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Proc. nº 305/01 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - A.. apresentou na secretaria do Tribunal Judicial de Braga requerimento de injunção contra B. destinado a exigir o cumprimento de obrigação pecuniária, no montante de 349.411$00, acrescido de 25.733$00 a título de juros de mora, relativa à prestação de serviço telefónico.
No respectivo requerimento, o requerente indicou como local para notificação do requerido a Avenida ---------------, -----------.
Procedeu-se depois à notificação do requerido para aquela morada, por carta registada com aviso de recepção, a qual veio devolvida ao remetente por não ter sido reclamada.
Os autos foram então remetidos para distribuição e o Réu citado para contestar a acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato com a A. .
A citação foi efectuada por carta simples para a referida morada, tendo a carta sido depositada no receptáculo postal domiciliário da mesma morada, tudo de acordo com o que ficou exarado no documento de fls. 8.
É, depois, proferido o seguinte despacho:
“Atento o disposto no artº 2º do Regime dos Procedimentos aprovados pelo DL nº
269/98, de 1/9, na falta de contestação e porque não se afigura ocorrer, de forma evidente, excepções dilatórias ou manifesta improcedência do pedido, confiro força executiva à petição”.
Notificado desta decisão, veio o referido B. arguir a nulidade de citação, alegando, em síntese, que a carta de citação por via postal simples (apesar de a carta de citação ter sido endereçada para a sua morada, como resulta de fls. 7 e
8 dos presentes autos) fora depositada no seu apartado ------- dos Correios de
-----------, a que raramente tem acesso por residir no estrangeiro e que apenas está acessível em horas de expediente; requereu nova citação para a morada supra indicada.
Notificada para se pronunciar, a A. nada disse.
É então proferido o despacho ora recorrido que começa por dar como provados os factos alegados pelo requerente “atenta a falta de oposição do requerente, ou seja, que a carta simples para citação do requerido foi depositada na sua caixa de correio e que este reside e trabalha no estrangeiro”.
Sobre o direito aplicável, diz-se, em síntese, no mesmo despacho que:
- o Decreto-Lei nº 183/2000 criou uma nova modalidade de citação pessoal – a citação por via postal simples – aplicável, a nível principal (como regra), nos termos do artigo 236º-A do CPC, nas acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato reduzido a escrito e que se faz mediante o envio de carta simples remetida para o domicílio ou sede que tenha sido inscrito naquele contrato, excepto se houver sido expressamente convencionado um outro local para efeitos de realização da citação, e a nível residual, nos termos do artigo 238º-A do CPC, quando se frustre a citação por via postal registada, com aviso de recepção, cumprindo à secretaria, primeiro, obter informação sobre a residência, local de trabalho ou sobre a sede ou local onde funciona habitualmente a administração do citando nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direcção Geral dos Impostos e da Direcção Geral de Viação, devendo depois enviar a carta simples, se houver coincidência das informações, para o local respectivo, ou para todos os locais referidos se não ocorrer essa coincidência.
- de acordo com este regime, se poderia, no caso, considerar correcta a citação do réu.
- porém, a citação por via postal simples, quer a nível principal, quer a nível residual, ofende o princípio constitucional da proibição da indefesa consagrado no artigo 20º da CRP, tendo o legislador apenas pretendido tornar mais rápida a fase processual da citação, ficcionando em certos casos a citação do réu.
- esta forma de citação não dá a garantia mínima de que o réu foi intimado e advertido de que contra si foi instaurado um processo, ou mesmo que, tendo chegado ao seu conhecimento, tal ocorra em tempo útil para o réu exercer o seu direito de defesa.
- as normas que prevêem a citação por via postal simples devem ser desaplicadas por inconstitucionalidade material, implicando que a citação pessoal deva ser sempre feita por carta registada com aviso de recepção, nunca se podendo recorrer à carta simples.
- nos casos em que a citação dependa de despacho prévio, o juiz deverá desaplicar o artigo 236º-A ou o artigo 238º-A, ambos do CPC, impondo que a citação seja feita, conforme se mostrar mais célere, por via postal registada
(carta registada com AR) ou por contacto pessoal do funcionário de justiça, pois que deve considerar-se a citação efectuada como citação feita sem as formalidades legais e ordenar a sua repetição, podendo, ainda o réu alegar a sua falta de citação, nos termos dos artigos 194º alínea a) ou 195º, alínea e) do CPC.
- aplicando o direito ao caso, o despacho recorrido considera que, tendo sido efectuada a citação por via postal simples, deveria ter sido considerada a citação como efectuada sem as formalidades legais e ordenada a citação por via postal registada ou através de contacto pessoal por funcionário judicial, por desaplicação do artigo 238º nº 2 do CPC.
O vício que o despacho dá por verificado é o de falta de citação pois que “como resulta provado, o requerido, destinatário da citação, não teve conhecimento do acto, por facto a ele não imputável, a tempo de poder vir a exercer o seu direito de defesa, conclusão essa a que se chega pela desaplicação por inconstitucionalidade material (violação da proibição da indefesa – artº 20º da CRP) do artº 238º nº 2 do CPC (que estabelece a citação por via postal simples, a nível residual), o que implica a nulidade de todo o processo posterior ao requerimento inicial, devendo realizar-se a citação do requerido por carta registada com A/R)”.
O despacho conclui, decidindo:
“- Desaplicar, por inconstitucionalidade material (violação do princípio da indefesa, consagrado no artº 20º da CRP o artigo 238º nº 2 do CPC);
- Julgar e declarar nulo todo o processado posterior ao requerimento inicial e ordenar a citação do requerido, através de carta registada com A/R”.
2 – É deste despacho que vem interposto recurso pelo Ministério Público ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea a) da LTC “para apreciação da
(in)constitucionalidade do artº 238º nº 2 do Cód. Proc. Civil, na redacção dada pelo D.L. nº 183/2000, de 10/8”.
Nas suas alegações, o Magistrado recorrente formula as seguintes conclusões:
“1 – Apenas compete ao Tribunal Constitucional, no âmbito da fiscalização concreta, sindicar da conformidade à Constituição da interpretação normativa realizada pelo tribunal “a quo”, tomando a “norma” que é objecto do recurso – tida como um “dado” – com o sentido específico que o tribunal recorrido lhe atribuiu ao dirimir certo caso concreto – estando subtraído aos seus poderes cognitivos, quer a apreciação da correcção de tal interpretação judicial ao ordenamento jurídico “objectivo” vigente, quer a valoração da constitucionalidade de outros segmentos ou dimensões normativas não efectivamente aplicados pelo juiz “a quo”.
2 – É inconstitucional, por violação dos princípios da “proibição da indefesa e do “processo equitativo”, afirmados no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação normativa do nº 2 do artigo 238º do Código de Processo Civil que se traduz em considerar que – no âmbito da acção declarativa que se segue ao procedimento de injunção, em que se frustrou a notificação por carta registada com aviso de recepção do requerido e num caso em que as partes não estipularam um domicílio no contrato que funciona como “causa petendi” – pode o réu ser imediatamente citado, sem que o tribunal deva, sequer, averiguar previamente, junto das quatro bases de dados referenciadas no nº 1 do artigo
238º do Código de Processo Civil, se tal residência, indicada pelo credor, coincide efectivamente com o teor de tais registos públicos.
3 – Na verdade, tal interpretação normativa fragiliza, em termos desproporcionados, a posição do réu, submetendo-o inapelavelmente a um gravoso efeito cominatório se não lograr ilidir, em termos suficientemente convincentes, a presunção de efectivo recebimento e cognoscibilidade do teor da carta de citação alienadamente depositada na sua caixa postal, onerando-o com a prova de um facto negativo, em matéria em que é plausível a inexistência de prova testemunhal convincente, susceptível de ser indicada pelo interessado na arguição de falta ou nulidade da citação.
4 – E sendo certo que – inexistindo um “domicílio contratual estipulado pelas partes – não é razoável impor ao réu um dever de comunicação ao possível credor de quaisquer mudanças de residência ou ausências prolongadas desta, e submetê-la ao ónus de controlar permanentemente o expediente postal que, porventura, seja depositado na correspondente caixa postal.
5 – Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade da interpretação normativa do nº 2 do artigo 238º do Código de Processo Civil, realizada nos autos pelo tribunal recorrido.”
3 - Nenhuma delimitação do objecto do recurso é feita no requerimento de interposição para além da mera indicação da norma do artigo 238º nº 2 do CPC.
Já não assim nas alegações produzidas pelo Ministério Público neste Tribunal – com a síntese feita na conclusão 1ª - onde a questão de constitucionalidade tem o recorte de uma determinada interpretação da norma contida no artigo 238º nº 2 do CPC: a de o réu dever ser imediatamente citado mediante carta simples remetida para o domicílio indicado pelo credor, sem que se proceda à indagação oficiosa de tal dado junto das bases de dados a que aquele preceito confere, para este efeito, relevância, isto no âmbito de uma acção declarativa subsequente a um frustrado procedimento de injunção e num caso em que não existe domicílio estipulado no contrato que serve de base à acção.
É certo, como ficou relatado, que o despacho recorrido acolhe uma posição de absoluto radicalismo relativamente à modalidade de citação pessoal por via postal simples – ela ofende, em todos os casos e em todas as circunstâncias, a proibição da indefesa; e, por isso, sempre que uma norma preveja uma tal modalidade de citação (a ela andando associados, na falta de contestação, determinados efeitos cominatórios), como é o caso do artigo 238º nº 2 do CPC, o juiz deve recusar a sua aplicação e determinar nova citação (ou por via postal registada com A/R ou por contacto pessoal do funcionário judicial).
Não poderá, assim, dizer-se que no despacho recorrido se adopte, expressamente, a interpretação que, nas alegações do Ministério Público, se questiona sub specie constitutionis.
A verdade, porém, é que nos encontramos num recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, o que demanda a ponderação das circunstâncias concretas em que a aplicação da norma foi recusada; e pode admitir-se - tendo presente, no caso, essas circunstâncias – que, implicitamente, o despacho recorrido acabe por acolher a referida interpretação, não impedindo que o juízo de constitucionalidade a formular por este Tribunal incida apenas sobre ela.
Por outras palavras, o juízo de constitucionalidade não se reportará àquela posição radical que, em abstracto (em todos os casos), rejeita, por inconstitucionalidade, a citação por via postal simples - questão cuja resolução fica, assim, em aberto - mas à que, nela se contendo, resulta, mais reduzidamente, da aludida interpretação.
Em suma, pois, o que o Tribunal deve apreciar é se ofende a Constituição uma norma (no caso, ínsita no artigo 238º nº 2 do CPC) que supostamente (e
“supostamente” porque o Tribunal Constitucional não pode sindicar o modo como foi interpretado o direito infraconstitucional) preveja a citação por via postal simples para a morada do Réu indicada pelo Autor, mas não se tratando de domicílio convencionado, como forma imediata de citação, sem prévia consulta às bases de dados referidas no nº 1 do artigo 238º do CPC, depois de frustrada a notificação por carta registada com A/R no processo de injunção que veio a ser convertido na dita acção.
4 - Depois de salientar a alteração introduzida no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto, no que respeita a uma nova modalidade de citação – a citação por via postal simples – aplicável como única e exclusiva forma de efectivação da citação nas acções para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato escrito onde se tenha inscrito, para identificação da parte, o domicílio ou sede do citando e, nas restantes acções, como forma de efectivação de uma espécie de segunda citação, quando se tenha frustrado a citação por via postal registada e depois de a secretaria obter informação junto das bases de dados referidas no artigo 238º nº 1 sobre a residência, local de trabalho ou sede do citando, o Magistrado recorrente historia, sinteticamente, a evolução do nosso sistema jurídico sobre a matéria, em termos que nos merecem inteiro acolhimento e que se seguirão de perto.
Assim, realizando-se sempre a citação pessoal através do contacto pessoal do funcionário de justiça com o citando até às reformas do Código de Processo Civil de 1985 e 1995/96, com estas passou a admitir-se a citação por via postal registada das pessoas colectivas (reforma de 1985) e dos particulares (reforma de 95/96), impondo-se a assinatura do aviso por quem recebe a carta e uma perfeita identificação do receptor.
Com o Decreto-Lei nº 383/99, de 23 de Setembro, que aditou alguns preceitos ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro (diploma que aprovou o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância) e ao regime anexo, alterando ainda preceitos do mesmo regime, foi criada, no âmbito dos referidos procedimentos, a figura do domicílio convencionado – fixação, em contrato escrito, de domicílio, para efeito de realização da citação ou notificação; em tal caso
- é inoponível ao autor qualquer alteração do local convencionado, salvo se o interessado tiver notificado a contraparte, mediante carta registada com aviso de recepção, da alteração do local do domicílio, nos trinta dias subsequentes a essa situação;
- a citação ou notificação são feitas por carta registada com A/R, considerando-se efectuadas se o citando ou notificando recusarem a assinatura do A/R ou o recebimento da carta (artigo 3º);
- quando o expediente for devolvido por o destinatário não ter procedido no prazo legal ao levantamento da carta no estabelecimento postal ou por ter sido recusada a assinatura do A/R ou o recebimento de carta por pessoa diversa do citando, procede-se a nova citação por carta registada com A/R, deixando-se a própria carta com cópia de todos os elementos referidos no artigo 235º do CPC e a advertência de que a citação se considera feita na própria pessoa do citando na data certificada pelo distribuidor do serviço postal, o qual deve, ainda indicar o local exacto onde depositou o expediente.
Todo este regime – repete-se – era específico dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos escritos, de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância, onde se convencionasse um domicílio para efeitos da realização de citações ou notificações em caso de litígio.
Como salienta o Observatório Permanente da Justiça Portuguesa no Relatório Preliminar, subordinado ao título “As alterações processuais intercalares de
2000. As medidas legislativas de simplificação nos processos civil e penal, custas judiciais e apoio judiciário”, vol. I, Julho de 2001, pág. 143, a citação por carta postal simples com prova de depósito “(...) teve o objectivo de privilegiar a eficiência da comunicação judicial ao destinatário e combater a prática generalizada do não levantamento das cartas registadas com AR e (40% das citações não eram levantadas) a morosidade processual associada a esse expediente”, considerando que alguns operadores judiciários entendem que a
“medida trouxe alguns benefícios: Aumentou o número de citações efectivamente realizadas (actualmente menos de 1% dos casos não resultam em citação válida); Diminuiu o número de citações devolvidas; Tornou o processo, na maioria dos casos, um pouco mais célere; Diminuiu o trabalho das secretarias de serviço externo.”
Sensível à morosidade processual, para que, em grande parte contribuíam as delongas nas citações, o Decreto-Lei nº 183/2000 cria uma nova forma de citação pessoal – a citação por via postal simples (as citações por carta registada com A/R passam a chamar-se citações “por via postal registada”).
A citação por via postal simples, que se efectua por depósito da carta na caixa do correio do citando (artigo 233º nº 2 alínea b) do CPC), aplica-se nos seguintes casos:
- Nas acções destinadas ao cumprimento de obrigações pecuniárias de qualquer valor emergentes de contrato reduzido a escrito quando neste se tenha inscrito o domicílio ou a sede para identificação da parte, excepto se se tiver convencionado outro local para efeito de citação, em caso de litígio;
- Em todas as outras acções, no caso de se frustrar a citação por via postal registada, depois de obtida pela secretaria informação sobre o domicílio do citando nas bases de dados referidas no artigo 238º nº 1 do CPC (a citação será endereçada para o local ou locais indicados nas bases, consoante houver ou não coincidência nos registos).
5 - Cabe, ainda, referir o regime das notificações nos procedimentos regulados em anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 383/99, importando proceder a uma breve caracterização do procedimento legal da injunção.
A injunção “é um processo pré-judicial tendente à criação de um título executivo extrajudicial na sequência de uma notificação para pagamento sem a intervenção de um órgão jurisdicional, sob a condição de o requerido, pessoalmente notificado, não deduzir oposição. Trata-se de uma solução legal tendente à realização de objectivos de celeridade, simplificação e desburocratização da actividade jurisdicional, pensada com vista ao descongestionamento dos tribunais no que concerne à efectivação de pretensões pecuniárias de reduzido montante, pressupondo a inexistência de conflito actual e efectivo entre o requerente e o requerido”, Salvador da Costa, “A injunção e as conexas acção e execução”, Livraria Almedina, 2ª edição, 2002, pág. 136.
Na versão originária do Decreto-Lei nº. 269/98, de 1 de Setembro e na que foi dada a este diploma pelo Decreto-Lei nº. 383/99, de 23 de Setembro, a notificação no procedimento de injunção tinha sempre lugar mediante carta registada com aviso de recepção (cfr. artigos 12º e 12º-A do regime anexo).
O Decreto-Lei nº. 183/2000, de 10 de Agosto, que apenas entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2001, aplicando-se aos processos pendentes (cfr. artigos 7 º e 8º do diploma em causa) – como é o caso dos presentes autos, em que o requerimento de injunção dá entrada na secretaria em 6.12.2000, mas a citação por via postal simples, para a morada do requerido indicada pelo Autor, ocorreu em 9.03.2001 – veio alterar o regime das notificações (também) no âmbito do procedimento de injunção.
Assim, tratando-se de contratos reduzidos a escrito e havendo domicílio convencionado, a notificação do requerido efectua-se nos termos do artigo
236º-A do Código de Processo Civil, o mesmo é dizer, a notificação opera mediante o envio de carta simples, dirigida ao citando para aquele domicílio convencionado (cfr. artigos 1º-A e 12º-A dos Decreto-Lei nº. 269/98, de 1 de Setembro aditados pelo Decreto-Lei n.º 383/99, de 23 de Setembro, na redacção que lhes foi dada pelo artigo 4º do Decreto-Lei nº. 183/2000, de 10 de Agosto).
Não havendo domicílio convencionado ou não estando o contrato reduzido a escrito, a notificação opera por carta registada com aviso de recepção (cfr. artigo 12º n.º 1 do regime anexo ao Decreto-Lei nº. 269/98)
Em caso de frustração da notificação do requerido, os autos vão à distribuição que imediatamente se seguir, só sendo, porém, conclusos ao juiz depois de efectuada a citação do réu para contestar nos termos do artigo 17º, nº. 2 do Regime dos Procedimentos publicado em anexo ao Decreto-Lei nº. 269/98, de 1 de Setembro.
A citação do réu é feita pessoalmente e se ele não contestar, o juiz conferirá força executiva à petição, excepto se se verificarem excepções dilatórias ou no caso de o pedido ser manifestamente improcedente (cfr. artigo 2º do citado Regime dos procedimentos).
Nos termos do artigo 6º a execução corre nos próprios autos.
Finalmente, o Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, para além de permitir ao credor pelo atraso no pagamento das transações comerciais ali previstas o recurso à injunção, independentemente do valor da dívida, introduziu alterações - alegadamente não substanciais - ao regime anexo ao Decreto-lei n.º 269/98, de que se salienta a alteração de redacção dos artigos 12º e 12º-A do regime anexo: no caso de se frustrar a notificação por via postal registada, proceder-se-á à notificação por via postal simples, mas só depois de consultadas as bases referidas no novo n.º
3 do artigo 12º (artigo 12º n.º 4), sendo que, nos casos de domicílio convencionado, a notificação é logo efectuada mediante o envio de carta simples para o domicílio ou sede convencionado (artigo 12º-A n.º 1)
6 - É vasta a jurisprudência deste Tribunal em matéria de citações e notificações no domínio do direito processual civil, sendo pacífico o entendimento de que a proibição de indefesa se contém no princípio mais vasto de acesso ao direito e aos tribunais, constante do artigo 20º da Lei Fundamental.
Escreveu-se no Acórdão n.º 271/95, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 31º vol., págs. 359 e segs.) :
“E neste domínio é particularmente significativo o direito à protecção jurídica consagrado no artigo 20º da Constituição, no qual se consagra o acesso ao direito e aos tribunais que, para além de instrumentos da defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, é também elemento integrante do princípio material da igualdade e do próprio princípio democrático, pois que este não pode deixar de exigir a democratização do direito.
Para além do direito de acção, que se materializa através do processo, compreendem-se no direito de acesso aos tribunais, nomeadamente: (a) o direito a prazos razoáveis de acção ou de recurso; (b) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas; (c) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas; (d) o direito a um processo de execução, ou seja, o direito a que, através do órgão jurisdicional se desenvolva e efective toda a actividade dirigida à execução da sentença proferida pelo tribunal.
Há-de ainda assinalar-se como parte daquele conteúdo conceitual 'a proibição da `indefesa' que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhes dizem respeito. A violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses' (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pp. 163 e 164 e Fundamentos da Constituição, Coimbra, 1991, pp.
82 e 83).
Entendimento similar tem vindo a ser definido pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, que tem caracterizado o direito de acesso aos tribunais como sendo entre o mais um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras (cfr. os acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 404/87, 86/88 e
222/90, Diário da República, II série, de, respectivamente, 21 de Dezembro de
1987, 22 de Agosto de 1988 e 17 de Setembro de 1990)”.
Relativamente ao formalismo processual do chamamento das partes ao processo, escreveu-se no Acórdão n.º 335/95 in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 31º vol., págs. 531 e segs.), ainda no âmbito do regime anterior
à vigência do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro:
“Em todas as tramitações de natureza declarativa que conduzem à emissão de um julgamento (judicium) por parte de um tribunal, tem de existir um debate ou discussão entre as partes contrapostas, demandante e demandado, havendo o processo jurídico adequado (a due process of law clause, da tradição anglo-americana) de garantir que cada uma dessas partes deva ser chamada a dizer de sua justiça (audiatur et altera pars). E esta exigência alarga-se a todas as outras tramitações processuais cíveis, salvo contadas excepções, mesmo nos processos executivos, em especial quando são deduzidas oposições à própria execução ou à penhora.
Como escreveu Manuel de Andrade, a estruturação 'dialéctica ou polémica do processo teria partido do contraste dos interesses dos pleiteantes, ou até só do contraste das suas opiniões [...] para o esclarecimento da verdade. É tal a sua vantagem - seu rendimento - que as leis a consagram mesmo onde repelem ou cerceiam o princípio dispositivo [...]. Espera-se que, também para os efeitos do processo, da discussão nasça luz; que as partes (ou os seus patronos), integrados no caso e acicatados pelo interesse ou pela paixão, tragam ao debate elementos de apreciação (razões e provas) que o juiz, mais sereno mas mais distante dos factos e menos activo, dificilmente seria capaz de descobrir por si
[...]' (Noções Elementares de Processo Civil, com a colaboração de Antunes Varela, edição revista por Herculano Esteves, Coimbra, 1979, pág. 379).
Simplesmente, há situações em que o demandado não pode ser localizado, não obstante diligências levadas a cabo pelo tribunal, nomeadamente a requerimento do demandante (desconhecimento do domicílio; ausência do domicílio sem deixar indicação do paradeiro, por exemplo). Ora, nos processos cíveis - normalmente quando estão essencialmente em causa pretensões de natureza patrimonial e as partes são, para a lei, perfeitamente iguais - o legislador tem de prever mecanismos para evitar que o processo fique parado indefinidamente, à espera de que o demandado seja localizado e chamado ao processo. Tratando-se de processos de diferente natureza, por exemplo em processos de natureza penal, as preocupações de evitar que o processo fique parado à espera de localização do arguido levam à consagração de outros mecanismos, sendo perfeitamente compreensível que o grau de exigência quanto a tais mecanismos seja superior, dados os interesses em causa, nomeadamente a regra constitucional de que o processo penal assegura todas as garantias de defesa (veja-se o instituto da contumácia em processo penal). Relativamente ao processo civil em especial, Trocker, autor italiano citado várias vezes no despacho recorrido, chama a atenção para que o fenómeno da comunicação de actos processuais às partes ou a terceiros está sempre dependente de uma concordância prática entre princípios tendencialmente opostos, entre o chamado princípio da 'objectividade do direito' e o princípio subjectivo do conhecimento pelo destinatário. Cada ordenamento jurídico pode ou privilegiar a necessidade subjectiva do conhecimento desses actos pelo destinatário, com correlativo sacrifício da exigência de certeza objectiva do direito, ou optar antes pela tutela da mera cognoscibilidade desses actos de comunicação através de uma publicitação suficiente (por exemplo, citação ou notificação editais com eventual ampliação dos prazos para reacção dos destinatários), sacrificando o efectivo conhecimento subjectivo. Normalmente, cada ordem jurídica acaba por consagrar soluções balanceadas ou de compromisso entre as lógicas extremas destes dois princípios (0b.cit., págs. 468 e seguintes)”
Recentemente, disse-se no Acórdão nº. 508/2002, de 2 de Dezembro de 2002, in DR, II Série, de 26/2/03:
“O direito de defesa do réu ou demandado judicialmente, ou o chamado princípio da proibição da indefesa é indiscutivelmente um direito de natureza processual
ínsito no direito de acesso aos tribunais, constante do artigo 20º da Constituição, e cuja violação acarretará para o particular prejuízos efectivos, decorrentes de um impedimento ou um efectivo cerceamento ao exercício do seu direito de defesa”.
E, mais adiante, escreveu-se:
“(...) o legislador tem de prever mecanismos para evitar que o processo fique parado indefinidamente, à espera de que o demandado seja localizado e chamado ao processo». Há que conciliar e equilibrar os vários princípios e interesses em jogo, nomeadamente os do contraditório e da referida proibição da indefesa com aquele outro princípio da celeridade processual e ainda com os princípios da segurança e da paz jurídica, que são valores e princípios de igual relevância e constitucionalmente protegidos“ e não permitir que o processo “se arraste indefinidamente em investigações exaustivas e infindáveis ou que as mesmas se possam reabrir ou efectuar novamente a qualquer momento no decurso do processo, o que poderia ter consequências desestabilizadoras e frustrar assim o alcance da justiça“
7 – Ora, no caso em apreço, seguindo esta linha jurisprudencial, o que importa decidir é se, no balanceamento daqueles princípios e interesses, referidos no acórdão que se acabou de transcrever, a solução legislativa em causa – tal como o julgador a interpretou – ofende desproporcionadamente os direitos de defesa do demandado, pela forma adoptada de comunicação da propositura da acção, nomeadamente se ela oferece as garantias mínimas de segurança e fiabilidade em termos de se não tornar impossível ou excessivamente difícil a ilisão da presunção de efectivo recebimento da citação, defendendo-se contra a eventualidade de ausências ocasionais.
E recorde-se, uma vez mais, que a interpretação judicial em causa – afastada por inconstitucionalidade – se configura nos seguintes termos:
Em caso de cobrança de um crédito inferior à alçada da 1ª instância, emergente de um contrato escrito, sem domicílio convencionado, a citação do demandado, na acção subsequente ao processo de injunção em que se frustrou a notificação por carta registada endereçada para o domicílio indicado pelo autor,
deve fazer-se por via postal simples, sem prévia consulta às bases referidas no artigo 238º nº 1 do CPC.
Entende-se que esta “norma“ ofende o disposto no artigo 20º da Constituição.
Tem, com efeito, razão o recorrente quando sustenta que deste modo se confere uma tutela desproporcionada ao interesse da celeridade no andamento dos processos “desvalorizando, concomitantemente, as exigências de segurança e justiça e o cabal cumprimento da regra do contraditório“.
De facto, tal “norma“ acaba por fazer aplicar aos casos em que não há domicílio convencionado – e, consequentemente, não há por parte do devedor o dever de informar o credor das alterações do domicílio, nem a obrigação de controlar periodicamente o correio depositado no receptáculo postal do domicílio
– o regime previsto para as situações de domicílio pactuado.
Com este regime, em que não há qualquer comprovação de exactidão do dado referente ao domicílio do réu (não se consultam as bases referidas no artigo 283º nº 1 do CPC), torna-se extremamente oneroso ou mesmo impossível a ilisão da presunção de depósito da carta simples no receptáculo postal daquele domicílio (a prova de um facto negativo), sendo certo que a certificação do depósito é feita pelo distribuidor do servidor postal que, como diz o recorrente, “não pode considerar-se um funcionário público provido de fé pública“.
Trata-se, pois, de uma situação em que se pressupõe o efectivo conhecimento da petição, por parte do réu, quando o depósito da carta simples não representa um índice seguro da sua recepção e difícilmente pode ser ilidido. Tudo com a consequência de a falta de contestação gerar a condenação de preceito consagrada no artigo 2º do “Regime dos Procedimentos“ anexo ao Decreto-Lei nº 269/98 e a subsequente execução do réu.
Mostra-se, assim, violado o princípio constitucional da “proibição da indefesa“ e a exigência de um “processo equitativo“, ínsitos no artigo 20º da CRP.
8 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se:
a) julgar inconstitucional, por violação dos princípios da “proibição da indefesa“ e do “processo equitativo“, consagrados no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 238º nº 2 do Código de Processo Civil, interpretada no sentido de, em acção declarativa que se segue ao procedimento de injunção em que se frustrou a notificação por carta registada com aviso de recepção do requerido, e não havendo estipulação de domicílio no contrato de que emerge a pretensão condenatória, dever o réu ser imediatamente citado por via postal simples, sem que o tribunal deva averiguar previamente, por consulta das bases referenciadas no n.º 1 do mesmo artigo 238º do CPC, se a residência indicada pelo credor coincide com o teor dos registos públicos constantes daquelas bases e,
b) consequentemente, negar provimento ao recurso
Sem custas.
Lisboa, 29 de Maio de 2003 Artur Maurício Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira Rui Manuel Moura Ramos Luís Nunes de Almeida