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Processo nº 13/2003 Plenário Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em Plenário,
no Tribunal Constitucional:
1. Ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 281º da Constituição e no n.º 1 do artigo 51º e n.º 1 do artigo 62º da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, o Presidente da República veio requerer ao Tribunal Constitucional “a apreciação e a declaração da inconstitucionalidade e da ilegalidade, com força obrigatória geral”, das normas constantes dos n.ºs 1 a 8 do artigo 9º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento de Estado para
2003), com a seguinte redacção:
Artigo 9º Caixa Geral de Aposentações
1 - Os artigos 51.º e 53.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, passam a ter a seguinte redacção:
«Artigo 51.º
Regimes especiais
1 – (...)
2 – (...)
3 - Sem prejuízo de outros limites aplicáveis, a pensão de aposentação do subscritor sujeito ao regime do contrato individual de trabalho determina-se pela média mensal das remunerações sujeitas a desconto auferidas nos últimos três anos, com exclusão dos subsídios de férias e de Natal ou prestações equivalentes.
4 - (Anterior n.º 3).
Artigo 53.º Cálculo da pensão
1 - A pensão de aposentação é igual à trigésima sexta parte da remuneração mensal relevante, deduzida da percentagem da quota para efeitos de aposentação e de pensão de sobrevivência, multiplicada pela expressão em anos do número de meses de serviço contados para a aposentação, com o limite máximo de 36 anos.
2 - A pensão não pode, em caso algum, exceder o montante da remuneração líquida a que se refere o n.º 1.
3 – (...)
4 – (...)».
2 - É aditado um artigo 37.º-A ao Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, com a seguinte redacção:
«Artigo 37.º-A Aposentação antecipada
1 - Os subscritores da Caixa Geral de Aposentações que contem, pelo menos, 36 anos de serviço podem, independentemente de submissão a junta médica e sem prejuízo da aplicação do regime da pensão unificada, requerer a aposentação antecipada.
2 - O valor da pensão de aposentação antecipada prevista no número anterior é calculado nos termos gerais e reduzido pela aplicação de um factor de redução determinado pela fórmula 1-x, em que x é igual à taxa global de redução do valor da pensão.
3 - A taxa global de redução é o produto da taxa anual de 4,5% pelo número de anos de antecipação em relação à idade legalmente exigida para a aposentação.
4 - O número de anos de antecipação a considerar para a determinação da taxa global de redução da pensão é reduzido de um por cada período de três que exceda os 36.»
3 - É revogado o Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril.
4 - É aditado um n.º 5 ao artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 128/90, de 17 de Abril, com a seguinte redacção:
«5 - A remuneração relevante para efeitos de desconto de quota e de cálculo da pensão de aposentação não pode ser inferior à estabelecida na convenção colectiva de trabalho aplicável nem superior à que respeite à categoria e escalão da carreira docente instituída para o ensino oficial correspondente ao mesmo tempo de serviço docente.»
5 - O artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 327/85, de 8 de Agosto, passa a ter a seguinte redacção:
«Artigo 4.º
1- (...).
2 - A remuneração relevante para efeitos de desconto de quota e de cálculo da pensão de aposentação não pode ser inferior à estabelecida na convenção colectiva de trabalho aplicável nem superior à que respeite à categoria e escalão da carreira docente instituída para o ensino oficial correspondente ao mesmo tempo de serviço docente.
3 - (Anterior n.º 2.).»
6 - O disposto nos números anteriores não se aplica aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações cujos processos de aposentação sejam enviados a essa Caixa, pelos respectivos serviços ou entidades, até 31 de Dezembro de 2002, desde que os interessados reúnam, nessa data, as condições legalmente exigidas para a concessão da aposentação, incluindo aqueles cuja aposentação depende da incapacidade dos interessados e esta venha a ser declarada pela competente junta médica após aquela data.
7 - Tratando-se de antigos subscritores da Caixa Geral de Aposentações, o disposto no número anterior aplica-se aos requerimentos recebidos nessa Caixa até 31 de Dezembro de 2002.
8 - Nos casos referidos nos n.ºs 6 e 7, quando o despacho a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, ou a declaração prevista na alínea b) do mesmo normativo legal, sejam posteriores a 31 de Dezembro de 2002, a situação relevante para efeitos de fixação da aposentação é a existente em 31 de Dezembro de 2002.
2. O Presidente da República, começando por observar que são significativas as modificações introduzidas pelas normas cuja apreciação pretende, quer no método de cálculo das pensões de aposentação (e, consequentemente, no respectivo montante), quer no regime da aposentação antecipada dos trabalhadores da Administração Pública, sustenta, em síntese, o seguinte:
a) Segundo o artigo 56º, n.º 3, da Constituição, compete às associações sindicais exercer o direito de contratação colectiva, o qual é garantido nos termos da lei. No que se refere aos trabalhadores da Administração Pública em regime de direito público, é a Lei n.º 23/98, de 26 de Maio, que procede à densificação daquele direito de contratação colectiva, estabelecendo, designadamente, no seu artigo
6º, alínea b), que são objecto de negociação colectiva as matérias relativas à fixação ou alteração das pensões de aposentação ou de reforma. Por sua vez, no que se refere aos trabalhadores da Administração Pública em regime de direito privado, o direito de negociação colectiva rege-se pela legislação geral referente à regulamentação colectiva das relações de trabalho.
b) Ora, uma vez que as normas constantes do artigo 9º, n.ºs 1, 2, 4 e 5 da Lei n.º 32-B/202, de 30 de Dezembro, fixam ou modificam substancialmente o método de cálculo e, consequentemente, o montante das pensões de aposentação, elas deveriam ter sido objecto de prévia negociação colectiva entre o Governo e as associações sindicais representativas dos trabalhadores da Administração Pública.
c) Não tendo ocorrido essa negociação colectiva antes da aprovação da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, as normas referidas enfermam de inconstitucionalidade por violação do direito de contratação colectiva das associações sindicais, consagrado no artigo 56º, n.º 3, da Constituição.
d) Para além disso, segundo o artigo 56º, n.º 2, alínea a), da Constituição, constitui direito das associações sindicais participar na elaboração da legislação do trabalho, devendo entender-se que o regime de aposentação dos trabalhadores da Administração Pública integra o conceito de legislação do trabalho.
e) A mesma Lei n.º 23/98, de 26 de Maio, que também densifica e concretiza o direito de participação das associações sindicais representativas dos trabalhadores da função pública na elaboração da legislação do trabalho, refere expressamente, no seu artigo 10º, n.º 1, alínea d), que a matéria referente a alterações ao estatuto da aposentação deve ser objecto de participação das associações sindicais; mais dispõe o artigo 10º, n.º 9, do mesmo diploma, que quando a iniciativa seja do Governo, a consulta às associações sindicais pressupõe a existência de documento escrito a apresentar por este.
f) Uma vez que as normas constantes do artigo 9º, n.ºs 2, 3, 6, 7 e
8, da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, modificam parcial, mas substancialmente, o regime e estatuto da aposentação, elas deveriam ter sido objecto de prévia audição das associações sindicais representativas dos trabalhadores da Administração Pública nos termos previstos na lei densificadora do correspondente direito constitucional. Em qualquer caso, e para que o direito constitucional de participação das associações sindicais na elaboração da legislação do trabalho não resulte esvaziado, a audição nunca deveria ter ocorrido quando o diploma em causa fora já aprovado na generalidade pela Assembleia da República e quando não estavam objectivamente garantidas as condições de uma participação pública e efectiva.
g) Não tendo existido uma tal participação das associações sindicais na elaboração da legislação do trabalho, as normas acima citadas da Lei n.º
32-B/2002, de 30 de Dezembro, enfermam de inconstitucionalidade por violação do direito das associações sindicais à participação na elaboração da legislação do trabalho consagrado no artigo 56º, n.º 2, alínea a), da Constituição.
h) Mesmo a entender-se que a audição de associações sindicais realizada pela Comissão de Trabalho e Assuntos Sociais da Assembleia da República já no curso do processo legislativo parlamentar e após aprovação do diploma na generalidade salvaguardaria o direito constitucional das associações sindicais à participação na elaboração da legislação do trabalho, ainda assim não teriam sido observados os procedimentos impostos pela Lei n.º 23/98, de 26 de Maio.
i) As normas que na Lei n.º 23/98, de 26 de Maio, fixam os procedimentos de negociação colectiva e de audição das associações sindicais no que respeita à regulação de matérias como as pensões e o estatuto de aposentação assumem, face às normas legais que introduzem alterações nos respectivos regimes jurídicos, o carácter de leis ordinárias reforçadas, na medida em que, no fundo, aquelas outras normas legislativas dispõem sobre o modo de produção de actos legislativos que, dessa forma, lhes ficam procedimentalmente subordinados.
j) Isto é assim, não apenas, genericamente, por força do princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2º da Constituição, que, numa lógica de autolimitação jurídica dos poderes do Estado, obriga os poderes constituídos
à observância das leis por eles mesmo emitidas enquanto essas leis estiverem em vigor, mas também, especificamente, por força do princípio do artigo 112º, n.º
3, in fine, da Constituição, que, concretizando aquele princípio, expressamente eleva à categoria de leis ordinárias reforçadas todas aquelas que por outras devam ser respeitadas.
l) Nesses termos, a inobservância dos procedimentos que na Lei n.º
23/98, de 26 de Maio, regulam a produção de outros actos legislativos configura-se como inconstitucionalidade por violação indirecta do artigo 2º e do artigo 112º, n.º 3, da Constituição, mas, como se infere do disposto no artigo
280º, n.º 2, alínea a), e do disposto no artigo 281º, n.º 1, alínea b), também se configura como vício autónomo de ilegalidade por violação de lei com valor reforçado.
m) Não tendo ocorrido, nos termos legalmente previstos, a negociação colectiva e a audição prévia das associações sindicais para efeitos de alteração das normas referentes às pensões e ao regime e estatuto da aposentação, as normas constantes do artigo 9º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, na parte em que se referem aos trabalhadores da Administração Pública em regime de direito público, enfermam de ilegalidade por violação dos artigos 6º, alínea b),
7º, 10º, n.ºs 1, alínea d), e 9º, e 14º da Lei n.º 23/98, de 26 de Maio.
3. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos
54º e 55º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos e juntou um relatório enviado pela Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais da Assembleia da República contendo a documentação relativa às audições convocadas por essa Comissão no âmbito da discussão na especialidade da Proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2003, na parte correspondente à alteração ao Estatuto da Aposentação, e ainda os Diários da Assembleia da República que contêm os trabalhos preparatórios relativos ao diploma em apreciação.
4. Apresentado memorando pelo Presidente do Tribunal, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 63º da Lei nº 28/82, o Tribunal procedeu à respectiva apreciação e votação.
Fixada a orientação a seguir, cumpre decidir.
5. O Presidente da República levanta, como se viu, três questões de constitucionalidade.
Em primeiro lugar, e relativamente às normas constantes dos n.ºs 1,
2, 4 e 5 do artigo 9º da Lei n.º 32-B/32, que “fixam ou modificam substancialmente o método de cálculo e, consequentemente, o montante das pensões de aposentação”, a sua inconstitucionalidade decorreria de não ter sido respeitado, anteriormente à sua aprovação pela Assembleia da República, o direito das associações sindicais à contratação colectiva, tutelado nos termos previstos no n.º 3 do artigo 56º da Constituição – “Compete às associações sindicais exercer o direito de contratação colectiva, o qual é garantido nos termos da lei” – e concretizado, nesta matéria, na al. b) do artigo 6º da Lei n.º 23/98, de 26 de Maio.
A resposta a esta questão implicaria determinar se a matéria sobre que versam tais normas se inclui no âmbito constitucionalmente imposto para o direito de contratação colectiva. Ora o Tribunal Constitucional já teve a oportunidade, por diversas vezes, de se pronunciar sobre esse âmbito, nomeadamente quando, como agora, estavam em causa normas relativas a prestações de segurança social. Assim, no seu Acórdão n.º 517/98 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol.
40º, pág. 573 e ss.), a propósito de saber se respeitavam ou não tal direito normas que vedavam aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho a criação de prestações complementares de reforma, o Tribunal Constitucional observou que “O direito à contratação colectiva é um direito que os trabalhadores apenas podem exercer através das associações sindicais. É, além disso, um direito que se acha colocado sob reserva da lei: a Constituição garante-o, de facto, ‘nos termos da lei’. Isto, porém, não significa que a lei possa esvaziar de conteúdo um tal direito, como sucederia se regulamentasse, ela própria, integralmente as relações de trabalho, em termos inderrogáveis pelas convenções colectivas. Significa apenas que a lei pode regular o direito de negociação e contratação colectiva – delimitando-o ou restringindo-o – , mas deixando sempre um conjunto minimamente significativo de matérias aberto a essa negociação. Ou seja: pelo menos, a lei há-de ‘garantir uma reserva de convenção colectiva’.” A aplicação deste critério às normas em apreciação obrigaria, como é manifesto, a averiguar se a matéria nelas regulada integra ou não essa “reserva de convenção colectiva”, ou como também se escreve noutro ponto do mesmo acórdão n.º 517/98, o “núcleo duro do direito de contratação colectiva”. A verdade, porém, é que essa averiguação só se impõe se não proceder o segundo fundamento de inconstitucionalidade apontado pelo Presidente da República – a falta de participação das associações sindicais no processo legislativo (al. a) do n.º 2 do artigo 56º da Constituição) – também relativamente às normas constantes dos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 9º da Lei n.º 32-B/2002. Tratando-se em qualquer caso de legislação aprovada pela Assembleia da República, ainda que tal aprovação tivesse sido precedida de negociação colectiva – onde é o Governo que
é a entidade interlocutora –, sempre se verificaria a inconstitucionalidade das normas referidas por violação do direito de participação.
É que o objectivo com que a Constituição garante o direito de participação é o de permitir que os respectivos titulares tenham a possibilidade de influenciar o
órgão que vai aprovar a legislação, como parece evidente; só assim será respeitado um direito que, como se escreveu no acórdão nº 362/94 (Diário da República, I-A, de 15 de Junho de 1994), referindo os acórdãos nºs 220/90
(Diário da República, I-A, de 20 de Dezembro de 1990) e 430/93 (Diário da República, I-A, de 22 de Outubro de 1993),”visa garantisticamente assegurar a representação dos interesses [dos trabalhadores] aquando da tomada de opções pelo poder normativo, embora a participação decorrente desse direito não possa ser entendida como vinculante quanto a tais opções”.
6. Assim, o Tribunal passa à segunda questão de constitucionalidade suscitada pelo Presidente da República, embora não a restrinja às normas constantes dos n.ºs 2, 3, 6, 7 e 8 do artigo 9º da Lei n.º 32-B/2003 e a vá analisar também quanto aos n.ºs 1, 4 e 5 do mesmo preceito. Cumpre começar por determinar se as normas em questão se devem considerar como legislação do trabalho, uma vez que é nesse âmbito que a alínea a) do n.º 2 do artigo 56º da Constituição consagra o direito de participação das associações sindicais. Ora não oferece dúvidas o facto de as normas impugnadas integrarem o conceito de
“legislação laboral”, relativamente à qual o artigo 56º, n.º 2, alínea a), prevê o direito de participação agora em causa. Com efeito, no que respeita à função pública, especificou-se no já citado acórdão n.º 362/94 que constitui legislação do trabalho “o que se estatui em matéria de regime geral e especial dessa espécie de vínculo de trabalho subordinado, condições de trabalho, vencimentos e demais prestações de carácter remuneratório, regime de aposentação ou de reforma e regalias de acção social e de acção social complementar” (no mesmo sentido, cfr., entre muitos outros, o Acórdão n.º 745/98, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 41º, p. 671). No caso, o Tribunal entende – recorrendo, aliás, ao critério seguido pelo acórdão n.º 173/2001 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 49º, pp. 654) – que as normas em apreciação se devem considerar como estruturantes do regime da aposentação, e, portanto, como constituindo legislação do trabalho, para o efeito que agora nos interessa.
7. A esta conclusão não obsta a sua inclusão na Lei do Orçamento. E, a propósito, cabe observar que esta inserção não implica, por si só, a inconstitucionalidade das mesmas, com base na consideração de que não dizem directamente respeito a receitas ou a despesas, assumindo a natureza de cavaliers budgétaires; tem aqui pleno cabimento o que se afirmou, desenvolvidamente, no Acórdão n.º 141/2002 (publicado no Diário da República, I-A Série, de 9 de Maio de 2002), relativamente à inclusão, na Lei do Orçamento, de normas relativas a salários na função pública. Valem, no caso presente, as considerações então formuladas, assim se reiterando a conclusão ali alcançada, aliás, na sequência da jurisprudência que refere – acórdãos n.ºs 461/87 e
358/92, Acórdãos do Tribunal Constitucional, respectivamente, 10º vol. p. 181 e
23º vol., p. 109.
8. O caso dos autos não coloca, pois, qualquer questão quanto à existência de direito de participação das organizações representativas dos trabalhadores na elaboração das normas impugnadas. Os problemas suscitados quanto a esse direito são outros, uma vez que, com a resposta ao pedido de declaração de inconstitucionalidade, a Assembleia da República juntou
“documentação relativa às audições convocadas” pela Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais da Assembleia da República “no âmbito da discussão na especialidade da Proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2003, na parte correspondente à alteração ao Estatuto da Aposentação”. Trata-se, pois, de saber se essa documentação evidencia o exercício efectivo do direito de participação das associações sindicais na legislação do trabalho a que se refere o artigo
56º, n.º 2, a), da Constituição. Por outras palavras, trata-se de saber se os termos e condições em que decorreram essas “audições”, bem como o universo de entidades convocadas para o efeito, permitem assegurar a conformidade do processo que conduziu à aprovação das normas impugnadas com o disposto no citado artigo da Constituição.
9. Dos elementos trazidos aos autos podem extrair-se os seguintes dados de facto:
- no Diário da Assembleia da República, de 2 de Outubro de 2002, II Série-A, n.º 26, 2º e 4º Suplementos, foi publicada a proposta de lei n.º 28/IX, relativa ao Orçamento do Estado para 2003, cujo artigo 8º, n.ºs 1 a 5, veio a converter-se no artigo 9º, n.ºs 1 a 5, da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro;
- no dia 15 de Outubro de 2002 foi aprovado o relatório e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais relativo à Proposta de Lei n.º 28/IX
(Orçamento do Estado para 2003) – (cf. DAR, II Série-A, n.º 39, de 6 de Novembro de 2002);
- na reunião plenária da Assembleia da República de 22 de Outubro teve início a discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.ºs
27/IX – Grandes Opções do Plano para 2003 e 28/IX – Orçamento do Estado para
2003, debate que prosseguiu nos imediatos dias 23 e 24, e se encerrou, neste
último dia, com a correspondente votação, em que ambas as propostas foram aprovadas (cfr. DAR, I Série, n.ºs 52, 53 e 54, de 23, 24 e 25 de Outubro de
2002);
- no dia 22 de Outubro foi apresentado pelos grupos Parlamentares do PSD e do CDS-PP, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 112º do Regimento da Assembleia da República, um requerimento no sentido de a Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais da Assembleia da República realizar audições com a Secretária de Estado da Administração Pública e com as Associações Patronais e Sindicais, “tendo em conta a discussão das questões relativas ao Estatuto da Aposentação, em sede da Proposta da Lei n.º 28/IX (Orçamento de Estado para
2003)” (cfr. fls. 19 e 20);
- no dia 31 de Outubro foi apreciado e votado o requerimento citado em reunião ordinária da Comissão do Trabalho e dos Assuntos Sociais da Assembleia da República, tendo o mesmo sido aprovado por maioria (com o voto contra do PCP, a abstenção do BE e declarações de voto do PS e do PCP) e tendo ainda sido deliberado ouvir as entidades, cuja audição foi solicitada, no dia 6 de Novembro de 2002 (cfr. fls. 19 e 21 a 34);
- no dia 31 de Outubro de 2002, foram enviadas telecópias a convocar para uma audição sobre o Orçamento de Estado, na parte relativa às alterações ao Estatuto da aposentação, no dia 6 de Novembro, a Confederação dos Agricultores portugueses, CAP (fl. 28), a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses, CGTP (fl. 29), a Confederação da Indústria Portuguesa, CIP (fl 30), a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, CCP (fl 31) e a União Geral dos Trabalhadores, UGT (fl. 34);
- no dia 8 de Novembro de 2002, os deputados do PSD e do CDS-PP, membros da Comissão do Trabalho e Assuntos Sociais da Assembleia da República, apresentaram um requerimento solicitando ao respectivo Presidente “com carácter de urgência, e na sequência das audições dos parceiros sociais realizadas na Comissão no passado dia 6 de Novembro sobre o assunto em epígrafe, a promoção da audição da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, FESAP e Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado. Atendendo à urgência solicitou-se ainda “ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 112º do Regimento da Assembleia da República, que as audições objecto deste requerimento tenham lugar no início da reunião da Comissão marcada para o próximo dia 12 de Novembro, sugerindo-se o seguinte horário: 17h00 – Frente Comum; 17h30 – FESAP; 18h00 – Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado”.
- no dia 11 de Novembro de 2002, os serviços da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais da Assembleia da República enviaram à Federação Sindical da Administração Pública, FESAP e ao Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado, solicitando confirmação das comunicações telefónicas, nesse mesmo dia efectuadas, telecópias através das quais se convidaram estas entidades “para a realização de uma audiência, com o objectivo de apreciar os normativos constantes da Proposta de Lei em causa, na parte que se refere ao Estatuto da Aposentação” (cfr. fls. 48 e 49); em data não determinada, havia sido endereçada telecópia com o mesmo objectivo à Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública (fl. 40);
- no dia 11 de Novembro de 2002 a Comissão de Economia e Finanças, no cumprimento do disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 36º da Lei n.º 91/2001, de
20 de Agosto (Enquadramento orçamental), deliberou remeter para discussão, apreciação e votação no Plenário da Assembleia da República, inter alia, o artigo 8º da proposta de lei n.º 28/IX, preceito que veio a converter-se no artigo 9º da Lei n.º 32-B/2002 (cfr. DAR, II Série-A, n.º 43, de 16 de Novembro de 2002, p. 1415);
- no dia 12 de Novembro de 2002 reuniu a Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais, incluindo-se na respectiva ordem de trabalhos as audições com a Frente Sindical da Administração Pública e com o Sindicatos dos Quadros Técnicos do Estado no âmbito da alteração ao Estatuto da Aposentação constante da Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2003. Conforme resulta da respectiva acta, o Senhor Deputado Francisco José Martins (PSD) disse que
“devidamente notificados, das três entidades seriam ouvidas nesse dia a FESAP e o Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado, pois a Frente Comum recusou estar presente e exercer o seu direito de participação na apreciação e discussão da matéria. Com estas audições esgota-se o período de participação das entidades em causa sobre a matéria em discussão” (cfr. Acta n.º 27/IX/1ªSL da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais, constante de fls. 50 e ss.);
- na reunião plenária da Assembleia da República de 13 de Novembro iniciou-se a discussão e votação, na especialidade, da proposta de lei n.º 28/IX
– Orçamento do Estado para 2003 (artigos 2º, 5º, 7º, 8º, 10º, 18º, 23º a 36º), tendo sido aprovados os n.ºs 1 a 5 do artigo 8º da proposta de lei e tendo ainda sido aprovada a proposta 19-P, do PSD e do CDS-PP, de aditamento dos n.ºs 6, 7 e
8 ao artigo 8º da proposta de lei, que viriam a converter-se nos n.ºs 6, 7 e 8 do artigo 9º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (cfr. DAR, I Série, n.º 55, de 14 de Novembro de 2002, pp. 2280 e 2281);
- na reunião plenária da Assembleia da República de 14 de Novembro concluiu-se a discussão e votação, na especialidade, da proposta de lei n.º 28/IX – Orçamento do Estado para 2003 (artigos 1º, 37º a 54º, 58º a 67º e 72º e Mapas I a XIV e XVII a XI), após o que as propostas de lei n.ºs 27/IX – Grandes Opções do Plano para 2003 e 28/IX Orçamento do Estado para 2003 foram aprovadas em votação final global (cfr. DAR, I Série, n.º 56, de 15 de Novembro de 2002).
10. Cabe, pois, determinar se pode considerar-se este procedimento suficiente, começando por apreciar o universo das entidades cuja audição foi promovida pela Assembleia da República, nos termos indicados. Ora o Tribunal Constitucional também já teve a ocasião de observar que o direito de participação previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 56º da Constituição é da titularidade de todas e cada uma das associações sindicais, individualmente consideradas; e que, por isso, o procedimento a seguir há-de ser apto a garantir que todas essas associações tenham a possibilidade de intervir. Assim, no Acórdão n.º 64/91 (Diário da República I-A de 11 de Abril de 1991), o Tribunal Constitucional fixou o entendimento de acordo com o qual “ a Constituição garante a participação na elaboração do trabalho às comissões de trabalhadores e às associações sindicais. (...) Por outro lado, as associações sindicais são livremente constituídas pelos trabalhadores, tal como é livre a deliberação da formação de associações sindicais de nível superior pelas associações sindicais de base (artigo 55º, n.ºs 1 e 2 da Constituição). (...) Facilmente se conclui, por isso (...) [que ] pode haver, e há, de facto, associações sindicais que não fazem parte, directa ou indirectamente, daquelas confederações. Por isso, conclui-se que o direito de audição garantido constitucionalmente às organizações de trabalhadores não pode ser exercido por todas e cada uma delas quando só as confederações representadas no Conselho Permanente de Concertação Social tiverem conhecimento e participarem de alguma forma na elaboração da legislação de trabalho. O dever de consulta há-de ser cumprido pela Assembleia da República nos termos do artigo 4º da referida Lei n.º 16/79, sob pena de se verificar o vício de falta de audição”. O Tribunal referia-se, então, à necessidade de publicação oficial dos projectos e propostas de diplomas sobre legislação do trabalho, publicação, note-se, acompanhada das indicações aptas a permitir aos destinatários uma efectiva participação no processo legislativo, constante daquele artigo 4º. Ora, embora a Lei n.º 16/79 não se aplique directamente ao caso de que agora se trata, a verdade é que o princípio de publicidade implicado no preceito citado não pode deixar de ser, também aqui, considerado relevante, como meio de permitir alcançar adequadamente todas as entidades visadas. Tendo optado pelo método da consulta directa, via, aliás, prevista pela Lei nº
23/98, a Assembleia da República teria de ter convocado todas as associações sindicais da função pública, nomeadamente recorrendo ao registo previsto no artigo 2º da mesma lei.
11. A verdade, porém, é que esta via não é constitucionalmente imposta, do ponto de vista do cumprimento do dever de audição que está em causa. Com efeito, não estabelecendo a Constituição qual o procedimento a adoptar, não provocaria inconstitucionalidade a não observância das regras definidas pela Lei n.º 23/98, ainda que elas fossem aplicáveis – expressamente, pelo menos, não são
– às consultas promovidas pela Assembleia da República. Tal como se considerou no Acórdão n.º 529/01 (Diário da República, I-A, de 31 de Dezembro de 2001) a propósito da questão paralela da observância das regras da Lei n.º 40/96, de 31 de Agosto, para o efeito de avaliar o cumprimento do dever de audição dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, previsto no artigo 229º, n.º 2, da Constituição, do desrespeito de tais regras não teria, aqui, de extrair-se automaticamente uma conclusão de inconstitucionalidade: decisivo seria saber se, em cada caso, se observou, ou não, um procedimento capaz de corresponder ao sentido da exigência do artigo 56º, n.º 2, alínea a), da Constituição. O Tribunal reitera, assim, o entendimento perfilhado, como se viu, na passagem atrás transcrita do seu acórdão nº 64/91: teria sido suficiente para alcançar o universo das entidades a que constitucionalmente é garantido o direito de participação a publicação oficial da proposta de lei, desde que efectuada de forma adequada ao efeito pretendido. Ora, no caso, verifica-se que foi publicada no Diário da Assembleia da República de 2 de Outubro de 2002, como já se disse, a proposta de lei relativa ao Orçamento de Estado – antes, portanto, da sua aprovação na generalidade pela Assembleia da República. Sucede, porém, que tal publicação, desacompanhada do convite às associações sindicais para se pronunciarem sobre as normas destinadas a alterar o Estatuto da Aposentação – que, insista-se, aparecem inseridas na proposta de lei de Orçamento de Estado, como cavaliers budgétaires –, não pode ser considerada suficiente para se haver por alcançado o objectivo constitucional de garantir o poder real de influenciar a legislação que vier a ser aprovada pelo órgão legislativo competente.
13. Chegados a este ponto, torna-se desnecessário determinar se houve ou não desrespeito do direito de negociação colectiva, nos termos já indicados; e igualmente se torna desnecessário analisar, quer a questão da eventual inconstitucionalidade por violação indirecta dos artigos 2º e do artigo 112º, n.º 3, da Constituição, quer o pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral.
Nestes termos, o Tribunal decide declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos nºs 1 a 8 do artigo 9º da Lei nº
32-B/2002, de 30 de Dezembro, por violação do direito das associações sindicais
à participação na elaboração da legislação do trabalho, previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 56º da Constituição.
Lisboa, 8 de Julho de 2003 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Paulo Mota Pinto Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Gil Galvão Maria Helena Brito Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos Artur Joaquim Faria Maurício Benjamim Rodrigues (com a declaração de voto em anexo) Carlos Pamplona de Oliveira (vencido conforme declaração que junto). Luís Nunes de Almeida
DECLARAÇÂO DE VOTO
Votei a decisão apenas porque sempre toda a jurisprudência anterior deste Tribunal tem qualificado as disposições reguladoras das pensões de reforma como normas integradas no conceito de “legislação de trabalho”, para efeitos do disposto no art.º 56.º, n.º 2, alínea a) da Constituição da República Portuguesa
(doravante designada apenas por CRP) - participação das associações sindicais na elaboração da legislação de trabalho -, não obstante nunca haver precisado os fundamentos de uma tal qualificação, já que em todas as decisões conhecidas se limitou, ou a fazer uma afirmação de princípio, tomando, acriticamente, por conceito constitucional de legislação de trabalho o conceito dado pela lei ordinária - art.º 2º da Lei n.º 16/79, de 26 de Maio -, ou a acolher essa tese por simples remissão para anteriores Acórdãos, como, aliás, se faz no Acórdão a que está apendiculada esta declaração.
A circunstância dessa qualificação ter sido, porém, acolhida, sem a menor crítica, pelas sucessivas formações deste Tribunal levou a que o autor desta declaração de voto se lhe tenha “vergado”, levado pela pressuposição de que será razoável admitir que, pelo menos, interiormente, essa questão haja sido equacionada e resolvida.
No entanto, tenho as maiores dúvidas sobre a correcção de uma tal doutrina. Ao que me parece, e dispensando por ora maiores indagações que o tempo disponível não consente, ela continua a ser tributária de uma concepção do direito à segurança social anterior ao 25 de Abril e à Constituição de 1976. Na realidade, a segurança social, na modalidade das pensões de reforma, era, então, um direito de que beneficiavam apenas as pessoas que houvessem realizado descontos para as Caixas de Previdência ou para a Caixa Nacional de Pensões. Por outro lado, o próprio sistema de gestão financeira de tais contribuições estava construído na base do princípio da realização de investimentos reprodutivos e de constituição de reservas financeiras, como fundos patrimoniais autónomos de cada Caixa de Previdência, e, ao mesmo tempo, estava todo ele orientado para a protecção na doença e na velhice (nela se incluindo as pensões de reforma) apenas às pessoas que, para ele, haviam contribuído.
Ora, com a Constituição de 1976 o direito à segurança social passou a ter uma diferença estrutural. Na verdade, o direito à segurança social converteu-se em um direito universal
(abrangendo todos os cidadãos, independentemente da sua situação profissional) e
integral (abarcando todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho) - art.º 63º, n.os 1 e 3 da CRP. Por seu lado, o sistema de segurança social passou a estar assente, essencial e estruturalmente, no princípio da solidariedade social entre as gerações e dentro das gerações.
É esta, aliás, a razão que justifica que tenha sido constitucionalmente deferida ao Estado a incumbência de organizar, coordenar e subsidiar esse sistema social unificado (n.º 2 do mesmo artigo) “funcional e organicamente, de forma a abranger todo o tipo de prestações adequadas a garantir o cidadão em face de situações de auto-insuficiência ou desemprego” (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, pp.
338). Na verdade, só o Estado tem a capacidade de organizar, coordenar e subsidiar um tal sistema unificado e de impor o cumprimento do princípio da solidariedade activa entre e dentro das gerações, dada a sua realização pressupor, por um lado, o exercício de poderes legislativos e coercitivos e, por outro, uma extensão só alcançável por quem exerce aqueles poderes relativamente a todos os sujeitos activos e passivos do sistema e a possibilidade de estruturar uma máquina administrativa de âmbito nacional.
É naquele princípio da solidariedade que se encontra o fundamento para que o sistema seja actualmente participado, de forma indistinta, pelas contribuições das entidades patronais e dos trabalhadores, mas também por transferências do Orçamento do Estado para o da Segurança Social de capitais que são o produto de impostos cobrados de todos os cidadãos, sendo certo, até, que as quotizações dos trabalhadores representam a expressão mais pequena do financiamento do sistema. A circunstância da CRP (art.º 63º, n.º 2) impor que o sistema deva ser descentralizado nada adianta para a caracterização da natureza do direito à segurança social, revelando apenas uma opção constitucional quanto às exigências da existência de uma certa diversidade na sua implantação territorial e de uma autonomia institucional em relação à administração estadual directa. A descentralização procura propiciar a aproximação do sistema às pessoas que visa servir, de modo a poder captar e responder melhor às situações de carência dos seus beneficiários. A autonomia institucional compreende-se enquanto modo de gestão de um sistema que é alimentado pela obtenção de receitas axiologicamente consignadas e que tem por escopo realizar atribuições específicas diferentes das demais cometidas à administração directa do Estado. Nesta lógica parece não ter, hoje, qualquer sentido incluir-se no conceito de legislação laboral o regime relativo à segurança social, nele incluído o regime das pensões de reforma, à excepção da dimensão que concerne com a definição das condições em que os trabalhadores poderão reformar-se voluntariamente ou por limite de idade, pois que aqui ainda é legítimo sustentar-se estarmos no domínio da regulação das relações de trabalho, dado a reforma fazer caducar ou extinguir o contrato de trabalho (art.º 4.º, alínea c) do DL. n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro). Na mesma senda vai a consideração da enorme complexidade económico-financeira que tem a gestão do sistema da segurança social para garantir a sua sobrevivência no devir das gerações, a qual demanda, para além de uma organização apta a tomar decisões complexas sob a perspectiva financeira, a concretização de opções políticas adequadas, não sectoriais, ou relativas apenas a certos grupos de interesses. Na senda do aqui sustentado ter-se-ia de concluir que apenas a norma do n.º 1 do art.º 37º-A, nele transcrita, seria susceptível da censura constitucional efectuada pelo acórdão.
De resto a exigência da audição das associações sindicais sobre o regime das pensões parece conduzir a uma discriminação desprovida de fundamento material bastante. Referimo-nos, desde logo e esquecendo os contribuintes em geral, àquelas pessoas em relação às quais, não obstante alimentarem, directamente, também, com as suas contribuições o sistema da segurança social
(os trabalhadores independentes e as entidades patronais), se entende não ser obrigatória a sua audição. Referimo-nos, ainda, aos beneficiários não contributivos do sistema, como sejam os titulares de pensão social.
Benjamim Rodrigues
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido pois, na sequência da posição tomada por este Tribunal no acórdão nº 529/01, sou forçado a interpretar o procedimento ocorrido com a publicação e divulgação das normas em causa como totalmente correspondente à exigência contida no artigo 56º n.º 2, alínea a) da Constituição.
Com efeito, a publicação em Diário da Assembleia da República da proposta de lei que continha as normas em análise, em data anterior em mais de um mês à sua aprovação, é, em meu entender, suficiente para permitir às associações sindicais
- sem necessidade de convocação expressa - o exercício do direito de participação na elaboração da legislação em causa, tendo em atenção que se tratava da aprovação da Lei do Orçamento de Estado.
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(Carlos Pamplona de Oliveira)