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Proc. n.º 101-A/03
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A., ora recusante, requereu, no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, a suspensão de eficácia da deliberação do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, em 26 de Outubro de 2001, que negou provimento ao recurso que interpusera da deliberação do Conselho Distrital do Porto da mesma Ordem, em que lhe fora aplicada a pena unitária de dois anos de suspensão, a cumprir logo que lhe fosse levantada a suspensão de inscrição naquela Ordem, provocada pela incompatibilidade resultante do exercício de funções de revisor de contas. O Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, por sentença de 18 de Junho de
2002, julgou caduca a providência requerida.
2. Inconformado com o assim decidido, recorreu o ora recusante para o Tribunal Central Administrativo, o qual, por acórdão de 20 de Agosto de 2002, negou provimento ao recurso.
3. De novo inconformado com o assim decidido e após ter arguido nulidade por falta de fundamentação da condenação em custas, a qual foi desatendida, o ora recusante veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional daquele acórdão, de 20 de Agosto de 2002, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
4. Já neste Tribunal, foi o ora recusante convidado pelo relator, nos termos do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, a completar o requerimento de interposição do recurso, tendo respondido com o requerimento de fls. 228.
5. Por decisão sumária de fls. 280, decidiu o relator não tomar conhecimento do recurso, por, no seu entendimento, não estar presente “a totalidade dos requisitos a que deve obedecer o recurso esteado na alínea b)do n.º 1 do artigo
70º da Lei n.º 28/82”.
6. Notificado desta decisão sumária, veio o ora recusante notificar o relator,
“para efeitos do artigo 126º do Código de Processo Civil”, através de um requerimento que tem o seguinte teor:
“[...] A. O Relator nos presentes autos - só nos trâmites da decisão sumária recém-proferida devidamente identificado - é, consabidamente: primo - um dos queixosos na origem do Proc. n.º 1101/3TDLSB do Juízo 1.ºA do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, em que, único denunciado, foi o advogado signatário em tempo constituído arguido; e, secundo - bem assim um dos denunciados pelo advogado signatário no quadro do Inquérito-crime n° 24/2000 do Supremo Tribunal de Justiça, autos que, competentemente requerida a abertura da instrução em 17-IX-2001, correm actualmente termos no Proc. n° 2806/2002 da 3ª Secção daquele Supremo Tribunal. B. Nesta conformidade, encontra-se o advogado aqui Recorrente, em causa própria objectiva e subjectivamente qualificado para, de harmonia com o disposto na al. c) do n° 1 e no n° 2 do art. 127° do Cód. de Processo Civil, por remissão do n.º
1 do art. 29° da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional. deduzir nos presentes autos o pertinente incidente de suspeição. Todavia. C. o comando do n.º 2, por remissão do n.º 3, do art. 128º do mesmo Código prevê expressamente que a parte processual virtualmente lesada - in casu, duplamente: arguido e participante - denuncie ao próprio recusando o fundamento da suspeição, em ordem a permitir que seja antes este a pedir escusa no processo. Esta, por conseguinte, a comunicação que, para o efeito preceituado, é aqui formalmente cumprida. [...].”
7. Na sequência, foi proferido pelo Relator o seguinte despacho: “[...] – Visto. Não uso, nos termos da segunda parte do n.º 2 do artº 128º do Código do Processo Civil, da faculdade prevista no artigo 126º do mesmo diploma. Aguarde-se a eventual dedução do pedido de suspeição”.
8. Notificado deste despacho, o ora recusante veio
“deduzir, com a fundamentação em seguida exposta, o competente incidente de recusa de juiz
1. O signatário reitera aqui os dois argumentos de facto (primo e secundo) enunciados na secção A da sua notificação de 27-III-2003 nos presentes autos. Por consequência,
2. perante essa factualidade incontroversa, ter-se-á que ter as disposições legais invocadas na secção B daquela mesma representação do signatário, incontestavelmente, aplicáveis in casu: tal no sentido de ser absolutamente justificada, desde logo objectivamente, a recusa sub judice do julgador em causa,
3. sob pena de aplicação in concreto duma interpretação substancialmente inconstitucional desse normativo, por violação, simul, da garantia de acesso ao direito e do direito ao processo judicial equitativo consagrados no n.º 1 e no n.º 4 respectivamente, do art. 20º da Constituição Portuguesa e, mormente, no art. 6º, n.º 2, do Tratado da União Europeia, que expressamente recepciona, inclusive, o art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Consequentemente,
4. suscitada é desde já a competente questão pré-judicial, em ordem à superior interpretação pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias do preceito do direito comunitário supramencionado no âmbito material do caso julgando.”
9. A fls. 4 do apenso relativo ao incidente de suspeição, o juiz recusado veio pronunciar-se sobre a dedução do incidente nos seguintes termos:
“Nos termos do n.º 1 do art.º 129° do Código de Processo Civil, o ora recusado tem a dizer que, efectivamente, no Acórdão n.º 571/2000, tirado por este Tribunal em 13 de Dezembro de 2000 e em que o signatário interveio, foi determinada a extracção de certidão de certas peças processuais e a sua entrega ao Representante do Ministério Público, já que se considerou que as asserções utilizadas numa daquelas peças pelo ora recusante apontavam, indiciariamente, para o cometimento de um ilícito de natureza criminal, pelo qual os Juízes subscritores do aludido aresto desejavam exercitar queixa. Sabe o recusado, por ter sido notificado nos termos do n.º 5 do art.º 283º do Código de Processo Penal, que, em 21 de Junho de 2002, o Ministério Público deduziu acusação contra o recusante, desconhecendo qual o ulterior processamento dos autos em que essa acusação foi deduzida. Por despacho proferido no processo a que o presente incidente de suspeição se encontra anexo, o recusado não veio, nos termos da segunda parte do n.º 2 do artº 128º do Código de Processo Civil, a usar da faculdade prevista no artº 126º do mesmo corpo de leis. Neste contexto, ponderará o Tribunal se o circunstancialismo descrito nos dois primeiros parágrafos desta resposta são, ou não, passíveis de integrar fundamento da suspeição agora deduzida, assinalando-se que, pessoalmente, não conhece nem nunca viu o recusante, não nutrindo pelo mesmo, igualmente de um ponto de vista pessoal, qualquer sentimento negativo”.
Cumpre decidir.
II – Fundamentação
10. Ao contrário da situação de impedimento, em que o juiz se deve declarar impedido, este não se pode declarar suspeito. As partes podem, contudo, opor a suspeição do juiz nos casos enunciados no artigo 127º do Código de Processo Civil e este pode, nesses casos, mas sem que a lei a isso o obrigue, pedir escusa de intervir na causa.
Se, contudo, ocorrer alguma das situações previstas no termos do artigo 127º do Código de Processo Civil e a parte que tenha legitimidade para o efeito opuser a suspeição, não há que avaliar se tal situação é ou não apta a fazer perigar a imparcialidade do juiz; a oposição de suspeição ou o pedido de escusa devem, salvo os casos previstos no n.º 3 do citado artigo 127º, ser deferidos, evitando-se, assim, que o juiz seja colocado numa situação em que se possa duvidar da sua imparcialidade, mas não se formulando, de modo algum, qualquer juízo de censura ou suspeita em concreto.
11. Coloca-se, assim a questão de saber se os motivos invocados pelo recusante podem justificar o deferimento do incidente.
Alega o ora recusante que, “o Relator nos presentes autos [...] é [...] um dos queixosos na origem do Proc. n.º 1101/3TDLSB do Juízo 1.º-A do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, em que, único denunciado, foi o advogado signatário em tempo constituído arguido [...]”. Por seu turno, verifica-se da resposta do juiz recusado que “[...] efectivamente, no Acórdão n.º 571/2000, tirado por este Tribunal em 13 de Dezembro de 2000 e em que o signatário interveio, foi determinada a extracção de certidão de certas peças processuais e a sua entrega ao Representante do Ministério Público, já que se considerou que as asserções utilizadas numa daquelas peças pelo ora recusante apontavam, indiciariamente, para o cometimento de um ilícito de natureza criminal, pelo qual os Juízes subscritores do aludido aresto desejavam exercitar queixa. Sabe o recusado, por ter sido notificado nos termos do n.º 5 do art.º 283º do Código de Processo Penal, que, em 21 de Junho de 2002, o Ministério Público deduziu acusação contra o recusante, desconhecendo qual o ulterior processamento dos autos em que essa acusação foi deduzida”.
Está, deste modo, suficientemente provado (declarações transcritas supra) estar em curso (ou ter estado nos três anos antecedentes), pelo menos, um processo crime relativo à queixa apresentada contra o recusante na sequência do Acórdão
571/2000 deste Tribunal Constitucional, verificando-se, consequentemente, o fundamento de suspeição previsto na alínea c) do n.º1 e no n.º 2 do artigo 127º do Código de Processo Civil, sem que se mostre preenchida a previsão do n.º3 do mesmo artigo.
Assim sendo, não pode o Tribunal deixar de julgar procedente o incidente de suspeição, ficando, assim, prejudicada a decisão quanto à “questão pré-judicial, em ordem à superior interpretação pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias [do art. 6º, n.º 2, do Tratado da União Europeia] no âmbito material do caso julgando”.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se deferir o presente incidente de suspeição.
Lisboa, 28 de Maio de 2003 Gil Galvão Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida