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Processo n.º 242/13
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em Conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A., e são recorridos o Ministério Público, B. e C., o primeiro interpôs dois recursos, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
2. Pela Decisão Sumária n.º 279/2013, decidiu-se não admitir o primeiro recurso de constitucionalidade apresentado e, quanto ao segundo recurso interposto, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, decidiu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão, na parte que agora releva, tem a seguinte fundamentação:
«(…) (a) «Norma dos arts. 61º, n.º 1, d), 343º, n.º 1, e 345º, n.º 1, do Código de Processo Penal, segundo a qual o tribunal pode valorar o silêncio do arguido no sentido de o desfavorecer», por violação do artigo 32.º, n.º 1 da CRP;
(…)7. Acresce que o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, apenas pode traduzir-se, assim, numa questão de (in)constitucionalidade da(s) norma(s) de que a decisão recorrida haja feito efetiva aplicação ou que tenha constituído o fundamento normativo do aí decidido.
Trata-se de um pressuposto específico do recurso de constitucionalidade cuja exigência resulta da natureza instrumental (e incidental) deste recurso, tal como o mesmo se encontra recortado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf. J. M. M. Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, 3.ª edição revista e atualizada, 2007, pp. 31 e ss.).
Na verdade, a resolução da questão de constitucionalidade deverá, efetivamente, refletir-se na decisão recorrida, implicando a sua reforma, no caso de o recurso obter provimento, o que apenas sucede quando a norma cuja constitucionalidade o Tribunal Constitucional aprecie haja constituído a ratio decidendi da decisão recorrida, ou seja, o fundamento normativo do aí decidido.
Ora, como referimos, no caso dos autos, pretende o recorrente que o Tribunal da Relação de Coimbra teria aplicado os preceitos constantes dos artigos 61.º, n.º 1, d), 343.º, n.º 1 e 345.º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP), na interpretação segundo a qual o tribunal pode valorar o silêncio do arguido no sentido de o desfavorecer.
Acontece, porém, que não foi esta a interpretação que foi aplicada na decisão recorrida. O direito ao silêncio do arguido foi levado ao acórdão recorrido a propósito de um dos fundamentos invocados no recurso. Sustentava o recorrente que não teria beneficiado de suspensão da execução da pena apenas por ter usado do direito de não prestar declarações.
Depois de enunciar a questão e recordar o que a propósito fora decidido em 1.ª instância, bem como depois de enquadrar o direito ao silêncio nas garantias de defesa do arguido constitucionalmente reconhecidas, o que o acórdão recorrido, a este respeito, concretamente decidiu foi que: «Não existe violação do direito ao silêncio se o arguido não presta declarações e, em consequência do exercício desta faculdade, o Tribunal não dá como provada, designadamente, a sua confissão ou o arrependimento da prática dos factos. O silêncio embora não o desfavoreça, também não permite que o Juiz o favoreça com este tipo de circunstâncias de caráter atenuativo». E, mais adiante, concretamente já em sede de apreciação dos pressupostos da suspensão da execução da pena: « (…) são apenas razões de prevenção geral e especial que determinam a substituição da prisão por suspensão de execução da pena, pelo que as referências à culpabilidade não relevam para este efeito. Quanto às razões de prevenção especial, já atrás se consignou que o tribunal só deve suspender a sua execução sempre que, reportando-se ao momento da decisão, possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido.
É dentro desta ideia de apuramento do juízo de prognose sobre o comportamento futuro do arguido, que poderia levar à substituição da pena de prisão, que se escreve no acórdão recorrido que são bastante elevadas as exigências de prevenção especial pois “…o arguido apesar de inserido socialmente, não demonstra ter feito uma reflexão sincera sobre a gravidade do ocorrido, donde, neste quadro nada de verdadeiramente relevante se consegue detetar que milite a favor do mesmo, o qual apesar de ter estado na audiência, não verbalizou ou manifestou por qualquer forma arrependimento pelo sucedido, nem pesar pela vítima e situação da respetiva família, sem revelar sentimento de responsabilidade social ou esclarecer a sua culpabilidade e postura atual”».
E conclui o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra: «O Tribunal a quo não belisca no acórdão recorrido o direito ao silêncio do arguido A.; apenas constata que o arguido não beneficia daquelas circunstâncias, au até de outras como a reparação dos danos causados, que permitam concluir que rejeita o mal praticado, por forma a convencer que não voltará a delinquir se vier a ser confrontado com situação idêntica. Assim, não se reconhece que o acórdão recorrido valorou negativamente o silêncio do arguido, nem que violou o disposto nos citados artigos 61.º, n.º 1, al. d), 343.º e 345.º, n.º 1 do C.P.P. e art. 32.º, n.º 1 a contrario da C.R.P.». (cfr. fls. 809 v. – 810 dos autos).
Sendo assim, inevitável será concluir que a decisão recorrida não aplicou, efetivamente, os preceitos referidos na interpretação ora reputada de inconstitucional pelo recorrente, nem este suscitou diante do tribunal recorrido a questão de constitucionalidade que ora pretende ver apreciada.
(b) «Norma extraída do artº 412º, nºs 3 e 4, do CPP, interpretado em termos de dispensar os Desembargadores da audição das provas indicadas pelo recorrente para o julgamento da matéria de facto», por violação do artigo 32.º, n.º 1 da CRP;
8. Pretende, em segundo lugar, o recorrente que o Tribunal da Relação de Coimbra teria aplicado o preceito constante do artigo 412.º, n.os 3 e 4, do CPP, no sentido de «dispensar os Desembargadores da audição das provas indicadas pelo recorrente para o julgamento da matéria de facto».
Acontece, porém, que não foi esta a interpretação que foi aplicada na decisão recorrida, como claramente resulta da leitura do acórdão. Desde logo, decorre do acórdão em referência que o Tribunal de recurso aceitou conhecer da matéria de facto, julgando-se «apto a modificar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo», apesar de o recorrente não haver indicado as concretas localizações das gravações da prova testemunhal relevante para modificar a decisão recorrida por referência ao consignado na ata de julgamento (fls. 799 v). O tribunal de recurso bastou-se, assim, com a indicação das passagens dos depoimentos e transcrição dos segmentos em que o recorrente fundava a impugnação para conhecer da impugnação da matéria de facto.
Ora, da análise feita, no acórdão recorrido, da impugnação da matéria de facto apresentada pelo recorrente, não é possível extrair a aplicação da norma formulada como segunda questão de constitucionalidade colocada. De resto, esta questão constituiu um dos fundamentos invocados no requerimento de arguição de nulidades do acórdão e aclaração do mesmo que o ora recorrente, ao tempo, apresentou no Tribunal da Relação de Coimbra, sendo de salientar que o acórdão que o apreciou claramente refere que, no que respeita a esta questão «o arguido parte de um pressuposto errado, pois o Tribunal da Relação deixou consignado expressamente que conhecia da impugnação da matéria de facto, ao abrigo do art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, e, efetivamente conheceu, procedendo à audição das provas indicadas pelo recorrente – como qualquer pessoa que leia minimamente com atenção a decisão em causa não pode deixar de saber» (fls. 856).
9. Inevitável será concluir, mais uma vez, que a decisão recorrida não aplicou, efetivamente, os preceitos referidos na interpretação ora reputada de inconstitucional pelo recorrente.
Independentemente, pois, da falta de verificação de outros pressupostos de conhecimento desta questão de constitucionalidade, falece, pois, também neste caso, o requisito essencial para o conhecimento do recurso consistente na efetiva aplicação da norma impugnada na decisão recorrida.
(c) «Norma extraída do art. 379º, n.º 1, al. c) do CPP, consistente na interpretação de que não implica prática da nulidade aí prevista o julgamento da matéria de facto pelos Desembargadores que se dispensaram da audição das provas indicadas pelo recorrente», por violação do artigo 32.º, n.º 1 da CRP;
10. Pretende, de seguida, o recorrente que o Tribunal da Relação de Coimbra teria aplicado o preceito constante do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP, no sentido de que «não implica prática da nulidade aí prevista o julgamento da matéria de facto pelos Desembargadores que se dispensaram da audição das provas indicadas pelo recorrente».
Tal como decorre do já acima aludido, o tribunal recorrido não aplicou uma tal interpretação do preceito em referência, antes decorrendo expressamente da fundamentação da decisão que indeferiu a nulidade arguida que, neste ponto, «o arguido parte de um pressuposto errado» uma vez que o tribunal a quo conheceu da impugnação da matéria de facto, afirmando inclusivamente que procedeu à audição das provas indicadas pelo recorrente (fls. 856).
Mais uma vez, independentemente da falta de verificação de outros pressupostos de conhecimento desta questão de constitucionalidade, falece, pois, também neste caso, o requisito essencial para o conhecimento do recurso consistente na efetiva aplicação da norma impugnada na decisão recorrida.
(d) «Norma extraída dos arts. 358º e 368º do CPP, interpretadas no sentido de ser dispensável a audição do arguido sobre factos constantes do relatório social, que lhe sejam desfavoráveis», por violação dos artigos 32.º, n.º 1 e 20.º, n.º 4 da CRP;
11. Insurge-se ainda o recorrente contra a interpretação dada pelo tribunal recorrido aos artigos 358.º e 368.º do CPP, dispensando a audição do arguido sobre factos constantes do relatório social que lhe são desfavoráveis, interpretação que reputa de inconstitucional, por violação dos direitos de defesa do arguido e direito a um processo equitativo.
Todavia, e mais uma vez, não tem razão ao imputar aquela interpretação dos preceitos legais em referência ao tribunal recorrido. Tal como expressamente se deixou esclarecido na decisão recorrida, o acórdão de 17 de outubro de 2012, (fls. 792-792v):
«O relatório social é (…) um documento que contém informação, essencialmente dados de facto, cuja perceção frequentemente não exige qualquer conhecimento especializado.
Os dados de facto que dele constem têm a natureza de um meio de prova, que podem ser conjugados com outros meios de prova, sendo que o STJ (…) vem entendendo que o teor do relatório social é apreciado livremente pelo tribunal nos termos do art. 127.º do Código de Processo Penal.
O relatório social do arguido só excecionalmente pode ser lido em audiência (art. 370.º, n.º 3 do C.P.P.), por poder conter elementos que contendem com a sua vida privada, no caso de se tornar necessária a produção de prova suplementar.
A fundamentação da sentença condenatória deve conter não apenas os factos provados relativos aos factos da responsabilidade do arguido e demais circunstâncias enunciadas no art.368.º do C.P.P., mas ainda as relativas à sua personalidade, para efeitos de determinação da sanção.
Qualquer alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, portanto respeitantes à questão da culpabilidade, deverá ser comunicada ao arguido, pois o art.379.º, n.º1, alínea b), do Código de Processo Penal, comina com nulidade a sentença “Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstas nos artigos 358.º e 359.º”.
Já os antecedentes criminais do arguido e a informação recolhida no Relatório Social ou por outro meio de prova sobre a inserção social e sócio-profissional do arguido, não respeitando à descrição dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, mas à sua personalidade para efeitos de determinação da sanção, não têm de ser comunicados nos termos do art.358.º do C.P.P.
Aliás, não podendo o Relatório social ser lido em audiência, a não ser a requerimento, por maioria de razão não poderiam ser comunicados nessa audiência os factos relativos à sua personalidade, ali mencionados, que o Tribunal poderá vir a incluir na factualidade da sentença dada como provada».
Em conclusão, decidiu-se no acórdão recorrido que não se verificava a nulidade da sentença por violação do artigo 358.º do CPP que fora invocada pelo recorrente.
Verifica-se, assim, antes do mais, que o acórdão recorrido não fez aplicação do instituto regulado no artigo 358.º do CPP (“alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia”), antes precisou que não era caso de aplicação do mesmo, razão pela qual não se verificava a nulidade da sentença de primeira instância invocada, em recurso, pelo recorrente.
Por seu lado, no que respeita ao artigo 369.º do CPP, o acórdão limita-se a aludir ao regime mitigado de “cesure” instituído, por aquela disposição legal, na fase decisória do processo, sublinhando que, «numa primeira fase, relativa à “questão da culpabilidade”, fixam-se os factos alegados pela acusação e pela defesa, e bem assim os que resultarem da discussão da causa relevantes para os termos enunciados no art.368.º, n.º 2 do C.P.P.; numa segunda fase, se resultar das deliberações e votações que ao arguido deve ser aplicada uma pena ou medida de segurança, sem que se proceda a uma cisão material mas apenas lógica, o Tribunal procede à leitura da documentação existente nos autos relativa aos antecedentes criminais do arguido, à perícia sobre a sua personalidade e ao relatório social (art. 369.º do C.P.P.)».
O Tribunal a quo não aplicou, pois, a dimensão normativa dos preceitos legais em referência ora invocada pelo recorrente. (…)
(e) «Norma extraída do 357º do CPP, interpretado no sentido de a Relação considerar que é lícita a valoração dos “depoimentos em audiência de julgamento, de agentes de autoridade, sobre o relato de diligências de investigação no âmbito do artº 249º do CPP, portanto, ainda antes da existência de inquérito e de constituição de arguido, são valorados livremente”», por violação do artigo 32.º da CRP e 6.º da CEDH.
12. Finalmente, invoca ainda o recorrente que a decisão recorrida aplicou uma interpretação do artigo 357.º do CPP inconstitucional por admitir, em violação das garantias de defesa e do processo equitativo, bem como da dignidade humana, a valoração livre de depoimentos prestados por agentes de autoridade, em audiência de julgamento, referentes a relatos de diligências de investigação realizadas como providências cautelares para assegurar meios de prova, portanto, ainda antes da autuação do inquérito.
A indicação do critério normativo a sindicar pressupõe a verificação de uma conexão mínima entre a “norma” cuja inconstitucionalidade é invocada e o preceito legal indicado pelo recorrente como integrando o âmbito do recurso. A “norma” a apreciar não pode ser dissociável do preceito legal invocado como suporte legal da mesma.
Ora, o preceito legal por referência ao qual é apresentada a interpretação normativa a apreciar nesta quinta questão de constitucionalidade enunciada (e), é o artigo 357.º do CPP. Sucede que este preceito legal não encontrou aplicação na decisão recorrida. Em vão se procurará no texto de toda a decisão a menção à referida disposição legal, pelo que, independentemente da falta de verificação de outros requisitos de apreciação do recurso de constitucionalidade, não pode deixar de claudicar, desde logo, o requisito de apreciação do recurso atinente à efetiva aplicação da norma recorrida.
Resta, então, decidir em conformidade, não se cumprindo os requisitos legais para o conhecimento do recurso acima identificado. (…)»
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, sustentando a reclamação essencialmente nos seguintes fundamentos:
«Quanto à norma dos arts. 61°, n.° 1, d), 343°, n.º 1, e 345°, n.° 1, do CPP, segundo a qual o tribunal pode valorar o silêncio do arguido no sentido de o desfavorecer:
1.1. A decisão sumária reclamada conclui que o ora reclamante não suscitou a inconstitucionalidade desta norma perante o tribunal recorrido, antes imputou a violação da Lei Fundamental à decisão que então impugnava; e que aqueles preceitos legais não foram aplicados pelo acórdão recorrido com a interpretação que o recorrente indicou, acusando-a de ser inconstitucional.
1.2. Ora, ao imputar a inconstitucionalidade à decisão recorrida, o ora reclamante estava a arguir a inconstitucionalidade da norma por ela aplicada, que assim a viciava. Ao que acresce que, quando o acórdão recorrido conclui que «se o arguido não presta declarações», o tribunal não pode dar como provado o seu «arrependimento da prática dos factos», está, necessariamente, a valorar o silêncio do arguido no sentido de o desfavorecer.
1.3. Vale isto por dizer que o acórdão recorrido aplicou a norma que o recorrente acusa de ser inconstitucional.
2. Quanto à norma extraída do art. 412°, n°s 3 e 4, do CPP, interpretado em termos de dispensar os Desembargadores da audição das provas indicadas pelo recorrente para o julgamento da matéria de facto:
2.1. A decisão sumária reclamada conclui que não foi esta a interpretação aplicada pela decisão recorrida.
Apoia tal conclusão na afirmação de que, para conhecer da matéria de facto, procedeu «à audição das provas indicadas pelo recorrente», feita pela Relação no acórdão que decidiu a reclamação por nulidade e pedido de aclaração.
2.2. A verdade, porém, é que, no julgamento da matéria de facto, o aqui reclamante não encontra rastro das provas que indicou — e, assim, da audição das mesmas.
2.3. Daí o reclamante concluir que o acórdão da Relação aplicou a norma por si acusada de sofrer de inconstitucionalidade.
3. Quanto à norma extraída do art. 379°, n.º 1, alínea c), do CPP, consistente na interpretação de que não implica prática da nulidade aí prevista o julgamento da matéria de facto pelos Desembargadores que se dispensaram da audição das provas indicadas pelo recorrente.
3. 1. A decisão sumária reclamada conclui que a Relação não aplicou o art. 379°, n.° 1, c), do CPP com esta interpretação. E isto, porque - diz - a própria Relação afirma que, para conhecer da matéria de facto, procedeu «à audição das provas indicadas pelo recorrente».
3.2. O reclamante reafirma que, no julgamento da matéria de facto, não encontra rastro das provas que indicou — e, assim, da audição das mesmas.
33. Resta-lhe, por isso, concluir que o acórdão da Relação aplicou a norma por si acusada de sofrer de inconstitucionalidade.
4. Quanto à norma extraída dos arts. 358° e 368° do CPP, interpretados no sentido de ser dispensável a audição do arguido sobre factos constantes do relatório social, que lhe sejam desfavoráveis.
4.1. Conclui a decisão sumária que a Relação não aplicou o art. 358° do CPP, relativo à ocorrência de uma alteração substancial dos factos, justamente porque concluiu que não era caso de aplicação do mesmo; e que também não aplicou o art. 368° do referido Código, pois se limitou a aludir ao regime mitigado de «césure» instituído por tal disposição legal.
Conclui ainda, a este propósito, a decisão sumária que, tendo o ora reclamante, na motivação do recurso para a Relação, invocado a nulidade por violação do art. 358° do CPP, devia ter também suscitado aí a inconstitucionalidade da interpretação que questiona, e não o fez.
4.2. Entende, porém, o reclamante que, tendo invocado, no recurso para a Relação, que a lª Instância violou o art. 358° do CPP, em virtude de o não ter ouvido sobre factos constantes do relatório social que lhe são desfavoráveis; e que, tendo a Relação concluído que não era caso de aplicação desse normativo; o acórdão recorrido fez, embora negativamente, aplicação de tal preceito legal, interpretando-o do modo indicado, pois excluiu aquela situação de facto do seu âmbito de proteção.
4.3. Ora, é justamente o entendimento de que os factos constantes do relatório social que sejam desfavoráveis ao arguido estão excluídos do âmbito de proteção do art. 358° do CPP, com a consequência de o tribunal do julgamento não ter o dever de ouvir o arguido sobre eles, que o reclamante reputa inconstitucional.
4.4. Pois foi com esse sentido inconstitucional que o art. 358 foi interpretado e aplicado pelo Tribunal da Relação.
4.5. Embora os recorrentes devam antecipar a possibilidade de os tribunais adotarem interpretações que eles considerem inconstitucionais, tendo, nesse caso, o ónus de suscitar a inconstitucionalidade dessas interpretações; no presente caso, esse ónus não se impunha ao aqui reclamante, pois lhe não era exigível que previsse que a Relação iria coonestar a interpretação de que não existe o dever de o tribunal do julgamento ouvir o arguido sobre factos desfavoráveis, que lhe digam respeito, constantes do relatório social.
4,6. Não impendendo sobre o ora reclamante tal ónus da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade, deve ele ser dispensado do seu cumprimento.
4.7. Acresce que, tendo a Relação coonestado a referida interpretação do art. 358° do CPP, também o acórdão por si proferido ficou a enfermar da nulidade decorrente da violação de tal normativo legal.
4.8. Ora, o momento processualmente adequado para suscitar esta nulidade de que enferma o acórdão da Relação (e o respetivo fundamento, que é a inconstitucionalidade da referida interpretação do art. 358° do CPP), é precisamente a reclamação desse aresto por nulidade.
49. Por isso, a inconstitucionalidade daquela interpretação do art. 358° haverá de ser tida como suscitada tempestivamente pelo reclamante, que o fez de forma processualmente adequada, durante o processo e perante o tribunal recorrido. Ou, assim se não entendendo, que o reclamante estava, no caso, dispensado da suscitação prévia de tal inconstitucionalidade.
5. Quanto à norma extraída do art. 357° do CPP, interpretada no sentido de a Relação considerar que é lícita a valoração dos «depoimentos em audiência de julgamento, de agentes de autoridade, sobre o relato de diligências de investigação no âmbito do art. 249° do CPP, portanto, ainda antes da existência de inquérito e de constituição de arguido».
51. A decisão sumária conclui que o acórdão recorrido não aplicou o art. 357° do CPP com esta interpretação, uma vez que — refere — tal preceito legal não é nele mencionado.
5.2. Convém o reclamante em que, tal como se afirma na decisão sumária, o art. 357° do CPP não é mencionado no texto do acórdão recorrido.
Isso, porém, não basta para concluir que tal preceito legal não foi aplicado com aquela interpretação.
5.3. Se, para concluir pela não aplicação de um artigo de lei, fosse suficiente que a decisão judicial não referisse o seu número, então, para subtrair as decisões judiciais ao contrôlo de constitucionalidade que a Constituição põe a cargo do Tribunal Constitucional, bastaria que, nas suas decisões, os juízes enunciassem as normas que fundamentam os julgamentos proferidos sem as referir aos preceitos legais que as contêm.
5.4. Esse é, porém, um resultado que ninguém aceita.
5.5. Ora, o acórdão recorrido aplicou o seguinte critério de decisão: são valorados livremente pela Relação os «depoimentos em audiência de julgamento, de agentes de autoridade, sobre o relato de diligências de investigação no âmbito do art. 249º do CPP, portanto, ainda antes da existência de inquérito e de constituição de arguido».
5.6. Pois isso é uma norma: um critério de decisão adotado pelo juiz no julgamento de um caso.
5.7. Essa norma, esse critério de decisão, não poderia o juiz extraí-la de outro preceito legal que não fosse o art. 357° do CPP, pois é este normativo que se refere à leitura das declarações do arguido, remetendo no n.° 2 para o n.° 7 do art. 356° do mesmo Código, relativo às declarações recebidas pelos órgãos de polícia criminal.
5. 8. Conclui assim o reclamante que o acórdão recorrido aplicou o art. 357° do CPP, interpretado do modo que indicou e considera inconstitucional.»
4. Notificados da reclamação, os recorridos responderam, concluindo pela improcedência da mesma.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
5. Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso com fundamento em falta de aplicação, pelo tribunal recorrido, das normas arguidas como inconstitucionais. No que respeita a duas das questões de constitucionalidade invocadas -questões a) e d) - a decisão de não conhecimento fundou-se ainda na falta de suscitação prévia e adequada perante o tribunal recorrido.
Para contrariar o decidido, o reclamante limita-se a reiterar que o tribunal recorrido interpretou e aplicou os preceitos legais citados nos moldes invocados no presente recurso de constitucionalidade, entendendo que suscitou devidamente a primeira questão perante o tribunal recorrido e insistindo no que respeita à quarta questão, no argumento da dispensa de suscitação prévia por não lhe ser exigível prever que a Relação iria interpretar os preceitos legais em referência nos moldes em que o fez.
Não tem razão.
6. Independentemente da falta de verificação de outros pressupostos de conhecimento – designadamente, os enunciados também na decisão reclamada -, o acórdão recorrido não procedeu à interpretação dos preceitos legais em referência nos termos invocados pelo recorrente e por ele reputada de inconstitucional, o que prejudica definitivamente a apreciação de mérito no presente recurso.
Como detalhadamente se explica na decisão reclamada, o tribunal recorrido não aplicou as seguintes normas formuladas pelo recorrente:
«Norma dos arts. 61º, n.º 1, d), 343º, n.º 1, e 345º, n.º 1, do Código de Processo Penal, segundo a qual o tribunal pode valorar o silêncio do arguido no sentido de o desfavorecer», por violação do artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP);
«Norma extraída do artº 412º, nºs 3 e 4, do CPP, interpretado em termos de dispensar os Desembargadores da audição das provas indicadas pelo recorrente para o julgamento da matéria de facto»;
«Norma extraída do artº 379º, nº 1, al. c), do CPP, consistente na interpretação de que não implica prática da nulidade aí prevista o julgamento da matéria de facto pelos Desembargadores que se dispensaram da audição das provas indicadas pelo recorrente»;
«Norma extraída dos arts. 358º e 368º do CPP, interpretadas no sentido de ser dispensável a audição do arguido sobre factos constantes do relatório social, que lhe sejam desfavoráveis»;
«Norma extraída do 357º do CPP, interpretado no sentido de a Relação considerar que é lícita a valoração dos “depoimentos em audiência de julgamento, de agentes de autoridade, sobre o relato de diligências de investigação no âmbito do artº 249º do CPP, portanto, ainda antes da existência de inquérito e de constituição de arguido, são valorados livremente”».
7. Com efeito, no que respeita à norma enunciada em (a), o que o acórdão recorrido entendeu foi que não existe violação do direito ao silêncio se o tribunal, em consequência do silêncio do arguido, não dá como provados a confissão e o arrependimento do mesmo. Neste caso, não decorre do silêncio o desfavorecimento do arguido. Simplesmente o arguido não pode beneficiar de circunstâncias atenuativas da pena por não ter prestado qualquer declaração. Esta perceção não traduz a norma segundo a qual «o tribunal pode valorar o silêncio do arguido no sentido de o desfavorecer».
8. No que respeita à segunda norma invocada (b), a análise do acórdão recorrido demonstra a sua não aplicação, dele decorrendo que o tribunal se bastou com a indicação das passagens dos depoimentos e transcrição dos segmentos em que o recorrente fundava a impugnação da matéria de facto, para conhecer da mesma.
9. Também a norma enunciada em (c) parte do pressuposto errado da dispensa de audição das provas indicadas pelo recorrente, quando o tribunal afirma que procedeu à sua audição.
10. A norma formulada em (d) é extraída dos artigos 358.º e 368.º do CPP, sendo que o primeiro dos referidos preceitos legais regula a alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, instituto que não foi aplicado pelo tribunal recorrido, o que afasta, desde logo, a dimensão normativa que o recorrente pretendia ver apreciada.
Finalmente, também a quinta norma enunciada se alicerça num preceito legal – o artigo 357.º do CPP – que, diferentemente do pretendido pelo reclamante, não encontrou aplicação, expressa ou implícita, na decisão recorrida. O tribunal não fundamentou a sua decisão na reprodução ou leitura permitidas de declarações prestadas nos autos pelo arguido.
E sendo assim, impõe-se confirmar a decisão de não conhecimento do recurso.
III - Decisão
11. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 8 de outubro de 2013. – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria João Antunes - Maria Lúcia Amaral