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Proc. nº 551/02 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – No recurso supra identificado em que é recorrente A., com os sinais dos autos, foi proferido o acórdão 139/2003, que decidia, nomeadamente:
a) não conhecer do recurso na parte em que sustenta a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 39º do Decreto-Lei n.º24/84 originada pela violação do artigo 30º, n.º 4 da CRP, por não ter sido suscitada durante o processo; b) não julgar organicamente inconstitucional a Lei n.º 12/83; c) não julgar materialmente inconstitucional a norma constante do artigo 39º do Decreto-Lei n.º24/84 por violação do artigo 29º da CRP,
2 - Reclama, agora, o recorrente, deste acórdão, nos termos do art. 669º, n.º1, al. a) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 69º da lei do Tribunal Constitucional, para o esclarecimento ou aclaração de duas
“obscuridades”, a saber, e segundo a arguição do recorrente:
“1) Da consideração do princípio do pedido Considera o douto acórdão que não pode o Tribunal Constitucional conhecer da questão de inconstitucionalidade da norma do art. 39º do D.L. 28/84 por violação do artigo 30º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (doravante designada CRP), invocando como fundamentos de tal posição: a) o recorrente não suscitou este concreto fundamento de inconstitucionalidade da norma do art. 39º do D.L. 28/84 senão no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, razão pela qual o Supremo Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre ele,
b) O ónus da suscitação da questão não se basta com a alegação da inconstitucionalidade da norma, sendo necessário desenvolvê-la e fundamentá-la de molde a que o Tribunal “a quo” se aperceba da mesma, a aprecie e a resolva, sendo tal a finalidade do ónus da suscitação, e
c) O poder de cognição do Tribunal Constitucional previsto no artigo
79º-C da LTC só deve ser exercido em face da existência de uma inconstitucionalidade da norma em causa, embora por outro fundamento e não por forma a hipotizar todas as possíveis questões de inconstitucionalidade da norma em causa e as apreciar.
Pese embora o Tribunal Constitucional pondere alguns dos argumentos desfavoráveis à sua posição – fls. 11 do douto acórdão – o facto é que não afasta as pertinentes questões levantadas na declaração de voto de dois Exmos. Senhores Conselheiros incompatíveis com a posição adoptada no presente acórdão, que aqui se invoca e se dá por integralmente reproduzida. Fica, assim, por esclarecer, de que modo conjugar as posições supra descritas com a consideração do princípio juri novit curia e do disposto no artigo 204º da CRP, em que medida deve ser invocada e apreciada, pelo Tribunal a quo, a questão de inconstitucionalidade, e de que modo essa apreciação vincula a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e, por fim , a razão de ser para a limitação do âmbito cognitivo do Tribunal Constitucional, previsto no artigo
79º-C da LTC (por manifesto lapso, o recorrente indica a CRP), para os casos em que se detecte a existência de uma inconstitucionalidade, não só pela inevitável apreciação das matérias que sempre precederá aquela consideração de ausência ou existência de uma constitucionalidade, mas também porque a letra do art. 79º-C da LTC (por manifesto lapso, o recorrente volta a indicar a CRP) não resulta qualquer limitação, mas antes uma extensão do âmbito de poderes de cognição do Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade.
2) Da questão da determinabilidade das normas punitivas
Considera-se ainda no douto Acórdão, fls. 16 e seguintes, que a norma do artigo
39º do D.L. 28/84 não enferma qualquer vaguidade pois que, provados os crimes em causa, o arguido é necessariamente condenado na restituição das quantias que ilicitamente recebeu, posição que não é infirmada pela conjugação deste artigo com as disposições da Portaria n.º 1170/D/90 de 30/11 e do Regulamento da C.E.E. n.º 1260/90 de 11/05 uma vez que a sua conjugação não é necessária para que seja obrigatória a condenação do arguido na restituição, nem estas últimas tornam mais claro o que resulta da norma referida. Ora, a dúvida reside, pois nesta última proposição de desnecessidade de conjugação pois que, entendemos, é precisamente da interpretação sistemática do conjunto das normas invocadas que releva a medida de restituição. Sublinhe-se a este propósito que, tomando como ponto de partida a mesma norma do artigo 39º do D.L. 28/84, mas desta feita conjugada com o Regulamento C.E.E. n.º
1184/91 de 06/05/1991, o Tribunal da Relação de Évora, entendeu que só era devida a restituição das quantias ilicitamente recebidas, no caso as quantias referentes a vendas simuladas, não sendo tal restituição devida no tocante às despesas efectivamente realizadas na mesma campanha.
É patente a similitude factual com os presentes autos, mas a razão de ser da invocação desta decisão prende-se com o seguinte entendimento do Tribunal da Relação de Évora:
“Quando assim é, consagra o artº 39º deste mesmo D.L., na parte que interessa que, além das penas previstas no artigo “... o tribunal condenará sempre na total restituição das quantias ilicitamente obtidas...” Com este comando se deve cotejar o n.º 2 do artº 9º do Regulamento (C.E.E.) n.º
1184/91 de 6/V/91, nos termos do qual “Em caso de pagamento indevido da ajuda os montantes em causa serão recuperados...” Ac. De 12/11/2002, Recurso n.º 980/02,
1ª Secção Criminal (o destaque é nosso). Entendemos, assim, e tendo em consideração que a mesma norma poderá levar a soluções jurídicas diferentes, como se demonstrou, que não fica inteiramente esclarecida a posição do douto Acórdão do Tribunal Constitucional expendida a pp. 16 e 17 da independência da norma do art. 39º do D.L. 24/84, que, ademais, a considerar-se, relegaria ao vazio a aplicabilidade do art. 6º do Regulamento
(C.E.E.) n.º 1260/90.”
O representante do Ministério Público respondeu nos seguintes termos:
“1 – O douto acórdão proferido nos presentes autos é perfeitamente claro, não contendo quaisquer obscuridades ou ambiguidades.
2 – A eventual não concordância quanto ao decidido, não é fundamento para a aclaração suscitada.
3 – Termos em que deverá ser rejeitado o pedido de aclaração.”
Cumpre decidir.
3 – Podem as partes, nos termos do artigo 669º n.º 1 alínea do CPC, por remissão do art. 69º da LTC, requerer ao tribunal o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que a decisão judicial contenha.
Trata-se, como é sabido, de um meio processual que não consubstancia uma impugnação do julgado, visando tão só assegurar às partes o direito a uma decisão inteligível e inequívoca, ou seja uma decisão clara e insusceptível de interpretações divergentes.
É este o direito que o recorrente parece querer exercer, expressando as suas dúvidas quanto a determinados passos do acórdão em causa.
Mas só aparentemente o faz.
Na verdade, é nítida a discordância do recorrente quanto ao decidido e aos fundamentos que o sustentam, discordância que é, aliás, a prova de que bem compreendeu um acórdão que, afinal, não enferma de obscuridade ou de ambiguidade.
Isso é, aliás, óbvio no ponto 1 da reclamação do recorrente, na medida em que se ancora na declaração de voto proferida por dois Juízes Conselheiros deste Tribunal, que é uma discordância de opinião em relação ao decidido.
O que pressupõe um entendimento do acórdão reclamado.
Já no que se refere ao ponto 2 da reclamação, tal também surge como evidente.
De facto, ao afirmar-se que a pressuposição da desnecessidade de conjugação do artigo 39º do D.L. 28/84 com outros instrumentos normativos é errada, na medida em que o resultado lógico a atingir por via da interpretação sistemática seria a contrária, tal revela, por si só, um nível de análise que pressupõe um claro entendimento do acórdão.
Daí que a parte esteja no seu direito quanto à não concordância com o acórdão. Mas processualmente não o pode exercer pelo meio estabelecido no artigo 669º nº
1 alínea a) do CPC.
4 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir o requerido.
Custas pela reclamante, fixando-se as custas em 10 Ucs.
Lisboa, 21 de Maio de 2003 Artur Maurício Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira Luís Nunes de Almeida