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Processo n.º 326/03
2.ª Secção Relator: Cons. Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
Notificada do Acórdão n.º 311/03, que indeferiu reclamação para a conferência, deduzida nos termos do n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (doravante designada por LTC), contra a decisão sumária do relator de não conhecimento do presente recurso, veio a recorrente A., apresentar o requerimento de fls. 469 e 470, solicitando a apreciação das seguintes questões:
“DÚVIDAS NÃO ESCLARECIDAS NO DOUTO ACÓRDÃO:
A – O ante mencionado despacho proferido pelo Senhor Secretário de Estado da Comunicação Social consiste num acto administrativo ou num acto equivalente a uma sentença proferida em 1.ª instância em processo penal?
B – Qual o motivo porque «resulta, assim, deste acórdão de uniformização de jurisprudência [reporta-se ao Assento 1/03 do STJ] que (...) não é de arquivamento do processo – contrariamente ao pretendido pela reclamante –, mas a de invalidação do acto processual considerado nulo (...)», conforme consta da 2.ª nota final do mencionado acórdão?
DÚVIDA ESCLARECIDA NO DOUTO ACÓRDÃO:
– «a decisão condenatória administrativa é nula se não contiver a fundamentação do juízo de prova e a individualização da sanção propriamente dita (...)» (fls. 15, último parágrafo) – uma vez que o despacho do Tribunal de Loulé julgou nulo o despacho que aplicou a sanção, cujo significado só pode ser o de que a respectiva nulidade foi arguida e não foi julgada sanada.
QUESTÃO A ESCLARECER:
– No caso concreto, julgado nulo (como foi decidido pelo Tribunal de Loulé) o despacho do Senhor Secretário de Estado da Comunicação Social é legal e
é passível de ser repetido o acto julgado nulo?
Porque se a resposta a dar à referida questão for positiva, isto é, se for julgado lícito e passível de ser repetido o referido despacho proferido pelo Senhor Secretário de Estado, então está correcta a decisão de mandar repetir o acto; porém, se a resposta for negativa, isto é: se não for legal e/ou não for passível de ser repetido o acto julgado nulo, então não é admissível sustentar que a decisão do Tribunal de Loulé que manda regressar o processo à fase administrativa para que seja corrigida a nulidade está correcta. Neste caso, a decisão incorrecta deve ser substituída por outra que mande arquivar o processo – conforme sempre tem pugnado o autor do presente – quer resulte da letra da lei ou da interpretação dos factos a impossibilidade da repetição do acto julgado nulo, uma vez que, conforme consta expresso no douto acórdão referido, o STJ fixou jurisprudência determinante de que o acto nulo acarreta a nulidade de todos os actos subsequentes.
Por outro lado, sendo necessário ter em conta o caso concreto em apreço porque a jurisprudência invocada para sustentar a tese da devolução do processo à entidade administrativa para que esta corrija o acto nulo não nos parece que possa ter aplicação in casu tendo em conta a especificidade do processo, bem como o facto do acto julgado nulo ter sido praticado por um membro do Governo da República e de o processo contra-ordenacional ter sido instaurado pelo Instituto da Comunicação Social (entidade terceira) (sic).
«Na verdade, dispõe o artigo 41.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 433/82, na redacção vigente, que “no processo de aplicação da coima e das sanções acessórias, as autoridades administrativas gozam dos mesmos direitos e estão submetidas aos mesmos deveres das entidades competentes para o processo criminal, sempre que o contrário não resulte do presente diploma”. Daqui logo resulta que a autoridade administrativa actua no processo de contra-ordenação investida de funções semelhantes às do juiz: compete-lhe aplicar ou não a coima com obediência à lei e à sua consciência. (...) A autoridade administrativa, maxime um membro do Governo, poderá é, através dos canais próprios do Ministério Público, providenciar para que esse órgão sustente no processo determinada posição, interpondo os recursos que se julguem necessários e sejam admissíveis. Mas não poderá intervir no processo directamente (...)», conforme consta expresso na decisão do Excelentíssimo Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra a respeito dos mesmos factos julgados no Tribunal de Penacova, constante dos autos do processo principal (do qual se transcreveu), cuja cópia anexa como documento n.º 1, cujo teor dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
Ora, se o Senhor Secretário de Estado da Comunicação Social «não poderá intervir no processo directamente (...)» e se o acto praticado no processo pelo referido membro do Governo foi julgado nulo, qual a finalidade de lhe ser remetido o processo para que corrija o acto nulo se este «não poderá intervir no processo directamente (...)»?
Nas condições descritas – caso seja constatado serem reais – não será mais correcto ordenar o arquivamento do processo?
É pelas razões expostas que o autor do presente defende que, no caso presente, já não há qualquer possibilidade legal de corrigir o acto nulo quer porque a fase administrativa do processo se extingue com o acto em que o Ministério Público torna o processo presente ao juiz, nos termos do disposto no artigo 62.°, mas também porque o prazo de prescrição já decorreu, nos termos do disposto no artigo 27.°, ambos do invocado Decreto-Lei n.º 433/82.
Conforme decorre do facto de a matéria aqui em causa ter sido canalizada para os fundamentos do acórdão em causa – expressamente dito que – para contrariar a posição defendida pela recorrente, a matéria em causa é importante para a defesa dos interesses da requerente no processo, ainda em curso.
Pelo exposto, vem requerer a Vossas Excelências que, constatando serem pertinentes as questões suscitadas, se dignem apreciá-las e decidir em conformidade.”
Notificado este requerimento ao representante do Ministério Público neste Tribunal Constitucional, o mesmo respondeu salientando que “o pedido de aclaração deduzido é manifestamente infundado”, pois “o acórdão reclamado, proferido no seguimento de anterior reclamação, é perfeitamente claro e insusceptível de qualquer dúvida razoável, acerca da decisão que nele se tomou”, “não competindo naturalmente ao Tribunal Constitucional emitir «opiniões» ou «pareceres» para além das questões que, no
âmbito do processo constitucional, lhe cumpre dirimir”.
2. Como é sabido, o pedido de aclaração de decisões judiciais visa o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade de que a decisão aclaranda padeça (a decisão é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes), não podendo ser utilizado para se obter, por via oblíqua, a modificação do julgado. No presente caso, a recorrente não identifica qualquer passagem do acórdão questionado que considere obscura ou ambígua, pelo que o ora requerido, a configurar um pedido de aclaração, é manifestamente improcedente.
E é também improcedente se for entendido como pedido de reforma do acórdão, nos termos dos artigos 669.º, n.º 2, e 716.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 69.º da LTC, já que a recorrente nada aduz que possa integrar alegação da ocorrência, no acórdão “reclamado”, de manifesto lapso na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, ou da existência, no processo, de documentos ou de quaisquer elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o tribunal, por lapso manifesto, não tomou em consideração.
O que a reclamante pretende é que o Tribunal Constitucional emita parecer sobre questões jurídicas que poderão relevar para a decisão de mérito do processo principal, mas não cabe, obviamente, nas atribuições deste Tribunal o exercício dessa actividade de dilucidação de dúvidas jurídicas de todo estranhas à questão sobre a qual o acórdão “reclamado” se pronunciou: a não verificação dos pressupostos de admissão de recurso de constitucionalidade.
3. Termos em que acordam em indeferir o requerimento de fls. 469 e 470.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 8 de Outubro de 2003.
Mário José de Araújo Torres (Relator)
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos