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Processo n.º 643/02
2ª Secção Relator - Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Em 27 de Março de 2001, A. e B. impugnaram judicialmente a liquidação, no valor de 737 280$00, referente ao ano de 2001, da taxa prevista no ponto 1.1 do n.º 1 do artigo 67º do “Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra para o ano de 2001”, relativa à instalação abastecedora de carburante sita no --------------------------, n.º -------, em ---------------------, “em virtude dos condicionamentos no plano de tráfego e acessibilidades, da inerente degradação e utilização ambiental de recursos naturais (ar, água e solos) e da consequente actividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais competentes” (por cada equipamento de combustíveis líquidos – 61 440$00 X 8 =
491 520$00). O montante cobrado ao abrigo do n.º 2 do mesmo artigo (2 457
260$00) não foi impugnado.
Argumentaram, em síntese: que tal tributo “não expressa qualquer correspectividade entre a utilização de um bem semi-público e aquilo que se paga, pelo que (...) não pode ser qualificado como taxa”; que “os municípios não têm competências fiscalizadoras no que respeita às implicações ambientais da instalação e licenciamento de um posto de abastecimento”; que “o tributo ora impugnado é em rigor uma contribuição especial ilegitimamente criada pela CMS em frontal colisão com o princípio da legalidade constitucionalmente consagrado no artigo 165º n. 1 al. i) da Constituição”; que “não se vislumbra na Lei das Finanças Locais suporte legal para esta taxa (cfr. artigos 16º e 19º da Lei n.º
42/98, de 6 de Agosto) pelo que a mesma viola claramente o princípio da legalidade e tipicidade a que estão sujeitas todas as taxas”; que o “tipo” tributário actualmente previsto no ponto 1.1 do n. 1 do artigo 67º do Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra é diferente do que foi regularmente aprovado “em reunião de Câmara de 22 de Novembro de 2000 e em sessão da Assembleia Municipal de 18 de Dezembro de 2000”; e que “nem o novo regulamento e tabela, nem mesmo o respectivo projecto foram publicados na 2ª Série do Diário da República, ou em qualquer jornal oficial da edilidade conforme obriga o disposto nos artigos 68º-A, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, aditado pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, e 91º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro (Lei das Autarquias Locais).”
Na contestação, a Câmara Municipal de Sintra invocou: que “ao utilizar a expressão ‘em regra’ na previsão dos arts. 117º e 118º do C.P.A., o legislador retira o carácter imperativo desta submissão à apreciação pública e realização da audiência de interessados”; que, nos termos do artigo 41º do Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra, “a tabela é actualizada anualmente mediante proposta da Câmara Municipal e aprovada pela Assembleia Municipal” (o que ocorreu, respectivamente, em 22 de Novembro de 2000 e 18 de Dezembro de 2000, tendo sido publicada nos locais públicos do costume, pelo edital n.º 677/00); que “tal taxa encontra cobertura na alínea m) do artigo 16º e nos artigos 19º e 20º da Lei das Finanças Locais” (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 94/2001 de 20/8)”; que o “facto gerador da taxa prevista no art. 67º, n.º 1 ponto 1.1 do Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra para 2001 não é a ocupação do domínio público, mas sim os custos, elevadíssimos, inerentes à concessão de uma licença de funcionamento de um posto de abastecimento”; que a “sobrecarga ambiental das instalações de carburantes obriga à adaptação de estruturas e serviços municipais, em termos ambientais, urbanísticos e de segurança civil, impondo a tomada de medidas de segurança”; e que “entre as atribuições dos Municípios encontram-se a defesa e protecção do meio ambiente e saneamento básico e a protecção civil, para assegurar a qualidade de vida do respectivo agregado populacional (art. 13º, alíneas j) e l) da Lei 159/99 de 14/09), o que faz, nomeadamente quando acautela que as bombas funcionam em locais apropriados e boas condições de segurança”.
Por decisão de 6 de Junho de 2002 da 1ª Secção, do 1º Juízo, do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, a dita liquidação foi anulada, considerando
“inconstitucional o disposto no artigo 67º, n. 1, da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra para o ano de 2001 por violação do art. 165º, n. 1 al. i) da C.R.P. e, em consequência, anula[ndo]-se tal liquidação por se verificar vício de violação da lei” Isto, porquanto se entendeu que, aí, se criara “um tributo devido independentemente da utilização ou não do domínio público”, e, consequentemente, não existindo “qualquer contrapartida para a exigência do encargo em causa, que represente a utilidade recebida pelo particular, o pagamento da quantia imposta no caso sub judice não constitui uma taxa, mas antes um imposto.”
2. Desta decisão foi interposto recurso de constitucionalidade pelo Ministério Público, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, obstando à subida do recurso para o Tribunal Central Administrativo interposto pela Câmara Municipal de Sintra. Neste Tribunal as alegações do Ministério Público concluíram da seguinte forma:
“1º – A concepção constitucional de ‘taxa’ pressupõe – face ao entendimento da jurisprudência constitucional – a necessidade de existência de uma relação sinalagmática, a desnecessidade de uma exacta equivalência económica, a aferição do respectivo montante em função não só do custo, mas também do grau de utilidade prestada, e a exigência de uma não manifesta desproporcionalidade na sua fixação.
2º – A taxa devida pela utilização do espaço público municipal, através da instalação, na via pública, de uma estação de abastecimento de combustíveis tem natureza sinalagmática, já que é devida em função de uma utilização individualizável de um bem do domínio público.
3º – Termos em que deverá proceder o presente recurso.”
Por sua vez, as alegações das recorridas concluíram assim:
“1. Sem qualquer nexo inteligível, o IRMP conclui que o tributo dos autos configura uma verdadeira taxa porquanto alegadamente diz respeito a um posto situado na via pública, o que é irrelevante já que o tributo em questão se aplica a todos os postos independentemente da respectiva localização.
2. O tributo em causa mais não é que uma forma abusiva e despudorada encontrada pelo município de Sintra para manter o mesmo nível de receitas que vinha obtendo com a taxa recentemente declarada inconstitucional por ausência de sinalagma e que vinha sendo ilegitimamente cobrada relativamente a postos inteiramente localizados em terrenos particulares.
3. O novo tributo não expressa qualquer correspectividade entre a utilização de um bem semi-público e aquilo que se paga, pelo que desde logo não pode ser qualificado como taxa.
4. Aliás, não se vislumbra qual o bem semi-público que possa ser contrapartida da suposta taxa pois que a mesma mais não é do que uma amálgama de todos os argumentos empregues pela CMS e sempre rejeitados pelos tribunais para tributar os postos inteiramente localizados em propriedade privada: desgaste ambiental, desgaste da via pública, condicionamentos de tráfego e mesmo a existência de uma actividade de fiscalização que até hoje nunca existiu nem existe, muito menos relativamente aos postos de abastecimento das Impugnantes.
5. De referir, aliás, que no que respeita às implicações ambientais da instalação e licenciamento de um posto de abastecimento importa referir que nem a Câmara Municipal de Sintra nem qualquer outro município tem competência fiscalizadora ou outra pois que nos termos do Decreto-Lei n.º 246/92, de 30 de Outubro, que aprovou o regulamento de construção e exploração de postos de abastecimento de combustíveis, e o Decreto-Lei n.º 302/95, de 18 de Novembro, que introduziu algumas alterações ao primeiro, a entidade com competência exclusiva nesta matéria é a Direcção Geral de Energia.
6. O tributo ora impugnado é em rigor uma contribuição especial ilegitimamente criada pela CMS em frontal colisão com o princípio da legalidade constitucionalmente consagrado no artigo 165º n.º 1 al. i) da Constituição da República Portuguesa.
7. Sem prejuízo do referido, importa referir ainda nesta síntese que outro vício substantivo a assacar à taxa ora impugnada é o de que não se vislumbra na Lei das Finanças Locais suporte legal para esta taxa (cfr. artigos 16º e 19º da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto) pelo que a mesma viola claramente o princípio da legalidade e tipicidade a que estão sujeitas todas as taxas.
8. De acordo com a nova tabela foi criado um tributo no artigo 67º n.º 1 que segundo a CMS é devido, independentemente de utilização ou não do domínio público, em virtude dos condicionamentos no plano de tráfego e acessibilidades, da inerente degradação e utilização ambiental dos recursos naturais (ar, águas e solos) e da consequente actividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipalizados competentes.
9. Basta atentar na previsão normativa do tributo para constatar que se trata de uma verdadeira contribuição especial – juridicamente um imposto – devida, supostamente, em virtude de maiores despesas ocasionadas pelos particulares às entidades públicas no exercício da sua actividade.
10. Com efeito, a CMS tem vindo desde há alguns anos a invocar que os postos de abastecimento de combustível contribuem para um desgaste das estradas do município, designadamente nas zonas dos acessos aos postos, obrigam a uma maior necessidade de gestão de trânsito, que provocam um desgaste ambiental ao nível do ar, água e solos, e que tudo isso leva a um aumento dos custos dos serviços de fiscalização camarários.
11. Criou assim o presente tributo que consiste inequivocamente numa prestação patrimonial, de dare, independente de qualquer vínculo anterior, definitiva, unilateral, com vista à satisfação de fins públicos.
12. É uma prestação definitiva porquanto não confere direito a restituição, reembolso, retribuição ou indemnização a cargo do credor tributário e é unilateral ou não sinalagmática porquanto não dá ao devedor o direito de exigir qualquer contraprestação.
13. Ora, tratando-se o tributo em questão de uma contribuição especial, ou seja de um imposto, e não tendo sido criado por lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei autorizado, padece o tributo em questão e a sua liquidação, do vício de inconstitucionalidade por violação do disposto na al. i) do n.º 1 do artigo
165º da CRP .
14. A CMS tenta pois dissimular um verdadeiro imposto em taxa.
15. Ora, a mais relevante característica distintiva das taxas em face do imposto reside no carácter bilateral (sinalagmático) da prestação devida.
16. Significa isto que não basta uma contrapartida de carácter genérico, é absolutamente necessário que haja uma contraprestação individual exigível pelo devedor, o que não sucede no caso do tributo ora impugnado.
17. Mesmo que se entendesse que o tributo em questão se trata de uma taxa, o que apenas por dever de patrocínio se admite, ainda assim a taxa seria inválida.
18. Com efeito, o tributo está autonomizado no artigo 67º da Tabela das demais taxas previstas nesse mesmo artigo, as quais visam remunerar o município pela utilização maior ou menor que o posto faça do solo pertencente ao domínio público.
19. Como se deixou perfeitamente claro acima, os municípios apenas podem cobrar taxas na medida em que a lei as preveja expressamente.
20. Tal princípio decorre inclusivamente do disposto no artigo 238º, n.º 4 da CRP.
21. Ora, compulsado o que se dispõe no artigo 19º da Lei n.º 42/98 de 6 de Agosto, disposição que elenca taxativamente as situações em que os municípios podem cobrar taxas, resulta inequivocamente que a taxa ora criada não tem aí assento legal e nessa medida viola o princípio da legalidade a que está sujeita a sua criação.
22. Com efeito, resulta dessa disposição que os municípios apenas podem criar taxas nas situações aí previstas.
23. De todas essas situações destacam-se para a presente análise apenas a al. c), que permite cobrar taxas pela ocupação do domínio público municipal, e a al. o) que permite cobrar taxas por qualquer licença da competência dos municípios.
24. Ora, da redacção dada à norma onde está previsto o tributo impugnado (67º n.º 1, 1.1.) e do confronto da mesma com as demais regras do mesmo artigo (67º,
1.2.) resulta que foi intenção da CMS autonomizá-lo – como se disse acima – das taxas de ocupação do domínio público.
25. Com efeito a autarquia tributa todos os postos nos termos do n.º 1.1. independentemente de qualquer ocupação do domínio público.
26. E tributa nos termos dos n.ºs 1.2. apenas a ocupação do domínio público.
27. Neste último caso, que não está em questão nos presentes autos, essa contrapartida é evidentemente a referida ocupação, pelo que as taxas aí previstas estão claramente autorizadas na Lei das Finanças Locais, cumprindo-se o princípio da legalidade (cfr. a al. c) do artigo 19º).
28. Já no primeiro caso, nada se diz quanto à contrapartida embora seja desde já lícito concluir que a taxa aí prevista não terá fundamento na referida al. c).
29. Há que admitir assim, prosseguindo nesta hipótese de estudo, que a ‘taxa’ possa assentar na al. o) que permite aos municípios cobrar taxas pela atribuição de qualquer licença da sua competência, a qual já vimos não existir no que respeita à fiscalização da exploração de postos de abastecimento.
30. Sem prejuízo do referido, e prosseguindo nesta perspectiva, a CMS cobraria o tributo previsto no n.º 1 ponto 1.1. do artigo 67º da tabela enquanto contrapartida da atribuição de uma licença pela remoção de um qualquer limite à actividade dos particulares.
31. Sucede que como ensina Teixeira Ribeiro, mesmo nestes casos de remoção de limites jurídicos é preciso distinguir entre a remoção que possibilite a utilização de um bem semi-público e aquela que a não possibilita. Na verdade só a quantia paga pela primeira pode constituir taxa.
32. Ora, no presente caso, a suposta ‘licença’, não é destinada a proporcionar a utilização de qualquer bem semi-público, v.g. ocupação do domínio público, ou qualquer outro, pois que como vimos, há taxas especificamente criadas no regulamento para isso (v. g. taxas previstas no artigo 67º n.º 1.2. do regulamento).
33. Nessa medida, também por este motivo não seria possível classificar o tributo como uma taxa.
34. Poderia ainda invocar-se que a taxa é contrapartida da actividade de verificação das condições indispensáveis à remoção do referido limite jurídico à actividade dos particulares.
35. Porém, basta atentar na previsão da taxa para nos apercebermos que assim não
é, e que qualquer limite que possa vir a ser invocado é meramente artificial.
36. Acresce que, como se começou por referir, a entidade com competência para fiscalizar a exploração dos postos é a Direcção-Geral de Energia, tendo a CMS apenas competência para fiscalizar v. g. as obras de construção etc., mas para isso e inclusive para as inerentes vistorias ao posto da recorrida já há muito que se pagam taxas específicas.
37. Nem se venha dizer que o tributo em questão é uma taxa tendo em vista concretizar o princípio do poluidor pagador, pois que desde logo um tal argumento atenta contra os supra referidos princípios do exclusivismo e da determinação a que estão sujeitas as taxas.
38. Com efeito, não seria legítima a criação de uma taxa em tais moldes na medida em que – a relevar o carácter poluente – não se definem inequivocamente os elementos do tributo.
39. Como podem as recorridas saber, a partir do texto legal, ou da tabela que estão a pagar um tributo pelo ‘desgaste ambiental’ que alegadamente causam? Quanto desgastam? Pagam o mesmo se desgastarem muito ou pouco? Como mede a CMS a poluição? Como podem as recorridas exigir arranjos nas estradas de acesso aos seus postos?
40. Decorre do exposto que a contraprestação da taxa impugnada não existe e, mesmo admitindo a existência da mesma, a verdade é que não está prevista na lei das finanças locais o que desde logo a inquina por violação do princípio da legalidade.
41. Por último, importa apenas realçar que as contrapartidas, aliás hipotéticas e meramente ideais, do pagamento do tributo ora impugnado não são, evidentemente, individualmente exigíveis nem sequer individualizáveis, pelo que está absolutamente fora de questão a classificação do tributo impugnado como taxa.” Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3. A questão da constitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 67º (mais precisamente, do ponto 1.1 do seu n.º1) da Tabela em questão, por confronto com o disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 165º da Constituição da República – dependente, portanto, da qualificação jurídica como taxa ou imposto do tributo nessa norma previsto – foi recentemente decidida por este Tribunal, no seu Acórdão n.º 204/03, publicado no Diário República, II Série, de 21 de Junho de
2003.
Concluiu-se neste aresto que, resultando o tributo “da utilização individualizável do domínio público viário”, se encontrava, “nessa medida, preenchido o núcleo essencial do conceito de taxa”, pelo que se decidiu “não julgar inconstitucional a norma do artigo 67º, n.º 1, da tabela de taxas e licenças do município de Sintra para o ano de 2001, enquanto aplicáveis a instalações situadas na via pública”.
Anteriormente, no Acórdão n.º 515/00 (publicado no Diário da República, II Série, de 23 de Janeiro de 2001) uma norma que estabelecia a tributação de instalações abastecedoras de carburantes líquidos sitas na área do mesmo município – a norma do n.º 5 do artigo 42º da Tabela de Taxas da Câmara Municipal de Sintra entrada em vigor em 2 de Dezembro de 1989 – fora julgada inconstitucional, por violação do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 168º, na versão então vigente da Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho, por se tratar, então, de equipamento totalmente instalado “em propriedade particular, com abastecimento no interior da propriedade”, e, assim, se ter entendido que a referida taxa não tinha “nem natureza nem estrutura sinalagmática, pois o respectivo montante não é contraprestação ou contrapartida de nada”, e que, portanto, “[não] existindo qualquer contrapartida para a exigência do encargo em causa, que represente a utilidade recebida pelo particular, o pagamento da quantia imposta no caso não constitui uma taxa, mas antes um imposto.”
Isto dito, resulta clara a posição do Tribunal Constitucional quanto aos entendimentos da norma ora em causa. Assim, segundo a decisão do citado Acórdão n.º 515/00 – e, portanto, para quem a acompanhar –, na medida em que, na sua genérica previsão, ela se aplique a equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos instalados inteiramente em propriedade privada, e abastecendo no seu interior, tal norma será inconstitucional. Diversamente, na medida em que, na mesma genérica previsão, ela contemple equipamentos de abastecimento instalados na via pública, ela não será inconstitucional como se decidiu no Acórdão n.º 204/03.
É que, ao contrário do que é – e também nesse caso foi – invocado, tal diferença não é “irrelevante, já que o tributo em questão se aplica a todos os postos independentemente da sua localização”. Nalguns casos, por existir uma ocupação de espaço público, a genérica previsão da norma tem suporte bastante para se configurar como taxa, e ser, por isso, conforme à Constituição. Noutros casos, essa genérica previsão cobre situações em que – pelo menos, para quem não se afaste da qualificação efectuada no citado Acórdão n.º 515/00 – não são divisáveis os elementos constitutivos da taxa, pelo que, nessa medida, se reputa desconforme à Constituição. A circunstância de existir ou não ocupação do espaço público não pode, pois, considerar-se irrelevante.
Como se escreve no citado Acórdão n.º 204/03,
“O caso vertente não se assemelha ao apreciado no citado Acórdão nº 515/2000, e sem que agora se torne necessário apreciar da sua bondade. Na verdade, repete-se, estão, aqui, em causa instalações abastecedoras de combustíveis e respectivos acessos, situados na via pública, fundamentando-se, assim, a tributação na respectiva utilização de um bem público, conexionada intimamente com o aproveitamento desse bem por particulares, e na contraprestação das utilidades retiradas da ocupação desses espaços, seu desgaste viário e, bem assim, ambiental, acrescendo a fiscalização inerente à conservação dos acessos e a vigilância dos condicionantes de tráfego – o que, de resto, a tese professada naquele aresto não negligenciou, só que entendeu não se verificar, nos pressupostos fácticos então sob consideração, essa concreta vertente individualizada, justificativa de sinalagma.”
4. No caso presente, a Informação-proposta n.º 716/01/DJUR, presente à reunião da Câmara Municipal de Sintra de 22 de Agosto de 2001, que decidiu manter o acto impugnado, refere-se a uma “instalação abastecedora de carburantes líquidos, ar e água instalados inteiramente em terreno público”. Diversamente, porém, as impugnantes pretendem que se trata de instalações “inteiramente localizados em terreno particular” (artigos 16º e 126º da impugnação), e a própria Câmara Municipal de Sintra, na sua contestação (artigo 23º) parece admiti-lo. Independentemente de tal questão poder vir a ser devidamente esclarecida, por estar pendente um recurso da Câmara Municipal de Sintra para o Tribunal Central Administrativo, é certo que a decisão recorrida – tal como a que foi objecto do recurso que originou o citado Acórdão n.º 204/03 – se refere à “instalação na via pública de um poste de abastecimento de combustíveis”. Foi, pois, nesta dimensão que a aplicação da norma em causa foi recusada, sendo também a ela que se referem o recurso de constitucionalidade e as alegações do Ministério Público. E, nessa dimensão, reportada a uma situação de instalação na via pública, a norma do n.º 1 do artigo 67º da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra para o ano de 2001 não é inconstitucional, pelas razões expostas no dito acórdão, para o qual se remete. III. Decisão Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide: a) Não julgar inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 67º da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra para o ano de 2001, enquanto inclui postos de instalações de abastecimento de combustíveis que ocupam a via pública; b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da decisão recorrida, no que à questão de constitucionalidade respeita.
Lisboa, 30 de Setembro de
2003 Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos