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Procº nº 740/2002.
3ª Secção (Plenário). Relator:- BRAVO SERRA.
1. Do Acórdão nº 170/2003, tirado nestes autos em 28 de Março de 2003, recorreu para o Plenário, ao abrigo do disposto no nº 1 do artº
79º-D da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o Representante do Ministério Público junto deste Tribunal.
O intentado recurso, porém, não foi admitido por despacho lavrado em 30 de Abril seguinte, do seguinte teor:-
“O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado que foi do Acórdão nº 170/2003, tirado nos presentes autos em 28 de Março de
2003, veio, ao abrigo do artº 79º-D da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, interpor recurso para o plenário daquele aresto, sustentando que a decisão no mesmo
ínsita traduzia um conflito parcial entre a solução aí adoptada e aqueloutra constante do Acórdão nº 453/97.
Na óptica da entidade recorrente, enquanto no Acórdão 453/97 se não julgou inconstitucional a norma constante da alínea g) do nº 1 do artº 6º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na interpretação segundo a qual nela se incluíam os juros de mora no pagamento de uma indemnização por acidente de viação, no Acórdão ora intentado recorrer julgou-se a mesma norma desconforme com a Lei Fundamental, na dimensão interpretativa de acordo com a qual são ‘tributáveis os juros que forem atribuídos no âmbito de uma indemnização devida por responsabilidade civil extracontratual, na medida em que se destinem a compensar os danos decorrentes da desvalorização monetária ocorrida entre o surgimento da lesão e o respectivo ressarcimento desta’. Ora - prosseguiu aquela entidade - ‘enquanto no acórdão [453/97] [por mero lapso, escreveu-se 247/97] se emitiu um juízo de não inconstitucionalidade (‘in totum’) da tributação dos juros de mora, devidos em sede de responsabilidade civil extracontratual, no acórdão nº 170/03 proferiu-se um juízo de inconstitucionalidade parcial qualitativa, ao autonomizar os juros de mora que se destinam a compensar os danos decorrentes da desvalorização monetária ocorrida entre o surgimento da lesão e o efectivo ressarcimento desta, concluindo pela inconstitucionalidade material da interpretação normativa que conduzisse à respectiva tributação em sede de IRS”.
Porque se entende que a descortinada divergência de julgados se não depara, não se admite o recurso ora desejado interpor.
Na verdade, no aresto ora querido colocar sob censura sublinhou-se que no Acórdão nº 453/97 se atendeu tão somente à natureza moratória, remuneratória ou reparadora dos juros pelo retardamento da prestação indemnizatória já devida e, por isso, ou seja, justamente porque se teve em conta essa natureza, se concluiu que a norma vertida na alínea g) do nº 1 do artº 6º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares não enfermava de inconstitucionalidade, uma vez que aquela natureza se haveria de perspectivar de jeito idêntico ao do rendimento do capital indemnizatório que, porque já devido, não foi colocado em tempo à disposição do lesado.
Mas, por outro lado, no acórdão ora desejado impugnar acentuou-se que a questão a equacionar era a de saber se, assumindo os juros, não aquela natureza moratória, remuneratória ou reparadora, mas sim uma outra, de cariz complementador da indemnização, destinada, na medida do possível, a totalizar uma reintegração do direito sofrido em virtude da lesão, (o que significava que os juros, então, assumiam o carácter de um capital suplementar ainda fundado no dano e tendo por função compensar a erosão monetária entretanto ocorrida ao tempo da atribuição da indemnização), era harmónico com a Constituição a tributação, em sede de IRS, desses juros, sendo certo que o capital indemnizatório não estava sujeito a uma tal forma de imposição fiscal .
Ilustrativo deste posicionamento são os passos do Acórdão nº 170/2003 onde se diz:-
‘...........................................................................................................................................................................................................................................
6. Antevê-se como certo que, para quem defenda que, se, numa dada decisão judicial, o valor monetário equivalente à indemnização devida a título de responsabilidade civil extracontratual foi fixado atendendo-se já aos factores decorrentes da erosão monetária e se, além disso, ficou consagrada a obrigação de pagamento de juros sobre aquele valor, contados a partir da citação, o montante equivalente a estes últimos não pode perspectivar-se como integrador da denominada «teoria da diferença» - à qual se deverá submeter aquilo que é imposto pelo dever de reparação do dano sofrido em consequência da lesão -, mas sim como uma compensação pela demora no pagamento. E, assim, tendo os juros por fonte uma obrigação diversa daquela donde advém do dever de indemnizar, os fundamentos carreados e a conclusão ínsita no Acórdão nº 453/97, já citado, seriam perfeitamente de aceitar.
7. Mas, se em causa estiver um caso em que para se alcançar a expressão monetária da indemnização se não teve em conta aquilo que alguns designam por «correcção monetária», limitando-se, pois, tal expressão monetária
à reconstituição da situação que seria a detida pelo lesado caso o evento lesivo não tivesse ocorrido, acrescendo, ao assim definido quantum indemnizatório, a condenação do responsável nos juros devidos desde a citação, então é plausível entender-se que estes juros têm por finalidade fazer acrescer àquele quantum o desvalor verificado em consequência da desvalorização.
Em casos como esse, o montante dos juros não poderá, pois, deixar de ser perspectivado ainda como a expressão monetária da indemnização.
E, a ser assim, a tributação desse montante a título de rendimentos da categoria E, nos termos da alínea g) do nº 2 do artº 5º do Código de Rendimentos Sobre o Imposto das Pessoas Singulares antever-se-ia como violadora do princípio da igualdade, na medida em que a expressão monetária de uma indemnização não está sujeita a essa tributação e, afinal, o indicado montante dos juros não deixa de fazer parte daquela expressão, sendo certo que a função substancial do valor da indemnização é perfeitamente idêntica (é, verdadeiramente, a mesma) da dos juros cujo pagamento foi determinado com tal finalidade.
...........................................................................................................................................................................................................................................’
Por isso mesmo, a decisão constante da alínea a) do Acórdão nº 170/2003 foi a de julgar ‘inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade dos cidadãos e da repartição justa dos rendimentos, que defluem dos artigos 13º,
103º, nº 1, e 104º, nº 1, todos da Lei Fundamental, a norma constante da alínea g) do nº 1 do artº 6º do Código do Imposto [s]obre o Rendimento das Pessoas Singulares quando interpretada no sentido de serem tributáveis como rendimento os juros que forem atribuídos no âmbito de uma indemnização devida por responsabilidade civil extracontratual e na medida em que se destinem a compensar os danos decorrentes da desvalorização monetária ocorrida entre o surgimento da lesão e o efectivo ressarcimento desta’ (o sublinhado é feito agora).
Já no Acórdão nº 453/97, decidiu-se ‘não julgar inconstitucional a norma do artigo 6.º, n.º 1, alínea g), do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
442-A88, de 30 de Novembro, com a interpretação que aí inclui os juros de mora no pagamento de uma indemnização por acidente de viação’ (igualmente se sublinhou agora).
Deverá vincar-se que, como resulta das transcritas decisões, no acórdão pretendido recorrer se não usou a asserção «juros de mora», mas tão somente
«juros», e que no Acórdão nº 453/97 foi aquela primeira a asserção empregue, sendo que naquele Acórdão nº 170/2003, após se ter discorrido sobre determinadas posições jurisprudenciais e doutrinais (pontos 3 a 5, inclusive) não mais se fez alusão a «juros de mora» ou «juros moratórios», precisamente no intuito de fazer realçar que se não colocava em causa a acima aludida natureza moratória, remuneratória ou reparadora dos juros pelo retardamento da prestação indemnizatória já devida.
Vale isto por dizer que nos Acórdãos números 453/97 e 170/2003 foi diferentemente perspectivado o preceito constante da alínea g) do nº 1 do artº
6º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, pois que, naquele, tal preceito comportava a dimensão interpretativa segundo a qual eram tributados, em sede de IRS, os juros devidos pelo retardamento da indemnização já devida e, neste, o mesmo preceito comportava o sentido de serem tributados os juros que foram atribuídos, não pelo retardamento da indemnização devida, mas sim como forma de dação de um capital suplementar, ainda fundado no dano, e cujo escopo é do de compensar a desvalorização monetária que se surpreendeu entre o evento lesivo e a atribuição da indemnização, desta sorte tendo uns e outros daqueles juros fontes obrigacionais diferentes .
Trata-se, assim, de normas (alcançadas por interpretação) de conteúdo diverso, e não de uma mesma norma, pelo que se entende que, in casu, se não congregam os requisitos do recurso a que se reporta o nº 1 do artº 79º-D da Lei nº 28/82.
Termos em que se não admite o recurso”.
Do transcrito despacho de não admissão do recurso desejado interpor reclamou a entidade impugnante, o que fez por intermédio de requerimento onde disse:-
“1 - Apesar do esforço argumentativo doutamente desenvolvido no douto despacho reclamado, entendemos que subsiste efectivamente a contradição jurisprudencial que ditou a interposição do recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, visando perfeitamente dirimi-lo.
2- Não oferece dúvidas que o recurso previsto no artigo 79°-D da Lei n° 28/82 pressupõe a existência de uma contradição jurisprudencial entre dois acórdãos, não se verificando os seus pressupostos quando foram julgados - constitucionais e inconstitucionais - segmentos ou dimensões diferenciadas de uma mesma norma.
3 - Consideramos, porém, que não é essa a situação verificada no caso dos autos: na verdade o acórdão n° 453/97 julgou não inconstitucional a norma constante do artigo 6°, n° 1, alínea g) do CIRS na interpretação que aí inclui os juros de mora no pagamento de uma indemnização por acidente de viação - sem que se possa vislumbrar minimamente, no efectivo teor de tal aresto, qualquer diferenciação sobre a causa da atribuição de tais juros moratórios.
4 - Ou seja: para tal acórdão todos os juros atribuídos ao lesado no caso de retardamento no pagamento da indemnização podem sempre ser objecto - constitucionalmente legítimo - de tributação em IRS, já que constituem um
‘rendimento’ do titular da indemnização.
5 - Tal implica - como se sustenta no requerimento de interposição deste recurso
- a existência de uma contradição parcial entre o acórdão-fundamento e o proferido nos presentes autos: para o acórdão-fundamento, podem ser tributados todos os juros moratórios atribuídos ao titular da indemnização; para o acórdão n° 170/03, uma parcela dos juros atribuídos ao lesado por mora no pagamento da indemnização - tendo como causa ou função o ressarcimento do dano decorrente da desvalorização monetária - não é, do ponto de vista constitucional, passível de tributação em IRS.
6- Termos em que entendemos que se verificam os pressupostos do recurso interposto para o Plenário deste Tribunal Constitucional”.
Por seu turno, a recorrida Maria Rosália Ferreira Vieira de Castro nada veio dizer pelo que toca à pretensão ora em apreço.
Cumpre decidir.
2. Não se nega que, do teor decisório constante do Acórdão nº 453/97, se retira a formulação de um juízo de não desconformidade constitucional referentemente ao preceito vertido na alínea g) do nº 1 do artº
6º do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, igualmente sendo isento de dúvidas que a decisão ínsita no aresto ora pretendido recorrer foi no sentido de julgar aquele mesmo preceito desarmónico com os princípios da igualdade dos cidadãos e da repartição justa dos rendimentos, princípios esses que se extraem do artigos 13º, 103º, nº 1, e 104º, nº 1, todos da Lei Fundamental.
Simplesmente, como se vincou no despacho ora reclamado, o juízo de inconstitucionalidade que se surpreende no Acórdão nº 170/2003 incidiu sobre o dito preceito quando o mesmo sofresse uma interpretação no sentido de serem tributáveis como rendimento os juros que forem atribuídos no
âmbito de uma indemnização devida por responsabilidade civil extracontratual e na medida em que se destinem a compensar os danos decorrentes da desvalorização monetária ocorrida entre o surgimento da lesão e o efectivo ressarcimento desta.
Ora, no passo decisório do Acórdão nº 453/97, o juízo de não inconstitucionalidade foi expressamente reportado ao preceito em apreço quando o mesmo fosse interpretado no sentido de nele se incluírem os juros de mora no pagamento de uma indemnização por acidente de viação.
Não se pode, por isso, sustentar, como o faz a entidade reclamante, que este último aresto se pronunciou no sentido de ser desarmónico com a Constituição a mencionada norma da alínea g) do nº 1 do artº 6º quando interpretada de harmonia a nela serem abrangidos “todos os juros atribuídos ao lesado no caso de retardamento no pagamento da indemnização”.
É que, como deflui do acórdão agora desejado impugnar e, também por algum jeito, do despacho reclamado, realidades diversas são os juros que assumem natureza moratória, remuneratória ou reparadora pelo não atempado pagamento da prestação já devida, e os juros que assumem a natureza de totalizar a reintegração do direito que se viu lesado pela ocorrência do facto danoso e cujo montante ainda era parte do quantum indemnizatório.
Estes últimos não representam um rendimento de um capital não pago atempadamente, postando-se, pois, de forma dissemelhante daquela que ocorre com os juros de mora, cuja fonte é, justamente, o não cumprimento, em tempo, da obrigação de capital já devida e, por isso, representam a retribuição deste capital ou, se se quiser, a indemnização pelo atraso no cumprimento.
Significa isso que, sendo realidades diversas, por um lado, os juros moratórios e, por outro, os juros compensativos ou compensatórios, não se divisa que, reportando-se o Acórdão nº 453/97 ao aludido preceito na interpretação de que abrangia aqueles primeiros juros, e o Acórdão nº 170/2003, versando o mesmo preceito, mas numa interpretação que abrangia os segundos, os julgados constantes de um e outro daqueles arestos - que, afinal, incidiram sobre diferentes dimensões interpretativas - traduzam qualquer contradição jurisprudencial.
E, sendo assim, não cobrará aplicação, no caso sub specie, o normativo do artº 79º-D da Lei nº 28/82.
Termos em que se indefere a reclamação, confirmando-se o despacho impugnado.
Lisboa,9 de Julho de 2003 Bravo Serra Gil Galvão Maria Helena Brito Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Carlos Pamplona de Oliveira Benjamim Rodrigues Artur Joaquim Faria Maurício Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Paulo Mota Pinto Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida