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Processo n.º 420/02
2ª Secção Relator - Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório
1.Em 15 de Novembro de 1999, a instituição bancária A., em liquidação, deduziu, no Tribunal de Trabalho de Lisboa, oposição à execução contra si intentada por B.. Por sentença de 4 de Janeiro de 2000, do 3º Juízo daquele tribunal, a oposição foi julgada procedente e foi determinado o levantamento da penhora da quantia de 3 000 000$00, que tivera lugar nos autos de execução, uma vez que
“qualquer que seja o modo como se processem a falência, liquidação e actos subsequentes, tal processo visará, em princípio, a colocação de todos os credores em posição de igualdade (sem prejuízo das respectivas preferências em conformidade com a lei) perante o património da falida, sem que nenhum seja beneficiado mediante prejuízo dos outros (daí o chamado concurso universal de credores).” Inconformada, a exequente recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, logo suscitando a inconstitucionalidade das normas dos artigos 12º, 13º e 53º do Decreto-Lei n.º 30 689, de 27 de Agosto de 1940, por violação do disposto nos artigos 20º, n.º 1, e 202º, n.º 1 da Constituição. Por Acórdão de 29 de Dezembro de 2000, o recurso foi julgado totalmente improcedente, tendo sido julgados não inconstitucionais aqueles três artigos. Ainda insatisfeita, a exequente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, mantendo a imputação de inconstitucionalidade das normas referidas. Por Acórdão de 15 de Maio de 2002, aquele Tribunal decidiu negar provimento ao recurso, considerando, designadamente:
“As determinações, constantes das normas impugnadas (artigos 12º, 13º e 53º do Decreto-Lei n.º 30 689), de ineficácia das garantias constituídas após a suspensão dos pagamentos e de mera remissão para o processamento previsto nos artigos 1224º e seguintes do Código de Processo Civil (hoje, artigos 209º e seguintes do CPEREF), não eliminam nem reduzem o direito da recorrente de acesso aos tribunais, e encontram justificação bastante nos propósitos de concentrar e acelerar o processo de liquidação e de assegurar o tratamento paritário dos credores. Não violam, pois, os artigos 20º, n.º 1, e 202º, n.º 1 da Constituição e 2º, n.1, do Código de Processo Civil, pelo que improcedem, na totalidade, as alegações da recorrente.”
2.Deste acórdão traz a recorrente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para obter a apreciação da constitucionalidade dos artigos 12º, 13º e 53º do Decreto-Lei n.º 30 689, de 27 de Agosto de 1940, tal como aplicados na decisão recorrida, em confronto com os artigos 20º, n.º 1, e 202º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Nas alegações produzidas neste Tribunal, concluiu assim a recorrente:
“1ª – O processo de falência visa dirimir conflitos de interesses privados, pelo que é de jurisdição contenciosa, não podendo processar-se por via administrativa;
2ª – A falência tem que ser decretada numa sentença proferida por um juiz, não podendo ser declarada por portaria administrativa;
3ª – Só aos tribunais compete administrar a justiça, não podendo ser atribuídas funções jurisdicionais aos órgãos de administração;
4ª – A executada embargante não está na situação de falência;
5ª – Por isso, não há lugar a concurso de credores ou a reclamação, verificação e graduação de créditos, até porque o órgão liquidatário não tem legitimidade, nem competência para tais actos;
6ª – A aplicação do CPEREF, não havendo falência, é inadmissível;
7ª – A exequente embargada, que viu o direito à prestação ser reconhecido e declarado por sentença judicial transitada, não pode ser impedida de obter a realização coactiva dessa prestação, executando tal sentença;
8ª – A aplicação das normas dos arts. 12º, 13º e 53º do Decreto-Lei n.º 30 689, de 27.08.40 configura inconstitucionalidade, por violação do disposto nos arts.
20º, n.º 1 e 202º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.” Por sua vez, as contra-alegações da recorrida encerravam deste modo:
“1ª A apelada A., encontra-se em estado/situação jurídica de liquidação, consequente da revogação da licença para o exercício da actividade bancária tal como foi determinado pela Portaria do Ministério das Finanças supra referida, acto esse que acarreta como consequência legal a sua respectiva dissolução (cfr. art.º 22º do DL 298/92).
2ª Por imperativo legal retirado do disposto em artigos 152º do Decreto-Lei n.º
298/92 de 31/12, resulta a subordinação de tal liquidação ao regime aplicável à fase da liquidação de instituições de crédito e sociedades financeiras, o qual se mantém em vigor neste particular conforme vem decidido, e é uniformemente aceite pelos Tribunais superiores.
3ª A imposição do cancelamento da autorização para o exercício do comércio bancário não ofende o comummente designado ‘princípio constitucional de reserva de juiz’, nem qualquer outro princípio ou norma constitucional, tal como é orientação unânime do Tribunal Constitucional.
4ª A Constituição salienta e impõe a intervenção da Administração no sistema financeiro e bancário, nomeadamente no disposto em artigos 81º e 104º, impondo uma postura fortemente intervencionista na actividade financeira, tendo em conta a prossecução e alcance dos princípios constitucionais visados por tais normativos.
5ª Tendo em conta os relevantes interesses públicos na actividade bancária, é conforme à constituição que as instituições de crédito estejam sujeitas a licenciamento administrativo somente podendo exercer tais actividades, se e enquanto possuam a autorização administrativa para tanto, o que pressupõe uma valoração discricionária da administração quer no momento da concessão quer no da revogação da licença para o exercício de tais actividades.
6º Ao Estado compete o licenciamento e fiscalização do funcionamento das instituições de crédito, dispondo de credencial constitucional para exercer tais atribuições (cfr. 80º al. a), 81º al. e) 104 todos da CRP).
7ª O regime legal das causas de dissolução e liquidação de bancos quer o próprio modus operandi sobre a liquidação do património bancário tem acolhimento naquelas normas constitucionais e nelas encontram a sua ratio legis.
8ª Por isso que no momento da revogação da autorização do exercício do comércio bancário relativamente a certa instituição licenciada, o Estado pratica um acto de ‘política económica’ de natureza administrativa, no exercício das funções que constitucionalmente lhe são cometidas, não se podendo ter por inconstitucional o direito ordinário especial que autorize tal acto.
9ª Também no regime legal de dissolução previsto para as sociedades comerciais em geral não se exige por regra a intervenção do órgão judicial, sendo esta apenas uma instância declarativa de verificação ou não verificação de um certo e concreto facto que a lei ou o contrato social determinam e configuram como causa de dissolução (cfr. arts. 141º e 142º do Cód. Soc. Comerciais).
10ª As especificidades de regime das sociedades que votem o respectivo objectivo social às actividades de crédito, nomeadamente no que toca às respectivas causas de dissolução, reside seu específico e exclusivo objecto social, o qual justifica - e impõe - um especial tratamento legal [sic].
11ª Por força do princípio da exclusividade do objecto social da prática de operações de crédito, previsto no regime jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Dec. Lei n.º 176/79, a revogação da autorização administrativa para o exercício de tais actividades implicará necessariamente a liquidação da instituição em causa, por esta deixar de poder preencher o objecto social exclusivo que a lei lhe impõe, havendo que tutelar para além de outros, os interesses dos aforradores que detém depósitos nas instituições que perderam tal autorização.
12ª Inexiste imperativo constitucional ou legal que imponha a atribuição das tarefas de liquidação de sociedades aos tribunais, não sendo tais actos inerentes à reserva da actividade jurisdicional, ou que não permita a existência de processos de liquidação extrajudicial diferentes dos previstos pelo Cód. Soc. Comerciais e CPEREF.
13ª A solução acolhida pela lei portuguesa, no tocante à liquidação e às causas específicas de dissolução dos estabelecimentos bancários pode considerar-se como uma solução economicamente adequada que tem sido utilizada em diferentes países membros da União Europeia, que optaram por um regime de liquidação coactiva de tipo administrativo, onde são conhecidos regimes idênticos ao previsto no Decreto-Lei n.º 30 689.
14ª Atento o regime legal de liquidação falencial das sociedades em geral, nomeadamente o disposto pelo artigo 2º do Decreto-Lei 132/93, é de concluir que nada impõe nem mesmo o normativo constitucionalmente vigente, que as causas de dissolução e as formas de liquidação das sociedades estejam subordinadas ao denominado ‘princípio de reserva do juiz’, nem que tais situações devam ser submetidas às soluções plasmadas naquele Cód. Proc. Esp. Rec. Emp. e Falência
(cfr. artos. 132º e segs.).
15ª Nesse caso o título para o concurso de credores não é a sentença de falência mas um acto administrativo (a Portaria do Min.º Finanças) que não usurpa funções jurisdicionais, nem ofende qualquer princípio constitucional o cancelamento da licença e a determinação da liquidação.
16ª Sobre o artigo 12º do Decreto-Lei n.º 30 689, tem de concluir-se que, ter ou não a determinação da entrada em liquidação os mesmos efeitos que uma declaração processual de falência (de acordo com o disposto nos CPEREF) é matéria que em caso nenhum fere os princípios constitucionais dos artigos 202º e 205 ou outros.
17ª Decorrendo o estado de liquidação em que a apelada se encontra da revogação da autorização para exercício do comércio bancário nos termos do disposto pelo artigo 11º daquele diploma e 24º e 152º do Decreto-Lei n.º 189/92 de 31/12, nada agora impõe que o procedimento de liquidação, tenha de ser subordinado ao regime da lei geral, nomeadamente na lei falimentar.
18º A lei especial ao caso aplicável, é o Decreto-Lei n.º 30689 de 17/08/40, no qual se prevê e vai regulamentado o processo de liquidação deste tipo de sociedades, determinando-se a realização de um concurso de credores sobre a massa em liquidação, visando com tal procedimento assegurar a defesa e a tutela dos interesses de todos os credores sociais. (arts. 34º e segs.).
19ª É atenta tal finalidade que, se estabelece em tal diploma, a ineficácia de pleno direito dos actos que afectem a massa em liquidação – artigo 13º, e se prevê a aplicação em matéria de pagamentos aos credores das regras previstas de artigos 1224º e seguintes do Cód. Proc. Civil, hoje revogado e, correspondentes aos actuais artigos 209º e seguintes do Cód. Proc. Especiais de Recuperação de Empresas e Falência.
20ª Encontrando-se o crédito da apelada reconhecido judicialmente por sentença transitada em julgado, não poderá aquela fazer-se pagar pelas forças da massa em liquidação, por tal consubstanciar um injustificado ‘privilégio’ da credora ora apelante com prejuízo dos demais credores.
21ª A tal crédito, como todos os demais que vejam a sua existência reconhecida por via judicial, e nomeadamente nos casos dos artigos 38º e 41º do Dec. Lei n.º
30 689, ou outros sejam tão só objecto de verificação nos termos do disposto pelo artigo 35º do mesmo diploma legal, ficando a sua satisfação dependente e condicionada do resultado dos procedimentos para pagamento nos termos do disposto pelo artigo 53º daquele diploma [sic].” Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
3.Antes de mais, importa delimitar o objecto do recurso, determinando qual a dimensão normativa que se reputa inconstitucional e cuja apreciação se pretende.
É a seguinte a redacção das disposições impugnadas do Decreto-Lei n.º 30 689, de
27 de Agosto de 1940:
“Artigo 12º A portaria que determina a liquidação do estabelecimento bancário constitui para todos os efeitos declaração de falência do mesmo estabelecimento e não admite impugnação ou recurso.”
“Artigo 13º A portaria que ordenar a liquidação importa a ineficácia de pleno direito, no que se refere à liquidação, dos arrestos, penhoras, hipotecas e quaisquer outros
ónus reais que incidam sobre os bens do estabelecimento bancário, quando constituídos depois da suspensão de pagamentos. A comissão liquidatária poderá promover, por via de simples requerimento, o cancelamento, quanto à liquidação, dos registos de actos abrangidos pelo disposto no presente artigo.”
“Artigo 53º Observar-se-á, quanto a pagamentos de credores, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 1224º e seguintes do Código de Processo Civil. Ao comissário do Governo pertence apresentar os planos e mapas de rateio e à comissão liquidatária ordenar os rateios e a entradas nos termos dos artigos
1225º e 1226º daquele Código e a entrada das sobras da liquidação no cofre de algum estabelecimento de beneficência, na hipótese prevenida no § 2º deste
último artigo.” Porque ficam fora do âmbito do que se discute nos presentes autos, sendo para tal irrelevantes, é claro que os segundos parágrafos dos artigos 13º e 53º não integram o objecto do presente recurso. Por outro lado, e porque a remissão do corpo do artigo 53º do Código de Processo Civil (de 1939) foi interpretada pelas instâncias como referindo-se ao disposto no artigo 154º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência – uma vez que as disposições equivalentes do Código de Processo Civil de 1961 foram revogadas pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril, que aprovou o dito Código –, deve entender-se que o sentido daquela norma remissiva lhe é dado, no que aqui importa, pelo regime previsto no n.º 3 desse artigo 154º, nos termos do qual a “declaração de falência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva contra o falido”. Preliminarmente delimitado o conjunto de normas que foi trazido à apreciação deste Tribunal, decorre da argumentação da arguida que o que esta considera inconstitucional é, essencialmente, que a declaração de falência tenha lugar por via administrativa. Como reputa isso incompatível com a reserva de jurisdição, a recorrente conclui que a “executada embargante não está em situação de falência”, e, portanto, que não está preenchida a hipótese normativa de que depende a aplicação do regime do artigo 154º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (“A aplicação do CPEREF, não havendo falência, é inadmissível.”). Numa outra via argumentativa, a recorrente sustenta que a sua pretensão já foi deferida por sentença e que violaria o n.º 1 do artigo 20º da Constituição – ou seja, a garantia de acesso ao direito e aos tribunais – impedi-la de a fazer executar. Em síntese, estão em causa, portanto, três teses, ou três passos de raciocínio, que, aliás, a própria recorrente formulou e repetiu ao longo das diferentes alegações que produziu:
1º - “A declaração de falência não pode ser realizada através de um acto administrativo (Portaria) dado o ‘princípio da reserva do juiz’;
2º - “Não havendo falência, como não há, não pode falar-se em concurso de credores”;
3º - De resto, “uma vez ditada a sentença, como é o caso, o direito à execução ou à efectividade da sentença” está garantido pelo n.º 1 do artigo 20º da Constituição. Logo se vê, porém, que a segunda tese – ou segundo passo de raciocínio – não tem autónoma relevância constitucional, pois trata-se de extrair uma consequência, no plano do direito ordinário, da subsunção ou não de uma dada circunstância na noção jurídica de “falência”. O que é dizer que só há que decidir duas questões de constitucionalidade:
- apurar se, nos termos do citado artigo 12º, a falência de estabelecimentos bancários pode decorrer de uma decisão administrativa;
- saber se, nos termos das outras normas impugnadas, tal declaração de falência
(pressupondo que é legítima) pode paralisar acções executivas baseadas em decisões judiciais.
4.Quanto à primeira questão referida, notou-se no acórdão recorrido poder admitir-se que já se formou “caso julgado formal constituído pelo juízo emitido no (...) acórdão n.º 450/97, proferido (...) na acção declarativa de que emergiu a presente execução”. Neste Acórdão do Tribunal Constitucional, proferido na acção declarativa que antecedeu a presente execução, reconheceu-se “que a liquidação coactiva dos estabelecimentos bancários assume um carácter administrativo” (Diário da República, II Série, de 15 de Outubro de 1997), dando seguimento a uma abundante jurisprudência – cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 166/94, publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Maio de 1994, onde se escreveu que a “liquidação coactiva determinada pela Administração respeitantemente aos estabelecimentos bancários em questão e não sujeita a intervenção de uma entidade jurisdicional, por si, não ofende o Diploma Fundamental”. Nesta linha jurisprudencial citam-se, na decisão recorrida, além do referido, os acórdãos deste Tribunal n.ºs 449/93,
453/93, 279/94, 279/94, 284/94, 450/93, 208/94, 285/94, 397/94, 404/94, 454/94,
67/95, 149/95, 151/95, 368/95, 369/95 e 425/95, os dois primeiros publicados no Diário da República, II Série, de 29 de Abril de 1994 e de 6 de Maio de 1994, respectivamente, os dois seguintes no Diário da República, II Série, de 17 de Junho de 1994, e os restantes por publicar. Estabelecido, pois – nos termos do artigo 11º do Decreto-Lei n.º 30 689, que foi o preceito normativo apreciado em todas as referidas decisões – que é conforme à Constituição que, não tendo os estabelecimentos bancários restabelecido, em certo prazo, as condições normais de funcionamento, por Portaria do Ministro das Finanças, lhes seja “retirada a autorização de exercício do comércio bancário e ordenada a sua imediata liquidação”, ficou resolvida a questão da pretensa usurpação de competências jurisdicionais por via administrativa. O efeito novo da norma do artigo 12º é, tão só, o de equiparar essa declaração de liquidação a uma declaração de falência, sendo certo que, nos termos do § 1 do artigo 1º daquele diploma de 1940, está proibido o decretamento da falência dos estabelecimentos bancários por outros meios que não o aí previsto, e que o artigo 2º do Decreto-Lei 132/93, de 23 de Abril, que aprovou o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, revogando toda a secção III do Título IV do Código de Processo Civil sobre “Liquidação em benefício dos credores”, ressalvou expressamente a aplicação da “legislação especial relativa às (...) instituições de crédito ou financeiras”. Ora, sendo aquele procedimento de liquidação equiparado, nos termos dessa legislação especial, à declaração de falência e, verdadeiramente, seu substituto necessário, é óbvio que já houve resposta à questão de constitucionalidade consistente numa eventual incompatibilidade com a reserva constitucional de jurisdição: o que importa não é a equiparação de nomes jurídicos (da declaração de liquidação à declaração de falência), mas o que uma e outras significam: o encerramento coactivo de uma instituição e o modo de dar destino ao seu património, em ambos os casos. E sobre isto, como se disse, já se pronunciou este Tribunal, nos citados arestos, no sentido da inexistência de inconstitucionalidade.
5.Resta, pois, ponderar a segunda questão de inconstitucionalidade que se enunciou, ou seja, a de saber se a (legítima) declaração de liquidação de um estabelecimento bancário (por portaria governamental) pode paralisar uma acção executiva em curso, resultante de decisão judicial, ou se tal viola o artigo
20º, n.º 1 da Constituição. Independentemente de apurar se esta questão tem implicações que excedem o que está em causa nestes autos, designadamente quanto ao regime geral da falência, pode, porém, desqualificar-se a paralisação das acções executivas como um obstáculo ao direito de acesso aos tribunais, acesso, esse, constitucionalmente assegurado no artigo 20º, n.º 1 da CR. E, isto, mesmo considerando que o direito de acesso aos tribunais constitucionalmente consagrado inclui, não apenas a composição dos interesses em presença, mas também a actividade destinada a executar as decisões dos tribunais
(independentemente da questão de saber se esta pode caber antes a órgãos não jurisdicionais). Na verdade, a alegada “paralisia” da acção executiva em curso, em resultado da declaração de falência, não implica qualquer perda do direito a executar. Apenas altera os termos em que a sua satisfação pode ter lugar – se bem que, por implicar o necessário concurso com outros credores do falido, se possa traduzir numa alteração sensível desses termos. É que a falência pode justamente ser considerada como uma execução colectiva, que implica a liquidação do património do devedor. A satisfação do direito do exequente anterior terá lugar, devido à superveniência da falência, no processo de liquidação que se segue a esta, sendo justamente isto o que o artigo 53º, em questão, preceitua, quanto aos pagamentos a credores na sequência da determinação por portaria da liquidação de estabelecimentos bancários. Trata-se, como bem se notou na decisão recorrida, de um sistema que encontra a sua justificação na intenção de concentrar e acelerar o processo de liquidação e de assegurar a par conditio creditorum. Aliás, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 132/93, que aprovou o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência, refere-se a
“doutrina verdadeiramente revolucionária do artigo 152º (...) por força do qual com a declaração de falência, extinguem-se imediatamente os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, passando os respectivos créditos a ser exigíveis apenas como créditos comuns”. O que é dizer que a regra da igualdade de credores, que sacrificava – desde, pelo menos, o Código de Processo Civil de 1939 – os credores dotados de títulos executivos, foi consideravelmente reforçada no actual regime. Considerando o relevante interesse de tutelar de igual modo os diversos credores da entidade falida – entre os quais se passa a incluir o credor que já disponha de uma decisão judicial favorável –, a tradição legislativa da solução adoptada e a evolução no sentido de reforçar, noutros pontos do regime, essa igualdade de tratamento, não há razões para interferir na liberdade de conformação que, nesta matéria, tem de ser reconhecida ao legislador. Antes o sistema de concentrar no processo de falência (de liquidação) as execuções pendentes, que é devido à superveniência da respectiva declaração, não elimina nem restringe o direito de acesso aos tribunais, consagrado no n.º 1 do artigo 20º da Constituição da República, apenas modificando a forma e os termos desse acesso, para facilitar a liquidação e conseguir um tratamento paritário dos credores. E conclui-se, assim, que as normas em causa não violam o direito, reconhecido no artigo 20º da CR, de acesso aos tribunais. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide: a) Não julgar inconstitucional o artigo 12º, 1º parágrafo, do Decreto-Lei n.º 30
689, de 27 de Agosto de 1940; b) Não julgar inconstitucionais os artigos 13º e 53º, do Decreto-Lei n.º 30 689, de 27 de Agosto de 1940, na parte em que deles resulta que a liquidação de estabelecimentos bancários obsta à instauração ou ao prosseguimento de acções executivas; c) Condenar a recorrente em custas, fixando em 15 (quinze) unidades de conta a taxa de justiça.
Lisboa, 27 de Maio de 2003 Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos