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Proc. n.º 348/03 TC - 1ª Secção Rel.: Cons.º Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 - A., com os sinais dos autos, reclama do despacho que não admitiu o recurso interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, certificado a fls. 43 e segs., para o Tribunal Constitucional.
Transcreve-se, na íntegra, o que, de essencial, diz na sua reclamação:
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1 - O recorrente veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artº 70º - 1 b) da Lei 28/82.
2 - O recurso tem em vista apreciar da inconstitucionalidade dos arts. 363º e 430º do CPP na hermenêutica expendida pelo Supremo Tribunal de Justiça que entendeu que a audiência realizada no Tribunal da Relação de Évora, sem a presença do arguido e sem a transcrição dos depoimentos prestados em sede de julgamento em 1ª instância não é nula nem violadora dos arts 32º - 1 da Lei Fundamental e art. 6º - 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem...!!!
3 - O recorrente entende que o direito ao recurso e o julgamento num Tribunal Superior devem ser realizados de forma a permitir a presença do recorrente e a julgar a matéria de facto através de uma verdadeira reapreciação dos depoimentos prestados em julgamento, sob pena de violação do DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO DE FACTO - conforme aliás o Caso Helmers/Suécia julgado no TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM em 29 Outubro 1991.
4 - O recorrente veio arguir a NULIDADE e a supra citada inconstitucionalidade em 3 Outubro 2002 logo após o julgamento em 1 Outubro 2002 na Veneranda Relação de Évora e no recurso interposto em 3 Janeiro 2003. Pelo exposto deve o recurso ser admitido !
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Remetidos os autos a este Tribunal, o Ministério Público emitiu parecer no sentido do indeferimento da reclamação.
Cumpre decidir.
2 - O despacho ora reclamado incidiu sobre o requerimento do reclamante em que este interpunha recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC, do acórdão do STJ, de 13/3/2003, nos seguintes termos:
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O recurso tem em vista apreciar da inconstitucionalidade dos arts.
363º e 430º do CPP na hermenêutica expendida pelo Supremo Tribunal de Justiça que entendeu que a audiência realizada no Tribunal da Relação de Évora, sem a presença do arguido e sem a transcrição dos depoimentos prestados em sede do julgamento em 1ª instância não é nula nem violadora dos arts. 32º-1 da Lei Fundamental e art. 6º - 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
O recorrente entende que o direito ao recurso e o julgamento num Tribunal Superior devem ser realizados de forma a permitir a presença do recorrente e a julgar a matéria de facto através de uma reapreciação dos depoimentos prestados em julgamento, sob pena de violação do DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO DE FACTO - conforme aliás o caso Helmers/Suécia julgado no TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM em 29 Outubro 1991.
O recorrente veio arguir a Nulidade e a supra citada inconstitucionalidade em 3 Outubro 2002 logo após o julgamento em 1 Outubro 2002 na Veneranda Relação de Évora e no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça em Janeiro 2003.'
O recurso não foi admitido no STJ, conforme o seguinte despacho:
'Não recebo o recurso interposto em 25Mar03 para p Tribunal Constitucional.
Por um lado, o acórdão recorrido não interpretou nem aplicou o artº
363º do Código de Processo Penal ('Documentação das declarações orais'). A não transcrição oficiosa, para efeitos de recurso, da documentação magnetofónica das declarações orais teria a ver, antes, com o normativo constante da parte final do art. 412.4, não identificado - como (eventualmente) ferido de inconstitucionalidade - no recurso para o Tribunal Constitucional.
E, quanto à norma do art. 430º ('Renovação da prova'), o Supremo apenas a interpretou - mas não chegou a aplicar (pois que não conheceu do recurso interlocutório, que a deserção do recurso principal tornara ineficaz) - no sentido de que 'a não renovação da prova em audiência de recurso, se a ela não houver lugar, não implica nulidade, ou sequer, irregularidade'. E, no caso, não havia lugar à 'renovação de prova' (pois que a prova oral produzida em audiência havia sido documentada mediante registo magnetofónico). Por outro lado, o Supremo não se pronunciou sobre a eventual 'nulidade' da audiência 'sem a presença do arguido' (questão alinhada mas não discutida na motivação do recurso nem levada às suas 'conclusões') ou 'sem a transcrição dos depoimentos prestados em sede de julgamento em 1ª instância', a que, como se viu, não havia lugar). Aliás, a apreciação desta questão seria inútil (e, como se sabe, 'não é lícito realizar no processo actos inúteis' - art. 137º do Código de Processo Civil) na medida em que, entretanto, o respectivo 'agravo' se volvera 'ineficaz com a deserção da 'apelação' interposta da decisão que, entretanto, pusera termo ao processo (art. 731.1).
E a estas normas - estas, sim, aplicadas na decisão - não fez referência o requerimento de interposição de recurso'
Dos autos resulta, ainda, que:
- Em recurso penal interposto de decisão condenatória de 1ª instância para o Tribunal da Relação de Évora o ora reclamante requereu a reapreciação da prova produzida em sede julgamento.
- Realizada a audiência de julgamento em 2ª instância, o mesmo reclamante arguiu a nulidade dessa audiência por não ter sido reapreciada a matéria de facto como requerera e ainda por não ter estado presente.
- A arguição de nulidade foi indeferida por despacho do relator e deste o reclamante recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso que não foi admitido, por se entender que deveria ter sido requerido que sobre a matéria do despacho recaísse um acórdão.
- Porque estava ainda em tempo, o reclamante requereu então que a conferência produzisse acórdão sobre a matéria do referido despacho.
- Por acórdão de 18/12/02, certificado a fls. 37, a Relação de Évora confirmou o despacho reclamado, com o fundamento de se não verificar um dos requisitos exigidos pelo artigo 430º n.º 1 do CPP para a renovação da prova - a verificação de um dos vícios mencionados no artigo 410º n.º 2 do CPP; e não havendo lugar à renovação da prova, não teria que ser reapreciada em audiência a matéria de facto, nem que nela estivesse presente o arguido.
- Entretanto, produzido em 8/10/02 acórdão da relação que negou provimento ao recurso da decisão condenatória de 1ª instância, o reclamante também dele recorreu para o STJ; o recurso não foi, porém admitido por falta de motivação.
Foi sobre o recurso daquele acórdão (dito 'interlocutório') de
18/12/02 que se pronunciou o STJ, no acórdão de 13/3/2003, de que o reclamante recorreu para o Tribunal Constitucional, recurso que não foi admitido pelo despacho ora reclamado.
A decisão do acórdão do STJ, de 13/03/03 tem, claramente, uma fundamentação alternativa: a inutilidade superveniente e a manifesta improcedência do recurso.
Quanto ao primeiro fundamento, ele radica no facto de, por despacho transitado em julgado - ele não fora reclamado para o Presidente do STJ - não ter sido admitido o recurso interposto da decisão de 8/10/02 que pusera termo ao processo, mantendo a decisão condenatória de 1ª instância; consequentemente, os
'agravos' que devessem subir com o recurso da decisão que pôs termo ao processo ficam sem efeito (artigo 731º n.º 1 do CPC), não havendo, no caso, interesse autónomo do agravante no recurso interlocutório.
Quanto ao segundo fundamento, ele assenta (i) no entendimento de que não há lugar à renovação da prova quando tenha havido documentação da prova produzida em audiência, (ii) no facto de o relator, na Relação, ter decidido pela não admissibilidade da renovação da prova, o que veio a ser confirmado pela conferência, (iii) no disposto no artigo 430º n.º 2 do CPP, nos termos do qual a decisão que recusa aquela renovação é definitiva e, como tal, não recorrível e, finalmente, (iiii) no entendimento de que a não renovação da prova em audiência de recurso não gera irregularidade nem nulidade (artigo 120º n.º 2 alínea d) do CPP), se a ela não houver lugar.
Ora, como se viu, o recorrente questiona uma interpretação dos artigos 363º e 430º do CPP no sentido de que 'a audiência realizada no Tribunal da Relação de Évora, sem a presença do arguido e sem a transcrição dos depoimentos prestados em sede do julgamento em 1ª instância não é nula nem violadora dos arts. 32º-1 da Lei Fundamental e art. 6º - 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem'
Trata-se, claramente, de uma matéria relativa ao aludido recurso
'interlocutório' que, no acórdão recorrido para o Tribunal Constitucional, mereceu (ou mereceu também) uma pronúncia de não conhecimento e em que, consequentemente, as normas aplicadas, de natureza adjectiva, têm a ver com a circunstância de ter ficado 'deserto' o recurso da decisão final - e não são as normas que o recorrente pretende ver apreciadas por este Tribunal.
É certo que, como também se disse, o STJ se pronuncia sobre a questão de saber se haveria lugar à renovação da prova. Simplesmente - e sem curar de saber se as normas interpretadas são as indicadas pelo recorrente (o despacho reclamado diz que o acórdão interpretou a norma do artigo 430º do CPP, mas não a aplicou) - a verdade é que, mesmo aplicada a norma do artigo 430º do CPP, tal questão nada tem a ver com a decisão de não conhecimento do recurso, relativamente à qual o recorrente não questiona a constitucionalidade das normas em que assenta.
O que significa que um eventual juízo de inconstitucionalidade das normas indicadas pelo recorrente se não repercutiria no acórdão recorrido, uma vez que sempre persistiria o fundamento do não conhecimento do recurso (interlocutório) interposto para o STJ.
E dada a instrumentalidade do recurso de constitucionalidade, este sempre seria inútil, pelo que bem decidiu o despacho reclamado não o admitindo.
Salienta-se, por último, a nota de que. na presente reclamação, o reclamante não aduz um único fundamento que contradiga as razões em que o despacho reclamado assenta, limitando-se a reproduzir, quase ipsis verbis, o requerimento de interposição do recurso.,
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs.
Lisboa, 29 de Maio de 2003 Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Luís Nunes de Almeida