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Processo n.º 298/02
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - O banco A., impugnou judicialmente o acto de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), efectuado nos termos do artigo
77º do Código respectivo (CIRS), pela Repartição de Finanças do 11º Bairro Fiscal de Lisboa, referente ao ano de 1990.
A Fazenda Pública e o Ministério Público defenderam a improcedência da impugnação e, nesse sentido, se pronunciou o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, por sentença de 20 de Julho de 2000.
2. - Inconformado, o A., recorreu para o Tribunal Central Administrativo, o qual, por acórdão de 25 de Setembro de 2001, da sua Secção de Contencioso Tributário, se julgou incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, sendo a competência, para o efeito, deferida à Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão de 14 de Fevereiro de 2002, negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida.
3. - Notificado deste aresto, reagiu o interessado mediante a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento no artigo
70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com a finalidade de obter a “[...] apreciação da constitucionalidade do sentido decisório do acórdão proferido em duas vertentes, a saber, a de interpretar e atribuir à alínea c) do nº1 do artigo 6º, do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na sua redacção inicial, um sentido normativo segundo o qual essa norma de incidência compreendia a tributação da transmissão antecipada de títulos, e a de conferir ao artigo 1º do Decreto-Lei n.º 263/92, de 24 de Novembro, apenas na parte em que altera o indicado artigo 6º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, uma dimensão normativa de natureza interpretativa, facto que condiciona o interprete e origina a sua aplicação retroactiva”.
Na óptica do recorrente, semelhantes interpretação e aplicação, operadas pelo acórdão recorrido, violam o princípio da tipicidade tributária, actualmente consignado no artigo 103º da Constituição, a que correspondia o nº2 do artigo 106º, à data dos factos.
4. - No Tribunal Constitucional o recorrente apresentou alegações, acompanhadas de dois pareceres jurídicos, enunciando o seguinte quadro conclusivo, em síntese:
a) os juros de título de dívida negociados em 1990
(juros decorridos antes do vencimento ou reembolso, relativos a títulos dessa dívida e ao período compreendido entre a data de emissão desses títulos e a da sua reaquisição pela entidade junto da qual tenham sido colocados, de acordo com o disposto no artigo 6º, nº 1, alínea c), do Código, na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 263/92), não só não constituem um rendimento de capital, em virtude de não provirem da aplicação de um activo, como não se compaginam com a intenção do legislador, que foi outra, ao pretender concebê-los como um rendimento acréscimo, uma mais valia de obrigações, como tal fora do alcance da tributação;
b) com a publicação do Decreto-Lei nº 263/92 passou-se a tributar essas situações, de modo que os rendimentos resultantes da venda antecipada de títulos de dívida pública passaram a ser tributados como verdadeiros e próprios rendimentos de capital;
c) ora, o novo regime apenas poderá ser aplicado às situações jurídico-tributárias que se verifiquem posteriormente à data da vigência do diploma de 1992, e nunca aos factos dos autos, que tiveram lugar em
1990;
d) a alteração normativa operada não constitui mera explicitação da previsão da norma de incidência dos rendimentos de capital, de modo a consubstanciar mera lei interpretativa;
e) interpretação dessa natureza, condicionante do intérprete e causal de aplicação retroactiva, revela-se inconstitucional, por ofender o princípio da tipicidade tributária, consagrado no nº 2 do artigo 103º da lei fundamental.
Assim, impõe-se em “nome da justiça e da boa aplicação do direito, que seja declarada a inconstitucionalidade da norma constante da alínea c ), do n.º 1, do artigo 6°, do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na interpretação segundo a qua1 nela se abrangia, na sua redacção inicial, a tributação dos proventos económicos gerados pela transmissão antecipada de títulos da dívida pública, e ainda a inconstitucionalidade do sentido ou dimensão normativa conferida ao artigo 1º, do Dec. Lei 263/92, de 24 de Novembro, que lhe atribuiu a natureza interpretativa, vinculando o intérprete
e originando a sua aplicação retroactiva a situações verificadas antes da data da sua entrada em vigor, por violarem, de forma ostensiva, o princípio constitucional da tipicidade tributária e da não aplicação retroactiva dos impostos.”
A Fazenda Pública apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:
“a) A questão da tributação como rendimentos de capital dos chamados juros decorridos, na redacção inicial do artigo 6° do CIRS, foi objecto de entendimento' no sentido de dever ser considerada como rendimento de capital.
b) Tal interpretação foi firmada pelas circulares da DGCI, n.ºs. 16/89, de 9 de Novembro e 17/90, de 27 de Maio.
c) A redacção inicial do preceito suportava o entendimento veiculado pelas circulares 16/89 e 17/90.
d) O conceito de rendimento acréscimo que preside à tributação em IRS perspectivava a tributação dos juros decorridos como possível e esperada.
e) A explicitação da tributação de outros títulos de crédito negociáveis enquanto usados como tais, é meramente interpretativa, como refere o próprio legislador no preâmbulo do DL n° 263/92, de 24.11
f) A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, nos termos do artigo 13° do Código Civil.
. g) O parâmetro constitucional a ter em conta é o resultante do texto constitucional vigente à data da aplicação da norma questionada nesse sentido.
h) À data da aplicação da lei interpretativa em causa o conceito de irretroactividade a considerar é o consagrado em jurisprudência do Venerando Tribunal Constitucional no sentido “a retroactividade constitucional terá o beneplácito constitucional sempre que razões de interesse geral o reclamem e o encargo para o contribuinte se não mostrar desproporcionado e mais ainda o terá se tal encargo aparecia aos olhos do contribuinte como verosímil ou mesmo como provável.”
5. - Colocando a hipótese do não conhecimento do objecto do recurso, lavrou-se despacho do seguinte teor (a fls. 255 e segs. dos autos):
“1. - O A., impugnou judicialmente o acto de liquidação do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS), referente ao ano de 1990, efectuado, nos termos do artigo 77º do respectivo Código, pela Repartição de Finanças de Lisboa. A impugnação foi julgada improcedente na 1ª instância, o que veio a ser confirmado por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de Fevereiro de
2002.
2. - É desta decisão que, ao abrigo do disposto no nº 1, alínea b), do artigo
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, interpõe o impugnante recurso para o Tribunal Constitucional, pretendendo a “[...] apreciação o da constitucionalidade do sentido decisório do acórdão proferido em duas vertentes, a saber, a de interpretar e atribuir à alínea c) do nº1 do artigo 6º, do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na sua redacção inicial, um sentido normativo segundo o qual essa norma de incidência compreendia a tributação das transmissão antecipada de títulos, e a de conferir ao artigo 1º do Decreto-Lei n.º 263/92, de 24 de Novembro, apenas na parte em que altera o indicado artigo 6º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, uma dimensão normativa de natureza interpretativa, facto que condiciona o interprete e origina a sua aplicação retroactiva”. Na óptica do recorrente tal interpretação e aplicação operada pelo acórdão recorrido viola o princípio da tipicidade tributária, actualmente consignado no artigo 103º da Constituição, a que correspondia o nº2 do artigo 106º, à data dos factos.
3. - Decorre da leitura do aresto recorrido que se pode entender que a norma sindicanda – do artigo 6º, nº 1, alínea c), CIRS – não foi aplicada pelo tribunal a quo como ratio decidendi, tal como resultou da redacção dada pelo Decreto-Lei nº 263/92, pois, como ali se escreveu, “não precisava o intérprete de se socorrer do Decreto-Lei nº 263/92, de 24/11, para chegar à fixação do sentido que o tribunal elegeu”. Admite-se, em consequência, que o Tribunal Constitucional não conheça desta parte do objecto do recurso.
4. - Por outro lado, é de admitir que o Tribunal venha igualmente a decidir não conhecer do recurso relativamente à versão efectivamente aplicada da norma em causa. Com efeito, pode entender-se não constituir questão de constitucionalidade normativa, integrando fundamento para o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, o processo interpretativo utilizado no tribunal recorrido no preenchimento dos elementos definidores de um determinado tipo legal, em domínios em que vigora o princípio da legalidade: uma interpretação alegadamente extensiva ou análoga dos elementos do tipo, em matéria penal ou fiscal, e, bem assim, contraordenacional, será, nesta leitura, indissociável das circunstâncias de caso, sendo, por isso, de imputar o eventual vício de inconstitucionalidade,
à decisão judicial e não à norma aplicada (cfr., a propósito, os acórdãos nºs.
674/99 e 358/2001, apenas publicado o primeiro, no Diário da República, II Série, de 25 de Fevereiro de 2000).”
O recorrente, notificado, respondeu oportunamente, sustentando a inexistência de obstáculos ao conhecimento do objecto do recurso, convocando, nomeadamente, o acórdão deste Tribunal nº 308/01, publicado no Diário da República, I Série-A, de 20 de Novembro de 2001.
Note-se, porém, que esse aresto corresponde não a um recurso interposto em sede de fiscalização concreta de constitucionalidade mas sim a um pedido de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, relativamente ao qual não faz sentido colocar a questão que ora interessa.
II
1. - Constituem, assim, objecto do presente recurso, a norma da alínea c) do nº1 do artigo 6º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na sua redacção originária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º
442-A/88, de 30 de Novembro, interpretada no sentido de abranger a tributação dos proventos económicos gerados pela transmissão antecipada de títulos da dívida pública, e a norma do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 263/92, de 24 de Novembro, na parte em que altera o citado artigo 6º, interpretada no sentido que lhe atribui natureza interpretativa, originando a sua aplicação retroactiva.
Entende o recorrente que foram violados os princípios da tipicidade e da não aplicação retroactiva dos impostos, consagrados na lei fundamental.
2. - É o seguinte o teor das normas impugnadas:
O artigo 6º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (na sua redacção inicial), aprovado pelo Decreto-Lei n.º
442-A/88, de 30 de Novembro, tinha a seguinte redacção:
Artigo 6º Rendimentos da Categoria E Consideram-se rendimentos de capitais: a) ... b) ... c) Os juros, prémios de amortização ou de reembolso e outras formas de remuneração de títulos da dívida pública, obrigações, títulos de participação, certificados de consignação, certificados de depósito, obrigações de caixa ou outros títulos análogos, emitidos por entidades públicas ou privadas, e os demais instrumentos de aplicação financeira;
[...]
O Decreto-Lei n.º 262/92, de 24 de Novembro de 1992, editado no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 17/92, de 6 de Agosto, procedeu a alterações aos Códigos do IRS e do IRC e, também, ao Decreto-Lei n.º 42/91, de 22 de Janeiro, e estabeleceu a seguinte redacção para a norma em causa:
Artigo 6º
[...]
1 - ... a) ... b) ... c) Os juros, os prémios de amortização ou de reembolso e outras formas de remuneração de títulos da dívida pública, obrigações, títulos de participação, certificados de consignação, certificados de depósito, obrigações de caixa ou outros títulos análogos, emitidos por entidades públicas ou privadas, e demais instrumentos de aplicação financeira, designadamente letras, livranças e outros títulos de crédito negociáveis, enquanto utilizados como tais;
[...]”.
3. - A questão em litígio, tal como a elegeu e apreciou o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão recorrido, é a de saber se os juros de títulos de dívida negociados em 1990, decorridos antes do vencimento ou reembolso, pagos pelo adquirente ao alienante aquando da transacção efectuada, são rendimentos de capitais tributáveis e sujeitos a retenção na fonte no acto do pagamento, nos termos dos artigos 1º e 6º, nº1, alínea c) (na sua versão original, explicitada em 1992) e 91º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, e artigo 75º, nº1, alínea c), e nº6, do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.
A esta questão respondeu afirmativamente o acórdão recorrido, louvando-se na argumentação expendida no acórdão daquele Supremo, de
2 de Maio de 2000, proferido no processo n.º 24 585, que reproduziu parcialmente.
Escreveu-se, então, citando-se o referido acórdão:
“Ora, enquanto que o art. 6°/c, na redacção vigente ao tempo do facto tributário, preceitua considerarem-se rendimentos de capitais os juros... de títulos da dívida pública, obrigações, títulos de participação (e outros) emitidos por entidades públicas ou privadas e os demais instrumentos de aplicação financeira, o art. 1° prescreve incidir o IRS sobre o valor anual dos rendimentos...de capitais (n.º1) e ficarem sujeitos a tributação tais rendimentos, quer em dinheiro, quer em espécie... seja qual for o local onde se obtenham, a moeda e a forma por que sejam auferidos. Um tal conjunto normativo configura o tipo legal de incidência do IRS sobre os rendimentos de capitais em termos estritamente económicos, em que o resultado
económico é o elemento essencial, do que resulta serem abrangidos no âmbito da previsão legal todos os factos que o permitam atingir, sejam negócios directos, sejam negócios indirectos. [Como escreveu Alberto Xavier, em Manual de Direito Fiscal, I, p. 175 e 278] Usando, assim, a lei o conceito económico para definir o facto tributário, bastando-se com a colheita de rendimentos de aplicação de capitais por um sujeito passivo para que o preenchimento daquele seja satisfeito, excluindo a causa do percebimento dos mesmos da estrutura do tipo legal - ( os rendimentos ficam sujeitos a tributação, seja qual for a forma por que sejam auferidos, reza o art. 1°/2 do CIRS), optou por uma base tributária que tanto prevenia, irrelevando-a, a adopção pelos particulares de esquemas negociais com o fim indirecto de se subtraírem à tributação (em que cabem os negócios fiscalmente menos onerosos), como abstraia, tornando-as irrelevantes, de causas como as da hipótese em apreço, em que o juro decorrido não é pago pelo devedor mutuário, mas por um terceiro, adquirente do titulo da divida. Opção legislativa que, ao acautelar a fiscalidade de evitações fiscais que a prolificidade do comércio jurídico desencadeia (de que é exemplar este caso de compra e venda de títulos de dívida no mercado secundário da Bolsa de Valores), se inscreve na intenção de prover à eficiência funcional do sistema fiscal, na linha da realização dos princípios da igualdade e generalidade tributária e capacidade contributiva, constitucionalmente consagrados (arts. 106° e 107° da CR). [cfr.. neste sentido, Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal II, p. 223 e ss.] Anotando-se que na captação do sentido das normas aplicadas foram utilizados os critérios próprios da interpretação jurídica, os elementos literal, racional e teleológico, sendo através destes que se concluiu pela verificação de um tipo legal de incidência de conceito económico, sem recurso à regra hermenêutica da consideração económica, de carácter extranormativo, apesar desta ter hoje assento na lei, em caso de dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, no art. 11°/3 da LGT. [Cf. Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, de Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge de Sousa, p. 54]. O sentido decisório alcançado já foi o de jurisprudência deste tribunal [cf. Ac. desta Secção, de 25.11.98, rec. 22923, embora com diversa fundamentação] e harmoniza-se com o princípio do legislador razoável, consagrado no art. 9°/3 do C. Civil, na medida em que contribui para fazer presumir acertada a asserção legislativa contida no preâmbulo do DL 263/92, de 24.11, de que as alterações introduzidas no art. 6° do CIRS por esse diploma são explicitações ao quadro legal vigente no domínio da qualificação dos rendimentos obtidos nas transacções de títulos de divida. Com efeito, pensar-se a norma de incidência em IRS e o respectivo facto tributário estruturados em função do resultado económico, que não por referência aos negócios jurídicos causais, desde a versão original do CIRS, ajuda a que as denotações de outros títulos de crédito negociáveis, enquanto utilizados como tais (art. 6°/1/c) e fixações de aspectos temporais e quantitativos da liquidação do imposto em caso de transmissões dos ditos títulos (art.6°/3), introduzidas pela redacção do diploma de 92, sejam entendidas como meras explicitações do regime legal em vigor, que não como inovadora ampliação da base de incidência tributária.
(...)”
A estes fundamentos, aduziu ainda o acórdão recorrido, em abono da tese defendida de ver incluídos na hipótese da norma de incidência da al. c) do n.º. 1 do artigo 6° do CIRS, já na sua versão originária, os juros dos títulos de dívida, mormente “nos casos como o presente em que, de acordo com o probatório que ninguém pôs em crise, o alienante e o adquirente, isolaram, na formação do preço estabelecido, os elementos correspondentes ao valor do capital representado no título e o dos juros correspondentes ao tempo decorrido desde a data de emissão até à data da alienação e sobre estes fizeram incidir o imposto correspondente, pagando apenas os juros líquidos do imposto”, que esta é a solução que mais se harmoniza com o conceito de mais valias que o CIRS acolheu.
“ Na verdade [escreveu-se], no seu artº. 10°, este diploma substantivo conformou o tipo normativo das mais valias em função essencialmente de duas características: uma, a existência de um ganho ocasional ou fortuito; a outra, a associação desse ganho ocasional a uma orientação preferencial do agente económico pela obtenção de tais ganhos, na aquisição de certos bens ou direitos que são economicamente adequados a propiciá-los, embora relevando apenas dentre destes os taxativamente indicados. Ora, numa situação em que o mercado económico, na formação do preço dos títulos, funciona assente numa regra de isolamento do valor do capital incorporado no título relativamente ao valor que corresponde ao rendimento certo, ainda que no caso de certos títulos possa ser variável, gerado pelo título durante certo período, não é possível afirmar que o aforrador procure, preferencialmente, aí, a valorização patrimonial fortuita ou ocasional. O que o aforrador, em tais situações, procura é predominantemente o rendimento certo expresso pelo juro, ainda que esse rendimento possa estar caracterizado, não por uma taxa de juro anual fixa, ou até variável, de vencimento anual, como acontece nas emissões de obrigações ao par, mas por uma diferença entre o valor de emissão (valor do desconto) e o valor de reembolso do título (valor nominal), como acontece nos Bilhetes do Tesouro, ou de títulos emitidos com um prémio de reembolso ou de amortização em que a emissão é feita pelo valor nominal e o reembolso ou amortização por uma valor superior a ele. Nestes casos não se afigura axiologicamente certo configurar estes rendimentos como correspondentes a qualquer álea de mercado em vista de cuja obtenção os sujeitos económicos se tenham motivado. Ao contrário do que é pressuposto no raciocínio da recorrente (conclusão 6ª), os rendimentos não são gerados pela alienação dos títulos, mas sim pelos próprios títulos enquanto representantes de um valor de capital, surgindo a venda apenas como um facto que evidencia, nessa actualidade, o recebimento de um rendimento que, fora dessa alienação, apenas seria recebido mais tarde.
(...) Por outro lado, acresce que não existem razões, sejam de ordem sistemática interna do preceito do artº. 6° n.º. 1 al. C) do CIRS, sejam de ordem axiológica, económica, financeira ou fiscal, para destrinçar, para efeito da sujeição ao imposto como rendimentos de capital, os juros que são pagos pelo adquirente ao alienante numa transacção ocorrida antes do prazo de reembolso, e que esses sujeitos isolam para fins de fixação do preço global e em que até os apuram em termos de ser líquido do respectivo imposto, daqueles outros que são pagos aquando da altura do reembolso. Ora, acontece que estes juros denominados de prémios de amortização ou de reembolso estão expressamente referidos como estando sujeitos ao imposto.”
4. - Partindo desta solução a que chegou o acórdão recorrido – de que os “juros decorridos” pagos pelo adquirente ao alienante numa transacção de títulos de dívida ocorrida (em 1990) antes do prazo de reembolso, estão sujeitos ao imposto como rendimento de capital, integrando-se na norma do artigo
6º, nº1, alínea c), do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, já na sua redacção original –, importa indagar se tal solução se coaduna com os princípios da tipicidade e da não retroactividade fiscal.
Acontece que, entretanto, o plenário do Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre as duas questões de constitucionalidade enunciadas nos autos, no seu acórdão nº 197/2003, de 25 de Março último, de que se junta cópia (processo nº 399/2002).
Nesse acórdão, decidiu-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
O Tribunal Constitucional entendeu, então, relativamente
à questão colocada quanto ao artigo 6º, nº 1, alínea c), do Código sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na versão anterior a 1992, atrás identificada, que não está em causa uma questão de constitucionalidade normativa susceptível de integrar o objecto de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade; e, no que toca à norma constante do artigo 1º do Decreto-Lei nº 263/02, nos termos também atrás definidos, que não tinha sido efectivamente aplicada pela decisão recorrida.
Ora ocorrem, no caso presente, estes mesmos obstáculos ao conhecimento do mérito do recurso, pelas razões ali apontadas.
III
Assim, em aplicação da doutrina definida pelo acórdão nº
197/2003, aprovado em plenário, e nos termos e pelas razões dele constantes, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
8 ucs.
*** Junte-se cópia do mencionado acórdão nº 197/2003.
Lisboa, 14 de Maio de 2003 Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Gil Galvão
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida