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Proc. n.º 738/02
2.ª Secção Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – O relatório
1. A. e mulher B., identificados nos autos, recorrem, ao abrigo do disposto no art.º 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (doravante designada apenas por LTC), para este Tribunal Constitucional do Acórdão da Relação do Porto, de 14 de Maio de 2002, que negou provimento ao recurso de apelação por si interposto da sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de C. que decidiu fixar na quantia de 12 607.
125$00, acrescida do montante que resultar da aplicação dos índices de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicados pelo INE, o valor da indemnização devida pela expropriação por utilidade pública para a construção da estrada Variante --------- de uma parcela de terreno de --------- m2 a destacar do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia de
-----------, -------------- sob o art. ---------, sua pertença, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 5 do art.º 24.º do Código de Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, por violação “do disposto no art.º 13.º, n.º 2 e no art.º 62.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (de ora em diante designada apenas por CRP) e dos princípios constitucionais da justa indemnização, da proporção e da igualdade”.
2. A referida sentença estribou-se na consideração, em síntese, de que disposições legais aplicáveis ao cômputo da indemnização eram as que vigoravam ao tempo em que fora 5publicada a declaração de utilidade pública no Diário da República ou seja, no caso, os preceitos substantivos do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro (doravante designado apenas por CE/91), e não os preceitos do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, que entretanto tinha entrado em vigor (imediatamente aplicáveis apenas eram as disposições adjectivas do novo código em virtude de toda a fase judicial ter decorrido já à sua sombra). Ora, sendo assim, - continuou a discretear a sentença -, a indemnização devia ser aferida à face do disposto nos art.os 22.º a 26.º do CE/91 que traduziam os critérios legais para se determinar a justa indemnização “de que fala o art.º 62.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa”, tendo-se em conta que, de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 22.º “a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pelo expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriante advém da expropriação, medindo-se esse prejuízo pelo valor do bem expropriado, fixado por acordo ou determinado objectivamente por árbitros ou por decisão ju dicial, tendo em consideração as circunstâncias de facto existentes à data da declaração de utilidade pública” e tendo-se ainda em conta o disposto no n.º 5 do art.º 24.º onde se estabelece que, para efeitos de indemnização, deve ser equiparado a “solo para outros fins” aquele “solo que por lei ou regulamento não possa ser utilizado para construção”. E, passando a encarar a questão da eventual inconstitucionalidade de tal artigo, escreveu-se em tal sentença:
«Invocam os recorrentes que o facto de o terreno estar situado em zona classificada como RAN ou REN não é, só por si, facto impeditivo para poder ser classificado como apto para construção, invocando para tanto o entendimento feito pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n° 267/97, de 19/03/97, publicado na 2a Série do DR de 21/5/97. No referido Acórdão considerou-se que o n° 5 do art. 24° do C.E. padece de inconstitucionalidade quando interpretado no sentido de excluir da classificação de solo apto para construção, para efeitos de cálculo da justa indemnização, os solos integrados na RAN, objecto de expropriação com vista a que neles se edifique para finalidade diferente da utilidade pública agrícola, inconstitucionalidade determinada pela violação do princípio da igualdade perante a lei, nas suas vertentes da proporcionalidade e da justiça (art. 13° da C.R.P.) e também o princípio da justa indemnização, consagrado no art. 62°, n° 2 do C.R.P. Todavia (e como faz notar a expropriante) o Tribunal Constitucional veio nos
últimos tempos a produzir jurisprudência clarificadora sobre o seu entendimento acerca da constitucionalidade do art. 24°, n° 5 do C.E., designadamente o Acórdão do T.C. n° 20/2000, publicado no DR II Série de 28/04/2000, seguido, entre outros, pelos Ac. TC. n° 243/2001, publicado no DR II Série de 4/07/2001 e Ac. n° 219/2001, publicado no DR II Série de 6/07/2001. Decidiu o referido Ac. do TC n° 20/2000 não julgar inconstitucional a norma do art. 24°, n° 5 do C.E. (redacção de 91) quando interpretada por forma a excluir da classificação de 'solo apto para construção' solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para fins diversos quer da utilidade pública agrícola quer da edificação de construções urbanas – implantação de vias de comunicação –, considerando que não tendo o proprietário dos terrenos integrados na RAN expectativa razoável de os ver desafectados e destinados à construção ou edificação e não tendo a finalidade da expropriação (construção de via de comunicação – no caso do Acórdão, uma auto-estrada) confirmado a existência de uma potencialidade edificativa excluída pela qualificação como 'solo para outros fins', que não a construção, não são invocáveis os princípios constitucionais da igualdade e da justa indemnização para obrigar à avaliação do montante indemnizatório com base nessa potencialidade edificativa. Defende este Acórdão que os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade são afectados apenas quando se exclui da classificação de 'solo apto para construção' parcela de terreno integrado na RAN e que, com vista à satisfação do fim determinante da expropriação, é dela desafectado e que é destinado pela expropriante à implantação de edificação mas já não quando a expropriação (com indemnização como 'solo apto para outros fins') não visa a construção de prédios urbanos mas sim a construção de via de comunicação. Como se escreve no Acórdão que vimos referindo, em 'lugar da eliminação da utilização agrícola, é, pois, relevante, para tal juízo de inconstitucionalidade da não qualificação do terreno como 'solo apto para construção', a potencialidade edificativa efectiva que se vai actualizar na construção visada pela própria entidade expropriante', pois o 'que interessa, para efeitos de 'justa indemnização', não é o facto de o deixar de ter aptidão agrícola – como acontece quer na construção de um prédio urbano, quer com os terrenos nos quais se constrói uma auto-estrada –, pois isso não afecta a necessidade da sua qualificação como 'solo apto para construção'”, sendo que relevante para este efeito é o facto 'de terem ou não uma muito próxima ou efectiva aptidão edificativa, que resulta do facto de o expropriante lhe dar uma utilização para construção '. Qualquer parcela de terreno integrada na RAN e/ou REN que seja expropriada com a finalidade de nela ser implantada via de comunicação não adquire, com a declaração de utilidade pública, qualquer potencialidade edificativa; não a tinha antes e não a adquire posteriormente (aliás, tal como a utilização agrícola, a implantação de via de comunicação em qualquer terreno é incompatível com qualquer vocação construtiva ou edificativa)».
E enfrentando depois a questão da determinação, em concreto, da indemnização devida, mediante a subsunção da matéria de facto apurada no respectivo julgamento ao quadro legal determinado, assim discorreu a mesma decisão:
«É este o caso dos autos. A expropriação da parcela de terreno (integrado na RAN e na REN) foi determinada com vista à implantação de via de comunicação (a Variante do ---------------). Tal parcela não tinha, no momento da declaração da utilidade pública, qualquer potencialidade edificativa (a sua inclusão na RAN e na REN cerceava tal desiderato) e nem tal vocação edificativa veio a ser superveniente demonstrada pela utilização que lhe foi dada pela entidade expropriante. Assim sendo, e face ao preceituado no art. 24°, n° 5 do C.E., deve a parcela de terreno ser qualificada (para efeitos de cálculo de indemnização) como 'solo apto para outros fins' (a referida norma, interpretada no sentido que acima se referiu, não padece de qualquer inconstitucionalidade). Considerando o terreno expropriado como 'solo apto para outros fins' (e o preceituado no art. 26° do C.E.), encontraram os senhores peritos nomeados pelo tribunal e pela expropriante o valor de 6.812.100$00 (valor este idêntico ao encontrado pelos senhores árbitros), considerando para tal uma produção hortícola (a adaptada ao terreno em causa) de cebola e cenoura nos meses de Abril a Julho e alface nos meses de Agosto e Setembro, deduzindo os necessários encargos com a produção e capitalizando também o rendimento agrícola a uma taxa de juro de 4%. Por sua vez, o perito indicado pelos expropriados, considerando que a parcela se localiza nas proximidades de importante mercado consumidor, facilitando o escoamento dos produtos cultivados, aplica ao valor acima referido uma valorização adicional de 25%, como factor correctivo, encontrando assim o valor de 8.515.125$00. Parece-nos que o senhor perito dos expropriados tem razão. Devendo a indemnização ser uma indemnização integral pelo dano infligido ao expropriado, correspondendo ao valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda que a transferência do bem que lhe pertencia para outra esfera dominial lhe acarreta, deva ela corresponder ao valor real e corrente em economia de mercado do bem expropriado, ou seja, o valor que o expropriado obteria se o bem fosse vendido no mercado livre a um comprador prudente.»
3. Inconformados com a sentença, os expropriados recorreram para a Relação do Porto, suscitando, entre outras, as questões da conformidade do n.º 5 do art.º
24.º do CE/91 com o parâmetro constitucional constante do art.º 62.º, n.º 2 da CRP (conclusões 8.ª a 12.ª) e da errada determinação, em concreto, do valor da indemnização devida.
A Relação, todavia, negou provimento ao recurso, abonando-se o acórdão, nos termos do art.º 713.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (doravante CPC), nos fundamentos da sentença recorrida, para os quais remeteu, após os haver sintetizado nos seguintes termos:
« Como da sentença se constata, o Sr. Juiz qualificou a parcela como solo apto para outros fins, não obstante no actual PDM de C. a parte restante do prédio de que a parcela foi destacada estar classificada como espaço urbanizável, por considerar que conforme disposto no art. 22.º, n.º 2 e corroborado pelo art.º
23º, n.º 1 do C. E. de 91 – a indemnização devia ser encontrada tendo em consideração as circunstâncias e condições existentes à data de declaração de utilidade pública, estando a parcela, nessa data, incluída no P.D.M. em área classificada como R.A.N. e como R.E.N. e não tendo qualquer potencialidade edificativa, entendimento este que não fazia padecer a norma do n.º 5 do art.
24.º do C. E. de qualquer inconstitucionalidade , conforme fundamentos, analisando os acórdãos do T.C. n.º 267/97, de 19/3/97, publicado no DR II de
21/5/97, e 20/2000, publicado no DR II de 28/4/00, a que se seguiram os publicados no mesmo Diário e Série de 4/7/01 e 6/7/01. No que toca ao valor do terreno, acolheu a valorização adicional de 25%, como factor correctivo, propugnado pelo Sr. perito dos Expropriados – cfr. Fl. 199 a
206 verso».
4. Reclamaram os mesmos expropriados do aresto proferido na 2.ª instância, arguindo a sua nulidade e pedindo a sua aclaração e reforma, apoiando-se nos art.os 716.º, 668.º, n.º 1, al. d) e 669.º, n.º 2, al. b) do CPC.
A reclamação foi, todavia, totalmente indeferida, dizendo-se, relativamente à questão da inconstitucionalidade do art.º 24.º, n.º 5 do CE/91 cuja reapreciação haviam pedido, o seguinte:
«Quanto à afirmação de que o art.º 24.º, n.º 5 do C.E. “é inconstitucional na interpretação que lhe está a ser dada” por violação do princípio da justa indemnização e da igualdade dos cidadãos perante a lei consagrados nos art.os
62.º, n.º 2 e 13.º, n.º 1 da CRP - respeitamos a opinião, mas não a sufragamos, como decorre do facto de termos confirmado a sentença recorrida, onde a pretensa inconstitucionalidade da norma do n.º 5 do art.º 24.º citada foi arredada, conforme assinalámos no acórdão a fls. 271».
5. Nas alegações de recurso para este Tribunal Constitucional, os recorrentes refutaram o juízo feito pelas instâncias quanto à conformidade constitucional do art.º 24.º, n.º 5, concluindo pelo seguinte modo:
«1ª. - O prédio de que fazia parte a parcela expropriada situa-se na
----------------------------, em local sossegado e sem poluição, com boa exposição solar, e a cerca de 1 Km cidade de -----------, sendo servido de transportes públicos e distando cerca de 500m das Igrejas de ------- e de
--------------, e também cerca de 500m de estabelecimentos de ensino (Escola C+S), com vários estabelecimentos comerciais nas proximidades, constituindo uma zona de expansão da cidade de -------------- e possuía uma frente de 183m para a Estrada Municipal pavimentada e com redes públicas de energia eléctrica (com iluminação pública), de abastecimento de água e saneamento.
2ª. –A parcela expropriada satisfazia plenamente todos os requisitos legais previstos no art. 24º, n.º 2, al. a) do C. E. para ser classificada; como solo apto para a construção, pese embora o facto de estar integrada na REN e/ou na RAN, de acordo com o PDM.
3ª - À data da declaração de utilidade pública o PDM estava já em fase de revisão e discussão pública, vindo a ser aprovada essa revisão durante a pendência do processo de expropriação e ainda antes até da realização da peritagem.
4ª. - De acordo com o PDM revisto, a área sobrante do prédio de que a parcela expropriada fazia parte foi desafectada da RAN e da REN e foi classificada como
'Espaço Urbanizável', o que necessariamente também teria acontecido à parcela expropriada se esta não o tivesse sido e destinada à via que motivou essa mesma expropriação.
5ª - Os prédios vizinhos do prédio de que a parcela expropriada fazia parte e que se encontravam, em circunstâncias idênticas a este, incluídos na RAN e/ou na REN, antes da. revisão do PDM. Tinham já projectos de loteamento e eram negociados como terrenos de construção, apesar dessa afectação e foram também desafectados da RAN e da REN no PDM revisto.
6ª - Assim, a potencialidade edificativa da parcela expropriada era efectiva ou já muito próxima, pelo menos, e tinha de ser considerada como factor de valoração no cálculo da indemnização por expropriação, tal como unanimemente foi considerado no relatório de peritagem subscrito por todos os peritos, incluindo o da própria expropriante, Câmara Municipal de C..
7ª - A não consideração da potencialidade construtiva da parcela expropriada torna injusta a indemnização fixada, por não compensar plenamente o sacrifício especial infligido aos expropriados, e trata discriminatoriamente os expropriados, prejudicando-os relativamente aos demais cidadãos não expropriados e aos proprietários seus vizinhos, nomeadamente.
8ª - O valor real e corrente da parcela expropriada era, de acordo com a unanimidade dos peritos que realizaram a peritagem, incluindo o próprio perito da expropriante, Câmara Municipal de -----------, de Esc. 23.118.000$00, ou seja, € 115.312,10, sendo este montante que, segundo os mesmos, correspondia à justa indemnização.
9ª - Foi só por aplicação do disposto no n.º 5 do art. 24° do Cód. Das Expropriações que a parcela de terreno expropriada não foi classificada como solo apto para a construção nem foi considerada a sua real potencialidade edificativa na decisão recorrida.
10ª - No caso concreto e face às circunstâncias e condições de facto existentes, impunha-se que fosse considerado no cálculo da indemnização por expropriação da parcela em causa, e como factor da sua valoração, a sua potencialidade edificativa.
11ª - Assim, ao não ter em conta a sua aptidão construtiva, por aplicação e interpretação do disposto no n° 5 do referido art. 24º do Cód das Expropriações com esse condicionalismo e alcance, a douta decisão recorrida mostra-se afectada de inconstitucionalidade material pois viola o disposto nos arts. 13°, n° 2 e
66°, n° 2 da C.R.P.»
6. A recorrida Câmara Municipal de C. não contra-alegou.
Com os vistos dos senhores juízes cumpre decidir.
B – A fundamentação
7. A questão decidenda
É a de saber se a norma constante do n.º 5 do art.º 24.º do CE/91, interpretada por forma a excluir da classificação de solos como solo apto para construção, terrenos integrados na RAN expropriados para a construção de vias de comunicação, viola o disposto nos art.os 13.º, n.º 1 e 62.º, n.º 2 da CRP e os princípios constitucionais da justa indemnização, da proporcionalidade e da igualdade.
8. Do mérito do recurso.
8.1. A norma cuja conformidade constitucional se questiona tem a seguinte redacção, transcrevendo-se o artigo em que a mesma se integra para maior facilidade da apreensão do seu sentido:
«Artigo 24.º
Classificação de solos
1 – Para efeito do cálculo da indemnização por expropriação, o solo classifica-se em: a) Solo apto para construção; b) Solo para outros fins.
2 – Considera-se solo apto para a construção: a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com as características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir; b) O que pertença a núcleo urbano não equiparado com todas as infra-estruturas referidas na alínea anterior, mas que se encontre consolidado por as edificações ocuparem dois terços da área apta para o efeito; c) O que esteja destinado, de acordo com o plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, a adquirir as características descritas na alínea a); d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possua, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública.
3 – Para efeitos da aplicação do presente Código é equiparada a solo apto para a construção a área de implantação e o logradouro das construções isoladas até ao limite do lote padrão, entendendo-se este como a soma da área de implantação da construção e da área de logradouro até ao dobro da primeira.
4 – Considera-se solo para outros fins o que não é abrangido pelo estatuído nos dois números anteriores.
5 – Para efeitos da aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção.»
8.2. O art.º 62.º, n.º 2 da CRP prescreve que a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização. Não diz explicitamente, todavia, tal comando constitucional o que deve ter-se por justa indemnização e, muito menos, os factores ou critérios de cuja aplicação a mesma resulta. Sendo assim, não pode deixar de reconhecer-se ao legislador ordinário uma certa discricionariedade normativo-constitutiva quanto à conformação desses critérios. Ponto é que eles se revelem como modos adequados de realizar essa justa indemnização que este Tribunal reconheceu ser, a propósito da inconformidade constitucional dos n.os 1 e 2 do art.º 30.º do Código das Expropriações de 1976
(aprovado pelo DL. n.º 845/76, de 11/12), um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, pelo que as restrições que lhe forem impostas se devem limitar ao necessário para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (cf. Acórdãos n.os 131/88 e 52/90, publicados no Diário da República, I Série, de 29 de Junho de 1988 e de
30 de Março de 1990, respectivamente), o que, então, não acontecia relativamente aos terrenos que se situassem fora dos aglomerados urbanos ou em zonas diferenciadas desses mesmos aglomerados em que não se levava em conta a potencial aptidão edificativa e com o que saíam violados os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade dos cidadãos perante a lei.
É dentro desta perspectiva, segundo a qual “o ius aedificandi deveria ser considerado como um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa”, que devem ser entendidos os critérios estabelecidos pelo art.º 24.º do CE/91, de divisão dos solos em solos aptos para a construção, e solos para outros fins e a densificação que o mesmo artigo faz de tais conceitos. Aliás, cabe registar aqui que à conformação de tais critérios não foi alheia, como se verifica pelo discurso do exórdio do diploma que aprovou o código, quer a vinculação constitucional referida, quer o entendimento que dela fazia a jurisprudência constitucional relativamente à não consideração da aptidão edificativa dos solos expropriados nas apontadas circunstâncias. Daí que o legislador tenha construído os referidos critérios em torno da ideia da existência ou inexistência da potencial aptidão edificativa dos solos, revelada não pela simples existência do solo, dado que, em princípio, “todo o solo, incluindo o integrado em prédios rústicos, é passível de construção”, mas pela
“situação” em que esses solos se encontram no que tange à sua sujeição ou não sujeição a restrições ou até proibições de construir decorrentes da lei ou de regulamento e por esta tidas como constitucionalmente necessárias e adequadas. A questão da densificação do conceito constitucional de justa indemnização e a sua imbricação com o direito de edificar enquanto factor de fixação valorativa, pelo menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa, já foi objecto de inúmeras decisões deste Tribunal. Assim, no Acórdão n.º 194/97 (Diário da República, II Série, de 27 de Janeiro de
1999), que concluiu pela conformidade constitucional das normas das várias alíneas do n.º 2 do art.º 24.º, precisamente do CE/91, aos princípios da justa indemnização e da igualdade, consagrado no art.º 13.º da CRP, escreveu-se, fazendo uma resenha da evolução legislativa e jurisprudencial verificada:
«5.1. No domínio do Código das Expropriações de 1976 (aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro), a questão da justa indemnização a pagar aos particulares pela expropriação dos seus terrenos para fins de utilidade pública foi objecto de inúmeras decisões deste Tribunal, que acabou por declarar inconstitucionais, com força obrigatória geral, os nºs 1 e 2 do artigo 30º daquele Código.
Ponderou então o Tribunal que, sendo o direito à justa indemnização um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, as restrições que lhe forem impostas devem limitar-se ao necessário para a salvaguarda de outros direitos ou interesse constitucionalmente protegidos. Ora
- frisou -, nos nºs 1 e 2 daquele artigo 30º, para o cálculo do montante da indemnização a pagar aos expropriados, não se levava em linha de conta a potencial aptidão edificativa dos terrenos que se situassem fora dos aglomerados urbanos ou em zonas diferenciadas desses mesmos aglomerados - com o que se violavam os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade dos cidadãos perante a lei (cf. Acórdãos nºs 131/88 e 52/90, publicados no Diário da República, I série, de 29 de Junho de 1988 e de 30 de Março de 1990, respectivamente).
Claro é que - como nessa jurisprudência se acentuou - a Constituição não tutela expressamente o direito a edificar como um direito que se inclua, necessária e naturalmente, no direito de propriedade. Apesar disso, porém - sublinhou-se no Acórdão nº 341/86 (publicado no Diário da República, II série, de 19 de Março de 1987) e repetiu-se no citado Acórdão nº 131/88 - parece que,
'mesmo naqueles casos em que a Administração impõe aos particulares certos vínculos que, sem subtraírem o bem objecto do vínculo, lhe diminuem, contudo, a utilitas rei, se deverá configurar o direito a uma indemnização, ao menos quando verificados certos pressupostos'. E mais: o ius aedificandi 'deverá ser considerado como um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva capacidade edificativa'.
A indemnização, com efeito, só é justa se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que efectivamente ele sofreu. Não pode, por isso, ser de montante tão reduzido que a torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser desproporcionada à perda do bem expropriado. Não deve, assim, atender a factores especulativos ou outros que distorçam, para mais ou para menos, a proporção que deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela (cf., sobre isto, FERNANDO ALVES CORREIA, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1990, p. 533).
Há, pois - como se sublinhou no Acórdão nº 184/92 (publicado no Diário da República, II série, de 18 de Setembro de 1992) -, que observar aqui um princípio de igualdade e de proporcionalidade - um princípio de justiça, em suma.
A Constituição, impondo que a indemnização a pagar ao expropriado seja justa, exige, na verdade, que o legislador ordinário defina um critério do quantum indemnizatório capaz de realizar o princípio da igualdade dos expropriados entre si e destes com os não expropriados.
É que, a expropriação por utilidade pública - que é imposta aos particulares em vista da satisfação de um determinado interesse público - coloca aqueles que a sofrem numa situação de desigualdade em confronto com os demais cidadãos.
Ora, num Estado de Direito, tem que haver igualdade de tratamento, designadamente perante os encargos públicos. Por isso, a desigualdade imposta pela expropriação tem que compensar-se com o pagamento de uma indemnização que assegure 'uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado' (cf. o citado Acórdão nº 52/90 e o Acórdão 381/89, publicado no Diário da República, II série, de 8 de Setembro de 1989). Só desse modo, com efeito, se restabelecerá o equilíbrio que a igualdade postula.
O princípio da igualdade, por outro lado, proíbe se dê tratamento jurídico desigual aos expropriados colocados em idêntica situação, só podendo estabelecer-se distinções de tratamento ali onde exista um fundamento material para tanto. Por isso, não é constitucionalmente admissível que a alguns expropriados se imponha uma 'onerosidade forçada e acrescida' sem que exista justificação material para a diferença de tratamento (cf. o citado Acórdão n.º
131/88); - recte, do ponto de vista constitucional, é inadmissível, por exemplo, que, 'em regra, se atenda ao valor real e corrente dos prédios expropriados e que nas situações particulares dos nºs 1 e 2 do artigo 30º do Código das Expropriações (de 1986) se considere, em muitos casos, um valor abaixo do real e corrente' (cf. o Acórdão nº 109/88, publicado no Diário da República, II série, de 1 de Setembro de 1988).
O desiderato de justiça, postulado pelo reconhecimento de um direito fundamental dos expropriados ao recebimento de uma justa indemnização pela perda do bem de que são privados por razões de utilidade pública, alcança-se, seguramente, quando o legislador opta pelo critério do valor do mercado do bem expropriado.
Outros critérios são, porém, possíveis. Questão é que eles realizem os princípios de justiça, de igualdade e de proporcionalidade que a indemnização tem que cumprir - acentuou-se no já citado Acórdão nº 184/92.
5.2. No novo Código das Expropriações (aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro), o legislador teve em conta a jurisprudência do Tribunal Constitucional, cujos traços essenciais se indicaram e que aqui se adopta na
íntegra.
Depois de citar expressamente os Acórdãos n.ºs 131/88 e 52/90, acima referidos, escreveu-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 438/91:
Relativamente à jurisprudência do Tribunal Constitucional, e partindo da ideia básica desta jurisprudência de que a não consagração na lei da potencial aptidão de edificabilidade dos terrenos expropriados e localizados fora dos aglomerados urbanos ou em zona diferenciada de aglomerado urbano violaria os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade dos cidadãos perante a lei
(artigos 62.º, n. º2, e 13.º, n.º 1, da Constituição), entendeu-se, para efeitos do valor a atribuir aos particulares pela expropriação dos seus terrenos, classificar o solo em apto para a construção e para outros fins.
O legislador começou por acentuar que a indemnização 'não visa compensar o benefício alcançado, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação', e, logo a seguir, definiu como critério ou medida geral dessa indemnização o valor do bem expropriado, 'tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública' (cf. artigo 22.º, n.º 2).
Para o efeito do cálculo dessa indemnização, o legislador deixou de classificar os terrenos em terrenos situados fora dos aglomerados urbanos, em zona diferenciada do aglomerado urbano ou em aglomerado urbano. Passou, antes, a classificá-los em solo apto para construção e solo para outros fins (cf. artigo
24.º, n.º 1), à semelhança do que fazia o Decreto-Lei n.º 576/70, de 24 de Novembro, que falava em terrenos para construção e terrenos para outros fins
(cf. artigo 6.º e 7.º).
No artigo 24.º, n.º 2, - que é a norma que aqui está sub iudicio -, passou o legislador a definir o que é um solo apto para construção. Dispõe-se aí, com efeito:
[...]
O legislador, ao definir solo apto para construção, não adoptou 'um critério abstracto de aptidão edificatória já que, abstracta ou teoricamente, todo o solo, incluído o integrado em prédios rústicos, é passível de edificação -, mas antes um critério concreto de potencialidade edificativa' sublinha Fernando Alves Correia, na Introdução ao Código das Expropriações e outra Legislação Sobre Expropriações por Utilidade Pública, Aequitas, Editorial Notícias, 1992.
O legislador, ao proceder à identificação dos solos aptos para a construção, teve, na verdade, em conta - como refere o mesmo Autor (loc. cit.) - 'elementos certos e objectivos, espelhados na dotação do solo com infraestruturas urbanísticas [artigo 24.º, n.º 2, alínea a)], na sua inserção em núcleo urbano
[artigo 24.º, n.º 2, alínea b)], na qualificação do solo como área de edificação por um plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz [artigo
24.º, n.º 2, alínea c)] ou na cobertura do mesmo por alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública
[artigo 24.º, n.º 2, alínea d)]'.
5.3. Esta definição de solo apto para a construção, assente nos elementos certos e objectivos apontados, será capaz de responder satisfatoriamente ao desiderato de justiça de que antes se falou como achando-se implicado no direito fundamental do expropriado a uma justa indemnização?
Perguntando de outro modo: será que uma tal definição conduz a que, no cálculo do valor dos bens expropriados, o ius aedificandi seja, efectivamente, considerado 'como um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa'?
A resposta tem que ser afirmativa.
Na verdade, só pode dizer-se que os bens expropriados envolvem 'uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa', quando, no mínimo, estejam destinados a ser dotados de infra-estruturas urbanísticas, 'de acordo com plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz' [alínea c) do n.º 2 do artigo 24.º] ou, pelo menos, quando possuam 'alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública' [alínea d) do n.º 2 do artigo 24.º].
Se, como pretendem os recorrentes, não devesse exigir-se, para o reconhecimento da aptidão edificativa de um terreno, a sua prévia qualificação como solo para construção por um 'plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz' ou a existência de um 'alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública', o resultado seria, muito decerto, ter que reconhecer-se essa capacidade a quase todos os terrenos, senão mesmo a todos eles. A tanto conduziria, com efeito, o critério que propõem de se reconhecer aptidão construtiva 'por parâmetros objectivos e naturais', como, aliás, parece inculcar a sua afirmação 'havendo sempre lugar à indemnização, no caso de expropriação, tendo em conta a valorização natural quanto à aptidão construtiva de um terreno expropriado'.
É que, em teoria, seria, de facto, possível construir em todos os solos, mesmo que incluídos na Reserva Agrícola Nacional (disciplinada pelo Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho) ou na Reserva Ecológica Nacional (regulada pelo Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março) e, mesmo, sem observar os respectivos planos municipais de ordenamento do território (planos directores municipais, planos de urbanização ou planos de pormenor. Cf. o Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março), senão, inclusive, sem loteamento (cujo regime jurídico consta do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, alterado pelos Decretos-Lei n.º
302/94, de 18 de Dezembro e 334/95, de 28 de Dezembro, tendo este último sido alterado pela Lei nº 26/94, de 1 de Agosto) ou sem licença de construção (sobre o licenciamento das obras dos particulares, cf. o Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, que o republicou, e pela Lei n.º 22/96, de 26 de Julho).
Mais ainda: se não se exigisse que a capacidade edificativa do terreno expropriado existisse já no momento da declaração de utilidade pública, poderiam criar-se artificialmente factores de valorização que, depois, iriam distorcer a avaliação. E, então, a indemnização podia deixar de traduzir apenas 'uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado' (cf. citado Acórdão n.º 381/89) e ser 'desproporcionada à perda do bem expropriado' (cf. Acórdão n.º 184/92, citado).
Ora, só quando os terrenos expropriados 'envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa' (cf. o citado Acórdão n.º 131/88) é que se impõe constitucionalmente que, na determinação do valor do terreno expropriado, se considere o ius aedificandi entre os factores de valorização. Tal, porém, só acontece, quando essa potencialidade edificativa seja uma realidade, e não também quando seja uma simples possibilidade abstracta sem qualquer concretização nos planos municipais de ordenamento, num alvará de loteamento ou numa licença de construção.
A definição de solo apto para a construção, constante das várias alíneas do n.º 2 do artigo 24.º, responde, pois, às exigências feitas pelo princípio constitucional da justa indemnização, consagrado no artigo 62º, n.º 2, da Lei Fundamental.
Como tais normas se adequam à finalidade de assegurar o pagamento de indemnizações justas aos expropriados, não desfavorecem elas o expropriado no confronto com os proprietários não abrangidos pela expropriação -, e, por isso, não violam o princípio da igualdade, no âmbito externo. E, como não estabelecem distinções de tratamento entre terrenos que se encontrem em situação idêntica, não violam a igualdade entre os expropriados».
8.3. Por seu lado, mais recentemente, escreveu-se no mesmo sentido no Acórdão n.º 243/2001 (Diário da República, II Série, de 4 de Julho de 2001):
«Ora, a indemnização só é justa, se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que efectivamente sofreu. Não pode ser de montante tão reduzido que a torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser desproporcionada
à perda do bem expropriado. E, por isso, não deve atender a factores especulativos ou outros que distorçam a proporção que deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela, para mais ou para menos. Há, consequentemente, que observar aqui um princípio de igualdade e de proporcionalidade – um princípio de justiça, em suma. O quantum indemnizatório a pagar a cada expropriado há-de realizar a igualdade dos expropriados entre si e a destes com os não expropriados: trata-se de assegurar que haja igualdade de tratamento perante os encargos públicos. O desiderato de justiça, postulado pelo reconhecimento do direito fundamental dos expropriados ao recebimento de uma justa indemnização pela perda do bem de que são privados por razões de utilidade pública – sublinhou-se no Acórdão n.º
194/97 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 36º, página
407) – alcança-se, seguramente, quando o legislador opta pelo critério do valor do mercado do bem expropriado, mas são possíveis outros critérios. Questão é que realizem os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade que a indemnização tem que cumprir. Ora, quando os solos tenham aptidão edificativa, os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade só são respeitados, se essa potencialidade for levada em conta no cálculo da indemnização a pagar ao expropriado. Sublinhou-se a propósito no Acórdão n.º 131/88 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 11º, página 475), repetindo o que se escrevera no Acórdão n.º 341/86, que o ius aedificandi deve ser considerado como 'um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva capacidade edificativa'
No citado Acórdão n.º 194/97, o Tribunal concluiu que as normas constantes das várias alíneas do n.º 2 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991 não são inconstitucionais, pois que não violam o direito à justa indemnização, nem o princípio da igualdade.
Para assim concluir, o Tribunal começou por fazer notar que, nesse n.º 2 do dito artigo 24º, o legislador, ao definir solo apto para a construção, adoptou um critério concreto de potencialidade edificativa, que é o único critério idóneo para o efeito tido em vista – ou seja: para o efeito de, no cálculo da indemnização a pagar pelo bem expropriado, se valorizar efectivamente o ius aedificandi. É o único critério idóneo – frisou –, porque, em abstracto, todos os solos, incluindo o dos prédios rústicos, mesmo que fazendo parte, designadamente, da Reserva Agrícola Nacional, são aptos para neles se construir. Acrescentou-se nesse aresto que, «se não se exigisse que a capacidade edificativa do terreno existisse já no momento da declaração de utilidade pública, poderiam criar-se artificialmente factores de valorização que, depois, iriam distorcer a avaliação. E, então, a indemnização podia deixar de traduzir apenas 'uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado' e ser 'desproporcionada à perda do bem expropriado'». E precisou-se aí mais o seguinte: Ora, só quando os terrenos expropriados 'envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa' [...] é que se impõe constitucionalmente que, na determinação do valor do terreno expropriado, se considere o ius aedificandi entre os factores de valorização. Tal, porém, só acontece quando essa potencialidade edificativa seja uma realidade, e não também quando seja uma simples possibilidade abstracta sem qualquer concretização nos planos municipais de ordenamento, num alvará de loteamento ou numa licença de construção».
8.4. Também a questão da conformidade do n.º 5 do art.º 24.º do CE/91 aos parâmetros constitucionais da justa indemnização e dos princípios da igualdade e da proporcionalidade já foi, por várias vezes, objecto de apreciação por banda deste Tribunal.
Assim, o Acórdão n.º 267/97 (Diário da República, II Série, de
21/5/1997), no qual os recorrentes fundamentam a sua pretensão, julgou a norma inconstitucional por violação do princípio da igualdade “enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de «solo apto para a construção» os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola, na medida em que impõe um sacrifício desproporcionado (acrescido aos particulares). Estava-se perante uma situação em que uma parcela de terreno foi desafectada da RAN para nela se construir, tendo a expropriação subsequente sido efectuada para nela se construir um quartel de bombeiros.
Mas diferentes foram os juízos feitos, posteriormente, sobre a conformidade constitucional de tal norma: em todos eles conclui-se pela sua compatibilidade com a Constituição. Foi assim no Acórdão n.º 20/2000 (Diário da República, II Série, de 28/4/2000) em que se estava perante uma situação jurídica quase em tudo coincidente com a que ocorre no caso sub judicio, pois, enquanto ali a situação jurídica apreciada dizia respeito a uma parcela que não tinha sido desafectada da RAN, nela continuando, pois, ainda incluída, e a expropriação se destinou à construção de uma auto-estrada, aqui a situação respeita a uma parcela de terreno que estava também incluída na RAN, à data da declaração de utilidade pública e da sua publicação, e a expropriação teve lugar para nela ser construída uma variante de uma estrada. O único traço que não se sobrepõe exactamente ao deste acórdão, na situação sub judicio, é o de que a parte sobrante do prédio em que se integrava a parcela expropriada passou, por virtude de alteração do Plano Director Municipal de C., ocorrida após aqueles momentos a incluir-se em zona urbanizável.
Foi assim, também, nos Acórdãos n.os 247/00 (inédito), 219/2001,
243/2001, 121/2002, 417/2002 e 155/2002 (Diários da República, II Série, respectivamente, de 6/7/2001, 4/7/2001, 12/12/2002, 17/12/2002 e 30/12/2002) relativos a situações de terrenos incluídos na RAN ou na REN e que foram expropriados, ou para a construção de vias de comunicação, ou para a construção de centrais de incineração de resíduos sólidos ou de incineração.
Como se sublinhou nos Acórdãos nºs 20/2000 e 219/2001, acabados de referir, a ratio decidendi daquele Acórdão n.º 267/97 baseou-se «não na desvinculação de uma utilização agrícola pela expropriação, mas na circunstância de, nesse caso, a interpretação normativa em apreço conduzir à não consideração como “solo apto para construção” de prédios expropriados justamente com a finalidade de neles construir prédios urbanos, em que, portanto, a muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa fica demonstrada pelo facto de a expropriação - aliás acompanhada de desafectação da RAN – ser efectuada para edificações urbanas». O que releva, porém, para efeitos da “justa indemnização” não é o facto do terreno deixar de ter aptidão agrícola, como sucede nos casos em que se constróiem nele vias de comunicação ou centrais de incineração, mas sim a circunstância dos terrenos passarem a ter uma muito próxima ou efectiva aptidão edificativa que se poderá revelar pelo motivo que justifica a expropriação ou pelo destino que o expropriante concretamente lhe dá, usando-o na construção
(neste exacto sentido o citado Acórdão 20/2000). Pense-se nos casos singelos de solos integrados na RAN ou na REN que sejam expropriados com vista à construção de casas de habitação, ou de edifícios para comércio ou indústria. É evidente que estas situações enquadram dimensões jurídicas que não poderão ser acolhidas pelos princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade nos encargos públicos, segundo a densificação que deles se deixou feita, a coberto da sua qualificação dentro do n.º 5 do art.º 24.º de “solos para outros fins”.
8.5. É tempo de voltar à dimensão jurídica do n.º 5 do art.º 24.º em questão neste recurso. Ora, numa situação em que o prédio de que faz parte a parcela expropriada se integra, como acontece no caso dos autos, na RAN, verifica-se o que o Prof. Dr. Fernando Alves Correia designa por «vinculação situacional da propriedade do solo, o qual legitima... restrições às faculdades de utilização dos terrenos que não são acompanhados do dever de indemnização» pela sua inclusão em tal situação jurídica (cf. O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, 1989, págs. 45/456). Enquanto integrado na RAN, não poderá o seu proprietário (ou outros potenciais adquirentes do mesmo) ter em relação a ele expectativas legalmente fundadas quanto “à sua muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa”. Na verdade, de acordo com o ordenamento jurídico que rege a situação dos terrenos abrangidos pela RAN (DL. n.º 196/89, de 14/6, alterado pelos DLs. n.os 274/92, de 12/12 e 278/95, de 25/10), não é possível vir a construir-se neles. Trata-se de restrições que se mostram necessárias e funcionalmente adequadas para acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que propiciem o desenvolvimento da actividade agrícola e dos interesses públicos que lhe andam indissociadamente ligados. Estamos, pois, perante restrições constitucionalmente legítimas. E que não violam, quer o princípio da justa indemnização, dada aquela sua “vinculação situacional”, nem os princípios da igualdade e da proporcionalidade, pois atingem todos os proprietários e outros interessados que estão, quer em concreto, quer em abstracto, dentro da mesma situação jurídica. No que tange a este último parâmetro constitucional, haverá que acentuar que o juízo feito pelo legislador, quanto à necessidade e concreta extensão física de inclusão dos terrenos na RAN, deve ser acolhido pelo Tribunal, por respeito à sua competência legislativa constitucional e à discricionariedade que a mesma comporta. Só nos casos em que se evidenciasse uma distorção grosseira que fosse passível de censura segundo os cânones do princípio do Estado de Direito, ínsito no art.º 2º da CRP, que aqui nada evidencia, é que o Tribunal poderia invalidar a restrição efectuada. A circunstância da “vinculação situacional se alterar, ainda que apenas em relação à parte do prédio não abrangida pela expropriação, após a prática do acto expropriativo, deixando o terreno em que se inclui a parcela expropriada de estar abrangido pela RAN para passar a constar de uma zona urbanizável, segundo o PDM de C., como consequência da alteração posterior deste, não altera a natureza das coisas, pois não é susceptível de evidenciar qualquer comportamento da administração de manipulação das regras urbanísticas (cf. Fernando Alves Correia, A Jurisprudência Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999, Coimbra, 2000, págs. 52)”. Não se poderá falar de um direito dos donos dos prédios sujeitos a “vinculação situacional” a ver alterada essa situação, nem cabe aqui a invocação da protecção da tutela da confiança postulada pelo princípio do Estado de Direito. A possibilidade de alteração de tal situação há-de ver-se como uma faculdade incluída naquela discricionariedade normativo-constitutiva e censurável apenas nas hipóteses que se referiram. Finalmente, e em termos decisivos para o caso dos autos, que numa situação em que a parcela expropriada se destina à construção de uma estrada não é possível ver, aí, acoplada qualquer alteração quanto à existência de uma muito próxima ou efectiva aptidão edificativa que a sua inclusão na RAN anteriormente afastava, nem sequer uma mudança quanto à sua qualificação legal de terreno com destinação agrícola. Numa situação em que cesse a via de comunicação construída, o terreno volta a estar sujeito a uma efectiva destinação agrícola. De tudo resulta que o n.º 5 do art.º 24.º do CE/91 não é inconstitucional e que bem decidiu, embora por remissão para a sentença, o acórdão recorrido essa questão.
C – A decisão
9. Destarte, atento tudo o exposto, este Tribunal Constitucional decide: a) Não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 5 do art.º 24.º do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, interpretada por forma a excluir da classificação de solos como solo apto para construção os terrenos integrados na RAN expropriados para a construção de vias de comunicação. b) Negar provimento ao recurso. Custas pelos recorrentes com taxa de justiça de 15 UC.
Lisboa, 8 de Julho de 2003 Benjamim Rodrigues Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos