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Proc. n.º 223/03 Acórdão nº 282/03
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por decisão sumária de fls. 1393 e seguintes, não se tomou conhecimento do objecto do recurso interposto para este Tribunal por A., pelos seguintes fundamentos:
“[...]
12. O presente recurso vem interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional [...]. Como tal, constituem seus pressupostos processuais (cfr., ainda, o artigo 72º, n.º 2, da mesma Lei): a aplicação, na decisão recorrida, da norma ou das normas cuja conformidade constitucional se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie; a invocação pelo recorrente, durante o processo, da questão da inconstitucionalidade dessa norma ou normas. O acórdão do qual o recorrente interpôs o presente recurso é o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que lhe rejeitou o recurso do acórdão da Relação de Lisboa [...]. Não obstante alguma falta de clareza do requerimento de interposição do recurso a esse propósito, deduz-se que é esse o acórdão recorrido, dado que o recorrente salienta, nesse mesmo requerimento, que “[d]o Acórdão de fls. ... proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça já não é admissível recurso ordinário”. Sucede, porém, que no acórdão recorrido não foram aplicadas as normas cuja conformidade constitucional o recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie e que aparecem identificadas no requerimento de interposição do recurso
[...]. São elas: as normas dos artigos 58º, 59º e 272º, n.º 1, do Código de Processo Penal; a norma do artigo 10º da Lei n.º 14/79, de 16 de Maio; as normas dos artigos 30º, n.º 2, 313º e 314º, alínea c), do Código Penal de 1982
(actualmente artigos 217º, n.º 1, e 218º, n.º 2, alínea a), do Código Penal de
1995). Na verdade, o acórdão recorrido limitou-se a aplicar as normas dos artigos 432º, alínea b), 400º, n.º s 1, alínea f), e n.º 2 e 420º, n.º 1, segunda parte, todos do Código de Processo Penal [...]. Nem, aliás, tinha qualquer lógica a aplicação, no acórdão recorrido, das normas identificadas pelo recorrente no requerimento de interposição do presente recurso, atendendo a que a decisão desse acórdão é no sentido da inadmissibilidade do recurso, não tendo havido, portanto, decisão de mérito; isto mesmo é salientado no despacho de fls. 1368 e v.º [...]. Não tendo o acórdão recorrido aplicado as normas cuja conformidade constitucional o recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, conclui-se que não está preenchido um dos pressupostos processuais do presente recurso, não podendo consequentemente conhecer-se do respectivo objecto.
13. De todo o modo, e ainda que se entendesse que o recorrente pretendia interpor o presente recurso do acórdão da Relação de Lisboa [...], também não poderia conhecer-se do objecto do recurso.
É que, nesse caso, não se mostraria preenchido outro dos pressupostos processuais do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional: a invocação pelo recorrente durante o processo – isto
é, antes de proferida a decisão recorrida (cfr. artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional) – [d]a questão da inconstitucionalidade da norma que submete à apreciação do Tribunal Constitucional. Com efeito, e contrariamente ao afirmado pelo recorrente no requerimento de interposição do presente recurso [...], nas alegações do recurso do despacho de pronúncia [...] e nas alegações do recurso do acórdão do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa [...] – as alegações do recurso interposto para o Supremo
[...] não poderiam sequer, nos termos do já mencionado artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, ser consideradas para efeitos de verificação do preenchimento do pressuposto processual agora em causa – não foi suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa. E isto porque, no recurso do despacho de pronúncia, o recorrente se limita a invocar a violação, pelo despacho de pronúncia, de certas disposições da Lei Eleitoral e do Código de Processo Penal: o que é algo de substancialmente diverso da imputação, a determinada norma aplicada nesse despacho, da violação de certo preceito ou princípio constitucional. Por outro lado, no recurso do acórdão do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, limita-se o recorrente a aludir ao cerceamento dos seus direitos constitucionalmente consagrados e a imputar a violação do artigo 13º da Constituição à própria decisão recorrida e não a qualquer norma nela aplicada: em suma, não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade de uma norma, não cumprindo portanto o ónus a que aludem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e
72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional. Também por este fundamento não poderia conhecer-se do objecto do recurso.
[...].”
2. Desta decisão reclamou A. para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional (fls. 1414 e seguintes), aduzindo em síntese os seguintes argumentos:
a) O presente recurso é interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa e não do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça; b) O recorrente suscitou durante o processo a inconstitucionalidade dos artigos 30º, n.º 2, do Código Penal, 313º e 314º, alínea c), do Código Penal de
1982 (actualmente artigos 217º, n.º 1, e 218º, n.º 2, alínea a), do Código Penal de 1995); c) “O recorrente alegou e alega que foi tratado de forma desigual no tocante à interpretação dada ao artigo 30º n.º 2 do Cód. Penal”, pois, “enquanto os factos imputados ao arguido foram enquadrados no tipo legal de crime de burla qualificada, outros factos totalmente idênticos e praticados precisamente no mesmo período de tempo, na mesma situação e com os mesmos agentes, foram qualificados como crime continuado, com reflexos imediatos no prazo da prescrição do procedimento criminal”.
Notificado para se pronunciar sobre a reclamação apresentada, disse o representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional (fls.
1418 e seguinte):
“1 - A presente reclamação é manifestamente improcedente, sendo óbvio que não pode o recorrente convolar, no âmbito da reclamação, de um recurso que interpôs de um acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça para a impugnação de uma precedente decisão da Relação.
2 - Na verdade, o requerimento de fls. 1336 só pode consubstanciar a vontade de recorrer do acórdão proferido pelo Supremo, desde logo porque o respectivo requerimento é endereçado pelo recorrente ao próprio juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, por quem veio, aliás, a ser admitido, por decisão de fls.
1368.
3 - Se o recorrente pretendia efectivamente impugnar a precedente decisão de mérito da Relação, tinha naturalmente o ónus de identificar claramente tal decisão recorrida e endereçar o requerimento de interposição ao autor da mesma, de modo a que o recurso para o Tribunal Constitucional fosse admitido pelo órgão jurisdicional que havia proferido a decisão impugnada.”
Cumpre apreciar.
II
3. Na decisão sumária ora reclamada (supra, 1.) decidiu-se não tomar conhecimento do recurso por não estarem verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso interposto – o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional –, tal como se prevê no artigo
78º-A, n.º 1, da mesma Lei.
Na verdade, tendo o recurso sido interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que rejeitou o recurso do acórdão da Relação de Lisboa, verificou-se não ter a decisão recorrida aplicado as normas cuja inconstitucionalidade o então recorrente pretendia ver apreciada pelo Tribunal Constitucional.
O reclamante contesta a decisão, afirmando que pretendia interpor o recurso do acórdão da Tribunal da Relação de Lisboa e não do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
A ser esse o caso, o recorrente teria de identificar com clareza, no requerimento de interposição do recurso, a decisão recorrida e deveria ter endereçado esse requerimento ao Tribunal da Relação de Lisboa e não ao Supremo Tribunal de Justiça, como fez no presente processo (cfr. requerimento de fls.
1336-1338, 1369-1370). Como bem sublinha o Ministério Público no seu parecer, é ao órgão jurisdicional que profere a decisão impugnada que compete admitir ou não o recurso interposto.
Esquece também o reclamante que na decisão sumária reclamada já se ponderou a eventualidade de ele ter pretendido interpor o recurso da decisão proferida nos autos pelo Tribunal da Relação de Lisboa; concluiu-se então que nem assim poderia admitir-se o recurso. Com efeito, faltaria nesse caso um outro pressuposto processual do recurso interposto: a invocação pelo recorrente, durante o processo, da questão da inconstitucionalidade da norma que vem submeter à apreciação do Tribunal Constitucional.
Como se demonstrou na decisão sumária, as acusações de violação da Constituição que o ora reclamante afirma ter feito nas alegações de recurso do despacho de pronúncia e nas alegações produzidas perante o Tribunal da Relação de Lisboa dirigem-se às próprias decisões jurisdicionais proferidas no processo
(mais concretamente, ao acórdão condenatório do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa).
Não suscitou portanto o ora reclamante qualquer questão de inconstitucionalidade normativa que ao Tribunal Constitucional possa ser submetida no âmbito do recuso de fiscalização concreta de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Aliás, a argumentação utilizada no requerimento agora em apreciação vem reforçar o entendimento subjacente à decisão sumária, quanto a este ponto: as eventuais inconstitucionalidades invocadas pelo reclamante reportam-se às decisões proferidas no processo e não às normas materiais que fundamentam tais decisões. O que o ora reclamante verdadeiramente contesta é a subsunção dos factos por ele praticados às normas dos artigos 313º e 314º, alínea c), do Código Penal de 1982 (cfr. supra, n.º 2., b) e c)).
Ora, a apreciação de tal questão excede obviamente os poderes de cognição do Tribunal Constitucional.
Improcedem, assim, os argumentos invocados pelo reclamante no requerimento em apreciação, não existindo motivos para alterar a decisão sumária reclamada.
III
4. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a presente reclamação, mantendo-se a decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 29 de Maio de 2003 Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira Rui Manuel Moura Ramos