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Processo n.º 513/99
2.ª Secção Relator: Cons. Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
C..., V..., J... e S... intentaram, em 30 de Maio de
1989, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, contra R..., EP, acção declarativa, com processo ordinário, pedindo: (i) a sua reclassificação (os 1.º, 2.º e 4.º autores desde Dezembro de 1981 e o 3.º autor desde Dezembro de 1980) na categoria de “técnico de grau III”, prevista no Acordo de Empresa (AE) celebrado entre a ré e vários sindicatos do sector, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, de 8 de Janeiro de 1983, e alterações subsequentes, aplicável às relações entre autores e ré, ou, se assim se não entender, na categoria de
“técnico de grau II”, prevista no mesmo AE; (ii) a passagem ao “escalão B” da categoria em que forem reclassificados um ano após as datas referidas e ao
“escalão C” dois anos após a passagem ao “escalão B”; e (iii) a condenação da ré no pagamento das diferenças salariais vencidas e vincendas, decorrentes da discrepância entre as remunerações correspondentes à categoria profissional de
“técnicos auxiliares de nível C” que a ré erradamente lhes vinha atribuindo e as correspondentes à categoria de “técnico de grau III” a que têm direito.
A ré contestou, propugnando a improcedência da acção, por as funções efectivamente exercitadas pelos autores corresponderem à categoria profissional, que lhes estava atribuída, de “técnicos auxiliares C”, de acordo com o aludido AE, cuja aplicação às respectivas relações deu por adquirida.
Em apenso, foram julgadas habilitadas para contra elas prosseguir a acção as empresas – resultantes da cisão da primitiva ré –, E..., SA, L..., SA, T..., SA, e A..., SA, nas quais haviam sido colocados, respectivamente, os 1.º, 2.º, 3.º e 4.º autores.
Efectuada audiência de julgamento, foi proferida, em 30 de Abril de 1993, sentença a julgar a acção parcialmente procedente e as rés condenadas a reclassificarem os autores na categoria de “técnico de grau II”, com direito ao “escalão C”, e a pagarem-lhes as diferenças salariais que se apurarem em execução de sentença.
Contra esta sentença deduziram as rés L..., SA, e A..., SA (fls. 347 a 350), e a ré E..., SA (fls. 351 a 364), recursos de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, as primeiras pedindo a declaração de nulidade da sentença e todas a sua revogação, por considerarem correcta a classificação dos autores como “técnicos auxiliares”. Os autores interpuseram recurso subordinado, insistindo na atribuição da categoria de “técnicos de grau III”.
Entretanto, o autor J... e a ré A..., SA, celebraram auto de conciliação (fls. 414 e 415), no qual acordaram em rescindir o contrato de trabalho que os vinculava, pagando a ré ao referido autor a indemnização de 3
500 000$00 pelos prejuízos decorrentes das questões em causa nesta acção e desistindo do restante do pedido. E por auto de fls. 427, o autor J... e a ré T..., SA, chegaram a acordo quanto à fixação da indemnização a que esta fora condenada na sentença da 1.ª instância, que fixaram no montante de 4 000
000$00.
Tendo a ré E..., SA, junto ao autos (fls. 435) documento de transacção extrajudicial celebrada com o autor C... (no qual acordavam em rescindir o contrato de trabalho que os vinculava, pagando a ré ao referido autor a indemnização de 2 800 000$00 pelos prejuízos decorrentes das questões em causa nesta acção e desistindo este do restante do pedido), e, com base nela, requerido a declaração da extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, esta pretensão veio a ser indeferida por despacho de 21 de Janeiro de
1997, que não julgou válida aquela transacção. Deste despacho interpôs a referida ré recurso de agravo para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Por acórdão de 18 de Março de 1998, o Tribunal da Relação de Lisboa concedeu provimento à apelação das rés e negou-o ao recurso subordinado dos autores, revogando a sentença apelada e absolvendo as rés dos pedidos, e negou provimento ao recurso de agravo da ré E..., SA.
Contra este acórdão, na parte em que concedeu provimento
à apelação das rés e negou provimento ao recurso subordinado dos autores, interpuseram os autores C... e V... recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, sustentando que a categoria profissional que melhor se adapta às funções por eles exercidas é a de “técnico de grau III” ou, se assim se não entender, pelo menos a de “técnico de grau II”, com direito ao “escalão C” na categoria em que forem reclassificados.
A ré E..., SA, contra-alegou, propugnando a negação da revista.
Por acórdão de 14 de Abril de 1999, o Supremo Tribunal de Justiça, embora por fundamento diverso do do acórdão recorrido, negou provimento ao recurso. Para chegar a este resultado, após reproduzir a matéria de facto fixada pelas instâncias, desenvolveu a seguinte argumentação:
“Considerando que, nos termos do artigo 684.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente e atendendo que ao Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, cabe aplicar o direito aos factos, artigos 85.º do CPT e 729.º, n.º 1, do CPC, é com base na factualidade assim descrita que importa conhecer da questão a resolver nos presentes autos e que se prende com o pedido (agora apenas dos 1.º e 2.º autores) de reclassificação de acordo com a categoria de técnico de grau III, ou subsidiariamente a de técnico de grau II, para além da atribuição do nível C, da categoria a que ascenderem.
Na realidade, foi diverso o entendimento das instâncias.
Com efeito, enquanto que em sede de sentença, indicada sequencialmente a actividade dos autores, se concluiu que as suas funções se enquadravam na categoria de «técnico de grau II», com direito ao escalão C, o acórdão impugnado considerou que os autores não tinham provado e até mesmo articulado factos que se integrassem no descritivo de funções, quer de técnico de grau II, quer de técnico de grau III, referindo que de acordo com a análise da matéria apurada, os mesmos não tinham capacidade de iniciativa, não chefiavam, não tinham funções de coordenação, antes limitando-se a elaborar relatórios de averiguações, prestando informações sobre o andamento dos processos que lhes estavam confiados. Quanto ao escalão C, atribuído mediante avaliação de mérito, não provaram os autores que tivessem sido objecto de tal avaliação. Concluiu-se, deste modo, que os autores estão devidamente enquadrados na categoria de «técnicos auxiliares».
Analisando a pretensão.
Decorre da própria definição de contrato de trabalho, constante do artigo 1.º da LCT, que os autores se obrigaram, mediante retribuição, a prestar a sua actividade, intelectual e/ou manual, para a empregadora, sob a sua autoridade e direcção.
O poder de direcção, legalmente reconhecido e que corresponde à titularidade da empresa, desdobra-se em vários, nomeadamente no designado poder determinativo da função, pelo exercício do qual é atribuído ao trabalhador um certo posto ou categoria na organização concreta da empregadora, equivalente a determinado tipo de actividade, delimitada pelas necessidades da empresa e pelas aptidões próprias daquele. Esta posição do trabalhador corresponderá, nestes termos, à sua categoria profissional, sendo certo que não é inequívoco o sentido
àquela atribuído.
Falando do essencial das funções a que o trabalhador se obrigou pela celebração do contrato de trabalho ou conforme as alterações decorrentes da sua dinâmica, e constituindo a efectiva determinação qualitativa da prestação de trabalho, temos a designada categoria contratual ou categoria-função.
Já quando se pretende determinar a posição do trabalhador pela correspondência entre as funções desempenhadas e uma definição ou categoria estatuída em termos legais ou de regulamentação colectiva, a qual procede a uma discriminação de tarefas típicas, falamos de categoria-estatuto, que se repercute na relação laboral, impondo-lhe uma disciplina específica, merecedora de tutela legal.
A categoria como conceito normativo deverá corresponder à verdadeira e real expressão funcional do trabalhador, no âmbito da estrutura empresarial em que o mesmo está inserido.
Atende–se deste modo para a definição da categoria aos dois aspectos que interagem, a matéria de facto e o direito.
Quanto ao primeiro, isto é, a matéria de facto, o mesmo desdobra-se, principalmente, nas funções ou tarefas para que o trabalhador foi contratado e as que exerce efectivamente.
Já em sede do direito, deverá ser feita a busca das disposições legais ou convencionais que, em abstracto, estabelecem a moldura funcional nas diversas categorias.
Entende-se, em termos de princípios orientadores nesta matéria, que a categoria profissional, considerada como uma designação jurídica atribuída a determinadas funções exercidas por um trabalhador, quando institucionalizada, isto é, prevista na lei, regulamento ou instrumento de regulamentação colectiva,
é vinculativa para a entidade patronal (até porque à mesma, como já referimos, correspondem um conjunto de direitos e deveres, nomeadamente um estatuto remuneratório próprio), na exacta medida em que a empregadora à mesma esteja adstrita, nomeadamente, e na parte que agora releva, em termos de regulamentação colectiva.
Com efeito, a transposição do regime jurídico, previsto a nível colectivo, para o âmbito do contrato individual de trabalho, importa, desde logo, que seja aplicável a disciplina prevista no instrumento de regulamentação colectiva às funções que o trabalhador desempenha no cumprimento do seu contrato de trabalho.
Em matéria de aplicabilidade de convenções colectivas, ressalta o designado princípio da filiação, artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º
519-C1/79, que impõe que as normas constantes de uma convenção colectiva apenas se apliquem aos contratos de trabalho celebrados, no caso presente, entre a entidade patronal outorgante e os trabalhadores ao seu serviço inscritos em algum dos sindicatos subscritores do instrumento de regulamentação colectiva, sem prejuízo de uma possível adesão ou extensão, previstas nos artigos 28.º e
29.º do mesmo diploma, na medida em que forem admissíveis.
No caso em apreço, os autores formulam a sua pretensão com base na aplicação do AE entre a R..., EP, e o Sindicato dos Quadros Técnicos dos Transportes Rodoviários e outros, in Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª Série, n.º 1, de 8 de Janeiro de 1983, pese embora tenha sido também considerado nos presentes autos, nomeadamente no acórdão sob recurso, o AE (quadros técnicos) entre a R..., EP, e a Federação dos Sindicatos dos Transportes Rodoviários e Urbanos e outros, in Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª Série, n.º 45, de 8 de Dezembro de 1983. Em ambos os casos refere-se expressamente na cláusula 1.ª que os mesmos abrangem a R..., EP, e os trabalhadores ao seu serviço, representados pelas associações sindicais outorgantes.
Ora, verifica-se que não resulta apurado, nem sequer foi alegado, que os autores estivessem inscritos nalgum dos sindicatos subscritores das duas convenções referidas, não se consubstanciando uma situação de possível extensão, sendo irrelevante qualquer possível adesão, pela mesma ordem de ideias.
Incumbia, assim, aos autores (e nos termos gerais de direito, artigo
342.º do Código Civil) a prova da sua inscrição sindical, como pressuposto da aplicação da convenção colectiva pretendida, e na medida em que esta constitui a premissa normativa para o conhecimento do pedido dos autos, isto é, o direito a que os autores se arrogam de ser reclassificados nos precisos termos do mesmo instrumento de regulamentação colectiva, e que como tal não pode merecer acolhimento (veja-se no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1 de Abril de 1998, processo n.º 20/97, da 4.ª Secção), até porque, refira-se, não foi por parte daqueles alegada qualquer violação do princípio da igualdade de tratamento, nomeadamente no que diz respeito ao pagamento da retribuição em caso de paridade de funções, não só em termos qualitativos, mas também quantitativos. Nestes termos, acorda-se em negar a revista, mantendo-se, ainda que com fundamento diverso, a douta decisão recorrida.”
Notificados desse acórdão, vieram os autores recorrentes arguir a sua nulidade, nos seguintes termos:
“a) Há 10 anos que nestes autos se vem discutindo – com plena aceitação de todas as partes e das instâncias judiciais – se os autores da acção devem ser objecto da classificação que a ré lhes atribuiu, no quadro do AE referido nos autos, ou se, pelo contrário, devem merecer a classificação que vem reclamada (cf. pontos n.ºs 2 e 3 da matéria fáctica assente, que consta de fls. 3 verso do acórdão de fls. ...);
b) Todavia, através do acórdão ora proferido, esse Supremo Tribunal entendeu negar provimento à revista pelo facto de os autores não terem feito prova da sua inscrição sindical, o que constituiria pressuposto da aplicação da convenção colectiva em apreço;
c) O Supremo Tribunal de Justiça não podia ter decidido no sentido em causa e com tal fundamento sem ter dado às partes – no caso, aos recorrentes
– a possibilidade de se pronunciar sobre essa nova questão essencial, como impõe o princípio constitucional do contraditório e ainda o disposto no artigo
3.°, n.° 3, do Código de Processo Civil, aplicável ao presente recurso por força do artigo 25.° do Decreto-Lei n.º 329-A/95, com a redacção do Decreto-Lei n.°
180/96;
d) Ao ter preterido a possibilidade de as partes se pronunciarem sobre tal questão, foi cometida uma omissão que gera uma nulidade, nos termos do artigo 201.° do Código de Processo Civil, a qual obviamente pode influir na decisão da causa, uma vez que ficaram as partes impedidas de levar ao Tribunal a sua argumentação sobre aquela questão;
e) Por outro lado, o acórdão proferido é igualmente nulo por conhecer de questão de que não podia tomar conhecimento, sem ter previamente ouvido as partes, o que cai na alçada do artigo 668.°, n.° 1, alínea d), do Código de Processo Civil;
f) As nulidades referidas nas duas alíneas precedentes devem considerar-se arguidas por via deste requerimento;
g) Caso o Tribunal entenda que o disposto no artigo 659.º do Código de Processo Civil, maxime o seu n.° 1, devidamente conjugado com os artigos
713.°, n.º 2, e 726.° do Código de Processo Civil, lhe permite decidir o recurso com fundamento numa nova questão essencial, relativamente à qual não foi dada às partes oportunidade de a debaterem, tal entendimento é inconstitucional por ofensa do princípio constitucional do contraditório e ainda do acesso ao direito, que o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa consagra, o que se deve considerar arguido.”
Esta arguição de nulidade foi desatendida por acórdão de
16 de Junho de 1999, com a seguinte argumentação:
“Nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), aplicável aos acórdãos do Supremo por força dos artigos 732.º e 716.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o acórdão será nulo se conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento.
Questões suscitadas são as pretensões jurídicas das partes alicerçadas nos factos jurídicos de que aquelas derivam, cabendo ao Supremo aplicar o direito aos factos dados como provados pela Relação, fazendo a necessária subsunção.
O juiz não pode conhecer de questão que as partes não tenham suscitado, salvo se a lei lhe consentir ou até impuser o conhecimento oficioso e assim o acórdão será nulo se tiver conhecido de questão que nenhuma das partes submeteu à apreciação do julgador.
Todavia, se se conhece de questão indispensável à solução do litígio, ainda que não levantada pelas partes, não há nulidade.
Quando se indeferiu o pedido formulado pelos autores, o Supremo não tomou conhecimento de questão de que não podia conhecer, tendo-se limitado a concluir que aqueles não haviam alegado e provado um dos pressupostos integradores do seu direito, ou seja, o Supremo decidiu a questão de saber se os autores tinham ou não direito à aplicação da pretendida convenção colectiva.
Por isso, o acórdão não enferma da invocada nulidade.
No que concerne à alegada violação do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, não existiu qualquer omissão.
Dispõe este preceito que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Com este dispositivo legal, veio a revisão [do Código de Processo Civil] proibir a decisão-surpresa, ou seja, a decisão baseada em fundamento não previamente considerado pelas partes.
Acontece, porém, que o n.º 3 do artigo 3.º é uma criação da reforma e por isso mesmo inaplicável é ao caso dos autos.
Com efeito, as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º
329-A/95, de 12 de Dezembro, por força do seu artigo 16.º, só se aplicam aos processos iniciados após 1 de Janeiro de 1997, com excepção de algumas disposições, designadamente, o que estipulado vem no artigo 25.º do diploma legal.
Estabelece o n.º 1 deste artigo 25.º que é aplicável aos recursos interpostos de decisões proferidas nos processos pendentes após a entrada em vigor do presente diploma o regime estabelecido pelo Código de Processo Civil, na redacção dele emergente, com excepção do preceituado no artigo 725.º e no n.º
2 do artigo 754.º, bem como o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 669.º, e no artigo 670.º
Ora, a presente acção deu entrada em 14 de Outubro de 1996 [há lapso do acórdão nesta indicação, pois a data correcta é a de 30 de Maio de 1989], pelo que à mesma não se pode aplicar a referida regra do n.º 3 do artigo 3.º, que não é uma norma específica dos recursos.
Não foi, pois, cometida qualquer omissão susceptível de acarretar nulidade, desde logo porque tal disposição legal é inaplicável.
Igualmente não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade, designadamente por ofensa do princípio do contraditório, que aqui se traduziria na falta de diálogo entre os recorrentes e o próprio Tribunal, uma vez que a eventual existência de tal vício pressupunha a aplicabilidade do n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, acorda-se em indeferir a arguição de nulidades.”
Notificados deste acórdão, vieram os réus recorrentes interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão de 14 de Abril de
1999, com os seguintes fundamentos:
“a) Há 10 anos que nestes autos se vinha discutindo – com plena aceitação de todas as partes e das instâncias judiciais – se os autores da acção devem ser objecto da classificação que a ré lhes atribuiu, no quadro do AE referido nos autos, ou se, pelo contrário, devem merecer a classificação que vem reclamada
(cf. pontos n.ºs 2 e 3 da matéria fáctica assente, que consta de fls. 3 verso do acórdão da Relação de fls. ...);
b) Todavia, através do acórdão ora recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu negar provimento à revista pelo facto de os autores não terem feito prova da sua inscrição sindical, o que constituiria pressuposto da aplicação da convenção colectiva em apreço;
c) O Supremo Tribunal de Justiça não podia ter decidido no sentido em causa e com tal fundamento sem ter dado às partes – no caso, aos recorrentes
– a possibilidade de se pronunciar sobre essa nova questão essencial, como impõe o princípio constitucional do contraditório e ainda o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável ao presente recurso por força do artigo 25.º do Decreto-Lei n.° 329-A/95, com a redacção do Decreto-Lei n.°
180/96;
d) Ao ter preterido a possibilidade de as partes se pronunciarem sobre tal questão, os ora recorrentes entenderam dever arguir as nulidades a que se refere o seu requerimento de fls. ..., o que foi objecto de indeferimento pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Junho de 1999;
e) Logo nesse requerimento de arguição de nulidades, os ora recorrentes tomaram a posição de que, caso o Tribunal entendesse que o disposto no artigo 659.º do Código de Processo Civil, maxime o seu n.° 1, devidamente conjugado com o artigo 713.°, n.º 2, e 726.° do Código de Processo Civil, lhe permitia decidir o recurso com fundamento numa nova questão essencial relativamente à qual não fora dada às partes oportunidade de a debaterem, tal entendimento seria inconstitucional por ofensa do princípio constitucional do contraditório e ainda do acesso ao direito, que o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa consagra, o que se deveria considerar arguido;
f) O Supremo Tribunal, no seu acórdão de 16 de Junho de 1999, veio sustentar que só teria de ter previamente ouvido os recorrentes se, no caso dos autos, fosse aplicável o artigo 3.°, n.º 3, do Código de Processo Civil, o que não aconteceria, tendo em conta a data da propositura da acção e a entrada em vigor da nova redacção daquele preceito legal do Código de Processo Civil;
g) Sem pretender discutir esse entendimento do Supremo Tribunal, o certo é que tal acórdão de 16 de Junho de 1999 esclarece, de forma inequívoca, que o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão recorrido, interpretara as normas legais supra referidas na alínea e) no sentido de que podia decidir o recurso com fundamento numa nova questão essencial sem previamente dar às partes oportunidade de debater;
h) Tal entendimento é inconstitucional por ofensa dos princípios constitucionais do contraditório e do acesso ao Direito e aos Tribunais, que o artigo 20.°, n.° 1, da Constituição consagra, o que constitui o objecto do presente recurso;
i) O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do artigo
70.° do Lei do Tribunal Constitucional;
j) A questão da inconstitucionalidade foi suscitado pela primeira vez no requerimento de arguição de nulidades, que foi objecto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Junho de 1999, não o podendo ter sido antes porque manifestamente os recorrentes não podiam prever que o Supremo Tribunal de Justiça ia adoptar o entendimento ora em causa.”
Neste Tribunal Constitucional, os recorrentes apresentaram alegações, no termo das quais formularam as seguintes conclusões:
“A – O Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão recorrido, interpretou o disposto no artigo 659.º do Código de Processo Civil, maxime o seu n.° 1, devidamente conjugado com os artigos 713.°, n.° 2, e 726.° do Código de Processo Civil, no sentido de que tais normas processuais que lhe permitem decidir o recurso de revista com fundamento numa nova questão essencial – que versa sobre tema de direito até então não tratado nem pelas partes nem pelas instâncias –, relativamente à qual não foi dada às partes oportunidade de previamente a debaterem.
B – Tal entendimento daqueles segmentos legais devidamente conjugados é inconstitucional por violar os princípios constitucionais do contraditório e do acesso ao direito e aos tribunais, que o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição consagra.”
A ré E..., SA, contra-alegou, concluindo:
“a) A questão de constituciona1idade objecto do presente recurso não chegou a ser suscitada no requerimento de arguição de nulidades do acórdão que negou a revista, pelo que tal questão não se pode considerar suscitada «durante o processo», conforme é exigido pelo artigo 70.°, n.º 1, alínea b), da LTC; b) Aliás, o acórdão recorrido limitou-se a decidir sobre as arguidas nulidades processuais, não fazendo qualquer menção dos preceitos em que alegadamente se filiaria o entendimento arguido de inconstitucionalidade – o artigo 659.°, n.º
1, do Código de Processo Civil, maxime o seu n.º 1, devidamente conjugado com os artigos 713.°, n.º 2, e 726.° do Código de Processo Civil; c) Subsidiariamente sempre se dirá que nenhum dos preceitos citados na conclusão anterior constituiu ratio decidendi do acórdão recorrido, tendo este último considerado expressamente, por um lado, que o acórdão que negou a revista se limitou a decidir da pretensão dos ora recorrentes de acordo com o fundamento normativo que os mesmos invocavam – um acordo de empresa –, em conjugação com as regras legais sobre distribuição dos ónus de alegação e de prova; e, por outro lado, que o mesmo aresto não decidiu qualquer questão nova; d) Além disso, embora o acórdão recorrido tenha sido elaborado de acordo com o esquema previsto no artigo 659.° do Código de Processo Civil, a verdade é que, por tal preceito se reportar a um universo problemático totalmente diferente daquele que foi objecto do acórdão recorrido, o mesmo preceito (e bem assim os artigos 713.°, n.º 2, e 726.°, igualmente do Código de Processo Civil) não pode ser considerado aplicado no âmbito do mencionado aresto nos termos e para efeitos do disposto no artigo 70.°, n.º 1, alínea b), da LTC; e) Por cautela, cumpre ter presente que substancialmente o problema jurídico dos recorrentes radica no entendimento do princípio constitucional do contraditório como «princípio da participação efectiva das partes no desenvolvimento do litígio» e na consequente proibição constitucional de «decisões-surpresa», pelo que das duas uma: ou um tal princípio é considerado directamente aplicável, e então o acórdão recorrido (na pressuposição de que o mesmo contenha uma
«decisão-surpresa») é ilegal mas não recorríve1 para este Colendo Tribunal; ou, não se considerando tal princípio exequível por si mesmo, a deficiência do princípio legal do contraditório consagrado no artigo 3.° do Código de Processo Civil, na sua redacção anterior à Reforma de 1995/96, consubstanciaria uma inconstitucionalidade por omissão, igualmente não sindicável pelo Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta (cf. o artigo 70.°, n.º 1, alíneas a) e b), da LTC); f) No caso de não proceder nenhuma das questões prévias anteriores, cumpre ter presente que, sem prejuízo de o princípio do contraditório relevar no plano constitucional também enquanto corolário do princípio do Estado de Direito democrático e por força da aplicabilidade interna da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o mesmo princípio é a única dimensão dos direitos de acesso ao direito e aos tribunais consagrados no artigo 20.° da Constituição que para a discussão do caso sub iudicio importa considerar; g) O contraditório não se confunde com a participação, uma vez que esta prescinde da ideia de conflito de interesses conatural àquele e, não pretendendo realizar uma tutela ou a garantia de posições jurídicas subjectivas, visa antes definir uma modalidade de acção;
h) A proibição das «decísões-surpresas» releva, enquanto vertente do dever de consulta – uma das dimensões do princípio (organizatório) da cooperação; enquanto que o princípio do contraditório constitui uma peça essencial da estrutura de protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos;
i) Consequentemente, a mencionada proibição de «decisões-surpresa» não integra o âmbito de protecção do princípio constitucional do contraditório – o que já foi expressamente reconhecido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
222/90.”
Notificados os recorrentes para se pronunciarem sobre a questão da inadmissibilidade do recurso, suscitada nas contra-alegações da recorrida, nada disseram.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
2.1. Cumpre começar por conhecer da questão da inadmissibilidade do presente do recurso, suscitada nas contra-alegações da recorrida.
O presente recurso vem interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (doravante designada por LTC), pelo que a sua admissibilidade depende de a decisão recorrida haver feito aplicação da norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada e de a questão da inconstitucionalidade desta mesma norma haver sido suscitada pelo recorrente “durante o processo”, “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (n.º 2 do artigo 72.º da LTC).
Constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional que o apontado requisito só se pode considerar preenchido se a questão de constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido ter proferido a decisão final, pois com a prolação desta decisão se esgota, em princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido uniformemente entendido que, proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade ou o pedido da sua aclaração, rectificação ou reforma não constituem já meio adequado de suscitar a questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve
“lapso manifesto” do juiz quer na determinação da norma aplicável, quer na qualificação jurídica dos factos, nem desconsideração de elementos constantes do processo que implicassem necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida. E também, por maioria de razão, não constitui meio adequado de suscitar a questão de constitucionalidade a sua invocação, pela primeira vez, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade ou nas respectivas alegações.
Só assim não será nas situações especiais em que, por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade.
2.2. É de entender que, no presente caso, apesar de o acórdão recorrido citar uma anterior decisão (acórdão de 1 de Abril de 1998, processo n.º 20/97, não publicado no Boletim do Ministério da Justiça nem na Colectânea de Jurisprudência e não referenciado na base de dados oficial da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça) no mesmo sentido, não era exigível que o recorrente tivesse previsto na alegação do recurso de revista a possibilidade de este vir a ser improvido com base num fundamento até então nunca aflorado – a falta de alegação e prova da filiação dos autores em sindicatos subscritores do AE como condição da aplicabilidade das cláusulas deste Acordo relativas à definição das categorias profissionais –, acrescendo mesmo que as rés nunca questionaram a aplicabilidade desse instrumento de regulamentação colectiva, o mesmo acontecendo com as decisões das instâncias. No entanto, no presente caso, nem sequer é necessário fazer apelo à caracterização da decisão como “decisão-surpresa” ou como “decisão insólita ou anómala” para considerar tempestiva a suscitação da questão de constitucionalidade. É que, dizendo tal questão de constitucionalidade respeito a uma nulidade da decisão, a arguição dessa nulidade constitui momento oportuno para a suscitação da questão, já que quanto à apreciação da nulidade ainda se não mostrava esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo.
2.3. Acontece, porém, que, como se sustenta na contra-alegação da recorrida, não radicou na norma que veio a ser identificada pelos recorrentes no requerimento de interposição do recurso e nas subsequentes alegações – a norma do artigo 659.º do Código de Processo Civil, maxime o seu n.º 1, conjugado com os artigos 713.º, n.º 2, e 726.º do mesmo Código – o suporte para a interpretação normativa reputada inconstitucional.
A alegada violação do princípio do contraditório e do direito de acesso aos tribunal, na perspectiva de direito de defesa, deriva, em rigor, de uma nulidade processual “coberta por decisão judicial” ou provocada pela própria prolação de decisão judicial. Não se trata de uma típica “nulidade de decisão”, designadamente por excesso de pronúncia, pois a questão apreciada e decidida cabia no âmbito do recurso de revista, nem de uma vulgar “nulidade processual”, designadamente determinada por omissão de acto processual que a lei determine, mas de um caso de prolação de decisão judicial que, não extravasando o seu âmbito admissível de conhecimento, foi proferida antes de tempo: no caso, segundo a tese dos recorrentes, antes de ter sido dado às partes oportunidade de se pronunciarem sobre uma “nova questão essencial”.
[No sentido de que o modo de atacar este especial tipo de nulidades não é a reclamação contra a omissão ou prática indevida do acto processual, mas a arguição (autónoma ou inserida na alegação do recurso ordinário que no caso couber) de nulidade da decisão judicial “intempestiva”, cf. acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 30 de Abril de 1998, processo n.º 43 707 (Apêndice ao Diário da República, de 26 de Abril de 1998, pág. 2940), do Pleno, de 2 de Outubro de 2001, processo n.º 42 385, e do Pleno, de 20 de Março de 2002, processo n.º 38 441, que consideraram que incorriam em nulidade processual secundária (n.º 1 do artigo 201.º do Código de Processo Civil), que inquinava as respectivas decisões, os arestos que, respectivamente, deferiram pedido de suspensão de eficácia antes de decorrido o prazo legal para a autoridade requerida responder, julgaram procedente questão que obstava ao conhecimento do objecto do recurso sem conceder ao recorrente oportunidade para se pronunciar, e proferiram decisão final sem possibilitar a apresentação de alegações complementares no caso devidas. Em todos estes casos, embora as sentenças não tenham, em rigor, incorrido em nenhuma das nulidades (“intrínsecas”) de decisão elencadas no n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, o facto é que a violação da lei é directamente imputável à própria sentença, por ter sido proferida em momento em que ainda não podia ser emitida. É que, como refere João de Castro Mendes (Direito Processual Civil, ed. Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1969, vol. II, pág. 315): “A inoportunidade da sentença (aspecto de forma) conduz à sua nulidade ...”. Nestas hipóteses, o meio processual adequado à reacção do interveniente lesado com a prolação intempestiva da sentença é a interposição de recurso contra ela (ou a arguição autónoma de nulidade, no caso de já não caber recurso) e não a dedução de reclamação contra hipotética nulidade processual. É este também o ensinamento de José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, Coimbra, 1984, pág. 424, e de Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, I, Coimbra, 1963, pág. 170.]
Assim, na parte questionada no presente recurso de constitucionalidade, o que ao acórdão recorrido poderia legitimamente ser assacado era, nomeadamente, a aplicação (implícita) do artigo 660.º, n.º 2, ou, na perspectiva de estar em causa uma nulidade, desse preceito conjugado com o artigo 201.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, interpretados no sentido de que não constituía nulidade (“nulidade secundária” ou “nulidade coberta por decisão judicial”) a prolação de acórdão a negar provimento a recurso de revista com fundamento numa “nova questão essencial”, até então nunca aflorada no processo, sem que antes fosse dada às partes oportunidade de a debaterem.
O preceito que os recorrentes elegeram como sede da norma (ou interpretação normativa) cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada – o artigo 659.º do Código de Processo Civil, maxime o seu n.º 1, conjugado com os artigos 713.º, n.º 2, e 726.º do mesmo Código – não constitui, assim, referencial idóneo para o aludido efeito. Aquele artigo 659.º, no seu n.º
1, especificamente invocado, limita-se a referir que “a sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, sintetizar as pretensões por elas formuladas e os seus fundamentos e fixar as questões que importa solucionar”
(redacção do Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de Julho), o artigo 713.º, n.º 2, manda aplicar aquele artigo 659.º ao acórdão a proferir em recurso de apelação, e o artigo 726.º manda aplicar ao recurso de revista as disposições relativas ao julgamento da apelação.
Conclui-se, assim, que o acórdão recorrido – no segmento questionado no presente recurso de constitucionalidade – não fez aplicação, como ratio decidendi, das normas dos artigos 659.º, maxime do seu n.º 1, 713.º, n.º
2, e 726.º do Código de Processo Civil, pelo que procede a questão prévia suscitada na contra-alegação da recorrida, a que, aliás, os recorrentes não responderam.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em não conhecer do objecto do presente recurso.
Custas pelos recorrentes C... e V..., fixando-se, para cada um deles, a taxa de justiça em 8 (oito) unidades de conta.
Lisboa, 15 de Julho de 2003.
Mário José de Araújo Torres (Relator)
Benjamim Silva Rodrigues
Paulo Mota Pinto
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos