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Procº nº 690/2002.
3ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal Administrativo e em que figuram, como recorrente, o Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (INFARMED) e, como recorrida, A., o relator, após a produção de alegações, proferiu, em 17 de Março de 2003 e ao abrigo dos artigos
69º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, e 704º, nº 1, do Código de Processo Civil, o seguinte despacho:-
“1. Tendo A., interposto, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra, recurso contencioso de anulação, quer do despacho proferido em 1 de Outubro de 1999 pelo Presidente do Conselho de Administração do Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (INFARMED) e por intermédio do qual autorizou que a B. instalasse uma farmácia na freguesia de Aguim, do Concelho de Anadia, quer da deliberação daquele Conselho, tomada em 5 de Junho de 1997, que determinou a abertura de concurso público para a instalação de uma farmácia na referida freguesia, foi, por sentença proferida em 4 de Outubro de 2000, rejeitado o recurso, pois que se entendeu que, quanto ao recurso da assinalada deliberação, se verificava a excepção de litispendência e, quanto ao recurso do despacho do Presidente do Conselho de Administração do INFARMED, que esse despacho consubstanciava um acto que revestia natureza meramente executiva, sendo, por isso irrecorrível nos termos do artº 25º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho.
Não se conformando com o assim decidido recorreu a A. para o Tribunal Central Administrativo, posteriormente [sendo o recurso] mandado prosseguir seus termos para o Supremo Tribunal Administrativo.
Na alegações adrede produzidas, após a recorrente, inter alia, ter sustentado ser inconstitucional a norma constante do artº 25º da LPTA, defendeu o Presidente do Conselho de Administração do Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento que tal norma não violava o princípio da tutela jurisdicional efectiva ínsito no nº 4 do artigo 268º da Lei Fundamental, “dado que, apesar da eliminação da referência à definitividade e executoriedade dos actos administrativos impugnáveis, contenciosamente, o critério para a recorribilidade dos mesmos é o seu carácter lesivo”.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 11 de Julho de
2002, concedeu parcial provimento ao recurso.
Pode ler-se nesse aresto as seguintes asserções, como fundamentação do decidido:-
‘......................................................................................................................................................................................................................
Passando-se, desde já, à análise dos fundamentos do recurso, diremos que, na apreciação do presente recurso contencioso, na sentença ora recorrida foi o recurso rejeitado, na parte relativa ao acto de 5-6-97, por litispendência; na parte relativa ao despacho de autorização de instalação da farmácia, por tal acto ser de mera execução do acto de 16-6-99.
A decisão quanto ao acto de 5-6-97, não nos oferece quaisquer dúvidas quanto à sua correcção.
A recorrente impugnou o acto de abertura do concurso em três processos. Sem se discutir o (des)acerto da opção, a verdade é que, em regra, uma só impugnação é suficiente à defesa dos interesses eventualmente lesados com a prolação de um qualquer acto administrativo.
Na opção pessoal da recorrente, em relação ao acto de 5-6-97, neste processo, prescindindo-se de outras apreciações, nos termos dos arts. 497º e ss. do CPC, o recurso haverá de ser rejeitado, por litispendência, dado tal recurso estar já em apreciação do p.º 487/97 do TACC e que, neste tribunal correu como n.º 43.821, ora pendente no TC, desta forma, sendo de confirmar a decisão recorrida.
No que tange ao recurso do acto de 1-10-99, autorizando a instalação da farmácia, o senhor juiz rejeitou, também o recurso desse acto, na consideração de ser mero acto de execução do acto de homologação da lista final dos concorrentes àquele mencionado concurso, e por tal motivo, acto contenciosamente irrecorrível.
Não se nos afigura, no entanto acertada esta conclusão.
O concurso público teve como finalidade seleccionar o concorrente a quem seria dada autorização para a instalação da nova farmácia.
O acto de homologação da lista de concorrentes, com a consequente escolha do candidato vencedor pode ser lesivo de interesses legítimos de algumas pessoas, designadamente do[ ]s candidatos preteridos.
Mas a recorrente, tanto quanto os autos demonstram, não está em tal situação.
O acto que, efectivamente lesa os direitos e interesses da sociedade ora recorrente, na situação de proprietária de uma farmácia localizada na proximidade do local onde foi autorizada a instalação da nova farmácia é precisamente o que veio a autorizar a instalação de uma farmácia nova, em Aguim, alegadamente sem respeitar os condicionalismos impostos pela Portaria 806/87 de
22-9.
Por tal motivo, nos termos do disposto no art. 25º da LPTA, interpretado em conformidade com o art. 268º, n.º 4 da CRP, a garantia de tutela jurisdicionalmente efectiva dos direitos e interesses da recorrente inclui o direito a recorrer contenciosamente do acto que, directamente os lesa, tal como descrita na petição, do acto de 1-10-99 que autoriza a instalação da nova farmácia, nas condições referidas supra.
Pelo exposto e sem necessidade de outras considerações, acorda-se em conceder provimento parcial ao recurso jurisdicional, confirmando-se a decisão de rejeição do recurso do acto de 5-6-97, por verificada a excepção de litispendência, mas em relação ao acto de 1-10-99, revoga-se a decisão recorrida, por tal acto ser contenciosamente recorrível, baixando os autos ao TAC para se conhecer da matéria da impugnação, se outra razão impeditiva não existir.
..............................................................................................................................................................................................’
Notificado do acórdão de que parte se encontra transcrita, apresentou nos autos o Presidente do Conselho de Administração do INFARMED requerimento por intermédio do qual manifestou a sua vontade de, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 280º da Constituição e da alínea a) do nº 1 do artº
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, recorrer para o Tribunal Constitucional com fundamento na recusa de aplicação do artº 25º da LPTA com um dos seus sentido possíveis.
Após ter sido admitido o recurso, já neste Tribunal foi o ora impugnante convidado a devidamente esclarecer qual o sentido normativo do preceito vertido no artº 25º da LPTA cuja recusa de aplicação, por inconstitucionalidade, foi levado a efeito no acórdão pretendido recorrer - designadamente tendo em conta que nesse mesmo acórdão se surpreendem as expressões: ‘O concurso público teve como finalidade seleccionar o concorrente a quem seria dada autorização para a instalação da nova farmácia’, ‘O acto de homologação da lista de concorrentes, com a consequente escolha do candidato vencedor pode ser lesivo de interesses legítimos de algumas pessoas, designadamente dos candidatos preteridos’, ‘Mas a recorrente, tanto quanto os autos demonstram, não está em tal situação’ e ‘O acto que, efectivamente lesa os direitos e interesses da sociedade ora recorrente, na situação de proprietária de uma farmácia localizada na proximidade do local onde foi autorizada a instalação da nova farmácia é precisamente o que veio a autorizar a instalação de uma farmácia nova, em Aguim, alegadamente sem respeitar os condicionalismos impostos pela Portaria 806/87 de 22-9’ - vindo o mesmo, na sequência desse convite, a indicar que esse sentido era o de que o só acto administrativo definitivo e lesivo que afecte a esfera jurídica do administrado é susceptível de recurso contencioso.
Determinada a feitura de alegações, rematou o recorrente a por si formulada com as seguintes «conclusões»:-
‘1.Conclui, o Venerando Supremo Tribunal Administrativo que o acto de execução que autorizou a instalação de uma farmácia é recorrível, e, portanto, contenciosamente impugnável.
2. Para tanto, teve de proceder a uma interpretação do artigo 25º da LPTA que se apresenta contrário à Lei Fundamental. Com efeito,
3. Na senda de jurisprudência constante, por acto lesivo, para efeitos do disposto no artigo 268° n.º 4 da CRP em articulação com o disposto no artigo 25° da LPTA, deve entender-se, aquele que atinge por forma negativa direito ou interesse legalmente protegido do particular.
4. Ou seja, tem carácter lesivo, a aferir casuisticamente, o acto que possui um conteúdo decisório e que com esse conteúdo atinge tais direitos ou interesses do particular.
5. No caso vertente, conforme se logrou demonstrar, o acto que autoriza a instalação em determinado local nada decide, nada tem de inovador em relação ao acto de homologação da lista de classificação final. Ora,
6. Da interpretação do artigo 25º, conforme à Constituição, na senda de jurisprudência constante, continua a não ser possível impugnar quaisquer actos que sejam lesivos.
7. O sentido normativo do artigo 25º n.º 1 da LPTA, interpretado à luz do regime decorrente do n.º 4 do artigo 268º da CRP, é o de só o acto definitivo e lesivo que afecte a esfera jurídica do administrado é susceptível de recurso contencioso.
8. O Venerando Supremo Tribunal Administrativo, ao considerar, sem mais, que o acto de instalação da farmácia é o acto lesivo, recusa implicitamente a aplicação da norma com determinado sentido - recorribilidade apenas de actos definitivos e lesivos - a pretexto de uma interpretação conforme à constituição, formulando, pois, um juízo positivo de inconstitucionalidade.
9. Tal conclusão torna-se ainda mais evidente, considerando que o acto de instalação da farmácia é um mero acto de execução (nem, aliás, o discute o Venerando Supremo Tribunal Administrativo) do acto de homologação - e, portanto, não definitivo.
10. Os actos de execução não têm, por si, carácter definitivo - o acto administrativo executado é que definiu a situação jurídica, os actos de execução limitam-se a aplicá-lo.
11. Não assumem, pois, autonomamente, a natureza de actos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos (cf. Acórdão do STA, de 31/01/2001, proferido no Processo n.º 46060 e Acórdão do STA de 06/03/2002, proferido no Processo n.º
45314), e nessa medida, não irrecorríveis (cfr. Acórdão do STA, de 05/12/02, proferido no Processo n.º 7/02).
12. Portanto, o Venerando Supremo Tribunal Administrativo recusa implicitamente a aplicação [d]o artigo 25º da LPTA com este sentido - são recorríveis os actos definitivos e lesivos - a pretexto de uma interpretação conforme à Constituição, ao considerar - sem no entanto concretizar - que é recorrível um acto de mera execução sem lesividade própria’.
Por seu turno, a recorrida finalizou a sua alegação propugnando pelo improvimento do recurso.
2. Por se afigurar ao ora relator que se não deve tomar conhecimento do objecto do recurso, pois que, no acórdão impugnado, não houve, efectivamente e ainda que de modo implícito, lugar a uma recusa de aplicação da norma vertida no artº 25º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, elabora-se decisão, ex vi dos artigos 69º da Lei nº 28/82, 3º, e 704º, nº 2, este do Código de Processo Civil.
Na verdade, como resulta do relato supra efectuado, nomeadamente tendo em atenção a alegação que produziu, o que, por intermédio do vertente recurso, visa o Presidente do Conselho de Administração do INFARMED é a apreciação da conformidade à Constituição da norma constante do artº 25º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos interpretada no sentido de que são impugnáveis contenciosamente os actos da Administração que sejam lesivos dos direitos ou interesses dos particulares, mas desde que tais actos não consubstanciem actos definitivos, sustentando que foi essa a postura assumida no acórdão ora impugnado que, desse modo, teria recusado a aplicação do dito normativo na dimensão interpretativa segundo a qual somente são recorríveis os actos administrativos lesivos e de carácter definitivo. E, segundo o recorrente, o acto em causa tratar-se-ia de um acto de mera execução do acto de homologação de anterior concurso para a instalação de uma farmácia na freguesia de Aguim, do concelho de Anadia, razão pela qual o acto impugnado não apresentava características de definitividade ou se assumia autonomamente como um acto lesivo.
Devidamente lido o acórdão de 11 de Julho de 2002 não se pode, porém, sustentar que no mesmo foi entendido que o acto administrativo sub specie não apresentava características de definitividade ou que o mesmo se tratava de um mero acto de execução.
Efectivamente, o que ali foi dito foi que não era ‘acertada’ a posição tomada pela sentença proferida no Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra no sentido de o acto autorizador da instalação da farmácia ‘ser mero acto de execução do acto de homologação da lista de classificação final dos concorrentes’ ao concurso para a instalação de uma nova farmácia na aludida freguesia. E, justificando esta asserção, escreveu-se que o ‘concurso público teve como finalidade seleccionar o concorrente a quem seria dada autorização para a instalação de nova farmácia’, que esse acto de homologação, ‘com a consequente escolha do candidato vencedor’ podia ‘ser lesivo de interesses legítimos de algumas pessoas, designadamente do[ ]s candidatos preteridos’, o que não era o caso da recorrente (obviamente porque a mesma não fora candidata nesse concurso - já que se tratava de uma pessoa colectiva que, anteriormente à realização do concurso, já detinha uma farmácia na freguesia de Aguim), pelo que o ‘acto que, efectivamente,’ lesava ‘os direitos e interesses da sociedade ora recorrente, na situação de proprietária de uma farmácia localizada na proximidade do local onde foi autorizada a instalação da nova farmácia’ era
‘precisamente o que veio autorizar a instalação de uma farmácia nova’.
Ou seja: - o Supremo Tribunal Administrativo ponderou que o acto que, para a recorrente, se mostrava lesivo dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos era, não o acto de homologação da lista de classificação final dos concorrentes (pois que aquela recorrente não fora candidata), mas, antes, o acto então sob recurso que, esse sim, ao autorizar concretamente a instalação de nova farmácia, podia ferir aqueles direitos ou interesses.
Neste contexto, o acto que, no entender do Supremo Tribunal Administrativo, se postava, relativamente à impugnante, como definitivo e lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos era, como se disse, o acto de autorização de instalação da nova farmácia, não apresentando ele, pois, e uma vez mais relativamente à recorrente, características de acto de mera execução do anterior acto de homologação da lista de classificação final dos concorrentes ao concurso.
Sendo assim, torna-se claro que no acórdão sub iudicio não se fez
(nem deixou de se fazer) um juízo segundo o qual era contrária à Lei Fundamental uma interpretação da norma contida no artº 25º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos de harmonia com a qual só eram impugnáveis contenciosamente os actos praticados pela Administração desde que fossem de mera execução de outros actos, antes se limitando a aplicar aquela norma com o sentido de que o acto cuja apreciação lhe era colocada era, ele mesmo, lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos da então recorrente, não se postando, tocantemente a ela, como um qualquer acto de mera execução de um acto anteriormente praticado, sendo, por isso mesmo, um acto contenciosamente impugnável.
Não se vislumbra, desta sorte, que o aresto em crise tenha, ainda que de modo implícito, recusado a aplicação do indicado normativo com fundamento na sua desconformidade com a Constituição, normativo esse na dimensão segundo a qual unicamente podiam ser objecto de recuso os actos definitivos e não executórios de outros, razão pela qual se não mostra, in casu, preenchido o requisito permissor do recurso esteado na alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
Termos em que se opina pelo não conhecimento do objecto do recurso.
Notifiquem-se as «partes» para, querendo, se pronunciarem em dez dias”.
2. Sobre o transcrito despacho nem recorrente, nem a recorrida, vieram efectuar qualquer pronúncia.
Cumpre decidir.
3. Adopta este Tribunal a postura de que, efectivamente, tendo em conta as razões carreadas ao despacho proferido pelo relator em 17 de Março de 2003, o acórdão que se pretendeu recorrer não perfilhou o entendimento segundo o qual a norma constante do artº 25º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos deve ser interpretada - a fim de se mostrar conforme com a Constituição - no sentido de serem impugnáveis contenciosamente os actos praticados pela Administração que se perspectivem como lesivos de direitos ou interesses dos particulares, ainda que tais actos se não caracterizem como sendo definitivos como, verbi gratia, os actos de mera execução, desta sorte recusando a aplicação daquele normativo no sentido de somente serem recorríveis contenciosamente os actos administrativos definitivos e executórios.
E, em face de tal postura, talqualmente se opinou no despacho em causa, não se descortina que, na decisão tomada pelo Supremo Tribunal Administrativo, tenha havido, ainda que de modo implícito, uma recusa de aplicação normativa, motivo pelo qual não cobra campo de aplicação, in casu, o recurso fundado na alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
Neste contexto, não se toma conhecimento do objecto do recurso.
Sem custas, por não serem elas devidas [artigos 4º, nº
1, do Decreto-Lei nº 303/98, de 7 de Outubro, e 2º, nº 1, alínea a), do Código das Custas Judiciais].
Lisboa, 14 de Maio de 2003 Bravo Serra Gil Galvão Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida