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Procº nº 537/2002.
3ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Tendo P...., A ..., X..., D..., E..., J..., M... e V..., deduzido, contra o Município de Sintra e pelo Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, pedido de declaração de ilegalidade das normas constantes dos artigos 42º a 46º da Tabela de Taxas e Licenças, vigente até 1998 - Tabela essa aprovada em 5 de Fevereiro de 1988 pela Assembleia Municipal de Sintra e alterada em 20 de Outubro de 1989 -, veio, em 19 de Outubro de 2000, a ser proferida sentença por intermédio da qual foi declarada a ilegalidade das referidas normas, mas tão somente quando as mesmas se reportam aos postos de abastecimento de carburantes que se encontrem totalmente instalados em propriedade privada e desde que o abastecimento se efectue também em propriedade privada, assim se não declarando a requerida ilegalidade quando nas aludidas normas se prevê a exigibilidade das taxas para os postos de abastecimento de carburantes quando estes se encontrem total ou parcialmente instalados em espaços do domínio público ou quando o abastecimento se efectue nesses espaços.
Não se conformando com o assim decidido recorreram para o Tribunal Central Administrativo P...., X..., E..., M... e V..., e também o Município de Sintra.
Aquele Tribunal Central, por acórdão de 29 de Janeiro de
2002, julgou improcedente o recurso interposto pelo Município de Sintra e procedente o recurso interposto por P...., X..., E..., M... e V..., vindo a declarar, com força obrigatória geral, “a ilegalidade das normas regulamentares do Capítulo IX, artºs. 42º a 46º da Tabela de Licenças e Taxas emitida e aprovada pela Assembleia Municipal do Município de Sintra por deliberação de 5. Fevereiro.1988, vigente até 1998 e aplicada pela respectiva Câmara Municipal, por violação do princípio da proporcionalidade consagrado nos artºs 18º nº 2 e
266 nº 2 CRP, na dimensão do princípio da proibição do excesso, da necessidade e adequação”.
Pode ler-se nesse aresto, em dados passos:-
“...............................................................................................................................................................................................................................................................
Chegados aqui e, repetindo, que as taxas tem por pressuposto de facto a actividade administrativa de prestação de um serviço, ou a utilização de bens do domínio público, ou a remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares, é evidente que a matéria de facto provada evidencia como pressuposto das taxas exigidas a utilização pela Recorrida de terrenos sitos no domínio público da Recorrente, isto é, o uso privativo da via pública, não podendo, por isso, sufragar-se o entendimento sustentado na sentença de que se trata de impostos.
O que nos leva à apreciação da alegada desproporção do aumento deliberado em 1989 pelo Município de Sintra nos valores das taxas de ocupação exigidas à Recorrida e que constituem a base de cálculo das liquidações impugnadas.
Seguindo Mário Esteves de Oliveira, P.C. Gonçalves e J.P. Amorim, in
’Código de Procedimento Administrativo - Comentado’, 2ª edição, Almedina, pág.
104, dispõe o artº 5º nº 2 do CPA:
‘As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.’
Como corolários deste princípio e no confronto com a esfera jurídica do particular, a decisão administrativa deve apresentar-se:
- adequada - ‘apta à prossecução do interesse público visado’;
- necessária - ‘necessária ou exigível (por qualquer outro meio não satisfazer o interesse público visado);
- proporcional (em sentido estrito) - ‘proporcional e justa em relação ao benefício alcançado para o interesse público (proporcionalidade custo/benefício)’.
Não é por acaso que o princípio da proporcionalidade, também é conhecido por princípio da proibição de excesso, pois que se trata de controlar a relação de adequação medida-fim - vd. Gomes Canotilho in ‘Direito Constitucional’, Almedina, 6ª edição, págs. 382/384.
Este princípio da proporcionalidade tem entre nós assento constitucional nos artºs 18º nº 2 e 266º nº 2 CRP, sendo por este último normativo erigido em princípio materialmente constitutivo e conformativo de toda a Administração Pública.
Qual o interesse público prosseguido pelo Município de Sintra no licenciamento da Recorrida para ocupar o domínio público com a bomba de gasolina?
Parece óbvio que é a política urbanística de dotação do território com estabelecimentos de venda de gasolina e gasóleo para conforto e qualidade de vida dos cidadãos que residem ou viaja, no Município.
Ponderando, em relação de adequação, o interesse público e as utilidades proporcionadas pela Administração de mera faculdade de ocupação de terreno - pois que as obras para implantação do posto de abastecimento e respectiva manutenção em razão da segurança, funcionalidade e limpeza das instalações não correm por conta do Município de Sintra - a medida adoptada de aumentar a taxa em 1000% por deliberação de 1989 resulta destituída de qualquer nexo de proporcionalidade.
Salvo o devido respeito, não se entende o propósito de passar de 30
000$00 para 300 000$00 de taxa (medida adoptada) em ordem à manutenção da ocupação da via pública pela bomba de gasolina da Recorrida (fim de interesse público prosseguido).
O aumento de 1000% atinge um percentual, no mínimo, inusitado, sem qualquer parâmetro de correspondência, nomeadamente, com os níveis de infla[]ção no período considerado.
É que a Recorrida não tem de pagar 300 000$00 por ano pela ocupação da via pública com o posto de abastecimento de combustível, tem de pagar de acordo com as liquidações notificadas,
- 2 198 966$00 no ano de 1991 - doc. de fls. 15;
- 2 498 015$00 no ano de 1992 - doc. de fls. 16;
- 2 797 782$99 no ano de 1993 - doc. de fls. 17;
- 3 063 593$00 no ano de 1994 - doc. de fls. 18.
Ou seja, há um salto das centenas de escudos para dois mil e três mil contos em cada ano, daí a referida desproporção do aumento da taxa no confronto com os meios - que se mantêm inalterados - por uso privativo do domínio público, em ordem a satisfazer o abastecimento público de combustível, interesse público prosseguido pela Autarquia através das instalações da Recorrida.
Todavia, não se reconhece a bondade da tese da Recorrida e sustentada na sentença de a violação do princípio da proporcionalidade por excesso do aumento transmutar a natureza jurídica da taxa em imposto.
Tal não sucede porque os pressupostos de facto em causa não sofreram alteração.
De facto, a pretensão de uso privativo do domínio público manifestada pela Recorrida permanece como pressuposto de facto da obrigação de pagamento do valor pecuniário exigido pela CMS a título de taxa.
Contrariamente, no imposto, a obrigação de pagamento não cria no credor do Estado qualquer dever específico de proporcionar ao devedor adimplente uma vantagem específica em razão do pagamento, uma vez que o seu destino é a constituição de receita para o financiamento de serviços públicos indivisíveis, ao invés das taxas, dirigidas ao financiamento de serviços públicos divisíveis, atribuindo vantagens apenas a quem os utiliza, ou seja, atribuindo-os de forma individualizada.
O princípio da proporcionalidade não tem em vista avaliar da realização harmoniosa dos interesses público e particular envolvidos na decisão administrativa, pelo contrário, ‘...tem ínsita, em si, a ideia de prevalência do interesse público, sendo em função da sua intensidade concreta que se avalia se as medidas em causa são, ou não ... as menos desfavoráveis (ou as mais favoráveis) para os administrados’ - CPA Comentado, AA. citados, pág. 723.
*
Acresce ainda, neste domínio, que no exercício da sua actividade, ‘em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa-fé’, princípio estabelecido no artº 6º-A nº 1 CPA que, no seu nº 2, estipula, ainda, que na aplicação do princípio da boa-fé, enquanto princípio geral de direito, plasmado, entre outros, no artº 334º C. Civil, ‘devem ponderar-se os valores fundamentais do direito ... e, em especial, a confiança suscitada na contraparte ... [e] o objectivo a alcançar’.
Como regra de conduta no confronto com os particulares e em ordem à realização do interesse público presente no caso concreto, deve a Administração abster-se de comportamentos em contradição com o comportamento anterior, quando este seja apto a criar a convicção no destinatário dos actos da Admi[nis]tração de que não se lhe seguirá uma actuação contraditória, gerando também, por esse motivo, a confiança em que a Administração irá prosseguir na mesma linha de actuação.
Confiança digna de tutela e protecção legal, pela proibição de venire contra factum proprium, isto é, de contradição directa entr[e] a situação jurídica originada pelo ‘factum proprium’ praticado e o comportamento subsequente, em negação de anterior situação.
................................................................................................................................................................................................................................................................
O que constitui, de acordo com as razões de direito supra expostas, violação manifesta e grosseira dos princípios da proporcionalidade, da boa-fé e da confiança, a que a actividade administrativa está submetida, inquinando os actos de liquidação de vício de violação de lei e passíveis de nulidade, nos termos previstos no artº 133º nº 2 d) CPA.
(...)
Concluindo, nos termos do artº 11º nº 1 c) da Lei 1/87 de 6.1 os municípios podem cobrar taxa pela ‘ocupação do domínio público e aproveitamento dos bens de utilização pública’, cujo produto constitui receita municipal conforme estabelecido nº artº 4º nº 1 g) do citado diploma, competindo à assembleia municipal ‘estabelecer nos termos da lei, taxas municipais e fixar os respectivos quantitativos’, como preceituado no artº 39º nº 2 1) do Dec. Lei
100/84 de 29.3, com observância do princípio da proporcionalidade, consignado no artº 5º nº 2 CPA. (...)’
...............................................................................................................................................................................................................................................................”
É do aresto de que partes acima se encontram transcritas que, pela Câmara Municipal de Sintra, vem interposto recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com vista à “apreciação da constitucionalidade das normas regulamentares do Capítulo IX, artigos 42º a 46º da Tabela de Licenças e Taxas emitida e aprovada pela Assembleia Municipal de Sintra, por deliberação de 5 de Fevereiro de 1988, cuja aplicação foi recusada no douto Acórdão recorrido por violação do princípio da proporcionalidade consagrado nos artigos 18º, n.º 2 e
266º n.º 2 da CRP, na dimensão do princípio da proibição do excesso, da necessidade e da adequação”.
2. Tendo o relator proferido decisão, nos termos do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, no sentido de se não tomar conhecimento do recurso, foi tal decisão reclamada, vindo, por intermédio do Acórdão deste Tribunal nº 18/2003, a ser determinado que os autos prosseguissem seus termos.
Notificadas as «partes» para a feitura de alegações, rematou o Município de Sintra a por si efectuada com as seguintes «conclusões»:-
“1 - As autarquias locais, nomeadamente os municípios, possuem património e finanças próprias, designadamente receitas provenientes dos seus tributos.
2 - Sendo que estas entidades além das receitas provenientes dos impostos, dispõe[m], nos termos do disposto no artº 254º, nº 2 da CRP, de receitas tributárias próprias.
3 - Assim sendo, ao Município de Sintra, é, nos termos legais (no caso que nos ocupa de acordo com o disposto no artº 11, da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro), permitido cobrar taxas de acordo com as diferentes Tabelas de Taxas e Licenças, aprovadas pela respectiva Assembleia Municipal, e em vigor em cada momento.
4 - Pelo exposto, teremos de fazer a distinção entre taxa e imposto para aquilatarmos da legalidade ou não das normas postas em crise.
5 - Enquanto o imposto é uma prestação coactiva e unilateral por forma a sublinhar que a prestação do particular não corresponde a qualquer contraprestação, a taxa tem, tal como é defendido pela doutrina e jurisprudência, carácter bilateral, sinalagmático. Logo, à sua obrigatoriedade corresponde uma contraprestação concreta e individualizável.
6 - As taxas têm, pois, como pressuposto de facto: a prestação concreta de um serviço público; na utilização de bens do domínio público ou na remição de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
7 - No caso sub iudice existe uma relação sinalagmática, já que existe uma contrapartida prestada às ora recorridas, qual seja:
- a faculdade das recorridas ocuparem com as suas instalações abastecedoras de carburante, ar e água [d]o domínio público municipal
ou não o sendo, isto é, quando aplicável aos postos instalados em propriedade privada, sempre existe contrapartida na medida em que há que ter em atenção, neste segundo caso, a utilização que fazem dos recursos naturais, ar, solos e
água.
8 - É, pois, manifest[a] a utilização de bens de utilização pública por via do desgaste ambiental que o funcionamento de um posto de venda de carburantes implica, sob o ponto de vista da inevitável contaminação atmosférica e dos solos, constituindo, por um lado, elementos condicionadores em termos urbanísticos e de aproveitamento dos solos. Bem como, por outro, são um factor de risco público que não pode deixar de ser ponderado, nomeadamente em sede de protecção civil; já que estamos não só perante matérias poluentes, mas, mais do que isso, perigosas.
9 - Por outro lado, tem sido entendido por esse douto Tribunal que estamos perante uma taxa sempre que existe uma relação sinalagmática, a qual não pressupõe uma exacta equivalência económica, podendo a aferição do respectivo montante ser realizada em função não só do custo, mas também do grau de utilidade prestada desde que não exista uma manifesta desproporcionalidade na sua fixação.
10 - Pelo que, o montante da taxa praticada não significa que seja para cobrir exactamente os custos. Pois que, não tem de existir a verificação de uma estrita equivalência económica entre o valor do serviço e o montante a pagar pelo utente desse serviço, cfr. Acórdão 20/2003 de 15/01/03 desse douto Tribunal. Logo,
11 - Caso exista um aumento do montante das taxas praticadas não tem apenas e forçosamente que se atender ao critério da inflação. Outros critérios são também válidos, nomeadamente os de cariz social, as opções políticas, conquanto que a contraprestação não deixe de ser proporcional. Isto é, que haja equivalência ou correlação entre o que é pago e o que é prestado, o que se dá e o que se recebe.
12 - No caso sub iudice não houve, salvo melhor opinião, aquando da aprovação da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra, designadamente do seu Capítulo IX, artºs 42° a 46°, vigentes até 1998 violação de qualquer princípio constitucional ou legal, nomeadamente do princípio da proporcionalidade, cfr . artºs 18°, n° 2 e 266°, n° 2, ambos da CRP . Isto porque,
13- Relativamente aos artºs 43° a 46° basta uma leitura atenta das mesmas para verificarmos que os montantes constantes da Tabela de 1988, aprovada[ ]pela Assembleia Municipal em 5 de Fevereiro de 1988 são exactamente os mesmos que constam da Tabela de 1989, aprovada pela Assembleia Municipal em 20 de Outubro de 1989 publicitada através do edital n° 230/89 e em vigor até 1998
14 - E, relativamente ao artº 42° da Tabela aprovada em 20 de Outubro de 1989, porquanto, apesar da alteração dos montantes a pagar, a tabela necessitava de ser actualizada e na fixação da respectiva taxa podem ser atendidos outros critérios - como por exemplo os de cariz social ou político - que não, como referido anteriormente, o da inflação, critérios esses que dependem de cada momento”.
De seu lado, os recorridos finalizaram a sua alegação do seguinte jeito:-
“1. O recente acórdão n.º 115/02 não rompeu com a jurisprudência anterior deste Venerando Tribunal Constitucional.
2. De 1988 para 1994, pela ocupação da mesma exacta área de domínio público, as Recorridas viram aumentar as taxas a pagar em mais de 900%, sem que tenha havido qualquer justificação para tal aumento, o que suscitou mesmo o seguinte comentário de um vereador: Não consegui encontrar critério justificativo dos aumentos, penso que foi um pouco a olho por cento. . .
3. No acórdão n.º 20/2002 deste mesmo TC, agora invocado pela CMS, é referido o seguinte: ‘As recorridas invocam a desproporcionalidade do tributo, uma vez que, alegam, o seu valor subiu 900%; o que ainda poderia ser autonomizado como questão de constitucionalidade material. Porém, a decisão recorrida considerou que, ‘em face do probatório, faltam elementos que conduzam a considerá-la a desproporcionalidade verificada’ ( fls. 327 e 324), nomeadamente a prova de quanto as recorridas pagavam em anos anteriores e há quanto tempo não eram actualizadas as taxas. Em face desta insuficiência, não se afigura manifesto que exista uma desproporcionalidade que afecte critérios, de justiça tributária.
4. Ora, do exposto bem se vê que nesse aresto a questão da proporcionalidade nem sequer foi apreciada pelo que pouco ou nada releva a sua invocação no caso em apreço.
5. Sem prejuízo do referido, a questão de saber quanto as recorridas pagavam em anos anteriores e há quanto tempo não eram actualizadas as taxas é respondida na própria tabela que aprovou as taxas para vigorar em 1988.
6. A melhor maneira de demonstrar, sem margem para dúvidas, que antes das alterações das taxas impugnadas a Impugnante pagava Esc. 30.000$00 é a própria tabela que se encontrava em vigor no ano de 1988, onde se pode constatar - cfr. Artigo 42.º da tabela - que a taxa cobrada era efectivamente de Esc. 30.000$00
(doc.1).
7. Por outro lado, importa referir que também a segunda questão - a de saber há quanto tempo não eram actualizadas as taxas antes de 02.12.89 - é claramente respondida através do confronto entre a tabela que vigorou em 1988 e a que vigorou no ano de 1989 cuja cópia se encontra junta aos autos, sendo certo que da própria tabela que vigorou em 1988 resulta que a mesma operou ela mesma uma actualização das taxas que não eram alteradas desde 1984 (cfr. no Doc. 1 a nota introdutória à tabela).
8. Ora, tendo presente que as taxas haviam sido actualizadas em 1988, fácil é de constatar que de um ano para o outro as taxas sofreram um aumento de 30 para 300 mil escudos; correspondendo a mais de 900%.
9. O carácter bilateral e sinalagmático das taxas significa que a obrigação do seu pagamento por parte do particular se encontra entrelaçada com a obrigação do titular da taxa de efectuar uma contraprestação que consista em determinada actividade pública.
10. Do ponto de vista económico, só casualmente. se verificará uma equivalência precisa entre prestação e contra prestação, entre o quantitativo da taxa e o custo da actividade pública, ou o benefício auferido pelo particular e daí que durante muito tempo se tenha defendido que ao conceito de sinal[a] gma não importa tanto a equivalência económica mas sobretudo uma equivalência jurídica.
11. Porém, é de extrema importância deixar aqui nota de que o elemento comparativo económico serve hoje cada vez mais como indicador de segurança dos particulares contra eventuais abusos nos valores cobrados pelas taxas.
12. Nessa linha, considera-se hoje que não há taxa mas sim imposto, quando os montantes , cobrados a título de taxas sejam exageradamente elevados isto é, quando não haja um mínimo de proporcionalidade.
13. Nesses casos já não se pode dizer que haja qualquer espécie de equivalência jurídica mas sim fiscalidade oculta.
14. Ora, no caso em apreço, ocorreu um aumento intolerável e injustificado das taxas de 30 para 300 mil escudos por cada bomba de abastecimento.
15. Decorre do exposto que, no caso sub judice, estamos perante um imposto de génese ilegal e inconstitucional, e não perante uma taxa, tese, aliás perfilhada nos pareceres dos Drs. S... e Dr. R... juntos aos autos.
16. Está-se, pois, no caso em apreço, perante um tributo que assume características de verdadeiro imposto pelo que a norma que o prevê enferma do vício de inconstitucionalidade orgânica por violação do disposto no artigo 168.º n.º 1 al. i) da Constituição da República Portuguesa (versão da Lei 1/89, de 8 de Julho).
17. Sem prejuízo do exposto, sempre se dirá que as normas em crise violam os princípios da igualdade, da justiça, da proporcionalidade e da boa fé (cfr. Parecer do Dr. R...}.
18. No caso dos autos é dado incontroverso que a taxa em questão, prevista no artigo 42.º da tabela de taxas da CMS tem por objecto postos de abastecimento de combustíveis integralmente instalados na via pública.
19. Ora, a licença de uso privativo do domínio público constitui um título de fruição de propriedade pública, constitutivo de mera faculdade de ocupação.
20. Através do licenciamento em causa a Administração potencia a extracção de potencialidades , acessórias nos bens da sua dominialidade beneficiando por esta via a prossecução do interesse público do abastecimento de carburantes às populações dando assim satisfação concreta às necessidades colectivas destas.
21.O exercício dos poderes de uso privativo que derivam do direito subjectivo público de utilização do domínio público tem normalmente como contrapartida o pagamento de uma taxa pelo particular autorizado.
22. Ora, aceite que os bens de domínio público são meios de acção administrativa submetidos à disciplina do direito público, as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar (cfr. artigo 5.º do CPA).
23. Como corolários deste princípio, e no confronto com a esfera jurídica do particular, a actuação administrativa deve apresentar-se adequada, necessária, e proporcional (em sentido estrito, ou seja proporcional e justa em relação ao benefício alcançado para o interesse público: proporcionalidade custo-benefício;
24. Este princípio da proporcionalidade tem assento constitucional nos artigos
18.º n.º 2 e 266.º n.º 2 da CRP, sendo por este último normativo erigido em princípio materialmente constitutivo e conformativo de toda a Administração Pública.
25. As características das taxas actuam, pois, como limites internos ao poder tributário dos municípios, como tem sido entendido por este Tribunal Central Administrativo.
26. No caso dos autos, como se disse acima, estão apenas em causa postos de abastecimento inteiramente localizados na via pública.
27. Assim, uma vez que está a ser utilizado um bem do domínio público poderia aceitar-se que a taxa em causa configuraria uma taxa de ocupação face à circunstância de ocorrer a essa prestação específica por parte da CMS, ou seja, por ocorrer uma cedência de espaço público para os fins prosseguidos pelas Recorridas.
28. Ora, em termos do citado princípio da proporcionalidade para além de resultar claro nos autos que no ano anterior ao da entrada em vigor da tabela de taxas as Recorridas pagavam apenas 30.000 escudos a título de taxas e passaram a pagar 300.000 escudos, o que por si só implica uma desproporção manifesta é a mera circunstância de a edilidade taxar cada bomba de carburante em 300.000$00 a partir de 89, valor actualizável segundo o índice anual de preços no consumidor publicado pelo INE, gera ilegalidade da norma impugnada.
29. Com efeito, ao utilizar este critério, a norma onde se prevê a taxa esquece e despreza em absoluto o caracter sinalagmático da taxa, pois, na verdade, ignora a respectiva contraprestação consistente no fornecimento de um espaço público para exercício da actividade das Recorridas e que objectivamente tem um determinado numero de metros quadrados (sendo a cedência deste número de metros quadrados a sua contraprestação na relação pela qual tem direito à exigência da taxa).
30. Este critério, assente numa pura manifestação de capacidade contributiva, ofende claramente o princípio da proporcionalidade e evidencia a ausência de sinal[a]gma no tributo previsto na norma impugnada.
31. Mais: o critério de aplicação da taxa consoante o número de bombas de carburante colide mesmo com o próprio direito de livre iniciativa salvaguardado no artigo 61.º n.º da CRP .
32. Em suma, o aumento de 30 para 300 mil escudos em cada ano configura, seguramente, a referida desproporção do aumento da taxa no confronto com os meios - que se mantêm inalterados - de taxa por uso privativo do domínio público, em ordem a satisfazer o abastecimento público de combustível, interesse público prosseguido pela autarquia através das instalações das Recorridas”.
Cumpre decidir.
3. Em 20 de Outubro de 1989 a Assembleia Municipal de Sintra aprovou a designada Tabela de Taxas e Licenças, que foi publicitada por edital de 2 de Novembro do mesmo ano e entrou em vigor em 2 de Dezembro seguinte.
De entre a normação da mesma constante dos artigos 42º a 46º, incluídas no Capítulo IX, intitulado INSTALAÇÕES ABASTECEDORAS DE CARBURANTES LÍQUIDOS, AR E ÁGUA, que dispõem:-
ARTº 42º - Bombas de carburantes líquidos - cada uma e por ano:
1) Instaladas inteiramente na via pública
........................300.000$00
2) Instaladas na via pública, mas com depósito em propriedade
particular.....................................................................200.000$00
3) Instaladas em propriedade particular, mas com depósito na
via pública...................................................................200.000$00
4) Instaladas inteiramente em propriedade particular, mas abas-
tecendo-se na via pública..............................................150.000$00
5) Instaladas inteiramente em propriedade particular, com abas-
tecimento no interior da propriedade...............................150.000$00
ARTº 43º - Bombas de ar ou água - por cada uma e por ano:
1) Instaladas inteiramente na via pública
............................5.000$00
2) Instaladas na via pública, mas com depósito ou compressor
em propriedade particular..................................................4.000$00
3) Instaladas em propriedade particular, com depósito ou com-
pressor na via pública.......................................................4.000$00
4) Instaladas inteiramente em propriedade particular, mas abas-
tecendo na via pública......................................................3.000$00 5) Instaladas inteiramente em propriedade particular, com abas-
tecimento no interior da propriedade..................................3.000$00
ARTº 44º - Bombas volantes, abastecendo na via pública - cada
uma e por ano...............................................................10.000$00
ARTº 45º - Tomadas de ar instaladas noutras bombas - cada
uma e por ano:
1) Com compressor saliente na via pública.........................3.000$00
2) Com compressor ocupando apenas o subsolo da
via pública....................................................................1.000$00
3) Com compressor em propriedade particular ou dentro de
qualquer bomba, mas abastecendo na via pública.................400$00
ARTº 46º - Tomadas de água, abastecendo na via pública - cada
uma e por ano.................................................................500$00
Nos termos do artº 79º da mesma Tabela, as taxas da mesma constantes são actualizáveis segundo o índice anual de preços ao consumidor publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, consequentemente, por essa via, vindo os respectivos montantes a ser objecto de várias actualizações.
Em 29 de Setembro de 1998 a Assembleia Municipal de Sintra aprovou um outro Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra, Tabela essa que veio a substituir aquela a que nos reportamos.
Note-se que a Tabela de que curamos veio a substituir uma outra, aprovada por deliberação da Assembleia Municipal de Sintra em 5 de Fevereiro de 1988, a qual continha, no seu Capítulo IX (INSTALAÇÕES ABASTECEDORAS DE CARBURANTES LÍQUIDOS, AR E ÁGUA) os artigos 42º a 46, que assim rezavam:-
ARTº 42º - Bombas de carburantes líquidos - cada uma e por ano:
1- Instaladas inteiramente na via pública
..........................30.000$00
2 - Instaladas na via pública, mas com depósito em propriedade
particular.......................................................................20.000$00
3 - Instaladas em propriedade particular, mas com depósito na
via pública.....................................................................20.000$00
4 - Instaladas inteiramente em propriedade particular, mas abas-
tecendo-se na via pública................................................15.000$00
ARTº 43º - Bombas de ar ou água - por cada uma e por ano:
1 - Instaladas inteiramente na via pública
..........................5.000$00
2 - Instaladas na via pública, mas com depósito ou compressor
em propriedade particular..................................................4.000$00
3 - Instaladas em propriedade particular, com depósito ou com-
pressor na via pública.......................................................4.000$00
4 - Instaladas inteiramente em propriedade particular, mas abas-
tecendo na via pública......................................................3.000$00
ARTº 44º - Bombas volantes, abastecendo na via pública - cada
uma e por ano...............................................................10.000$00
ARTº 45º - Tomadas de ar instaladas noutras bombas - cada
uma e por ano:
1) Com compressor saliente na via pública..........................3.000$00
2) Com compressor ocupando apenas o subsolo
da via pública.................................................................1.000$00
3) Com compressor em propriedade particular ou dentro de
qualquer bomba, mas abastecendo na via pública...................400$00
ARTº 46º - Tomadas de água, abastecendo na via pública - cada
uma e por ano...................................................................500$00
4. Do relato acima efectuado sobre as «taxas» em causa deflui que não é, atenta a fundamentação carreada ao acórdão sub iudicio, minimamente entendível a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral reportada às “normas regulamentares do Capítulo IX, artºs. 42º a 46º da Tabela de Licenças e Taxas emitida e aprovada pela Assembleia Municipal do Município de Sintra por deliberação de 5. Fevereiro.1988, vigente até 1998”.
Na verdade, do confronto entre os artigos 42º a 46º da Tabela de Taxas e Licenças aprovada pela Assembleia Municipal de Sintra em 5 de Fevereiro de 1988, e dos artigos 42º a 46º da Tabela de Taxas e Licenças aprovada pela mesma Assembleia Municipal em 20 de Outubro de 1989, resulta que a diferenciação entre uns e outros se circunscreveu em:-
- o artº 42º da Tabela aprovada em 20 de Outubro de
1989, ter sofrido alteração nos montantes das «taxas» respeitantes às situações previstas nos números 1 a 4 do artº 42º da anterior Tabela, e ser introduzido um novo nº 5 (referente às bombas de carburantes líquidos instalados inteiramente em propriedade particular, com abastecimento no interior da propriedade, cuja
«taxa» foi fixada em 150.000$00);
- ser introduzido um novo nº 5 no artº 43º (referente
às bombas de ar ou água instaladas inteiramente em propriedade particular, com abastecimento no interior da propriedade, cuja «taxa» foi fixada em 3.000$00).
Toda a demais normação ínsita no Capítulo IX da Tabela aprovada 5 de Fevereiro de 1988 não sofreu, com a Tabela aprovada em 20 e Outubro de 1989, qualquer alteração.
Ora, se a Tabela de Taxas e Licenças aprovada em 5 de Fevereiro de 1988 foi substituída pela Tabela de Taxas e Licenças aprovada em 20 de Outubro de 1989, não é perceptível que o aresto lavrado em 29 de Janeiro de
2002 pelo Tribunal Central Administrativo tenha declarado a ilegalidade com força obrigatória geral das normas constantes do Capítulo IX daquela primeira Tabela e que, segundo o mesmo, vigoraram até 1998, por isso que, como resulta claro, a prescrição daquelas normas deixou de produzir efeitos a partir da vigência da Tabela aprovada em 20 de Outubro de 1989 (2 de Dezembro de 1989) e que se manteve em vigor (com excepção da actualização dos montantes advinda da multiplicação pelo factor correspondente ao índice anual dos preços ao consumidor publicado pelo Instituto Nacional de Estatística) até à publicação do Regulamento de Taxas e Licenças do Município de Sintra aprovado em 29 de Setembro de 1998.
Por outro lado, e porque o juízo de ilegalidade a que chegou aquele acórdão se fundou na desproporcionalidade surpreendida no quantitativo das «taxas» constantes dos artigos 42º a 46º relativamente aos quantitativos, indicados no mesmo acórdão, e que não podiam, pelo seu montante, deixar de ser aqueles que se encontravam nos artigos 42º a 46º da Tabela aprovada em 5 de Fevereiro de 1988, então igualmente não é perceptível que o juízo de ilegalidade se reportasse a estas últimas disposições.
Neste contexto, teria havido lapso na declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, ao se referir às normas regulamentares constantes dos artigos 42º a 46º da Tabela de Taxas e Licenças aprovada por deliberação tomada em 5 de Fevereiro de 1988 pela Assembleia Municipal de Sintra, já que se quereria escrever «normas regulamentares do Capítulo IX, artigos 42º a 46º, da Tabela de Taxas e Licenças emitida e aprovada pela Assembleia Municipal de Sintra por deliberação de 20 de Outubro de 1989».
E, mesmo quanto à totalidade daqueles artigos, ainda tendo em atenção a fundamentação do acórdão e a que atrás se aludiu, não se descortinam as razões pelas quais os artigos 43º e 46º fossem fulminados com semelhante juízo de ilegalidade.
Seja como for, incidir-se-á a atenção sobre a questão de saber se são, ou não, de perspectivar como contrárias à Constituição as normas vertidas nos artigos 42º a 46º da Tabela de Taxas e Licenças aprovada por deliberação tomada em 20 de Outubro de 1989 pela Assembleia Municipal de Sintra.
5. Um dos problemas de constitucionalidade que é posto pelas recorridas alicerça-se na delimitação da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República consubstanciada na criação de impostos e sistema fiscal [alínea i) do nº 1 do artigo 168º da Constituição, na versão decorrente da Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, em vigor à data da edição da regulamentação em análise].
E isso porque, segundo o entendimento pelas mesmas perfilhado, aquela regulamentação, ao impor as «taxas» em apreço no montante em que as mesmas se encontram fixadas, não atentou no vínculo sinalagmático que deve ser apanágio da figura de taxa, desta sorte procedendo ocultamente à imposição de um tributo que haveria de ser perspectivado como de um verdadeiro imposto se tratasse, em face da inexistência da contraprestação que a autarquia de Sintra deveria levar a efeito pela exigência do tributo.
Segundo o preceituado no nº 3 do artigo 240º da Lei Fundamental (citada versão), as autarquias locais de autonomia financeira gozam de receitas próprias, as quais incluem obrigatoriamente as provenientes da gestão do seu património e as cobradas pela utilização dos seus serviços.
A competência legal para o estabelecimento de taxas municipais (e do respectivo montante) encontrava-se, ao tempo, cometida à Assembleia Municipal por via do que se consagrava na alínea l) do nº 2 do artº
39º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março. O âmbito de uma tal competência, encontra-se, hoje, demarcado no artº 11º da Lei das Finanças Locais (Lei nº
42/98, de 29 de Março), aí se definindo quais os benefícios ou utilidades proporcionados aos munícipes como contrapartida do pagamento de uma taxa.
A este propósito, escreveu-se no Acórdão deste Tribunal nº 515/2000 (publicado na 2ª Série do Diário da República de 23 de Janeiro de
2001, que, “de entre os fundamentos susceptíveis de, legalmente, poderem levar ao estabelecimento de uma taxa municipal, importa salientar a concessão do domínio público e aproveitamento dos bens de utilização pública e prestação de serviços ao público por parte das repartições ou dos funcionários municipais. Podendo os municípios criar taxas e fixar, sempre através das assembleias municipais, os respectivos montantes, não podem porém criar impostos ou tributos que devam ser tratados como impostos, uma vez que a criação e a definição dos elementos essenciais destes tributos estão sujeitas a reserva de lei parlamentar
(artigo 106º, nº 2 e artigo 168º, nº 1, alínea i) da Constituição – revisão de
1989)”.
Este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade, por várias vezes, teve já ensejo de se pronunciar sobre os critérios essenciais à distinção entre «taxa» e «imposto», utilizando, para tanto, um critério geral que consiste, justamente, em saber se a prestação tributária exigida se apresenta com um carácter unilateral - casos em que se deparará uma situação que, ao menos do ponto de vista de tratamento constitucional do tributo assim fixado, há-de ser equiparada à exigência de um imposto - ou com um carácter bilateral ou sinalagmático – casos estes em que se deparará uma situação que poderá ser perspectivada como correspondendo à taxa
(cfr., a título exemplificativo, Acórdãos nºs 76/88, 348/86 e 410/2000, os dois primeiros publicados nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º volume, 331 e seguintes, e 8º volume, 93 e seguintes, e o terceiro na I Série-A do Diário da República de 22 de Novembro de 2000).
De acordo com os citados arestos, estar-se-á perante um imposto sempre que a obrigação do seu pagamento não esteja ligada a qualquer contraprestação específica por parte do impositor do tributo. Pelo contrário, para o preenchimento do conceito de taxa, mister é que uma tal contraprestação se depare, sendo que a mesma nem sempre tem de significar, para o particular, o gozo de uma vantagem ou benefício, assim como não tem de constituir o exacto correspectivo económico de um serviço ou de uma actividade da Administração.
Deste modo, como referem Paulo Pitta e Cunha, Xavier de Basto e Lobo Xavier (Conceitos de Taxa e Imposto, Fisco, números 51 e 52. 6) a“ sinalagmaticidade que subjaz ao conceito de taxa não se alcança com qualquer prestação por parte do Estado: se esta não tem de representar sempre um benefício ou vantagem, e se não tem de existir uma exacta equivalência económica entre o pagamento do particular e a acção individualizada do Estado, a contraprestação há-de, pelo menos, apresentar uma natureza material”, nela se devendo retirar a identificação, “na esfera do cidadão” do “uso de um bem semi-público”.
5.1. No caso dos presentes autos, relativamente à generalidade da normação em apreço, dificilmente se poderá sustentar que os particulares sujeitos ao pagamento das estipuladas «taxas» não adquiram uma contrapartida.
Na verdade, pelo que tange às situações que se reportam
às instalações de postos de abastecimento de combustíveis líquidos, bombas de ar ou água, bombas volantes ou tomadas de ar instaladas inteiramente na via pública, com depósito ou compressor na via pública ou ocupando o subsolo desta e abastecimento na via pública, é de evidência que a contrapartida da «taxa» decorre da ocupação desse espaço de domínio público.
Uma tal ocupação, que vai, ao fim e ao resto, a traduzir-se num uso privativo, ainda que se não trate de uma permanência constante (como são os casos de mero abastecimento na via pública), depende do consentimento da Administração, efectuado por meio de licença. Atribuída esta, a contrapartida imposta ao particular pelo exercício dos poderes de uso privativo que derivam do direito de utilização desse domínio público, traduz-se, in casu, no pagamento de um determinado quantitativo que, dentro desta perspectiva, não poderá deixar de considerar-se subsumido ao conceito de taxa.
E, como já se assinalou, o respectivo montante da taxa, a fixar pelo ente público, não tem, necessariamente, de corresponder ao custo económico do bem ou serviço que constitui a prestação da Administração.
Efectivamente, e de um modo geral, e como já este Tribunal sustentou, citando-se, para o efeito, o recente Acórdão nº 20/2003
(publicado na 2ª Série do Diário da República de 28 de Fevereiro de 2003) para se delinear uma clara desproporção que afecte o carácter sinalagmático de um tributo, não há-de, apenas, considerar-se a medida excessiva da quantia a pagar relativamente ao custo do serviço, mas ter em conta igualmente “a aferição dessa quantia em função do grau de utilidade do serviço para quem tem de pagar o tributo”.
5.2. Segundo a decisão impugnada, o montante das taxas em causa (e mesmo tendo agora em atenção somente os casos em que existe uma ocupação de espaço do domínio público) apresenta-se como desproporcionado, e daí ter fulminado com um juízo de ilegalidade os normativos em espécie.
Estando já assente que não pode ser afastada a vantagem que decorre para os beneficiários da utilização do espaço público municipal, a questão que, neste particular, se tem de equacionar é, justamente, a de saber se o aumento que se surpreende na Tabela de Taxas e Licenças aprovada em 20 de Outubro de 1989 é manifestamente desadequado e, logo, desproporcional, referentemente à utilidade proporcionada pelo município.
Não se pode, como foi sublinhado no já mencionado Acórdão nº 20/2003, olvidar que o valor da utilidade proporcionada pela fruição da propriedade pública, bem como a intensidade da exploração económica extraída pelas recorrentes, tem de ser ponderado quando se efectue um raciocínio sobre o grau de proporcionalidade da fixação do montante de tributos do jaez do presente.
Ora, se a tributação em apreço se fundamenta na utilização de um bem público, conexionado intimamente com o aproveitamento desse bem por particulares e na contraprestação das utilidades retiradas da ocupação desses espaços; se, por outro lado, se não pode deixar de cair no esquecimento que, aquando do ano em que ocorreu a edição da Tabela de Taxas e Licenças em causa, a erosão monetária era ainda um factor económico muito relevante na confrontação dos «preços» dos bens e serviços prestados e a prestar; se se ponderar, ainda por outro lado, que não resulta de evidência que, ao tempo em que as anteriores Tabelas estiveram vigentes, os montantes das «taxas» respeitantes às situações em análise efectivamente apresentavam adequação, ao menos mínima, entre a vantagem económica advinda ao particular pelo proporcionamento da utilização do espaço do domínio público e o dever de, por via dessa vantagem, estar sujeito ao pagamento do tributo em causa; e se, por fim, se pesar que mais e mais são relevantes as necessidades de um racional aproveitamento dos espaços públicos, designadamente em municípios que apresentam grandes densidades populacionais, racionalidade essa que não poderá deixar de ter em atenção o próprio desgaste das infra-estruturas, o desgaste ambiental com a permanência mais ou menos demorada de veículos com motor na via pública, o aumento das dimensões das vias imposto como contrapartida da ocupação daqueles veículos ao se abastecerem ou prepararem para abastecer, então é-se levado a concluir que os montantes fixados se não deparam como constituindo algo de manifestamente desproporcionado, em face de critérios de cariz económico e social e de opções estratégicas, mesmo ao nível de políticas de impacto ambiental que, nas sociedades actuais, cabe preservar.
5.3. Mas, se até ao momento curámos das instalações nas quais havia ocupação de espaços do domínio público, poder-se-ia sustentar que as razões que levaram a não ter por desconformes com normas ou princípios constantes da Lei Fundamental os normativos regulamentares atinentes a essas situações não colhiam quando em causa se perfilassem os casos em que as instalações abastecedoras de carburantes líquidos, ar e água não faziam tal ocupação.
Não se desconhece que este Tribunal, por intermédio do já aludido Acórdão nº 515/2000, veio, justamente, a julgar inconstitucional, por violação da alínea i) do nº do artº 168º do Diploma Básico, a norma constante do nº 5 do artº 42º da Tabela de Taxas e Licenças aprovada em 20 de Outubro de
1989.
Para assim decidir, relevam decisivamente os seus seguintes passos:-
“....................................................................................................................................................................................................................................................................
Quando a actividade do Estado ou de outro ente público pela qual se exige ao particular o pagamento de uma certa quantia se traduz na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares, só se está perante uma taxa se essa remoção possibilitar a utilização individualizada e efectiva de um bem semi-público. Se tal não acontecer, a quantia a pagar terá a natureza de um imposto (cf. Teixeira Ribeiro, in Rev.Leg. e Jur., citada, pág. 292).
......................................................................................................................................................................................................................................................................
7. – No caso em apreço, a Câmara Municipal de Sintra liquidou ao recorrido, proprietário de um posto de abastecimento de carburante, a taxa de Instalações Abastecedoras de Carburantes Líquidos, Ar e Água, de acordo com o nº 5 do artigo 42º da Tabela de Taxas da Câmara Municipal, nos termos do qual são taxadas as bombas de carburantes líquidos ‘instaladas inteiramente em propriedade particular com abastecimento no interior da propriedade’.
Ora, através de uma taxa como a que vem identificada nos autos, o obrigado ao pagamento não beneficia da utilização dos serviços de repartição ou funcionários municipais nem da remoção de qualquer obstáculo jurídico ao exercício da actividade em causa. Assim, a imposição da taxa em apreciação apenas poderia fundar-se na ocupação do domínio público e aproveitamento de bens de utilização pública.
Porém, é manifesto que este tipo de contrapartida não pode concretizar-se na situação dos autos: de facto, estando o posto de abastecimento instalado inteiramente em terreno privado e decorrendo também na propriedade privada todos os actos relativos ao abastecimento e actividades complementares
(como vem provado nos autos – ponto 3), a actividade de abastecimento das viaturas não implica qualquer utilização de bens semi-públicos, inexistindo qualquer conexão da taxa exigida com a ocupação de bens públicos, não sendo sequer possível ligá-la a uma eventual renovação de licença ou a quaisquer diligências que o município deva realizar para a conceder, como bem refere o Ministério Público nas suas alegações.
Não tem assim a referida taxa de instalações abastecedoras de combustíveis nem natureza nem estrutura sinalagmática, pois o respectivo montante não é contraprestação ou contrapartida de nada.
Não existindo qualquer contrapartida para a exigência do encargo em causa, que represente a utilidade recebida pelo particular, o pagamento da quantia imposta no caso não constitui uma taxa, mas antes um imposto. E tendo sido criado através de simples edital camarário foi violado o artigo 168º, nº1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (versão de 1989).
....................................................................................................................................................................................................................................................................”
Para tal aresto, como resulta dos transcritos passos, da circunstância de não haver, em tais situações, uma contrapartida do particular consubstanciada na utilização de espaços do domínio público ou de não haver, por parte da Administração, a prossecução de actividades ou diligências relativamente às instalações de carburantes líquidos, ar e água que abasteçam em propriedade privada e não tenham depósitos ou compressores ocupando a via pública ou o respectivo subsolo, resultava a inexistência de um sinalagma, que deve ser apanágio de uma determinada espécie de tributos para que se possam inserir no conceito de taxa.
Simplesmente, não se pode olvidar que, para além de se não pôr em causa que, nas situações agora em apreciação, de facto, não há, por banda dos particulares que exploram as ditas instalações, uma ocupação de espaço do domínio público cuja autorização se pode, sem grandes dúvidas, antever como a remoção de um obstáculo jurídico, o que é certo é que um outro motivo se descortina para levar a concluir que, mesmo nessas situações, existe uma actividade, diligência e desencadeamento de serviços, a prosseguir pela administração autárquica e necessariamente a decorrer em razão da existência daquelas instalações.
Na verdade, parece indubitável que instalações de abastecimento de combustíveis líquidos constituem um factor de potencial desgaste ambiental e de risco de uma vida humana sadia e ecologicamente equilibrada. E, mesmo no que concerne a bombas de ar ou água, não deixam de existir factores incidentes sobre o ambiente, como os derivados do ruído de compressores e de infiltrações ou gasto inútil de um líquido essencial à vida e que, mais e mais, deve ser preservado e racionalmente gerido.
Perante esses factores não pode, de todo, ser assumida uma postura de indiferença, designadamente por parte da administração, sobre a qual até impende um dever - constitucionalmente consagrado, aliás (parte final do nº do artigo 66º da Lei Fundamental) - de defesa do ambiente.
Assim, para uma tal defesa, imposta pelo dever a que acima se aludiu, torna-se evidente a necessidade de, num juízo de normalidade, ter de ser levada a efeito toda uma corte de actividades, diligências e prestação de serviços por parte da edilidade, e que, quanto a esses casos, não seria, nos locais onde estão sediadas as instalações abastecedoras, prosseguida se não fora a actividade dos particulares que, dela, retiram réditos económicos.
Ou seja, a utilidade económica que os recorrentes retiram da sua actividade - mesmo que instalada em domínio privado e com abastecimento realizado, igualmente, em propriedade privada – é feita, não só com um correlativo dispêndio de recursos naturais, como constitui essa actividade um factor de risco ambiental, que demanda a prossecução de serviços autárquicos com vista a assegurar que daquela actividade não resultem danos que ponham em perigo a vida humana sadia e ecologicamente equilibrada, analisando e inspeccionando tais instalações, e, quiçá, realizando obras, serviços, projectos, etc., para minorar o indicado factor.
Neste enquadramento, pode-se afirmar que há um desenvolvimento de actividade sobre as instalações sobre que nos debruçamos e por via do qual pode ser exigido, pelo município, uma contrapartida tal como as taxas neste particular analisadas .
E, justamente porque nelas não há ocupação de espaço do domínio público, é que os montantes das «taxas» exigidas são de menor valor do que os referentes às instalações que tal espaço ocupam, sendo que a estas igualmente são totalmente aplicáveis as considerações que, relativamente às primeiras se têm vindo a fazer.
Vale isto por dizer que se não vislumbra, num e noutro dos casos, a carência de sinalagma e, consequentemente, a violação do disposto na alínea i) do nº do artigo 168º da Constituição na versão decorrente da Revisão Constitucional de 1982.
6. Finalmente, anote-se que - atingida que foi a conclusão de que os tributos em causa, por representarem um «preço» (tomada esta asserção no sentido de uma contrapartida), quer da ocupação do espaço do domínio público, quer das actividades, diligências ou serviços a prestar pela edilidade e, consequentemente, não se poder deixar de surpreender uma sinalagmaticidade na respectiva imposição - não se lobriga em que medida é que essa imposição possa colidir com o direito à iniciativa privada postulado no nº 2 do artigo 61º da Constituição.
De facto, é da previsão daquela iniciativa privada que resulta o estabelecimento privado das instalações de abastecimento de carburantes líquidos, ar e água e do qual advêm réditos económicos para os respectivos exploradores ou proprietários, sendo que é por causa delas que se mostra ocupado o espaço do domínio público e são criados factores de risco ambiental, circunstâncias que, atento o que acima se expôs, justificam a imposição tributária em causa
7. Em face do exposto, concedendo-se provimento ao recurso, determina-se a reforma do acórdão impugnado de harmonia com o juízo ora feito sobre a questão de constitucionalidade.
Lisboa, 7 de Julho de 2003 Bravo Serra Gil Galvão Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida quanto ao nº 5 do artigo 42º e ao nº
5 do artigo 43º da Tabela, no essencial, pelas razões constantes do acórdão nº
515/2000). Luís Nunes de Almeida (vencido nos termos que a Exmª Consª Maria dos Prazeres Beleza)