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Processo n.º 232/01
2ª Secção Relator -Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional,
I. Relatório
1.Em 14 de Dezembro de 1992 A. interpôs, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, acção declarativa ordinária contra B., para obter deste o pagamento da importância de 4 500 000$00, e respectivos juros, devida pelo não cumprimento de um contrato-promessa de compra e venda de três lotes a desanexar, após urbanização, do terreno correspondente a 12/70 do prédio rústico que a autora vendera à empresa ré. Por sua vez esta alegou ter a demandante inviabilizado o loteamento conjunto desse prédio e de um outro que julgava pertencer a ela, pedindo, reconvencionalmente, o pagamento de 84 590 043$00.
Por sentença de 23 de Maio de 1997 do 10º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, a acção foi julgada procedente e a reconvenção improcedente.
Inconformada, a demandada interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 23 de Abril de 1998, decidiu anular a sentença recorrida e mandar repetir o julgamento em relação a certos quesitos, cujas respostas fixadas pelo Tribunal da 1ª instância considerou deficientes.
Foi, então, a vez da demandante apresentar recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 7 de Julho de 1999, determinou que o Tribunal da Relação, “através dos mesmos Srs. Juízes Desembargadores, conheça do mérito da apelação”.
Por acórdão de 27 de Janeiro de 2000, o Tribunal da Relação de Lisboa condenou a ré a pagar à autora a quantia de 2 500 000$00 e juros legais, desde a citação, e condenou a autora a pagar à ré uma indemnização por danos emergentes e lucros cessantes, a liquidar em execução de sentença.
C., filha e única herdeira da autora, interpôs recurso desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça. Por despacho de 29 de Setembro de 2000, o Conselheiro-relator no Supremo Tribunal de Justiça convidou a recorrente a
“sintetizar os fundamentos da discordância e esclarecer se a decisão enferma de erro de interpretação das normas jurídicas indicadas ou erro na determinação da norma aplicável”, acrescentando que “no 1º caso deverá indicar qual o sentido a atribuir, no 2º caso qual a norma aplicável, sob pena de não se conhecer do recurso.”
Após “a junção aos autos de novo articulado, Alegações, agora devidamente corrigido conforme doutamente ordenado”, o Conselheiro-relator no tribunal a quo proferiu, em 6 de Novembro de 2000, e para o que ora importa, o seguinte despacho:
“A autora recorrente foi convidada a apresentar conclusões respeitando o art.
690º do CPC. Apresentou-as. O recorrido respondeu dizendo que continua a não haver conclusões, entendidas como proposições sintéticas das questões discutidas nas alegações. Tem razão o recorrido. Na 1ª peça a recorrente apresenta duas conclusões, uma com a extensão de 36 linhas e outra de 56 linhas. Na 2ª peça reduz a 1ª a 28 linhas e a 2ª a 40 linhas. Dir-se-á que a questão não se resume a linhas. Também entendemos que a síntese não pode resumir-se a uma contagem de linhas. Mas o que ela não pode, decerto, ser é uma reprodução das alegações, embora com alguns pequenos cortes. Entendemos que não foi cumprido o art. 690º do C.P.C. e, ao abrigo do disposto no art. 690º n.º 4 não tomamos conhecimento do recurso.”
A recorrente reclamou para a conferência considerando, designadamente, que
“em matéria de recursos há que ter em mente o princípio amplianda e non restringenda sob pena de, a vingar a interpretação defendida pelo douto despacho ora reclamado, [tal] conduzir a uma interpretação inconstitucional por limitar injustificadamente o direito do recorrente ao recurso e defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos junto dos tribunais, tudo por violação do disposto no art. 20º da CRP (...) Mas caso assim não se entenda,
19º face à gravidade das consequências legais do douto despacho ora reclamado, por não ser conhecido o seu recurso, que se entende que sempre deverá ser concedida a esta nova oportunidade processual para, dentro do seu saber e capacidade, sintetizar, pela última vez, ainda mais as suas conclusões.”
Por acórdão de 11 de Janeiro de 2001 a conferência confirmou a rejeição do recurso.
2.Após aclaração da decisão proferida, a autora interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional para
“ver apreciada a inconstitucionalidade das normas do artigo 690º, n.ºs 1, 2, 3 e
4 do Código de Processo Civil: a) Na interpretação feita pelo STJ no caso concreto de considerar relevante, para efeito de decidir se um determinado conteúdo integrante de uma alegação de recurso tem ou não a natureza de ‘conclusões’, qualquer outro critério normativo de decisão (designadamente, um critério formal baseado no número de artigos ou de páginas ou na não numeração das conclusões), que não seja um critério exclusivamente funcional assente em saber se o conteúdo da peça processual permite realizar as funções que legitimam a exigência de conclusões e que são as de determinar o objecto do recurso; b) Na interpretação feita pelo STJ no caso concreto de permitir à Ré nas suas alegações de recurso de apelação, quando então assumiu a posição de recorrente, para a Relação de Lisboa conclusões com mais de 10 páginas, não permitindo à Autora, no recurso de Revista, quando agora era ela a recorrente, conclusões que tinham apenas três páginas, colocando em desigualdade as partes no processo; c) Na interpretação feita pelo STJ, no caso concreto, de tais normas, especialmente do n.º 3, conjugado com o n.º 4, de não incorporarem, ao nível da consequência processual prevista (o não conhecimento do recurso) uma regra de redução desse efeito processual à parte das conclusões a apurar-se efectivamente afectada.”
A recorrente invocou como princípios constitucionais violados o da proporcionalidade (artigo 18º, n.ºs 2 e 3 da Constituição) e o da igualdade
(artigo 13º da Constituição) e, ainda, a violação do direito de acesso à justiça
(artigo 20º da Constituição).
3.Admitido o recurso, a recorrente terminou assim as suas alegações:
“1. A Recorrente apresentou um Recurso no Supremo Tribunal de Justiça, o qual este Tribunal não conheceu pois as conclusões eram ‘reprodução das alegações, embora com alguns pequenos cortes’.
2. Ao agir assim o Tribunal ‘a quo’ violou os princípios constitucionais do acesso à justiça, da proporcionalidade e da igualdade.
3. As razões nas quais o Tribunal ‘a quo’ poderia fundamentar o não conhecimento do Recurso são a deficiência, obscuridade, complexidade ou falta das especificações a que alude o n.º 2 do art. 690º do Código de Processo Civil
(art. 690º, n.º 4 do Código de Processo Civil) e não a reprodução das alegações.
4. O que é necessário ter em conta é se o conteúdo da peça processual permite, ou não, realizar as funções de determinar o objecto do Recurso e não a extensão do mesmo, pois, apesar de extensas, as conclusões podem não ser nem deficientes, nem obscuras, nem complexas.
5. Atenta a razão pela qual o Tribunal ‘a quo’ se negou a conhecer do Recurso e a consequente interpretação dada ao art. 690º do Código de Processo Civil, o Tribunal ‘a quo’ não permitiu o acesso à justiça pela Recorrente.
6. Ao violar o princípio do acesso à justiça a interpretação dada ao art. 690º do Código de Processo Civil viola também o princípio da proporcionalidade e da igualdade.
7. No Recurso de Apelação apresentado pela ora Recorrida no Tribunal da Relação de Lisboa foi-lhe permitido a apresentação de conclusões com mais de 10 páginas e, agora, no Recurso de Revista apresentado pela ora Recorrente não lhe foi permitido apresentar conclusões com 3 páginas.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre agora apreciar e decidir.
II. Fundamentos
4.A questão da conformidade constitucional das diversas normas do artigo 690º do Código de Processo Civil, antes e depois da redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, foi já decidida por este Tribunal.
Foi-o, a maioria das vezes, enquanto tais normas eram aplicáveis subsidiariamente ao processo penal – v.g. Acórdãos n.ºs 275/99 e 532/01, publicados, respectivamente, no Diário da República (DR), II Série, de 13 de Julho de 1999 e de 28 de Janeiro de 2002; e n.ºs 184/01 e 101/02, não publicados); mas também, outras vezes enquanto aplicáveis subsidiariamente ao processo administrativo – Acórdãos n.ºs 40/00 e 374/00, publicados, respectivamente, no DR, II Série, de 20 de Outubro de 2000 e de 12 de Dezembro de 2000; e, ainda outras vezes, enquanto normas directamente aplicáveis em processo civil – Acórdãos n.ºs 715/96 e 4/97, publicado, o primeiro, no DR, II Série, de 27 de Fevereiro de 1996, que não julgaram inconstitucionais as “as normas constantes do artigo 690º n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil”.
Mesmo sem entrar na análise detalhada das várias questões de constitucionalidade que, a propósito dessas normas, se suscitaram, resulta, porém, destes últimos acórdãos que é logo a diferença de parâmetros constitucionais convocáveis em processo penal (ou contra-ordenacional) e em outros ramos de direito processual que impede uma simples transposição de soluções obtidas em matéria de processo criminal e contra-ordenacional – por confronto com o artigo 32º da Constituição
– para o exterior do âmbito de aplicação desta norma.
Foi por isso que, no Acórdão n.º 101/02, não se aplicou ao assistente a jurisprudência que antes se fixara para conceder aos arguidos o direito a um despacho de aperfeiçoamento porque “[a] norma do artigo 32º, n.º 1 da Constituição não é aplicável ao assistente”.
E no citado Acórdão n.º 40/00 – que teve por objecto a apreciação da constitucionalidade da “norma do artigo 690º, n.º 3, do Código de Processo Civil
(na redacção anterior à que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de
12 de Dezembro), quando interpretada no sentido de que uma vez convidado o recorrente, ao abrigo daquele n.º 3, a formular e apresentar conclusões (que não existiam), se as mesmas, quando apresentadas, não cumprirem integralmente os requisitos de completude, clareza e concisão ali exigidos, haverá desde logo lugar à rejeição do recurso, sem que seja necessário previamente efectuar um segundo convite ao recorrente, desta vez destinado ao aperfeiçoamento das conclusões que apresentou” – escreveu-se:
«O Tribunal Constitucional considerou já no seu Acórdão n.º 193/97 (ainda inédito) que seriam inconstitucionais os artigos 412º, n.º 1 e 420º, n.º 1 do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de a falta de concisão das conclusões da motivação levar à rejeição do recurso interposto pelo arguido. Considerou então o Tribunal que esta interpretação das normas referidas
‘afectava desproporcionadamente uma das dimensões do direito de defesa (o direito ao recurso) garantido pelo artigo 32º n.º 1 da Lei Fundamental’. Esta jurisprudência foi depois reafirmada (quer a propósito do recurso interposto pelo arguido em processo penal quer do recurso interposto em processo contra-ordenacional) pelos Acórdãos n.ºs 43/99 (Diário da República, 2ª Série, de 26 de Março de 1999), 303/99 (Diário da República, 2ª Série, de 16 de Julho de 1999), 319/99 e 417/99 (estes ainda inéditos). Com uma diferença importante porém. É que nestes acórdãos, que invocam, sem discordância explícita, o Acórdão n.º 193/97, considerou-se que as normas então objecto de recurso apenas seriam inconstitucionais quando interpretadas em termos de a falta de conclusões – ou de concisão das conclusões – poder levar à rejeição do recurso, sem que existisse um prévio convite ao recorrente para apresentar as conclusões em falta ou aperfeiçoar as que apresentou (em conformidade com a posição expressa na declaração de voto dos Conselheiros Messias Bento e Luís Nunes de Almeida no citado Acórdão n.º 193/97). Ao passo que no Acórdão n.º 193/97 se considerou que a falta de concisão das conclusões da motivação não pode levar à rejeição do recurso interposto pelo arguido, desde que não falte a motivação. Cremos, contudo, que nem a jurisprudência firmada no Acórdão n.º 193/97 nem a dos Acórdãos n.ºs 43/99, 303/99, 319/99 e 417/99 vale no caso que agora constitui objecto do recurso. Desde logo, enquanto naqueles arestos estava em causa o direito ao recurso do arguido em processo penal ou contra-ordenacional, constitucionalmente garantido pelo artigo 32º, n.º 1 da Constituição, no presente processo está em causa um recurso interposto em processo administrativo. Com efeito, naquelas decisões considerou-se que seriam inconstitucionais os artigos 412º, n.º 1 e 420º, n.º 1 do Código de Processo Penal (Acórdãos 193/97,
43/99 e 417/99) e 63º, n.º 1 e 59º, n.º 3 do Regime Geral das Contra-Ordenações
(Ac.ºs 303/99 e 319/99) quando interpretados no sentido supra referido, “por essa interpretação afectar desproporcionadamente uma das dimensões do direito de defesa, o direito ao recurso, garantido no que se refere ao processo penal e contra-ordenacional pelo artigo 32º, n.º 1 da Constituição”. Pois bem, o artigo 32º, n.º 1 da Constituição apenas trata das garantias de defesa do arguido, entre as quais hoje se inclui expressamente o direito ao recurso, em processo criminal – e contra-ordenacional, ex vi do n.º 10 do mesmo preceito – não sendo consequentemente invocável no momento de determinar as garantias dos administrados no âmbito do contencioso administrativo. Pelo contrário, como este Tribunal tem afirmado repetidamente (cfr., entre muitos e mais recentemente, o Acórdão n.º 402/99 – ainda inédito) ‘o duplo grau de jurisdição em matéria não penal não se acha constitucionalmente garantido, reconhecendo-se ampla liberdade ao legislador para estabelecer requisitos de admissibilidade dos recursos. Com efeito, da Constituição apenas se deduz uma garantia contra violações radicais pelo legislador ordinário do sistema de recursos instituído e da igualdade dos cidadãos na sua utilização’. De todo o modo, naqueles citados arrestos esteve em causa o direito a um primeiro convite, enquanto que no caso presente se trata da pretensão a um segundo convite de aperfeiçoamento. Ora, não existe seguramente em nenhum caso tal direito constitucionalmente garantido a um segundo convite. E isto é tanto mais assim, fora do processo penal e contra-ordenacional, quando não há sequer um direito constitucionalmente garantido ao recurso de decisão jurisdicional.»
5.Arredadas então as decisões proferidas, também, sobre o artigo 690º do Código de Processo Civil em matérias de processo criminal (e contra-ordenacional), restam, como precedentes, os acórdãos proferidos sobre questões processuais não criminais (e não contra-ordenacionais), acima indicados.
Vejamos, então, em que medida poderão tais precedentes ser invocáveis no presente caso, tendo em conta as três argumentações referentes aos n.ºs 1 a 4 do artigo 690º do Código de Processo Civil, apresentadas a este Tribunal no requerimento de interposição de recurso.
Quanto, em primeiro lugar, ao critério do que seja de considerar “conclusões”, o Acórdão n.º 4/97 não se pronunciou, considerando apenas que o apuramento da deficiência ou obscuridade das conclusões era competência dos tribunais recorridos, e situando a aferição do juízo formulado sobre isso “fora dos poderes de cognição deste Tribunal”. E, como se viu, o Acórdão n.º 40/00, detendo-se sobre a “pretensão a um segundo convite de aperfeiçoamento” – como a dos presentes autos –, concluiu que “não existe seguramente em nenhum caso tal direito constitucionalmente garantido a um segundo convite” (cfr., ainda, embora a propósito da interpretação normativa dos artigos 412º, n.º 1, e 420º, n.º 1 do Código de Processo Penal, o Acórdão n.º 189/03, tirado por maioria e publicado no DR, II Série, de 24 de Junho de 2003).
Em segundo lugar, no que toca à alegada desigualdade de tratamento conferida à ré – que apresentou conclusões da suas alegações, perante o Tribunal da Relação de Lisboa, com mais de 10 páginas – e à autora – que perante o Supremo não pode sequer apresentar conclusões com 3 páginas – é esta uma questão de que o Tribunal Constitucional não pode cuidar (o Acórdão n.º 40/00, já citado, analisou a questão da violação do princípio da igualdade pelo artigo 690º do Código de Processo Civil, mas apenas pela diferença de tratamento em relação a recursos obrigatórios do Ministério Público), enquanto referida à diferença de sentido das decisões: sendo as suas competências, em matéria de recurso de constitucionalidade, confinadas à apreciação da conformidade constitucional de normas, e não existindo uma norma a que seja imputada essa desigualdade de tratamento, não há aqui matéria para recurso de constitucionalidade.
É certo, aliás, que, para apurar a existência de uma verdadeira diferença de sentido de decisões também não bastaria o puro critério formal do número de páginas, e haveria ainda que considerar também a sua repercussão funcional no processo. Ora, como se disse, o apuramento da deficiência ou obscuridade (ou complexidade) das conclusões é competência das instâncias, e não do Tribunal Constitucional, que apenas pode controlar a conformidade constitucional do critério normativo empregue.
Por último, quanto à não redução do efeito processual de não conhecimento do recurso apenas àquela sua parte que resultasse afectada pela ininteligibilidade ou insuficiência das conclusões das alegações de recurso, nenhum dos acórdãos indicados fora do domínio processual penal abordou uma tal questão.
6.Pode, pois, concluir-se que, das três linhas de argumentação seguidas no requerimento de interposição do recurso, da segunda não pode cuidar-se no presente recurso – por claramente deslocada dos poderes de cognição deste tribunal, limitado ao controlo da constitucionalidade de normas – e a primeira não pode ser considerada procedente, por já se ter entendido que o apuramento da deficiência ou obscuridade das conclusões apresentadas, mormente após um anterior convite para o seu esclarecimento, cabe ao tribunal recorrido .
Isto deixa como única questão em aberto a última referida, sobretudo à luz do confronto com o princípio da proporcionalidade.
Acontece, porém, que a norma em causa – a do n.º 4 do artigo 690º do Código de Processo Civil – prevê expressamente que o relator deve convidar o recorrente “a apresentar, completar, esclarecer ou sintetizar as conclusões sob pena de não se conhecer do recurso, na parte afectada.”
Ou seja: a norma em causa não é, em rigor, passível do entendimento desconforme
à Constituição que lhe é imputado, porque ela prevê isso mesmo que a recorrente pretende. E, em aplicação dessa norma, o que, segundo o tribunal recorrido, obstou a esse efeito pretendido – a redução do não conhecimento do recurso
àquela sua parte afectada pela ausência de conclusões (já que, segundo a decisão recorrida, elas correspondiam a “uma reprodução das alegações, embora com alguns pequenos cortes”) – foi, precisamente, o juízo efectuado sobre a extensão da parte afectada, pela ausência de cumprimento do disposto no artigo 690º do Código de Processo Civil. A decisão do tribunal a quo assentou, pois, numa certa avaliação, que lhe competia, sobre a extensão da conclusões que era afectada. Por isso disse o Conselheiro-relator no tribunal recorrido, para fundamentar a rejeição do recurso devido à extensão das novas alegações:
“(...) Dir-se-á que a questão não se resume a linhas. Também entendemos que a síntese não pode resumir-se a uma contagem de linhas. Mas o que ela não pode, decerto, ser é uma reprodução das alegações, embora com alguns pequenos cortes. Entendemos que não foi cumprido o art. 690º do C.P.C. e, ao abrigo do disposto no art. 690º n.º 4 não tomamos conhecimento do recurso” Ora, como já se referiu a propósito da primeira questão de constitucionalidade que se quis trazer a este Tribunal, estamos perante um juízo que – independentemente da maior ou menor pormenorização da sua fundamentação (na qual, porém, se afastou expressamente um puro critério formal, de contagem de linhas) – não pode ser reapreciado pelo Tribunal Constitucional em recurso de constitucionalidade. E, aliás, está-se aqui perante uma situação em que “não há sequer um direito constitucionalmente garantido ao recurso de decisão judicial” (Acórdão n.º
40/00, já citado), tendo este até já sido exercido (trata-se aqui de recurso de uma 2ª decisão: a do Tribunal da Relação). Ora, não havendo consagração constitucional do direito a um segundo grau de recurso em matéria civil, um entendimento restritivo da norma que o admita não pode ter-se por constitucionalmente censurável, nem o artigo 18º, n.ºs 2 e 3, da Constituição pode ser invocado – mais a mais depois de se ter já convidado uma vez a recorrente a cumprir as regras do artigo 690º do Código de Processo Civil. Como também se não viola o disposto no artigo 20º da Constituição, e o previsto no seu artigo 13º não tem cabimento, face às circunstâncias em que veio invocado, claudicam na totalidade os argumentos da recorrente.
7.Aliás, também o mesmo se concluiria fazendo apelo ao que se afirmou, para apreciação da conformidade constitucional de ónus processuais, no citado Acórdão n.º 259/02.
“Ao analisar os vários preceitos legais que consagram ónus processuais, tem o Tribunal Constitucional procurado averiguar se, por um lado, a consagração desses ónus se reveste de alguma utilidade, não redundando em mero formalismo, e se, por outro lado, o cumprimento de tais ónus se não reveste de excessiva dificuldade para as partes. Estando verificadas as duas condições, não resultaria violado o direito de acesso aos tribunais ou o princípio da proporcionalidade.”
Ora, como se escreveu no Acórdão n.º 184/01, já citado (invocando o Acórdão n.º
715/96, publicado no DR, II Série, de 18 de Março de 1997), normas “como a do artigo 690º do Código de Processo Civil”,
“não afectam, só por si, e substancialmente, o princípio da plenitude das garantias de defesa consagrado no artigo 32º, nº 1, da Constituição, não sendo, por isso, inconstitucionais. Como se sustentou naquele Acórdão, tais normas
‘apenas impõem uma colaboração do recorrente na melhor formulação do problema jurídico, assegurando, em última instância, a defesa de direitos e a objectividade da sua realização’. Desempenham assim essas normas uma função importante não apenas na perspectiva, mais geral, da realização da justiça, mas inclusive na perspectiva da própria garantia de defesa dos direitos do recorrente. E, é essa função que as conclusões são aptas a realizar – tida como um valor, quer na perspectiva da realização da justiça quer na perspectiva das garantias de defesa do arguido – que, em última análise, legitima do ponto de vista constitucional a existência de normas processuais que as exijam, sob a cominação de não se poder conhecer do objecto do recurso.”
E é evidente que o cumprimento desse ónus não implica excessiva dificuldade para a recorrente, dotada de patrocínio especializado e beneficiando de duas oportunidades para o fazer devidamente, tendo sido alertada uma vez para a questão da extensão das conclusões.
Estão, pois, preenchidas as duas referidas condições, pelo que não resulta
“violado o direito de acesso aos tribunais ou o princípio da proporcionalidade”.
III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e condenar a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 22 de Outubro de
2003 Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos