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Proc. nº. 742/02 TC - 1ª Secção Relator: Cons.º Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – A. impugnou judicialmente no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém a decisão do director do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros que lhe aplicou a coima de 500 000$00 (quinhentos mil escudos) pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo artigo 6º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei nº.
118/79, de 4 de Maio, artigo 4, n.º 2 do Regulamento Geral daquele parque
(aprovado pela Portaria nº. 21/88, de 12 de Janeiro) e artigo 104º, nºs. 1 a 4 do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro.
Inconformado com a sentença, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de
Évora, tendo concluído as suas alegações como segue:
“1) O Decreto-Lei n.º 118/79 de 4.5 e consequentemente a Portaria n.º 21/88 de
12.1 são inconstitucionais, por violação do direito à propriedade – art. 62º, nº
2 da Constituição da República Portuguesa – na medida em que os direitos dos proprietários dos solos, não foram ponderados no procedimento de formação do plano.
2) Sempre seria inconstitucional, pelo menos o art. 6º, n.º 1, al. C) do Decreto-Lei nº 118/79 de 4.5 também por violação do direito à propriedade – art.
62º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa – na interpretação de que o conceito de construção previsto nesse preceito inclui a construção de um muro delimitador da propriedade com a via pública.
3) A sentença recorrida viola o princípio da boa-fé da administração (art. 266º, n.º 2do C.R.P.) pois que, se foi destruído um muro em consequência do alargamento de uma estrada, com conivência e, até, intervenção de entidades públicas, sem oposição conhecida do PNSAC, a boa-fé impõe que em tais circunstâncias se considere implícita a autorização ou parecer positivo para a construção dum muro ou pelo menos que se considere a conduta do recorrente isenta de culpa.
4) Ainda que se entendesse que a conduta do recorrente é ilícita e punível o regime sancionatório não é o do art. 104 do Dec.-Lei nº 380/99 de 22 de Setembro mas o dos artigos 21º a 25º do Decreto-Lei nº. 13/93 de 23 de Janeiro.
Por acórdão de 15 de Fevereiro de 2002, o Tribunal da Relação de Évora negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
De novo inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional tendo dito no requerimento de interposição de recurso:
“- O recurso é interposto ao abrigo da al. B) do nº1 do art.70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei nº. 85/89, de 7 de Setembro;
- Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade das normas do Decreto-Lei nº
118/79 de 4.5 e consequentemente a Portaria nº 21/88, na medida em que não foram considerados os interesses dos proprietários do solo no processo conducente à aprovação do Parque Natural das Serra de Aire e Candeeiros.
- Tais diplomas e consequentemente as suas normas, porquanto só direitos dos particulares não foram ponderados, violam o art. 62º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa;
- A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos na motivação e nas conclusões do recurso apresentado no Tribunal da Relação de Évora”.
Notificado da admissão do recurso, o recorrente produziu alegações, onde concluiu:
“O Decreto-Lei n.º 118/79 de 4.5 e consequentemente a Portaria nº 21/88 de 12.1 são inconstitucionais, por violação do direito à propriedade – art. 62º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa – na medida em que os direitos dos proprietários dos solos, não foram ponderados no procedimento de formação do plano – Parque Natural da Serra de Aire e Candeeiros. Nestes termos, devem tais diplomas ser declarados inconstitucionais.”
O Exmº. Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal contra-alegou, concluindo:
“1º - Face ao teor do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional e das alegações produzidas a fls. 129, não se mostra delimitado, em termos procedimentalmente adequados, o objecto do recurso, não se especificando minimamente qual a norma ou normas que o recorrente pretende serem materialmente inconstitucionais.
2º - A entender-se que o recurso seria circunscrito às normas constantes dos artigos 6º, nº. 1, alínea c) do Decreto-Lei nº 118/79 e 4º, nº 2, do Regulamento do Parques Natural, aprovado pela portaria nº 21/88, enquanto preceitos legais que sustentaram a coima aplicada ao arguido pela entidade administrativa, o recurso é manifestamente improcedente, por a tutela constitucional do direito de propriedade não implicar obviamente um irrestrito direito de efectivar quaisquer construções ou edificações sem o licenciamento imposto pelas leis e regulamentos em vigor.
3 – Constituindo “ratio decidendi” do acórdão recorrido a norma constante do artigo 104º do Decreto-Lei nº. 380/99, cuja inconstitucionalidade não é suscitada pelo recorrente, não há sequer utilidade na dirimição do objecto do recurso”.
O recorrente foi notificado da questão prévia suscitada pelo Ministério Público, mas nada disse.
Cumpre apreciar e decidir.
2 – A admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional está dependente da verificação dos seguintes pressupostos processuais:
- suscitação da questão de (in)constitucionalidade durante o processo;
- aplicação efectiva da norma impugnada pela decisão recorrida;
- esgotamento dos recursos ordinários que no caso coubessem.
A competência para apreciar a admissão do recurso é do tribunal que proferiu a decisão em crise (artigo 76º, n.º 1 da Lei nº. 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei nº. 13-A/98, de 26 de Fevereiro), mas tal decisão de admissão de recurso não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. n.º 3 do mesmo preceito legal).
Não se pondo em causa a verificação dos requisitos de suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade e o de esgotamento dos recursos ordinários, impõe-se determinar se o acórdão recorrido fez aplicação das normas em causa, como ratio decidendi.
Como se deixou relatado, o recorrente limitou o objecto do recurso às normas
(todas) do Decreto-Lei nº 118/79 de 4 de Maio e, consequencialmente, das normas
(todas, também) da Portaria nº 21/88 de 12.1.
Acontece, porém, que apenas a norma constante do artigo 104º do Decreto-Lei nº.
380/99, de 22 de Setembro foi aplicada como ratio decidendi no acórdão recorrido.
A menção que o acórdão recorrido faz ao Decreto-Lei nº. 118/79 de 4 de Maio e à Portaria nº. 21/88, de 12 de Janeiro justifica-se, apenas, para demonstrar a
“dinâmica e enquadramento histórico-sistemático do DL 380/99, de 22 de Setembro
...”
Ou seja, (as normas do) Decreto-Lei nº. 118/79, de 4 de Maio e a Portaria nº.
21/88, de 12 de Janeiro, não foram aplicadas como ratio decidendi pelo tribunal recorrido, apenas constituindo fundamento da decisão recorrida o artigo 104º do Decreto-Lei nº. 380/99, de 22 de Setembro, cuja constitucionalidade não é discutida pelo recorrente.
Nesta medida, soçobra o aludido pressuposto de admissibilidade do recurso interposto.
3 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se não tomar conhecimento do objecto do presente recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 U.Cs.
Lisboa, 21 de Maio de 2003- Artur Maurício Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira Rui Manuel Moura Ramos Luís Nunes de Almeida