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Proc. n.º 794/02
2ª Secção Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – O relatório
1. A., identificado nos autos, recorre para este Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (doravante designada por LTC), e no art.º 280.º, n.º 1, al. a) da Constituição da República Portuguesa
(doravante designada por CRP), do Acórdão, de 27 de Julho de 2002, do Tribunal da Relação de Guimarães, na parte em que este decidiu negar provimento ao recurso interposto da sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães que, desaplicando por as ter por inconstitucionais a norma do n.º 5 do art.º 24.º e de forma subsequente, também, a norma constante do art.º 26.º, n.º 1, ambas do Código das Expropriações de 1991 aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro (doravante designado por CE/91), decidiu qualificar como “solo apto para a construção” a parcela de terreno cuja utilidade pública de expropriação urgente foi declarada por despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas de
15/01/99, por delegação do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, publicado no Diário da República n.º 28, II Série, de 03/02/99, em causa nos autos, pretendendo que se aprecie a sua conformidade constitucional com os princípios da justa indemnização e da igualdade, consagrados, respectivamente, no art.os 62.º, n.º 2 e 13.º da CRP.
2. Na parte útil ao tema deste recurso, o Acórdão recorrido discreteou pelo modo seguinte:
«A questão genérica colocada no recurso consiste na concretização do princípio da justa indemnização, isto é, se o valor atribuído, na sentença recorrida, corresponde ao valor real corrente do terreno expropriado. Mas, o problema nuclear está na qualificação da parcela expropriada como solo
'apto para a construção' ou ' para outros fins'. Ou doutro modo, saber se o facto do terreno expropriado se situar na zona da R.A.N. obsta, por si só, a que esse terreno possa ser considerado e avaliado como 'apto para construção'. Sobre o princípio da indemnização justa, importa salientar que, estando consagrado constitucionalmente o direito de propriedade privada (art. 62.º, n° 1 da CRP), a privação desta, por acto de autoridade administrativa e por motivo de utilidade pública, impõe à entidade expropriante o pagamento de 'indemnização adequada' ou de 'justa indemnização', que terá de corresponder a uma compensação pecuniária pelos danos patrimoniais resultantes da expropriação (art. 62.º n° 2 CRP e art.1 do Código das Expropriações). Para a adequada reconstituição da lesão patrimonial infringida ao expropriado, em processo de expropriação por utilidade pública, no qual o juiz tem de fixar uma indemnização certa e onde a avaliação é obrigatória, é indispensável que esta forneça todos os dados necessários para se decidir, sendo imperativo que os Peritos justifiquem o seu laudo, pronunciando-se fundamentalmente sobre o respectivo objecto (art. 586.º nº 1 CPC). Daí a razão de um relatório de avaliação suficientemente fundamentado, nomeadamente, quando a opinião dos Peritos diverge, mormente quando a divergência no valor da indemnização é considerável, como sucede no caso dos autos. Numa situação como esta, havendo divergências tão profundas dos Peritos na avaliação da parcela expropriada, é imprescindível que o juiz tenha possibilidade de optar, na decisão das diversas questões, entre as avaliações que apresentarem melhor fundamentação técnica. Como refere o Ac. da Rel. do Porto de 29.03.99 (BMJ-425, 627), no julgamento da matéria de facto, o tribunal pode afastar-se do laudo dos peritos, ainda que unânime, por mais qualificados que eles sejam, por não ser inacessível aos juízes o controlo do raciocínio que conduziu os peritos à formulação do seu laudo'.
É na qualificação do solo da parcela expropriada que se iniciam as divergências entre os dois laudos: o laudo do Perito da expropriada faz o cálculo da indemnização na base da consideração de se tratar de solo “apto para construção', enquanto os Peritos maioritários partem da consideração de se estar em presença de solo 'apto para outros fins'. De acordo com o Regulamento do Plano Director Municipal de Guimarães, a parcela de terreno expropriada enquadra-se numa zona classificada como zona de Salvaguarda Estrita que é constituída pelas áreas da Reserva Agrícola Nacional, Reserva Ecológica Nacional e zona 'non aedificandi'. Aqui, como acima ficou enunciado, está o cerne da questão, de tal modo que se impõe perguntar se tal facto conduz necessariamente à classificação da parcela expropriada como solo 'apto para outros fins', não podendo concluir-se pela qualificação de solo 'apto para a construção'.
O art. 24 n° 5 do C. das Expropriações de 1991 (aplicável ao caso) dispõe que '
é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção'. O Tribunal Constitucional já decidiu julgar inconstitucional a citada norma legal, pela violação dos princípios da justiça proporcionalidade, 'enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de 'solo apto para construção' os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola' (Ac. n° 267/97-DR-II-Série, de 21.05.97).
É certo que quando o terreno é integrado na RAN não ocorre um esvaziamento total do conteúdo essencial do direito de propriedade do solo. O particular continua titular de um direito de propriedade sobre o terreno. Porém, ao ser afectado, por motivo de interesse público, à RAN, o direito sobre o solo sofre restrições: além de os proprietários nele não poderem construir, se o venderem, apenas poderão contar, como elemento valorativo do terreno, com a sua capacidade e fim agrícola. Na esteira do Ac. da R. Porto, de 20.11.97 (CJ-1997-V-199), falando-se sobre os requisitos enumerados no art. 24 do CE de 1991, para se determinar se o solo é
'apto para construção' ou 'outros fins', 'da conjugação da al. a) do n° 2° do art. 24, com os n° 2° e 3° do art. 25 resulta que deve classificar-se como terreno apto para construção aquele que disponha apenas de acesso rodoviário, sem pavimento em calçada ou equivalente'.
'A existência das outras infra-estruturas referidas na alínea em causa revelará, assim, para efeitos da cálculo do valor do solo apto para construção, não para a classificação do mesmo como solo apto para construção ou solo apto para outros fins' (cf. Ac. da RP., de 27.06.00 junto a fls. 516-520 do proc. 827/01 ). Deste modo, a classificação de solo apto para construção não depende da existência cumulativa de todas as infra-estruturas referidas no mencionado preceito. E também na esteira da jurisprudência dominante, recorda-se ainda que 'se o terreno for expropriado para nele se instalar um equipamento urbano previsto em plano municipal – hospital, estabelecimento de ensino ou qualquer construção urbana – temos de concluir que adquirirá as características descritas na alínea a), isto é, que vai dispor das necessárias infra - estruturas'. No caso dos autos, a parcela foi expropriada para construção da obra 'EN
------Variante de ----------' (D.R., a fls. 70) e segundo o PDM de -------- encontra-se inserida na R.A.N. Como se referiu, de acordo com o n° 5 do art. 24 do CE de 1991, 'é equiparado a solo para outros fins, o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção'. A classificação do solo e a sua efectiva utilização para efeitos de construção são coisas distintas, pelo que tal normativo legal não pode ser objecto de interpretação literal, no sentido da equiparação a solo para outros fins àquele que por lei ou regulamento não possa ser utilizado na construção. O entendimento mais corrente da doutrina e da jurisprudência vai no sentido de a integração na RAN 'não implicar, de per si, a extinção das potencialidades edificativas dos respectivos solos, já que a lei prevê várias excepções ao regime proibitivo de construção e ainda porque as delimitações da RAN podem sempre ser alteradas pela Administração, com a consequente expansão do conteúdo do direito de propriedade' (cf. Osvaldo Gomes-Expropriações por Utilidade Pública, 243; Acs. da Rel. do Porto- CJ-1989-V-205 e CJ-1991-I-246; Ac. Rei.
Évora-CJ- 1993-II-261 e Ac. Rei. Porto junto aos autos a fls. 166 a 170).»
3. Nas alegações de recurso para este Tribunal Constitucional, o recorrente refutou o juízo feito pelas instâncias quanto á não conformidade constitucional do art.º 24.º, n.º 5 e, subsequentemente, do art.º 26.º, n.º 1 do CE/91, concluindo pelo seguinte modo:
«1ª. Nos terrenos incluídos em RAN ou REN a ineptidão para a edificação é anterior ao plano e resulta da 'função social', da 'vinculação social' ou da 'vinculação situacional' da propriedade que incide sobre aqueles terrenos.
2ª. Estando o valor venal do prédio expropriado limitado em consequência da existência de uma legítima restrição legal ao 'jus aedificandi' – resultante da inserção de terrenos especialmente adequados à actividade agrícola na RAN – e não tendo o proprietário qualquer expectativa razoável de os ver desafectados e destinados à construção por particulares, não pode invocar-se o princípio da
'justa indemnização' de modo a ver reflectido no montante indemnizatório arbitrado ao expropriado uma potencialidade edificativa dos terrenos, que se configura como legalmente inexistente.
3ª. Destinando-se a desanexação da Reserva Agrícola exclusivamente à construção de uma via de comunicação – e não à transformação de prédio até então legalmente
'rústico' em 'urbano' – a parcela de terreno expropriado não passou a deter, supervenientemente ao acto expropriativo, qualquer aptidão edificativa, sendo a especial afectação de parcela à construção de tal via pública de comunicação absolutamente incompatível com qualquer vocação edificativa do terreno expropriado.
4ª. A avaliação do solo da parcela de acordo com art. 26.°/1 do CE/91 é uma exigência do princípio da 'justa indemnização', constante do art. 62.°/2 da CRP.
5ª. O acórdão em crise recusou a aplicação das normas contidas no n.° 5 do artigo 24.° e no n.° 1 do artigo 26.°, ambos do CE/91.
6ª. Não enfermam de inconstitucionalidade as normas contidas nesses artigos quando interpretadas no sentido de excluírem a avaliação segundo a sua potencialidade edificativa (nos termos do n.° 2 do artigo 26.° do mesmo Código) os solos, integrados na RAN e na REN, expropriados para implantação de vias de comunicação.
7ª. Não se vislumbra, no caso dos autos, qualquer actuação pré-ordenada da Administração, traduzida em 'manipulação das regras urbanísticas', com vista a desvalorizar artificiosamente o terreno, reservado ao uso agrícola, para mais tarde o adquirir por um valor degradado, destinando-o então à construção de edificações urbanas de interesse público o que afasta decisivamente a aplicação da jurisprudência firmada no acórdão nº. 267/97.
8ª. A douta sentença em crise, salvo melhor opinião, violou - entre outros - os art.os 13.° e 62.° da CRP, bem como os art.os 1°, 22.°/2, 24.°/1 e 5 e 26.°/1 do CE/91».
4. Por seu lado, a recorrida B., contra-alegou defendendo o juízo de inconstitucionalidade feito pelas instâncias, sintetizando as suas razões nas seguintes proposições conclusivas:
A.- A parcela em causa nos presentes autos foi destacada do mesmo prédio,
'---------------', da ora aqui recorrida, donde havia sido destacada a parcela n.º ---------, no processo de expropriação n.º ------/96, do 1º Juízo Cível do Tribunal de Guimarães;
B.- Naquele proc. n.º -------/96, foi a respectiva parcela classificada e avaliada como solo apto para a construção, e como tal fixada a respectiva indemnização, pelo que o respeito pelos princípios constitucionais da igualdade, e também da justiça e da proporcionalidade, impõe que o mesmo suceda com a parcela ora aqui expropriada,
C.- Tanto mais que os dois processos se regem pela mesma lei substantiva, o C.E./91, e em ambas se suscitava a questão de terrenos da Reserva Agrícola Nacional.
D.- Todos os prédios rústicos em relação aos quais se verifiquem os condicionalismos previstos nas várias alíneas do n.º 2 do art. 24.º do CE/91, são classificados, sem mais, como solos aptos para a construção e avaliados segundo os critérios estabelecidos no art. 25º do mesmo diploma legal.
E.- Ora, face à matéria fáctica apurada nos autos, é indiscutível que a parcela em causa tem de ser classificada e avaliada como solo apto para a construção, em conformidade com os art.os 24.º n.º 2 e 25º do CE/91.
F.- Se, porventura, assim se não pudesse entender, o que se não concebe nem concede, então teria a mesma de ser necessariamente classificada e avaliada como solo para outros fins, em conformidade com os art.os 24.º n.º 1 al.ª b) e n.º 4 e 26.º n.º 1 do CE/91.
G.- E na avaliação destes solos e, consequentemente, na fixação da sua indemnização tem de atender-se, além do mais, a todas as 'circunstâncias objectivas susceptíveis de influírem no respectivo cálculo”, nessas circunstâncias se incluindo necessariamente as potencialidades edificativas do respectivo solo.
H.- Só um tal entendimento a dar aos normativos legais acima referidos permite o integral respeito e observância dos princípios constitucionais da 'justa indemnização' e da 'igualdade', consagrados, respectivamente, nos art.os 62º n.º
2 e 13.º n.º 1 da CRP.
I.- Decidindo em conformidade com o aqui expresso e, consequentemente, negando provimento ao recurso, fará este Tribunal Constitucional uma correcta interpretação da Lei e a mais elementar».
Com os vistos dos senhores juizes cumpre decidir.
B – A fundamentação
5. A questão decidenda
É a de saber se as normas constantes do n.º 5 do art.º 24.º e do art.º 26.º, n.º 1 do CE/91, interpretadas por forma a excluir da classificação como solo apto para construção e terrenos integrados na RAN expropriados para a construção de vias de comunicação, não violam os princípios constitucionais da justa indemnização, da igualdade e da proporcionalidade que são consagrados, respectivamente, pelos art.os 62.º, n.º 2, 13.º, n.º 1 e 18.º, n.º 2 da CRP.
6. Do mérito do recurso.
6.1. As normas cuja conformidade constitucional se questiona têm a seguinte redacção, transcrevendo-se os artigos em que as mesmas se integram para maior facilidade da apreensão do seu sentido:
«Artigo 24.º
Classificação de solos
1 – Para efeito do cálculo da indemnização por expropriação, o solo classifica-se em: a) Solo apto para construção; b) Solo para outros fins.
2 – Considera-se solo apto para a construção: a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com as características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir; b) O que pertença a núcleo urbano não equiparado com todas as infra-estruturas referidas na alínea anterior, mas que se encontre consolidado por as edificações ocuparem dois terços da área apta para o efeito; c) O que esteja destinado, de acordo com o plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, a adquirir as características descritas na alínea a); d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possua, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública.
3 – Para efeitos da aplicação do presente Código é equiparada a solo apto para a construção a área de implantação e o logradouro das construções isoladas até ao limite do lote padrão, entendendo-se este como a soma da área de implantação da construção e da área de logradouro até ao dobro da primeira.
4 – Considera-se solo para outros fins o que não é abrangido pelo estatuído nos dois números anteriores.
5 – Para efeitos da aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção.»
Artigo 26.º
Cálculo do valor do solo para outros fins
1- O valor dos solos para outros fins será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo ou do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influírem no respectivo cálculo.
2 – Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde ou de lazer por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 metros do limite da parcela expropriada.
6.2. Antes de mais cumpre notar que o art.º 26.º, n.º 1 do CE/91 foi desaplicado, não com base em qualquer juízo autónomo sobre a sua não conformidade com quaisquer parâmetros constitucionais, mas apenas como simples consequência lógica do decidido quanto à não conformidade constitucional da norma constante do n.º 5 do art.º 24.º do CE/91. Assim sendo, também não há que resolver autonomamente a questão da sua conformidade constitucional.
6.3. O art.º 62.º, n.º 2 da CRP prescreve que a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada com base na lei e mediante o pagamento de “justa indemnização”. Não diz explicitamente, todavia, tal comando constitucional o que deve ter-se por justa indemnização e, muito menos, os factores ou critérios de cuja aplicação a mesma resulta. Sendo assim, não pode deixar de reconhecer-se ao legislador ordinário uma certa discricionariedade normativo-constitutiva quanto à conformação desses critérios. Ponto é que eles se revelem como modos adequados de realizar essa justa indemnização que este Tribunal reconheceu ser, a propósito da inconformidade constitucional dos n.os 1 e 2 do art.º 30.º do Código das Expropriações de 1976
(aprovado pelo DL. n.º 845/76, de 11/12), um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, pelo que as restrições que lhe forem impostas se devem limitar ao necessário para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (cf. Acórdãos n.os 131/88 e 52/90, publicados, respectivamente, no Diário da República, I Série, de 29 de Junho de 1988 e de 30 de Março de 1990, respectivamente), o que, então, não acontecia relativamente aos terrenos que se situassem fora dos aglomerados urbanos ou em zonas diferenciadas desses mesmos aglomerados em que não se levava em conta a potencial aptidão edificativa e com o que saíam violados os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade dos cidadãos perante a lei. É dentro desta perspectiva, segundo a qual “o ius aedificandi deveria ser considerado como um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa”, que devem ser entendidos os critérios estabelecidos pelo art.º 24.º do CE/91 de divisão dos solos em solos aptos para a construção e solos para outros fins e a densificação que o mesmo artigo faz de tais conceitos. Aliás, cabe registar, aqui, que à conformação de tais critérios não foi alheia, como se verifica pelo discurso do exórdio do diploma que aprovou o código, quer a vinculação constitucional referida, quer o entendimento que dela fazia a jurisprudência constitucional relativamente à não consideração da aptidão edificativa dos solos expropriados nas apontadas circunstâncias. Daí que o legislador tenha construído os referidos critérios em torno da ideia da existência ou inexistência da potencial aptidão edificativa dos solos, revelada não pela simples existência do solo, dado que, em princípio, “todo o solo, incluindo o integrado em prédios rústicos, é passível de construção”, mas pela
“situação” em que esses solos se encontram no que tange à sua sujeição ou não sujeição a restrições ou até proibições de construir decorrentes da lei ou de regulamento e por esta tidas como constitucionalmente necessárias e adequadas.
6.4. A questão da densificação do conceito constitucional de justa indemnização e a sua imbricação com o direito de edificar enquanto factor de fixação valorativa, pelo menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa, já foi objecto de inúmeras decisões deste Tribunal. Assim, no Acórdão n.º 194/97 (Diário da República, II Série, de 27 de Janeiro de
1999), que concluiu pela conformidade constitucional das normas das várias alíneas do n.º 2 do art.º 24.º, precisamente do CE/91, aos princípios da justa indemnização e da igualdade, consagrado no art.º 13.º da CRP, escreveu-se, fazendo uma resenha da evolução legislativa e jurisprudencial verificada:
«5.1. No domínio do Código das Expropriações de 1976 (aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro), a questão da justa indemnização a pagar aos particulares pela expropriação dos seus terrenos para fins de utilidade pública foi objecto de inúmeras decisões deste Tribunal, que acabou por declarar inconstitucionais, com força obrigatória geral, os nºs 1 e 2 do artigo 30º daquele Código.
Ponderou então o Tribunal que, sendo o direito à justa indemnização um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, as restrições que lhe forem impostas devem limitar-se ao necessário para a salvaguarda de outros direitos ou interesse constitucionalmente protegidos. Ora
- frisou -, nos nºs 1 e 2 daquele artigo 30º, para o cálculo do montante da indemnização a pagar aos expropriados, não se levava em linha de conta a potencial aptidão edificativa dos terrenos que se situassem fora dos aglomerados urbanos ou em zonas diferenciadas desses mesmos aglomerados - com o que se violavam os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade dos cidadãos perante a lei (cf. Acórdãos nºs 131/88 e 52/90, publicados no Diário da República, I série, de 29 de Junho de 1988 e de 30 de Março de 1990, respectivamente).
Claro é que - como nessa jurisprudência se acentuou - a Constituição não tutela expressamente o direito a edificar como um direito que se inclua, necessária e naturalmente, no direito de propriedade. Apesar disso, porém - sublinhou-se no Acórdão n.º 341/86 (publicado no Diário da República, II série, de 19 de Março de 1987) e repetiu-se no citado Acórdão n.º 131/88 - parece que,
'mesmo naqueles casos em que a Administração impõe aos particulares certos vínculos que, sem subtraírem o bem objecto do vínculo, lhe diminuem, contudo, a utilitas rei, se deverá configurar o direito a uma indemnização, ao menos quando verificados certos pressupostos'. E mais: o ius aedificandi 'deverá ser considerado como um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva capacidade edificativa'.
A indemnização, com efeito, só é justa se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que efectivamente ele sofreu. Não pode, por isso, ser de montante tão reduzido que a torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser desproporcionada à perda do bem expropriado. Não deve, assim, atender a factores especulativos ou outros que distorçam, para mais ou para menos, a proporção que deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela (cf., sobre isto, FERNANDO ALVES CORREIA, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1990, p. 533).
Há, pois - como se sublinhou no Acórdão n.º 184/92 (publicado no Diário da República, II série, de 18 de Setembro de 1992) -, que observar aqui um princípio de igualdade e de proporcionalidade - um princípio de justiça, em suma.
A Constituição, impondo que a indemnização a pagar ao expropriado seja justa, exige, na verdade, que o legislador ordinário defina um critério do quantum indemnizatório capaz de realizar o princípio da igualdade dos expropriados entre si e destes com os não expropriados.
É que, a expropriação por utilidade pública - que é imposta aos particulares em vista da satisfação de um determinado interesse público - coloca aqueles que a sofrem numa situação de desigualdade em confronto com os demais cidadãos.
Ora, num Estado de Direito, tem que haver igualdade de tratamento, designadamente perante os encargos públicos. Por isso, a desigualdade imposta pela expropriação tem que compensar-se com o pagamento de uma indemnização que assegure 'uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado' (cf. o citado Acórdão n.º 52/90 e o Acórdão 381/89, publicado no Diário da República, II série, de 8 de Setembro de 1989). Só desse modo, com efeito, se restabelecerá o equilíbrio que a igualdade postula.
O princípio da igualdade, por outro lado, proíbe se dê tratamento jurídico desigual aos expropriados colocados em idêntica situação, só podendo estabelecer-se distinções de tratamento ali onde exista um fundamento material para tanto. Por isso, não é constitucionalmente admissível que a alguns expropriados se imponha uma 'onerosidade forçada e acrescida' sem que exista justificação material para a diferença de tratamento (cf. o citado Acórdão n.º
131/88); - recte, do ponto de vista constitucional, é inadmissível, por exemplo, que, 'em regra, se atenda ao valor real e corrente dos prédios expropriados e que nas situações particulares dos n.os 1 e 2 do artigo 30.º do Código das Expropriações (de 1986) se considere, em muitos casos, um valor abaixo do real e corrente' (cf. o Acórdão n.º 109/88, publicado no Diário da República, II série, de 1 de Setembro de 1988).
O desiderato de justiça, postulado pelo reconhecimento de um direito fundamental dos expropriados ao recebimento de uma justa indemnização pela perda do bem de que são privados por razões de utilidade pública, alcança-se, seguramente, quando o legislador opta pelo critério do valor do mercado do bem expropriado.
Outros critérios são, porém, possíveis. Questão é que eles realizem os princípios de justiça, de igualdade e de proporcionalidade que a indemnização tem que cumprir - acentuou-se no já citado Acórdão n.º 184/92.
5.2. No novo Código das Expropriações (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro), o legislador teve em conta a jurisprudência do Tribunal Constitucional, cujos traços essenciais se indicaram e que aqui se adopta na
íntegra.
Depois de citar expressamente os Acórdãos n.os 131/88 e 52/90, acima referidos, escreveu-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 438/91:
Relativamente à jurisprudência do Tribunal Constitucional, e partindo da ideia básica desta jurisprudência de que a não consagração na lei da potencial aptidão de edificabilidade dos terrenos expropriados e localizados fora dos aglomerados urbanos ou em zona diferenciada de aglomerado urbano violaria os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade dos cidadãos perante a lei
(artigos 62º, nº2, e 13º, n.º 1, da Constituição), entendeu-se, para efeitos do valor a atribuir aos particulares pela expropriação dos seus terrenos, classificar o solo em apto para a construção e para outros fins.
O legislador começou por acentuar que a indemnização 'não visa compensar o benefício alcançado, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação', e, logo a seguir, definiu como critério ou medida geral dessa indemnização o valor do bem expropriado, 'tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública' (cf. artigo 22º, n.º 2).
Para o efeito do cálculo dessa indemnização, o legislador deixou de classificar os terrenos em terrenos situados fora dos aglomerados urbanos, em zona diferenciada do aglomerado urbano ou em aglomerado urbano. Passou, antes, a classificá-los em solo apto para construção e solo para outros fins (cf. artigo
24º, n.º 1), à semelhança do que fazia o Decreto-Lei n.º 576/70, de 24 de Novembro, que falava em terrenos para construção e terrenos para outros fins
(cf. artigo 6º e 7º).
No artigo 24º, n.º 2, - que é a norma que aqui está sub iudicio -, passou o legislador a definir o que é um solo apto para construção. Dispõe-se aí, com efeito:
[...]
O legislador, ao definir solo apto para construção, não adoptou 'um critério abstracto de aptidão edificatória já que, abstracta ou teoricamente, todo o solo, incluído o integrado em prédios rústicos, é passível de edificação -, mas antes um critério concreto de potencialidade edificativa' sublinha Fernando Alves Correia, na Introdução ao Código das Expropriações e outra Legislação Sobre Expropriações por Utilidade Pública, Aequitas, Editorial Notícias, 1992.
O legislador, ao proceder à identificação dos solos aptos para a construção, teve, na verdade, em conta - como refere o mesmo Autor (loc. cit.) - 'elementos certos e objectivos, espelhados na dotação do solo com infraestruturas urbanísticas [artigo 24.º, n.º 2, alínea a)], na sua inserção em núcleo urbano
[artigo 24.º, n.º 2, alínea b)], na qualificação do solo como área de edificação por um plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz [artigo
24.º, n.º 2, alínea c)] ou na cobertura do mesmo por alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública
[artigo 24.º, n.º 2, alínea d)]'.
5.3. Esta definição de solo apto para a construção, assente nos elementos certos e objectivos apontados, será capaz de responder satisfatoriamente ao desiderato de justiça de que antes se falou como achando-se implicado no direito fundamental do expropriado a uma justa indemnização?
Perguntando de outro modo: será que uma tal definição conduz a que, no cálculo do valor dos bens expropriados, o ius aedificandi seja, efectivamente, considerado 'como um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa'?
A resposta tem que ser afirmativa.
Na verdade, só pode dizer-se que os bens expropriados envolvem 'uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa', quando, no mínimo, estejam destinados a ser dotados de infraestruturas urbanísticas, 'de acordo com plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz' [alínea c) do n.º 2 do artigo 24º] ou, pelo menos, quando possuam 'alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública' [alínea d) do n.º 2 do artigo 24º].
Se, como pretendem os recorrentes, não devesse exigir-se, para o reconhecimento da aptidão edificativa de um terreno, a sua prévia qualificação como solo para construção por um 'plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz' ou a existência de um 'alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública', o resultado seria, muito decerto, ter que reconhecer-se essa capacidade a quase todos os terrenos, senão mesmo a todos eles. A tanto conduziria, com efeito, o critério que propõem de se reconhecer aptidão construtiva 'por parâmetros objectivos e naturais', como, aliás, parece inculcar a sua afirmação 'havendo sempre lugar à indemnização, no caso de expropriação, tendo em conta a valorização natural quanto à aptidão construtiva de um terreno expropriado'.
É que, em teoria, seria, de facto, possível construir em todos os solos, mesmo que incluídos na Reserva Agrícola Nacional (disciplinada pelo Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho) ou na Reserva Ecológica Nacional (regulada pelo Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março) e, mesmo, sem observar os respectivos planos municipais de ordenamento do território (planos directores municipais, planos de urbanização ou planos de pormenor. Cf. o Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março), senão, inclusive, sem loteamento (cujo regime jurídico consta do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, alterado pelos Decretos-Lei n.º
302/94, de 18 de Dezembro e 334/95, de 28 de Dezembro, tendo este último sido alterado pela Lei n.º 26/94, de 1 de Agosto) ou sem licença de construção (sobre o licenciamento das obras dos particulares, cf. o Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, que o republicou, e pela Lei n.º 22/96, de 26 de Julho).
Mais ainda: se não se exigisse que a capacidade edificativa do terreno expropriado existisse já no momento da declaração de utilidade pública, poderiam criar-se artificialmente factores de valorização que, depois, iriam distorcer a avaliação. E, então, a indemnização podia deixar de traduzir apenas 'uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado' (cf. citado Acórdão n.º 381/89) e ser 'desproporcionada à perda do bem expropriado' (cf. Acórdão n.º 184/92, citado).
Ora, só quando os terrenos expropriados 'envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa' (cf. o citado Acórdão n.º 131/88) é que se impõe constitucionalmente que, na determinação do valor do terreno expropriado, se considere o ius aedificandi entre os factores de valorização. Tal, porém, só acontece, quando essa potencialidade edificativa seja uma realidade, e não também quando seja uma simples possibilidade abstracta sem qualquer concretização nos planos municipais de ordenamento, num alvará de loteamento ou numa licença de construção.
A definição de solo apto para a construção, constante das várias alíneas do n.º 2 do artigo 24º, responde, pois, às exigências feitas pelo princípio constitucional da justa indemnização, consagrado no artigo 62º, n.º 2, da Lei Fundamental.
Como tais normas se adequam à finalidade de assegurar o pagamento de indemnizações justas aos expropriados, não desfavorecem elas o expropriado no confronto com os proprietários não abrangidos pela expropriação -, e, por isso, não violam o princípio da igualdade, no âmbito externo. E, como não estabelecem distinções de tratamento entre terrenos que se encontrem em situação idêntica, não violam a igualdade entre os expropriados».
6.5. Por seu lado, mais recentemente, escreveu-se no mesmo sentido no Acórdão n.º 243/2001 (Diário da República, II Série, de 4 de Julho de 2001):
«Ora, a indemnização só é justa, se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que efectivamente sofreu. Não pode ser de montante tão reduzido que a torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser desproporcionada
à perda do bem expropriado. E, por isso, não deve atender a factores especulativos ou outros que distorçam a proporção que deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela, para mais ou para menos. Há, consequentemente, que observar aqui um princípio de igualdade e de proporcionalidade – um princípio de justiça, em suma. O quantum indemnizatório a pagar a cada expropriado há-de realizar a igualdade dos expropriados entre si e a destes com os não expropriados: trata-se de assegurar que haja igualdade de tratamento perante os encargos públicos. O desiderato de justiça, postulado pelo reconhecimento do direito fundamental dos expropriados ao recebimento de uma justa indemnização pela perda do bem de que são privados por razões de utilidade pública – sublinhou-se no Acórdão n.º
194/97 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 36º, página
407) – alcança-se, seguramente, quando o legislador opta pelo critério do valor do mercado do bem expropriado, mas são possíveis outros critérios. Questão é que realizem os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade que a indemnização tem que cumprir. Ora, quando os solos tenham aptidão edificativa, os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade só são respeitados, se essa potencialidade for levada em conta no cálculo da indemnização a pagar ao expropriado. Sublinhou-se a propósito no Acórdão n.º 131/88 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 11º, página 475), repetindo o que se escrevera no Acórdão n.º 341/86, que o ius aedificandi deve ser considerado como 'um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva capacidade edificativa'
No citado Acórdão n.º 194/97, o Tribunal concluiu que as normas constantes das várias alíneas do n.º 2 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991 não são inconstitucionais, pois que não violam o direito à justa indemnização, nem o princípio da igualdade.
Para assim concluir, o Tribunal começou por fazer notar que, nesse n.º 2 do dito artigo 24º, o legislador, ao definir solo apto para a construção, adoptou um critério concreto de potencialidade edificativa, que é o único critério idóneo para o efeito tido em vista – ou seja: para o efeito de, no cálculo da indemnização a pagar pelo bem expropriado, se valorizar efectivamente o ius aedificandi. É o único critério idóneo – frisou –, porque, em abstracto, todos os solos, incluindo o dos prédios rústicos, mesmo que fazendo parte, designadamente, da Reserva Agrícola Nacional, são aptos para neles se construir. Acrescentou-se nesse aresto que, «se não se exigisse que a capacidade edificativa do terreno existisse já no momento da declaração de utilidade pública, poderiam criar-se artificialmente factores de valorização que, depois, iriam distorcer a avaliação. E, então, a indemnização podia deixar de traduzir apenas 'uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado' e ser 'desproporcionada à perda do bem expropriado'». E precisou-se aí mais o seguinte: Ora, só quando os terrenos expropriados 'envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa' [...] é que se impõe constitucionalmente que, na determinação do valor do terreno expropriado, se considere o ius aedificandi entre os factores de valorização. Tal, porém, só acontece quando essa potencialidade edificativa seja uma realidade, e não também quando seja uma simples possibilidade abstracta sem qualquer concretização nos planos municipais de ordenamento, num alvará de loteamento ou numa licença de construção».
6.6. Também a questão da conformidade do n.º 5 do art.º 24.º do CE/91 aos parâmetros constitucionais da justa indemnização e dos princípios da igualdade e da proporcionalidade já foi, por várias vezes, objecto de apreciação por banda deste Tribunal. Assim, o Acórdão n.º 267/97 (Diário da República, II Série, de 21/5/1997) julgou a norma inconstitucional por violação dos princípio da igualdade e da justa indemnização “enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de
«solo apto para a construção» os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola, na medida em que impõe um sacrifício desproporcionado (acrescido aos particulares). Estava-se perante uma situação em que uma parcela de terreno foi desafectada da RAN para nela se construir, tendo a expropriação subsequente sido efectuada para nela se construir um quartel de bombeiros.
Mas diferentes foram os juízos feitos, posteriormente, sobre a conformidade constitucional de tal norma: em todos eles conclui-se pela sua compatibilidade com a Constituição. Foi assim no Acórdão n.º 20/2000 (Diário da República, II Série, de 28/4/2000), em que se estava perante uma situação jurídica em tudo coincidente com a que ocorre no caso sub judicio, pois, enquanto ali a situação jurídica apreciada dizia respeito a uma parcela que não tinha sido desafectada da RAN, nela continuando, pois, ainda incluída, e a expropriação se destinou à construção de uma auto-estrada, aqui a situação respeita a uma parcela de terreno que estava também incluída na RAN, à data da declaração de utilidade pública e da sua publicação, e a expropriação teve lugar para nela ser construída uma estrada.
Foi assim, também, nos Acórdãos n.os 247/00 (inédito), 219/2001,
243/2001, 121/2002, 417/2002 e 155/2002 (Diários da República, II Série, respectivamente, de 6/7/2001, 4/7/2001, 12/12/2002, 17/12/2002 e 30/12/2002) relativos a situações de terrenos incluídos na RAN ou na REN e que foram expropriados, ou para a construção de vias de comunicação ou para a construção de centrais de incineração de resíduos sólidos ou de incineração.
Como se sublinhou nos Acórdãos n.ºs 20/2000 e 219/2001, acabados de referir, a ratio decidendi daquele Acórdão n.º 267/97 baseou-se «não na desvinculação de uma utilização agrícola pela expropriação, mas na circunstância de, nesse caso, a interpretação normativa em apreço conduzir à não consideração como “solo apto para construção” de prédios expropriados justamente com a finalidade de neles construir prédios urbanos, em que, portanto, a muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa fica demonstrada pelo facto da expropriação - aliás acompanhada de desafectação da RAN – ser efectuada para edificações urbanas». O que releva, porém, para efeitos da “justa indemnização” não é o facto do terreno deixar de ter aptidão agrícola, como sucede nos casos em que se constróiem nele vias de comunicação ou centrais de incineração, mas sim a circunstância dos terrenos passarem a ter uma muito próxima ou efectiva aptidão edificativa que se poderá revelar pelo motivo que justifica a expropriação ou pelo destino que o expropriante concretamente lhe dá, usando-o na construção
(neste exacto sentido o citado Acórdão 20/2000). Pense-se nos casos singelos de solos integrados na RAN ou na REN que sejam expropriados com vista à construção de casas de habitação, ou de edifícios para comércio ou indústria. É evidente que estas situações enquadram dimensões jurídicas que não poderão ser acolhidas pelos princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade nos encargos públicos, segundo a densificação que deles se deixou feita, a coberto da sua qualificação dentro do n.º 5 do art.º 24.º de “solos para outros fins”.
6.7. É tempo de voltar à dimensão jurídica do n.º 5 do art.º 24.º em questão neste recurso. Ora, numa situação jurídica em que a parcela expropriada se integre, de acordo com o Regulamento do Plano Director de Guimarães, numa zona classificada como Zona de Salvaguarda Estrita que é constituída pelas áreas da Reserva Agrícola Nacional, Reserva Ecológica Nacional e zona “non aedificandi”, acontece o que o Prof. Dr. Fernando Alves Correia designa por «vinculação situacional da propriedade do solo, o qual legitima... restrições às faculdades de utilização dos terrenos que não são acompanhados do dever de indemnização» pela sua inclusão em tal situação jurídica (cf. O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, 1989, págs. 45/456). A proibição de construir que incide sobre os solos integrados na RAN, na REN ou zonas “non aedificandi” – com excepção das obras com finalidade exclusivamente agrícola [alíenas a) e b) do n.º 2 do art.º 9.º do Decreto-Lei. n.º 196/89, de 14 de Junho] - é uma mera consequência da «vinculação situacional» (Situationsgebundenheit) da propriedade que incide sobre os solos com tais características.
Enquanto integradas em quaisquer dessas áreas não poderá o seu proprietário (ou outros potenciais adquirentes do mesmo) ter em relação a quaisquer parcelas dos prédios nelas incluídos expectativas legalmente fundadas quanto “à sua muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa”. Na verdade, de acordo com o ordenamento jurídico que rege a situação dos terrenos abrangidos pela RAN (DL. n.º 196/89, de 14/6, alterado pelos DLs. n.os
274/92, de 12/12 e 278/95, de 25/10), REN (Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março) ou áreas non aedificandi previstas nos Planos Directores Municipais, Planos de urbanização ou Planos de pormenor (Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março), não é possível vir a construir-se neles. Trata-se de restrições que se mostram necessárias e funcionalmente adequadas para acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que propiciem o desenvolvimento da actividade agrícola, o equilíbrio ecológico e outros interesses públicos. Estamos, pois, perante restrições constitucionalmente legítimas. E que não violam, quer o princípio da justa indemnização, dada aquela sua “vinculação situacional”, nem os princípios da igualdade e da proporcionalidade, pois atingem todos os proprietários e outros interessados que estão, quer em concreto, quer em abstracto, dentro da mesma situação jurídica. No que tange a este último parâmetro constitucional, haverá, ainda, que acentuar que o juízo feito pelo legislador, quanto à necessidade e concreta extensão física de inclusão dos terrenos na RAN, deve ser acolhido pelo Tribunal, por respeito à sua competência legislativa constitucional e à discricionariedade que a mesma comporta. Só nos casos em que se evidenciasse uma distorção grosseira que fosse passível de censura segundo os cânones do princípio do Estado de Direito, ínsito no art.º 2º da CRP, que aqui não ocorre, é que o Tribunal poderia invalidar a restrição efectuada. A circunstância de uma outra parcela pertencente ao mesmo prédio ter sido considerada como solo apto para construção, em outro processo de expropriação, como a recorrida diz ter acontecido, não releva por si. É que isso tanto poderá ter acontecido apenas por força de uma atitude simplesmente processual das partes, deixando transitar a decisão que assim a classificou e avaliou, como por força dessa parcela, conquanto integrada no mesmo prédio, estar sujeita a uma diferente “vinculação situacional” decorrente da sua não inclusão em qualquer daquelas áreas que se referiram. De notar que nem sequer se evidencia estar-se perante uma situação jurídica de manipulação das regras urbanísticas por parte da administração que reclame uma interpretação constitucionalmente adequada. Finalmente, e em termos decisivos para o caso dos autos, que numa situação jurídica em que a parcela expropriada se destine à construção de uma estrada não
é possível ver, aí, acoplada qualquer alteração quanto à existência de uma muito próxima ou efectiva aptidão edificativa que a sua inclusão na RAN anteriormente afastava, nem sequer uma mudança quanto à sua qualificação legal de terreno com destinação agrícola. Numa situação em que cesse a via de comunicação construída, o terreno volta a estar sujeito a uma efectiva destinação agrícola. De tudo resulta que o n.º 5 do art.º 24.º do CE/91 não é inconstitucional.
Consequentemente, a decisão que recusou a sua aplicação sob tal fundamento carece de ser reformada. Sendo ilegítima a recusa da aplicação de tal norma, também não poderá ser recusada como mera consequência lógica do juízo de tal inconstitucionalidade feito erradamente pelo acórdão recorrido a aplicação da norma do art.º 26.º, n.º 1 do CE/91. C – A decisão
7. Destarte, atento tudo o exposto, este Tribunal Constitucional decide: a) Não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 5 do art.º 24.º, nem, em termos de simples subsequência lógica, a norma do art.º 26.º, n.º 1, ambas do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, interpretada por forma a excluir da classificação como solo apto para construção os terrenos integrados na RAN expropriados para a construção de vias de comunicação. b) Conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformada, tendo em conta o precedente juízo efectuado sobre a constitucionalidade. Custas pela recorrida com taxa de justiça de 15 UC.
Lisboa, 8 de Julho de 2003 Benjamim Rodrigues Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos