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Processo nº 270/03
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - Nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A. e mulher, B. e é recorrida C. (actualmente D.), foi proferida, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A daquele diploma legal, em 13 de Maio último, decisão sumária, a não tomar conhecimento do objecto do recurso.
2. - Escreveu-se, então:
“1. - A. e mulher, B., identificados nos autos, intentaram, no Tribunal Cível da Comarca do Porto, acção declarativa de anulação de acórdão arbitral, pedindo que fosse declarada anulada e sem nenhum efeito a decisão proferida pelo Tribunal do Centro de Arbitragem da Associação Comercial do Porto, em 1 de Agosto de 2000, e que teve por objectivo dirimir um litígio que opunha os autores e a empresa C., também identificada nos autos, que nesta acção demandaram como ré. Aquando da prolação do despacho saneador, em 22 de Outubro de 2001, entendendo-se que os autos já continham todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito, foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente, absolvendo, consequentemente, a ré do pedido.
2. - Inconformados, apelaram os autores, invocando, em síntese, que 'foram violados determinados princípios fundamentais além de ser aplicadas normas do Direito Processual Civil em substituição das normas da Lei da Arbitragem, pelo que a decisão recorrida deverá ser revogada por outra que reponha a verdade dos factos, através da aplicação da Lei da arbitragem, de forma a evitar o incidente de inconstitucionalidade'.
3. - Por acórdão de 23 de Maio de 2003, o Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida, para a qual remeteu, ao abrigo do nº 5 do artigo 713° do Código de Processo Civil. Deste aresto recorreram os autores de revista, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
“1 - A presente acção a que os autos se reportam, reveste a natureza de uma acção de anulação de uma sentença proferida no Tribunal Arbitral do Porto.
2 - E foi intentada pelos recorrentes/apelantes no Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira para obterem a anulação do contrato de Promessa de Compra e Venda e Permuta de Imóvel bem como o estabelecido na clausula 9°. da Convenção de Arbitragem, em litígio no Tribunal Arbitral do Porto.
3 - Depois de obterem certidão judicial da entrada da acção, fizeram junção da mesma ao processo do Tribunal Arbitral, requerendo a suspensão da instância.
4 - por entenderem que se estava perante uma Questão prejudicial face ao conflito arbitral.
5 - O Tribunal Arbitral resolveu não dar voz à parte contrária, isto é, não ordenou a notificação da junção do documento;
6. - Nem do pedido da suspensão da instância formulado pelos recorrentes/apelantes.
6 - Nem aguardou pelo decurso do prazo para que a parte contrária se pronunciasse sobre o assunto.
7 - Num espaço de tempo de 48 horas contados desde a data da apresentação do documento supra referido,
8. - Proferiu despacho de indeferimento, com o argumento de que ' Há fundadas razões para crer que a causa prejudicial não tem probabilidade séria de êxito e foi intentada unicamente para fazer suspender a instância arbitral, demorando-a...'. .
9 - Com esta tomada de posição, o Tribunal Arbitral lesou os interesses dos recorrentes/apelantes nos seguintes sentidos: Primeiro - Não obedeceu ao preceito fundamental do 'principio do contraditório'. Segundo - Preocupou-se em não demorar a decisão, protegendo uma das partes, o que significa que pôs em causa o principio da igualdade de armas processuais. Terceiro – Emitiu juízos de valor ou seja pronunciou-se sobre questões que não lhe foram submetidas à apreciação.
10° - Ora, este desrespeito pelas regras processuais, considerados princípios fundamentais porque se encontram plasmados na nossa constituição, foram todos eles feitos em protecção da apelada.
11º - No fundo, tais violações, são muito graves, porque correspondem ao princípios do contraditório, da igualdade, da isenção bem como ao dever omissão de pronunciação de juízos de valor sobre questões não submetidas à apreciação do julgador.
12° - O Acórdão recorrido confirmou a decisão da 1ª Instância, subordinando as normas da Lei da Arbitragem às do Código de Processo Civil,
13° - coisa que os recorrentes/apelantes discordam em termos absolutos, uma vez que a Lei da Arbitragem tem regulamentação processual própria para os factos em apreço, e, como tal,
14° - não pode tal legislação ser preterida por normas do Código de Processo Civil e jurisprudência existente à volta das normas processuais civis,
15 - situação que a manter, constituirá inconstitucionalidade.
16 - No fundo, o Acórdão recorrido violou frontalmente os art°s 16°, 22° e 27°, todos da Lei da Arbitragem - Lei 31/86 de 29/8 -.”
4. - Por acórdão de 13 de Fevereiro de 2003, o Supremo Tribunal de Justiça, julgando improcedentes as conclusões dos recorrentes, negou a revista e confirmou o acórdão recorrido.
5. - Notificados deste aresto apresentaram os recorrentes o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, de fls. 406/407, do seguinte teor:
“- O presente recurso é interposto ao abrigo da al. b) do nº 1 do artº 70° da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro, na redacção dada pelas Leis nºs. 85/89 de 7 de Setembro, 88/95 e 13-A/98 de 26 de Fevereiro.
- Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade das normas aplicadas ao caso concreto, nomeadamente as que respeitam aos artigos 16°, 22° e 27° nº 1 al. c), da Lei nº 31/86 de 29 de Agosto - LEI DA ARBITRAGEM - em conjugação com o disposto nos artigos 3º nº 1, 3°. - A, 279° nº 2 e 668° al. d), todos do Código de Processo Civil.
- A inconstitucionalidade resulta de terem sido aplicadas, ao conflito emergente do Tribunal Arbitral, normas do Código de Processo Civil por substituição das normas da Lei da Arbitragem, quando o julgador só deve usar o direito processual civil no caso da existência de lacunas no direito arbitral, o que significa que a sua aplicação é subsidiária.
- E do facto de não terem sido salvaguardadas normas que consagram princípios fundamentais, plasmados na Constituição da República Portuguesa, como seja o princípio da igualdade, do contraditório, da garantia do direito de defesa, da isenção e imparcialidade na Administração da Justiça pelos Tribunais.
- A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos designadamente, nas alegações escritas apresentadas perante o Tribunal da Relação do Porto a fls.
..., e manteve-se, igualmente, nas alegações produzidas por escrito para o Supremo Tribunal de Justiça.
- O presente recurso sobe nos próprios autos e tem efeito suspensivo- artº 78° nº 4 da Lei do Tribunal Constitucional.”
6. - Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que admitiu o recurso – nº 3 do artigo 76° da Lei nº 28/82 - entende-se não poder conhecer do objecto do recurso, sendo caso de proferir decisão sumária, nos termos do nº 1 do artigo 78°-A do mesmo diploma.
7. - Com efeito, a admissibilidade do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, interposto ao abrigo do disposto no artigo 70°, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, como é o caso, implica, para que possa ser admitido e conhecer-se do seu objecto, a congregação de vários pressupostos, entre os quais a aplicação pelo Tribunal recorrido, como sua ratio decidendi, de norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, considerada esta norma na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação, mediatizada pela decisão recorrida. No exercício deste controlo normativo escapa à competência cogniscitiva do Tribunal Constitucional de acordo com o nosso ordenamento jurídico qualquer forma de fiscalização sempre que a questão de constitucionalidade seja dirigida
à decisão judicial, em si mesma considerada. Assim, competindo ao recorrente o ónus de suscitação, deverá este cumpri-lo, referenciando-o normativamente, desse modo pondo em causa, por alegada violação de preceito ou de princípio constitucional, o critério jurídico utilizado na decisão ao aplicar a norma jurídica questionada. E, nesta medida, quando, nomeadamente, se discuta uma dimensão interpretativa, deverá fazê-lo não só atempadamente mas de forma clara e perceptível, em termos de o Tribunal recorrido saber que tem essa questão para resolver e não subsistam dúvidas quanto ao sentido da mesma - até porque, frequentemente, não se revela tarefa fácil traçar com nitidez a linha de demarcação entre a interpretação discutida e a decisão qua tale, cuja reapreciação não pode, nesta sede, ser reaberta.
8. - Ora, resulta do requerimento de interposição de recurso que o inconformismo caso concreto, as normas do Código de Processo Civil em preterição das normas da Lei da Arbitragem, que os recorrentes entendem que deviam ter sido aplicadas, questionando, assim, a própria decisão recorrida., o que não cabe no âmbito do recurso de constitucionalidade.
9. - Ademais, e independentemente de se apurar se o acórdão recorrido aplicou as normas indicadas pelos recorrentes, sempre seria de não conhecer do objecto do recurso em virtude de os recorrentes não terem suscitado adequadamente durante o processo a questão de constitucionalidade. Na verdade, embora nas conclusões das alegações do recurso de revista tenham invocado a violação dos princípios do contraditório e da igualdade, a respeito da decisão da 'questão prejudicial face ao conflito arbitral', por não terem sido ouvidos e porque [como dizem] o tribunal 'preocupou-se em não demorar a decisão, protegendo uma das partes...' (cfr. conclusões 4 a 10), não aferiram normativamente tais questões, e imputaram o vício de inconstitucionalidade à própria decisão por ter aplicado normas do Código de Processo Civil em preterição das normas da Lei da arbitragem, como já se referiu.
10. - Assim, seja porque se entende que os recorrentes não suscitam qualquer questão de constitucionalidade normativa, seja porque se considera que não suscitaram adequadamente durante o processo tal questão, não pode tomar-se conhecimento do recurso por inverificação dos respectivos pressupostos.
11. - Em face do exposto e nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso. Custas a cargo dos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 6 unidades de conta.”
3. - Notificados, reclamaram os recorrentes para a conferência, nos termos do nº 3 do já citado artigo 78º-A, defendendo a procedência da reclamação, “com todas as consequências legais”.
Aí se reitera que, na sua decisão, o Tribunal Arbitral, violou, “de forma intolerável, contra o atropelo das leis e ao arrepio das disposições legais” princípios fundamentais, com dignidade constitucional, como sejam: o princípio do contraditório – artigo 16º da Lei de Arbitragem; o princípio de igualdade das partes – artigo 16º da Lei de Arbitragem; o princípio de que “o juiz apenas se deve pronunciar sobre questões que lhe sejam submetidas” – artigo 17º da Lei de Arbitragem; “além dos princípios de isenção e de imparcialidade”.
Na verdade, o que está em causa é a discordância abertamente assumida, pelos recorrentes quanto às decisões proferidas nos autos, nada acrescentado relativamente ao decidido sumariamente – mormente nos pontos 8 e segs. e que, assim, se mantém.
4. - Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação deduzida, confirmando-se, na sua essencialidade, a decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelas reclamantes, com taxa de justiça que se fixa em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 7 de Julho de 2003 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida