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Processo n.º 999/13
Plenário
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Através de mensagem eletrónica dirigida à Comissão Nacional de Eleições (CNE) no dia 5 de setembro, o mandatário da candidatura do Partido Socialista às eleições para a Câmara Municipal de Sobral de Monte Agraço apresentou denúncia, por violação do disposto nos artigos 41.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 1/2001, de 14 de agosto, e do artigo 266.º, n.º 2 da Constituição, por “parte da Câmara Municipal de Sobral de Monte Agraço”.
Sustenta nessa peça, em síntese, que a referida Câmara Municipal havia promovido, depois da designação das eleições autárquicas para o dia 29 de setembro de 2013, a colocação de cinco cartazes “de grande formato”, com anúncio de obras para outros tantos locais, que nunca antes haviam sido publicitadas, não constavam das Grandes Opções do Plano aprovadas e não haviam sido discutidas em reunião da Assembleia Municipal ou da Câmara Municipal. Indica que um desses cartazes fora colocado à entrada do local onde iria funcionar assembleia de voto e considera que a referida Câmara desenvolveu, dessa forma, ato de propaganda em favor da candidatura apresentada às eleições pelo partido político a que pertence o atual Presidente da Câmara Municipal e em que o Vice-Presidente figura como primeiro candidato.
Termina imputando ao Presidente da Câmara Municipal de Sobral de Monte Agraço a prática do crime de abuso de poderes e peticiona a “sanção dos infratores”.
2. Por ofício dirigido pela CNE ao Presidente da Câmara Municipal de Sobral de Monte Agraço em 12 de setembro de 2013, foi este notificado, com cópia da participação apresentada, para se pronunciar, querendo, no prazo de 24 horas, sobre os factos constantes da mesma.
3. Por mensagem eletrónica dirigida à CNE em 16 de setembro de 2013, o Presidente da Câmara Municipal de Sobral de Monte Agraço apresentou resposta e juntou diversos documentos.
Concluiu a resposta dizendo:
«a) A publicitação das obras e projetos a levar a efeito por parte da Câmara Municipal é uma característica comum aos diversos executivos que nos últimos anos assumiram a gestão da Autarquia;
b) A alegação de que as mensagens vertidas nos cartazes são “... promessas que a Câmara Municipal e as Juntas de Freguesia nem sequer estão em condições de executar” é, claramente contraditada pelo desenrolar da empreitada relativa à construção da Casa Mortuária, cuja decisão de contratar e contrato datam, respetivamente, de 12 e 29 de julho e auto de consignação de 1 de agosto de 2013;
c) Relativamente às outras duas obras o que se publicita é a existência do projeto (caso do berçário e creche da Sapataria) e das futuras instalações de um equipamento previsto desde 1986 e que corresponde à livre vontade de uma munícipe.
(...) Finalmente, e no que concerne às acusações dirigidas ao Presidente da Câmara Municipal, dir-se-á que o Presidente da Câmara Municipal, eleito por sufrágio universal, livre e direto, desde 1980, sempre exerceu o seu cargo de forma imparcial, no cumprimento escrupuloso dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da justiça, tendo presente a prossecução do interesse público.»
4. Em 24 de setembro de 2013 foi proferida pela CNE a seguinte deliberação:
«Proc. 203/AL-2013 – Participação do PS contra a Câmara Municipal de Sobral de Monte Agraço relativa à afixação de cartazes com anúncios de obras.
A Comissão aprovou a informação n.º 177/GJ/2013, cuja cópia constitui anexo à presente ata, e, por unanimidade dos Membros presentes, tomou as seguintes deliberações:
Quanto ao Proc. n.º 203/AL-2013
A imposição dos deveres de neutralidade e imparcialidade não é incompatível com a afixação de publicidade institucional por parte dos órgãos autárquicos depois de marcadas as eleições gerais dos órgãos das autarquias locais.
Assim, não se nega a possibilidade de uma autarquia informar os munícipes, de forma objetiva, acerca de obras em curso ou mesmo de obras futuras, desde que a realizar no decurso do mandato em causa.
Dos elementos do processo em análise resulta existir anúncios de projetos de obras, cuja execução não irá ocorrer no decurso do presente mandado, podendo, esta situação, ser entendida como extravasando o estrito cumprimento das funções inerentes aos titulares da Câmara Municipal e comportar a existência de conflito com um interesse eleitoral/partidário em função das próximas eleições autárquicas.
Deste modo delibera-se recomendar à Câmara Municipal de Sobral de Monte Agraço que proceda à retirada dos outdoors em que sejam anunciados meros projetos ou obras futuras, dado que, estando em curso o processo eleitoral, os mesmos podem ser considerados atos de propaganda.»
5. Essa deliberação, juntamente com o teor da informação n.º 177/GJ/2013, foi notificada através de mensagem eletrónica enviada ao Presidente da Câmara Municipal de Sobral de Monte Agraço em 24 de setembro de 2013.
6. Em 25 de setembro de 2013, foi apresentado recurso para o Tribunal Constitucional da referida deliberação pelo “Município de Sobral de Monte Agraço”, ao abrigo do disposto nos artigos 8.º e 102.º-B, n.ºs 1 e 2, da Lei 28/82, de 15 de novembro.
O recorrente sustentou, em alegações, que a deliberação recorrida enferma de vício de falta de fundamentação, por conter fundamentação incongruente, insuficiente e contraditória, pois não especifica os fundamentos em que baseia a sua decisão, nem se pronuncia sobre os argumentos invocados na resposta, e, então, face aos artigos 124.º e 125.º do CPA e 268.º, n.º 3 da Constituição, deve ser considerada inválida; que foi substancialmente preterida a audiência prévia, por não terem sido considerados nem ponderados os factos alegados na resposta; e, quanto ao mérito, afasta quanto a cada um dos cartazes referidos na denúncia que tenha havido por parte da Câmara Municipal a intenção, direta ou indireta de promover qualquer ato de propaganda eleitoral ou de apoio a uma candidatura ou partido politico, mas apenas a publicitação de obras e projetos. Conclui que ao afixar os cartazes informativos dos projetos em causa, a Câmara Municipal de Sobral de Monte Agraço não violou o seu dever de neutralidade e independência face às várias candidaturas às eleições autárquicas e pugna pela revogação da deliberação recorrida.
7. O recurso deu entrada no Tribunal Constitucional em 30 de setembro de 2013.
Cumpre decidir.
II. Fundamentação
8. Resulta das alegações do recurso em apreço que o recorrente coloca em primeira linha duas questões que se projetam em invalidade da deliberação recorrida, a saber, a inexistência de audiência prévia e a falta de fundamentação do ato. Em segunda linha, argumenta no plano do mérito da deliberação impugnada, por considerar que a afixação de cartazes informativos de projetos a concluir para além do mandato em curso não constitui violação do dever de neutralidade e independência face às várias candidaturas às eleições autárquicas.
9. Coloca-se, porém, em termos prévios, a questão da utilidade da decisão do recurso, face à realização do ato eleitoral acautelado na deliberação recorrida.
Com efeito, a deliberação impugnada consubstancia a formulação de uma recomendação dirigida à Câmara Municipal de Sobral de Monte Agraço, no sentido da remoção de outdoors em que sejam anunciados meros projetos ou obras futuras, em virtude de “estando em curso o processo eleitoral, os mesmos podem ser considerados atos de propaganda”.
Ora, o interesse jurídico que justificou essa intervenção da CNE, inscrita nos poderes daquele órgão de administração eleitoral constantes dos artigos 5.º, n.º 1, al. d) e 7.º da Lei 71/78, de 27 de dezembro, reside no impedimento e promoção da correção da prática de atos por entidades públicas que favoreçam ou prejudiquem uma candidatura em detrimento ou vantagem de outra. Tal interesse encontra-se afastado pela realização do ato eleitoral autárquico no passado dia 29 de setembro de 2013.
A situação em presença encontra proximidade com aquelas que foram apreciadas nos Acórdão n.º 523/05 e 518/09, e em que se decidiu pela inutilidade superveniente do recurso interposto, por não subsistir interesse eleitoral relevante, independentemente de poder vir a ter lugar – em sede própria - a apreciação de responsabilidade criminal. Observe-se que em ambos os arestos encontrava-se em discussão deliberação da CNE que havia ordenado a imediata remoção de cartazes, o que, no caso em apreço, não acontece. A CNE formulou nestes autos simples recomendação, deixando ao(s) destinatário(s) margem de determinação quanto ao seu acolhimento, o que conduz, ainda com maior nitidez, à mesma conclusão de perda de interesse do recurso.
Note-se, ainda, que o critério da utilidade da decisão encontra expressa referência no n.º 5 do artigo 102.º-B da LTC, preceito ao abrigo do qual foi interposto o presente recurso.
Assim, por inutilidade superveniente do recurso, cumpre afastar o seu conhecimento.
III. Decisão
Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Lisboa, 2 de outubro de 2013. – Fernando Vaz Ventura – Maria Lúcia Amaral – Lino Rodrigues Ribeiro – Carlos Fernandes Cadilha – Ana Guerra Martins – Pedro Machete – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – José da Cunha Barbosa – Catarina Sarmento e Castro – Maria José Rangel de Mesquita – João Cura Mariano - Joaquim de Sousa Ribeiro.