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Processo n.º 704/02
2ª Secção Relator -Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência no Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Em 4 de Fevereiro de 2003, foi proferida nos presentes autos decisão sumária de não conhecimento do recurso interposto por A. e outros, melhor identificados nos autos. Tal decisão sumária era do seguinte teor:
«I. Relatório
1. Em 20 de Março de 1997, o delegado do Procurador da República junto do Tribunal Judicial de Coruche intentou acção declarativa sumária de anulação da venda aos respectivos rendeiros de três partes de um prédio rústico uno, por cada uma delas (e a sobejante) ficar inferior à unidade de cultura para terreno de regadio arvense no distrito de Santarém, tendo, por sentença de 7 de Abril de
1999, a acção sido julgada improcedente. Inconformado, o Ministério Público apresentou recurso, um dia depois do termo do prazo legal, pelo que foi notificado para proceder ao pagamento da multa prevista no n.º 5 do artigo 145º do Código de Processo Civil. Do despacho que tal determinou, interpôs recurso de agravo para o Tribunal da Relação de Évora que, porém, por acórdão de 19 de Outubro de 2000, lhe negou provimento, considerando que a interpretação das normas aplicáveis que isentasse o Ministério Público do pagamento da multa cominada nos n.ºs 5 e 6 do artigo 145º do Código de Processo Civil seria inconstitucional. Por recurso do Ministério Público vieram os autos ao Tribunal Constitucional, tendo sido aqui proferido o Acórdão n.º 355/2001, em 11 de Julho de 2001, que encerrou tal questão, embora com votos de vencido.
2. Regressados os autos ao Tribunal Judicial de Coruche, foi emitida pela Magistrada do Ministério Público aí em funções a declaração que, segundo o entendimento do Tribunal Constitucional, deve substituir a multa processual – requerendo a prática do acto nos três dias posteriores ao termo do prazo –, e, após a produção de alegações pelo Ministério Público e contra-alegações pelo conjunto dos vendedores e dos compradores, veio o recurso a ser julgado procedente, por acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 3 de Outubro de 2002, que declarou a nulidade da escritura de compra e venda. Inconformados, vendedores e compradores – por requerimento de fls. 265, corrigido, quanto à identificação dos recorrentes, pelo requerimento de fls. 273
– interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, “com vista
à apreciação da legalidade do Douto Acórdão que recusou a aplicação do DL n.º
547/74, nomeadamente o n.º 5 ao artigo 5º, aditado pelo Decreto-Lei n. 412/77 de
29/09.” E acrescentavam, expressis verbis:
“Assim, é negado o exercício do franco Direito consagrado naquele Diploma decorrente da Lei Constitucional 3/74, de 14 de Maio, objecto inclusive de ulterior concretização pelo artigo 3º da Lei n.º 108/97, de 16 de Setembro, dos rendeiros de ‘terras’ adquirirem a propriedade das mesmas extinguindo os respectivos arrendamentos, independentemente da unidade de cultura. Aquele Direito na senda do postulado por GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, conferindo um direito de natureza fundamental análogo aos direitos, liberdades e garantias constituirá Lei Reforçada.
(...) Assim, não aplica o Douto Acórdão a referida norma em si mesma Lei Reforçada, ou Direito Fundamental quer de natureza análoga ou a que lhe seja extensivo esse carácter por alegada colisão com leis que também em si mesma pela decisão interpretadas como prevalentes por reforçadas como seja o artigo 1376º, n.º 1, do Código Civil, e no artigo 49º n.º 1 da Lei Reforçada Lei n.- 77/77, de 29 de Setembro que aprovou as Bases Gerais da Reforma Agrária. Violou assim, o Mui Douto Acórdão o próprio Direito Fundamental ou materialmente constitucional consagrado no DL n.º 547/74, nomeadamente o n.º 5 do art. 5º, aditado pelo Decreto-Lei n.º 412/77 de 29/09 e bem assim, o artigo 62º da Constituição da República Portuguesa.” Cumpre apreciar e decidir.
3. Os recorrentes vieram, por requerimento de fls. 273 e seg., afirmar que, ‘por mero lapso, não foram correctamente identificados os requerentes de recurso’, pedindo que a identificação destes fosse corrigida. Porque os recorrentes agora identificados coincidem com os indicados na decisão recorrida, e se admite ter existido lapso na sua completa indicação, decide-se admitir a correcção requerida a fls. 274.
4. Porque se entende que, por mais de uma razão, não pode tomar-se conhecimento do recurso, é de proferir decisão sumária ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, já que, não obstante o recurso ter sido admitido no tribunal a quo, tal decisão não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional).
5. Em primeiro lugar, os recorrentes pretenderam submeter à apreciação deste tribunal a “legalidade do Douto Acórdão”, por não ter aplicado “o Douto Acórdão a referida norma em si mesma Lei Reforçada” e ter violado “o Mui Douto Acórdão o próprio Direito fundamental ou materialmente constitucional”. Ora, é sabido que no nosso sistema de controlo de constitucionalidade o recurso de constitucionalidade só pode ter por objecto normas, aplicadas ou desaplicadas em decisões jurisdicionais. Como se escreveu no Acórdão n.º 18/96 (publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Maio de 1996), “[o] sistema português de fiscalização concreta de constitucionalidade é, tal como vem sublinhando este Tribunal, um sistema de controlo normativo, uma vez que só podem ser objecto de recurso de constitucionalidade as normas jurídicas e não também as decisões judiciais, consideradas em si mesmas (cfr., inter alia, o Acórdão deste Tribunal n.º
318/93, publicado no Diário da República, 2ª Série, de 2 de Outubro de 1993, e os Acórdãos n.ºs 683/93 e 412/94, estes dois ainda inéditos)”. E o mesmo é unanimemente salientado na doutrina (tal como escreve J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 1998, p.
821, “objecto de fiscalização judicial são apenas as normas, mas todas as normas”; do mesmo modo escreve Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo VI, Coimbra, 2001, p. 156, que “excluídos do controlo do Tribunal Constitucional encontram-se quase todos os actos políticos ou de governo (...) e os demais actos não normativos típicos que são actos administrativos e as decisões judiciais”; sobre o conceito de norma para efeitos de controlo da constitucionalidade podem ver-se, por exemplo, o Acórdão n. 192/93, publicado no Diário da República, II Série, de 8 de Abril de 1993, e as decisões aí referidas).
6. Em segundo lugar, supondo o tipo de recurso interposto que tivesse havido uma recusa de aplicação de norma, constante de acto legislativo, com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado, a verdade é, porém, que nada disso ocorreu no caso em apreço. Por um lado, a precedência conferida à norma do n.º 1 do artigo 1376º do Código Civil, em confronto com a do n.º 5 do artigo 5º do Decreto-Lei n.º 547/74, de 22 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei n. 412/97, de 29 de Setembro, não se baseou em qualquer invocada hierarquia entre ambas: baseou-se, apenas, no não preenchimento da hipótese normativa da segunda e na não admissibilidade da sua aplicação analógica, dada a sua natureza excepcional. Por outro lado, o n.º 1 do artigo 1376º do Código Civil não é – nem a decisão recorrida pretendeu, sequer implicitamente, que fosse – uma lei com “valor reforçado”. Estas apenas poderão ser, nos termos do n.º 3 do artigo 112º da Constituição, tal como resultante da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, as leis orgânicas, as leis que carecem de aprovação por maioria de dois terços, as leis que sejam pressuposto normativo necessário de outras leis e as leis que devam por outras ser respeitadas (cfr. J. J. Gomes Canotilho, ob. cit., pp. 684-689).
7. Em terceiro lugar, a suposta violação de um nebuloso direito constitucional dos recorrentes tem de ser considerada irrelevante para o que, por ora, interessa – e que é apenas saber se a decisão recorrida efectivamente recusou aplicação a uma norma legislativa por esta se apresentar desconforme com uma lei com valor reforçado, tal como foi invocado pelos recorrentes ao interporem o particular recurso de constitucionalidade que instauraram. Ora, visto que, como se disse, a não aplicação da norma do Decreto-Lei n.º
547/74 ao caso dos autos não ocorreu por esse motivo, não estão preenchidos os requisitos do recurso que se pretendeu interpor. Não se pode, portanto, tomar conhecimento deste recurso.”
2.Notificados desta decisão, os recorrentes vieram reclamar para a conferência, dizendo o seguinte:
“(...)
5° Salvo melhor entender, não colhe razão o sufragado na Mui Douta Decisão Sumária. Com efeito, I. OBJECTO DO RECURSO DE CONSTITUCIONALIDADE – NORMAS JURÍDICAS
6° Os ora Reclamantes, ao interporem Recurso de Fiscalização da Constitucionalidade a este Venerando Tribunal, e ao fazer referência à ‘legalidade do douto acórdão’ não pretendiam, nem pretendem, como tal que fosse apreciada a constitucionalidade da decisão judicial mas sim, que sejam correctamente apreciados os preceitos legais enunciados na douta decisão, uma vez que, resultou da interpretação feita pelo Douto Tribunal recorrido, o afastamento do n.º 5 do artº 5, do D.L.547/74 por violar o estatuído no 1376º do Código Civil, e/ou ter decidido a Relação não preencher o caso concreto os requisitos daquele normativo. Ou seja,
7° O tribunal recorrido recusou a sua aplicação do D.L. 547/74, com a redacção que lhe foi dada pelo D.L. 412/77, por entender não estarem preenchidos os seus requisitos, pelo que colidia com o mencionado preceito do C.C.!
8º Sendo certo que o caso preenchia os requisitos substantivos que inspiraram o legislador a 22 de Outubro de 1974, apenas não prevendo este a possibilidade de formalizar a efectivação da remição por via consensual, atento naturalmente a alguma desconfiança de constante atrito latente entre proprietários e rendeiros presente à época.
9º O Legislador, no período de 1974-1976, omitia apenas a possibilidade de ambas as partes, chegarem a acordo para o bem comum, como aliás, cautelarmente preveria posteriormente aquando da extinção de outros institutos.
10° Tal viria a ser o caso das extinções dos regimes de Colónia [sic] e Enfiteuse:
‘ As remições, quando não resultem de negócios titulados por escritura pública, devem ser feitas em acção judicial’, corpo do art° 9° do D.R. 16/79/M, que regula o processo de remição dos terrenos sujeitos ao extinto regime de Colónia
[sic].
‘Na falta de acordo dos interessados (...) o direito à indemnização efectiva-se por meio de acção a propor no tribunal da comarca da situação do bem’, art.º 3 do D.L. 233/76, de 2 de Abril, que extinguiu a Enfiteuse.
11º Defende o Mui Douto Acórdão recorrido que o D.L. 547/74 é ‘um diploma legal de cariz, vincadamente excepcional, (...) não passível, consequentemente, de interpretação analógica’ .
12° Ora, salvo melhor doutrina, em primeiro lugar , e à semelhança do que fora previsto para os regimes de Colónia [sic] e Enfiteuse, estamos perante um diploma especial o qual ‘não consagrando uma disciplina directamente oposta à do direito comum, consagra uma disciplina nova ou diferente para círculos mais restritos de pessoas, coisas ou relações’ (Baptista Machado, Introdução ao Direito, 1983, pág. 95) e;
13° Em segundo lugar, não se trata aqui de interpretar analogicamente o referido diploma, nomeadamente os requisitos substantivos nele estipulado, mas tão-só a forma possível de efectivação da remição por consenso entre as partes! A qual, prevista que está, nos supra referidos diplomas (D.R. 16/79/M e D.L. 233/76) também eles de cariz especial, a possibilidade de acordo entre ambas as partes,
é aplicável ao caso.
14° O que, com efeito, parece ter sido motivo de celeuma foi a solução consensual conseguida entre ‘explorados’ e ‘exploradores’ da qual resultaram as escrituras de compra e venda, pois a Douta Decisão recorrida deixa transparecer que aceitaria pacificamente o exercício de um direito de preferência, descartando, no entanto esta hipótese, 'por não estarmos numa situação de eventual preferência, mas tão somente num contrato de compra e venda cujo objecto é o imóvel dado de arrendamento’ .
15° Com o mesmo espanto se constata que, no parágrafo seguinte, a Douta Decisão aceitaria a mesma forma que rejeitara – Compra e venda – caso esta se reportasse
à totalidade do imóvel! Rejeitando de todo o afastamento da portaria 202/70 de
21 de Abril, afastamento estatuído legalmente no D.L.412/77!
16° No entanto, reiteramos, os ora Reclamantes, ao recorrerem a este Venerando Tribunal, não pretendem ver avaliada a constitucionalidade da decisão judicial em si, mas a inexistência de confronto, ergo, violação, entre os preceitos legais subjacentes à douta decisão – n.º 5 do artº 5 do D.L. 547/74, de 22 de Outubro, na redacção do D.L. 412/77 de 29 de Setembro e o artº 1376° do Código Civil –, uma vez que, da interpretação do douto tribunal recorrido, resultou o afastamento do art.º 5°, n.º 5, do D.L. 547/74 aditado por diploma de 29 de Setembro de 1977 por violar o estatuído no 1376° do Código Civil, atenta a
‘enfatização’ do estatuído desta norma pela Lei 77 n7 de 29 de Setembro de
1977!! II. RECUSA DE APLICAÇÃO DE LEI FUNDAMENTO DE VIOLAÇÃO DE LEI COM VALOR REFORÇADO
17° O Artº 1376° do Código Civil é, em si mesmo, lei reforçada nos termos do art°
112° da CRP pois, por força da constituição, pois não só constitui pressuposto necessário de outras leis como, ainda, por outras deve ser respeitada. Com efeito, Por um lado,
18º Impõe a actual Constituição da República Portuguesa ao Estado o objectivo de promover ‘uma política de ordenamento e reconversão agrária e de desenvolvimento florestal, de acordo com os condicionalismos ecológicos e sociais do país.’ Art.º 93º do título III da CRP (redacção LC 82)
19º Não sendo de negligenciar o disposto nos termos do artº 167º, alínea r) da LC de
1976, segundo o qual era da competência legislativa exclusiva da Assembleia da República, legislar sobre as ‘bases da reforma agrária, incluindo os critérios de fixação dos limites máximos das unidades de exploração agrícola privada’.
(...)
21º Ora, dispõe a primeira parte do artº 1367º do Código Civil, sob a epígrafe
‘Fraccionamento’ da Secção VII ‘Fraccionamento e emparcelamento de prédios rústicos’ o seguinte:
‘Os terrenos aptos para cultura não podem fraccionar-se em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura fixada para cada zona do país’
22º Sendo que a determinação da referida unidade mínima de cultura compete ao legislador, que a deve fazer atentos os objectivos constitucionalmente impostos!
23º Assim, se conclui pela qualificação do artº 1367º do Código Civil, nos termos do artº 112º da CRP, de lei com valor reforçado sendo certo que constitui pressuposto necessário de outras leis e ainda de que por outras deve ser respeitada. Leis como a Portaria n.º 202/70 de 21 de Abril (cuja aplicação ao direito de remir conferido pelo D.L. 547/74, de 22 de Outubro foi expressamente afastada pelo 414/77 de 29 de Setembro!)
(...)
26º Em suma, Sendo a lei reforçada, nos termos do artº 112º da CRP, lei que constitui pressuposto normativo ou que deva ser respeitada por outras, atento o explanado supra, o artº 1376º do Código Civil é-o! Serviu, nomeadamente de pressuposto para a elaboração de diversas portarias que fixaram a unidade mínima de cultura como é o caso da Portaria 202/70.
27º Nada impede, no entanto, a sua co-existência com regimes especiais. Tal é o caso do D.L. 547/74, com a redacção que lhe foi dada pelo 412/77 o qual derrogou a aplicação da referida portaria, i.e., as limitações previstas no 1376º CC, no tocante ao regime estabelecido naquele diploma.
28º Só assim, se entende a publicação dos dois diplomas, que a Douta Decisão recorrida vê colidirem, no mesmo dia! III. VIOLAÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONALMENTE CONSAGRADO
29º Pelo que, a Douta Decisão Recorrida afastou a aplicação do D.L. 547/74 porque:
- colide com o artº 1376º do Código Civil;
- colide com a Lei 77/77; e
- colide com a portaria 202/70.
30º Os quais interpretados como o foram, são inconstitucionais pois negam o recurso a um Direito Formalmente Constitucional consagrado na Lei Constitucional de 1976 plasmado na alínea 9) do artº 96º:
‘melhoria da situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores (...) pela transferência progressiva da posse
útil da terra e dos meios de produção directamente utilizados na sua exploração para aqueles que trabalham’
31º Direito que na actual Lei Constitucional se positiva com a seguinte redacção, alínea b) do artº 93º:
‘melhoria da situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores (...) e o acesso à propriedade ou à posse da terra e dos demais meios de produção directamente utilizados na sua exploração para aqueles que trabalham’.”
3.Notificado, o representante do Ministério Público junto deste Tribunal veio pugnar pelo indeferimento da presente reclamação, dizendo-a “manifestamente infundada, em nada abalando a douta decisão impugnada”, “já que o acórdão recorrido não recusou aplicar qualquer norma com fundamento em violação de ‘lei com valor reforçado’, e sendo óbvio que as disposições do Código Civil não podem qualificar-se como tal, como erradamente continuam a sustentar os recorrentes”. Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
4.Apesar da sua extensão, a presente reclamação em nada abala os fundamentos da decisão reclamada. Na verdade, consultando o requerimento de recurso (fls. 265 e segs. dos autos) verifica-se imediatamente, sem qualquer esforço, que os recorrentes o que submeteram à apreciação deste tribunal foi a “legalidade do Douto Acórdão”, por não ter aplicado “o Douto Acórdão a referida norma em si mesma Lei Reforçada” e ter violado “o Mui Douto Acórdão o próprio Direito fundamental ou materialmente constitucional”. Impugnou-se, pois, a violação da lei e da Constituição pela decisão judicial, e em ponto algum se levantou uma questão de constitucionalidade ou de ilegalidade de normas. Em segundo lugar, é também claro que no acórdão recorrido não se verificou qualquer recusa de aplicação de norma “com fundamento em violação de lei com valor reforçado”, como exige o recurso que foi interposto – ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Na decisão recorrida, o que se fez foi simplesmente aplicar a proibição contida no artigo
1376º, n.º 1, do Código Civil, sem qualquer “recusa de aplicação” de uma norma com fundamento em violação de lei de valor reforçado. É, aliás, evidente que o Código Civil não pode qualificar-se como uma lei deste tipo, no sentido
(técnico-jurídico) com que a expressão é utilizada para designar as situações de ilegalidade que a este Tribunal cabe decidir – ao contrário do que, erradamente, continuam a sustentar os recorrentes –, não colhendo, designadamente, a afirmação de que tal diploma se impõe ao respeito das outras leis, não podendo por elas ser, por exemplo, alterado, exceptuado ou derrogado. E, em terceiro lugar, como se salientou na decisão reclamada, as considerações dos recorrentes sobre a alegada violação de um seu direito fundamental nada alteram quanto à circunstância de se não verificarem os requisitos para o tipo de recurso que estes pretenderam interpor, que é o ponto que releva para a questão prévia ora em causa. A presente reclamação tem, pois, de ser indeferida.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se: a) Indeferir a presente reclamação, confirmando a decisão reclamada no sentido de se não tomar conhecimento do recurso; b) Condenar os reclamantes em custas, com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça. Lisboa, 15 de Julho de 2003 Paulo Mota Pinto Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos