa do artigo 732º-A do Código de Processo Civil cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada pelo Tribunal Constitucional. Acresce que a não indicação da exacta interpretação normativa do preceito referido, cuja inconstitucionalidade a recorrente pretende ver apreciada, coloca ainda o Tribunal numa situação de verdadeira impossibilidade de verificar se se encontram preenchidos outros pressupostos de admissibilidade do recurso que pretendeu interpor (o previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 70º da LTC), ou seja: (i) saber se a recorrente suscitou, durante o processo, a inconstitucionalidade dessa dimensão normativa (ii) saber se a decisão recorrida utilizou, como ratio decidendi, a exacta dimensão normativa cuja inconstitucionalidade a recorrente pretende ver apreciada”.
8. Inconformado com esta decisão o recorrente apresentou, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, nº 3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência (fls. 658 A
669), que fundamenta nos seguintes termos
“[...]
1. Vem a presente reclamação apresentada da decisão sumária proferida pelo Exmo. Conselheiro Relator ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, a qual decidiu não tornar conhecimento do recurso.
2. Para tanto, fundamentou o Exmo. Conselheiro Relator a referida Decisão sumária (1) no não preenchimento dos pressupostos de admissibilidade do recurso exigidos pela alínea f) do n.º 1 do artigo 70º da L.T.C e (2) na manifesta falta de um dos pressupostos legais de admissibilidade do recurso exigido pela alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da L.T.C., a saber: ter a recorrente identificado, no requerimento de interposição do recurso ou na resposta ao convite formulado pelo Relator, a exacta interpretação normativa do artigo 732º-A do C.P.C. cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada.
3. Com todo o respeito devido, não pode a Recorrente concordar com este entendimento, porquanto é sua convicção ter cumprido o dever legal que sobre ela recai nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 75º-A da L.T.C., dever legal suficientemente densificado pela jurisprudência deste Venerando Tribunal.
4. Na verdade, ao contrário do que afirma a Decisão sumária reclamada, a Recorrente não se limita a remeter para a interpretação que é dada pelo Acórdão recorrido, transferindo de forma inadmissível para o Tribunal Constitucional o
ónus, que sobre ela impende, de delimitar o objecto do recurso.
5. Ao invés, e porque nada há de mais fidedigno do que a utilização das, próprias palavras do Acórdão recorrido, optou a Recorrente por citar as concretas passagens do Acórdão recorrido de onde se retira directamente a interpretação não conforme à Constituição da República Portuguesa. Efectivamente,
6. Quando, no ponto 12 do requerimento de fls. 638 a 643, vem a Recorrente dar cumprimento do convite efectuado pelo Exmo. Conselheiro Relator ao abrigo do art. 75º-A, n.º 5 da L.T.C. e afirma que, no seu entender, “esta interpretação normativa do art. 732º-A do C.P.C. não poderá ser aceite, razão pela qual se suscitou ( e pretende ver apreciada no âmbito deste recurso) a sua inconstitucionalidade (ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artº 70º da L.T.C.”.
7. Atendendo ao previamente vertido nos pontos 9 a 11 desse mesmo requerimento,
8. Afigura-se manifesto que a interpretação normativa do art. 732º-A do C.P.C que a Recorrente reputa de inconstitucional é aquela que foi feita pelo Acórdão de 18.02.2003 que apreciou o requerimento de reforma de fls. 558 a 589 e começa por afirmar que: a) Não é a possibilidade ou mera verosimilhança de vir a ser proferido um acórdão que acolhesse um ponto de vista incompatível com outro aresto que obriga o Relator, os Adjuntos ou o Presidente da Secção Cível a sugerir o julgamento ampliado (cfr. ponto 9), em virtude de, b) Tal julgamento apenas se justificar legalmente em condições realmente ponderosas (cfr. ponto 10).
9. Então, como facilmente se depreende do encadeamento do requerimento a que se tem vindo a fazer referência, em especial do alegado nos pontos 11 e 12, a interpretação do art. 732º-A do C.P.C. que se crê inconstitucional é aquela segunda a qual; i) A terminologia 'jurisprudência anteriormente firmada' utilizada no art. 732º
-A, n.º 1 do C.P.C., não sendo equivalente a jurisprudência uniformizada, não se aplica àquelas situações em que se trata apenas de um caso em que existe a possibilidade de um conf1ito pontual de jurisprudência, isto porque, ii) A revista ampliada não se destina a prevenir a mera possibilidade de contradição de dois concretos acórdãos. Em suma,
10. Tendo em especial consideração o exposto nos dois pontos anteriores, no entender da Recorrente, que se submete ao Douto julgamento deste Venerando Tribunal, é contrária à Lei Fundamental a interpretação do art. 732º- A do C.P.C. que não reconheça ao relator, a qualquer um dos adjuntos ou aos presidentes das secções cíveis o dever de sugerir, até à prolação do acórdão, que o julgamento do recurso se faça com intervenção do plenário das secções cíveis nas situações em que esteja em causa a “possibilidade de contradição de dois concretos acórdãos'.
11. Caso tivesse a Recorrente optado por usar palavras da sua autoria para identificar qual o sentido da interpretação feita pelo Acórdão recorrido considerada contrária à Lei Fundamental, correria o risco de ser ele própria incorrectamente interpretada e entender este Venerando Tribunal que a interpretação que a Recorrente havia indicado, não era aquela que fora efectivamente aplicada pelo Acórdão recorrido, concluindo pelo indeferimento do requerimento de interposição de recurso (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional de 21.02.1995, proferido no Proc. n.º 401/94, ín www.dgsi.pt).
12. Donde, conforme dispõem os Acórdãos n.ºs 269/94[1],178/95[2] e 366/96[3] deste Venerando Tribunal, a questão da constitucionalidade foi suscitada pela Recorrente da forma mais clara e perceptível possível, de modo que, sendo o recurso julgado procedente, pode o Tribunal Constitucional proferir Acórdão de forma a que os Exmos. Juizes Conselheiros responsáveis pela reforma do Acórdão recorrido, os outros destinatários daquele e os operadores jurídicos em geral saibam qual o sentido do art. 732º-A do C.P.C. que não pode ser adoptado, por ser incompatível. com a Constituição da República Portuguesa. Acresce que,
13. Na eventualidade de subsistir alguma dúvida sobre a impoluta conduta processual da Recorrente na interposição do presente recurso, o que só por mera cautela de patrocínio se pondera, sempre se recordará o disposto no Acórdão deste Venerando Tribunal de 22.03.1994[4], onde foi admitido e julgado um recurso interposto ao abrigo do art. 70º, n.º1, alínea b) da L.T.C., no qual a recorrente se limitou no requerimento de interposição a remeter para as suas alegações para a Relação e para o Supremo e somente dessas alegações, e não do próprio requerimento de interposição, resultava a norma e a interpretação que dela havia sido feita e que a recorrente defendia ser inconstitucional.
14. Para facilidade de referência por V. Exas., cita-se em seguida o que de relevante importa à presente reclamação: “No caso sub judice, a reclamante ainda que, reconheça-se, de forma não muito feliz após invocar o seu inconformismo perante o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, por violação das normas dos artigos 36º, nº 4 e 13º da Constituição da República Portuguesa, indicou as suas alegações para a Relação e para o Supremo como sendo as peças processuais «em que foi suscitada a questão da inconstitucionalidade do artigo 1793º do Código Civil», retirando-se da sua leitura que se pretendeu recorrer da interpretação restritiva dada a esta norma pelo acórdão, recusando a sua extensão por analogia.' Pelo que,
15. Ainda que se desse a circunstância de não ser suficiente o esclarecimento prestado pela Recorrente, a fls. 638 e seguintes, para apreciar da admissibilidade e conhecimento do presente recurso, haveria sempre que atender ao disposto no requerimento de reforma constante de fls. 558 a 589, onde foi suscitada a inconstitucionalidade e o qual é expressamente indicado logo no requerimento de interposição.
16. Isto porque, a Recorrente apresenta aí muito claramente qual a interpretação do art. 732º-A do C.P.C. que considera conforme à Constituição, não deixando no entanto de referir que qualquer entendimento em sentido contrário, como aquele que veio a ser seguido pelos Exmºs. Juizes Conselheiros do S.T.J., consubstancia uma interpretação inconstitucional por violação expressa dos arts. 13º, nº.1,
02º, n.º 2 e 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e dos princípios da segurança jurídica, da protecção da confiança dos cidadãos e da separação de poderes, que se extraem dos arts.2º e 9º, alínea b) e definido este pelo art.º 111º da Constituição. Por último,
17. Voltando ao citado Acórdão do Tribunal Constitucional de 22.03.1994, impõe-se também fazer notar que bastou então aos Exmºs. Juizes Conselheiros a circunstância de:
“O próprio despacho de não recebimento do recurso implicitamente o reconhece, ao referir que, para a recorrente, a alegada inconstitucionalidade «estará na interpretação que no acórdão se fez do artigo 1793º n.º 1 do Código Civil». Ou seja, considera-se que se verificam os pressupostos do recurso de constitucionalidade previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º
28/82, por estar em causa a constitucionalidade da interpretação dada pelo Supremo àquela norma, recusando-lhe uma extensão por analogia que, na óptica da recorrente e reclamante, será a interpretação conforme às normas dos artigos
36º, n.º 4 e 13º da Constituição da República.'
18. Ora, o Exmo. Conselheiro Relator reconhece inequivocamente que a inconstitucionalidade alegada pela Recorrente está na interpretação que no Acórdão do S.T.J. de 18.02.2003 se faz do art. 732º-A do C.P.C., tendo inclusive citado extensamente esse mesmo aresto, nomeadamente as passagens onde se procede
à interpretação do art. 732º-A do C.P.C..
19. Por seu turno, do requerimento de reforma de Acórdão apresentado pela Recorrente a fls. 558 e seguintes resulta uma interpretação do art.732º-A do C.P.C. consideravelmente menos restritiva do que aquela por que o Acórdão recorrido enveredou, ao entender não ser aplicável o regime da uniformização de jurisprudência previsto no art. 732º-A do C.P.C. às situações em que esteja em causa a mera possibilidade de contradição entre dois acórdãos em concreto.
20. É precisamente essa interpretação restritiva que se pretende seja apreciada e julgada em conformidade com as normas constitucionais.
21. Por conseguinte, sendo notório que a posição da Recorrente perante a inconstitucionalidade suscitada ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.70º da L.T.C. resulta clara e perceptível (inclusive, incomensuravelmente mais clara e perceptível do que aquela que é dada conhecer pela jurisprudência firmada no Acórdão do Tribunal Constitucional de 22.03.1994), deverá o presente recurso ser conhecido e julgado, sob pena de ser violado o disposto naquele preceito e nos arts. 75º-A, n.ºs 1 e 2 e 78º-A, n.ºs 1 e 2 da L.T.C.”.
9. A recorrida, notificada da presente reclamação, veio responder-lhe, concluindo que “deve (i) o requerimento [...] ser indeferido e confirmada a douta decisão reclamada ou, se assim se não entender, (ii) ser o presente recurso julgado imediatamente improcedente, por manifesta falta de fundamento, com todas as consequências legais”, conforme, em seu entender, decorreria do acórdão n.º 261/2002, publicado no Diário da República, II Série, de 24 de Julho de 2002.
Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
III – Fundamentação
10. A decisão reclamada concluiu pela impossibilidade de conhecer do objecto de um recurso que fora interposto pela ora reclamante ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, por falta dos respectivos pressupostos legais de admissibilidade.
A reclamante vem impugnar essa decisão, mas - como resulta inequivocamente da fundamentação que acompanha a presente reclamação - apenas na parte em que nela se considerou que não estavam preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 daquele artigo 70º da LTC, não questionando, de modo algum, a decisão quanto à manifesta falta do pressuposto legal de admissibilidade do recurso que pretendeu interpor ao abrigo da alínea f) daquele artigo.
No essencial, considera a ora reclamante que, ao contrário do que se decidiu na decisão reclamada, identificou suficientemente, no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional e/ou na resposta ao convite que lhe foi formulado para que desse cabal cumprimento ao disposto no artigo 75º-A da LTC, a exacta interpretação normativa do artigo 732º-A do Código de Processo Civil cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada.
10.1. Para sustentar esta posição alega, em primeiro lugar, que “ao contrário do que afirma a Decisão sumária reclamada (...) não se limita a remeter para a interpretação que é dada pelo Acórdão recorrido (...), ao invés e porque nada há de mais fidedigno do que a utilização das próprias palavras do Acórdão recorrido, optou a Recorrente por citar as concretas passagens do Acórdão recorrido de onde se retira directamente a interpretação não conforme à Constituição da República Portuguesa”.
Mas, como se ponderou já na decisão reclamada em termos que merecem a nossa inteira concordância, transcrever partes da fundamentação utilizada pela decisão recorrida (como a ora reclamante efectivamente fez nos pontos 9 a 11 da resposta ao convite do Relator para que desse cabal cumprimento ao disposto no art. 75º-A da L.T.C.) e, imediatamente a seguir (ponto 12 da mesma peça processual), concluir que a interpretação normativa que se extrai dessas passagens é inconstitucional, não é ainda identificar, de forma clara e perceptível, essa interpretação normativa; ou seja, a norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada. Pelo contrário é, precisamente como se ponderou na decisão reclamada, transferir para o Tribunal Constitucional esse ónus, que impende sobre o recorrente.
Identificar uma interpretação normativa é fazer, no mínimo, precisamente aquilo que a ora reclamante veio fazer, não, como devia, no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, ou, ao menos, na resposta ao convite que lhe foi expressamente formulado para que desse cabal cumprimento ao disposto no artigo 75º-A da LTC, mas apenas - embora agora já tarde demais -, no ponto 10. da presente reclamação. De facto, aí, depois de reiterar as passagens do acórdão de onde entende que se extrai a interpretação normativa que pretende ver apreciada, conclui: “no entender da Recorrente, que se submete ao Douto julgamento deste Venerando Tribunal, é contrária à Lei Fundamental a interpretação do art. 732º- A do C.P.C. que não reconheça ao relator, a qualquer um dos adjuntos ou aos presidentes das secções cíveis o dever de sugerir, até à prolação do acórdão, que o julgamento do recurso se faça com intervenção do plenário das secções cíveis nas situações em que esteja em causa a possibilidade de contradição de dois concretos acórdãos”. Ponto é que, ao só agora fazê-lo, não dissipou, em tempo útil e oportuno, a dúvida legítima sobre qual a verdadeira interpretação normativa do preceito que pretendia ver apreciada pelo Tribunal Constitucional. Nomeadamente, e para referir apenas três hipóteses possíveis em face das peças mencionadas pela reclamante, não dissipou, quando devia, a dúvida sobre se essa interpretação respeitava à “terminologia
«jurisprudência anteriormente firmada»”, ou seja, ao circunstancialismo de que depende a revista ampliada, à própria “falta de realização do julgamento com intervenção do plenário das secções” ou, como afinal veio a revelar na presente reclamação, à “inexistência de sugestão por parte do Exmº Relator, de qualquer dos seus adjuntos e do Presidente da Secção Cível a que o julgamento se fizesse com intervenção do plenário das secções cíveis”. Dúvida acrescida, na medida em que a terminologia usada na resposta ao convite do Relator não é coincidente com a utilizada nas peças processuais anteriores.
10.2. Alega ainda a recorrente que, “caso tivesse optado por usar palavras da sua autoria para identificar qual o sentido da interpretação feita pelo Acórdão recorrido considerada contrária à Lei Fundamental, correria o risco de ser ele própria incorrectamente interpretada e entender este Venerando Tribunal que a interpretação que a Recorrente havia indicado, não era aquela que fora efectivamente aplicada pelo Acórdão recorrido, concluindo pelo indeferimento do requerimento de interposição de recurso”.
Mas, como é evidente, não tem razão. Como resulta do que se disse imediatamente supra, para que esse risco não se concretizasse bastaria que a recorrente tivesse conseguido identificar, de forma clara e perceptível, a dimensão normativa, efectivamente aplicada pelo tribunal a quo, que pretendia ver apreciada no recurso de constitucionalidade. Ou seja, que fizesse algo de semelhante ao que foi agora capaz de fazer no ponto 10. da presente reclamação.
10.3. Alega, finalmente, que no anterior Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
238/94 (Diário da República, II Série, de 28 de Junho de 1995), “foi admitido e julgado um recurso interposto ao abrigo do art. 70º, n.º1, alínea b) da L.T.C., no qual a recorrente se limitou no requerimento de interposição a remeter para as suas alegações para a Relação e para o Supremo e somente dessas alegações, e não do próprio requerimento de interposição, resultava a norma e a interpretação que dela havia sido feita e que a recorrente defendia ser inconstitucional”. Conclui, assim, que “ainda que se desse a circunstância de não ser suficiente o esclarecimento prestado pela Recorrente, a fls. 638 e seguintes, para apreciar da admissibilidade e conhecimento do presente recurso, haveria sempre que atender ao disposto no requerimento de reforma constante de fls. 558 a 589, onde foi suscitada a inconstitucionalidade e o qual é expressamente indicado logo no requerimento de interposição”, e isto porque “a Recorrente apresenta aí muito claramente qual a interpretação do art. 732º-A do C.P.C. que considera conforme
à Constituição, não deixando no entanto de referir que qualquer entendimento em sentido contrário, como aquele que veio a ser seguido pelos Exmºs. Juizes Conselheiros do S.T.J., consubstancia uma interpretação inconstitucional [...]”.
Em suma: entende a Reclamante que a exacta interpretação normativa do artigo
732º-A do CPC, cuja inconstitucionalidade se pretendia ver apreciada está suficientemente identificada no requerimento de interposição do recurso, ainda que de forma implícita através da identificação da peça processual onde a questão de constitucionalidade foi suscitada durante o processo, o que, como se terá admitido no Acórdão n.º 238/94 (já citado), seria suficiente para que se pudesse considerar cumprido o ónus, a que se refere o artigo 75º-A, n.º 1, da LTC, de identificar, no requerimento de interposição do recurso, a norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada.
Ora, independentemente da bondade do acórdão citado em relação às circunstâncias concretas do respectivo caso, que, manifestamente, não cabe aqui questionar, o facto é que, no presente caso, não tem cabimento decisão semelhante à proferida naquele acórdão. De facto, em nenhuma das peças do processo, até à presente reclamação, consegue a reclamante identificar, nos termos claros e perceptíveis que vêm sendo exigidos por este Tribunal, a exacta interpretação normativa do artigo 732º-A do Código de Processo Civil, de entre as várias plausíveis, que considerava inconstitucional. E, para o concluir, basta reler o que consta dessas peças e comparar com o que veio a ser afirmado no ponto 10 da presente reclamação.
Uma última referência se impõe ao argumento aduzido pela reclamante no sentido de que o “[...] Relator reconhece inequivocamente que a inconstitucionalidade alegada pela Recorrente está na interpretação que no Acórdão do S.T.J. de
18.02.2003 se faz do art. 732º-A do C.P.C., tendo inclusive citado extensamente esse mesmo aresto, nomeadamente as passagens onde se procede à interpretação do art. 732º-A do C.P.C”. De facto, na decisão reclamada é feita a transcrição integral da fundamentação da decisão então recorrida. Mas, ao contrário do que se afirma na reclamação, tal transcrição evidenciava, precisamente e com clareza, que, face à decisão recorrida e perante as peças processuais relevantes apresentadas pela reclamante, não era possível, da sua leitura, retirar a interpretação de que se pretendia recorrer. Aliás, a poder concluir-se diferentemente, e no sentido agora elucidado pela reclamante, sempre se teria de questionar se a pretensão não seria manifestamente infundada.
Assim sendo, e igualmente pelas razões já constantes da decisão reclamada, que mantém inteira validade, é efectivamente de não conhecer do objecto do recurso que a ora reclamante pretendeu interpor, ficando precludida a possibilidade de apreciação de um carácter manifestamente infundado do mesmo.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 3 de Julho de 2003 Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida
[1] Proferido no Proc. nº 874/93 e publicado no D.R., II Série, de 18.06.1994.
[2] Proferido no Proc. nº 178/95 e publicado no D.R., II Série, de 21.06.1995.
[3] Proferido no Proc. nº 226/94, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º Volume, 1996, pág. 525.
[4] Proferido no Proc. nº 715/93, in B.M.J. nº 435, pág. 389.