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Proc. nº 428/01
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão.
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. A. (ora recorrente), interpôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros (ora recorrido), de 13 de Agosto de 1998, que indeferiu um seu requerimento, datado de 16 de Fevereiro de 1998, onde solicitava o pagamento de determinados montantes correspondentes ao abono mensal para representação.
2. O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por decisão de 16 de Novembro de 1999, rejeitou o recurso com fundamento na ilegalidade da sua interposição.
3. Inconformado com esta decisão, o ora recorrente, recorreu para o Tribunal Central Administrativo, tendo, na alegação aí apresentada, formulado as seguintes conclusões:
“A – Em face do preceituado no n.º 4, do art. 268º, da CRP, todo o acto administrativo, desde que lesivo de direitos ou interesses legalmente protegidos, é contenciosamente recorrível. B – A lesividade de um acto não se confunde com a sua definitividade vertical, já que a aptidão para a lesão, directa e imediata, de direitos ou interesses legalmente tutelados, é independente do órgão que praticou o acto, não exigindo, como pressuposto necessário, a intervenção da entidade colocada no topo da hierarquia administrativa. C – A garantia expressa no citado n.º 4, do art. 268º, da CRP, tipificadora de um contencioso administrativo, de cariz subjectivo, animado pelo princípio estruturante da tutela jurisdicional efectiva, determinou a inconstitucionalidade superveniente da norma constante do n.º 1, do art. 25º, da LPTA, que restringe a sindicabilidade contenciosa aos actos administrativos definitivos e executórios. D – A Sentença recorrida, rejeitando o Recurso Contencioso aqui em discussão fundou-se, expressamente, no citado n.º 1, do art. 25º da LPTA, pelo que aplicou norma materialmente inconstitucional. E – E, por via disso, violou o disposto no aludido n.º 4, do art. 268º, da CRP. F – Mesmo que assim não se entenda, importa relevar que o acto contenciosamente impugnado foi praticado pelo mais alto funcionário na hierarquia do Ministério dos Negócios Estrangeiros, conforme se extrai do preceituado nos artigos 5º, n.º
2, do DL 48/94 e 2º, n.º 1, do DL 49/94. G – Pelo que o acto em causa mostra-se verticalmente definitivo, já que emitido ao abrigo de competência própria exclusiva, traduzindo a última palavra da administração. H – Este é o único entendimento compaginável com o conceito de Administração moderna, centrada nos princípios da desconcentração administrativa (art. 267º, n.º 2, da CRP) e da desburocratização e da eficiência (art. 10º do CPA). I – A própria Directora do Departamento Geral de Administração, daquele Ministério, ao não indicar, apesar de solicitada, o órgão competente para apreciara a impugnação administrativa do acto em causa, nem o prazo para o efeito, considerou a decisão imediatamente susceptível de impugnação contenciosa
(art. 68º, n.º 1, al. c), do CPA). J – Daí a legitimidade do Recorrente para inferir a bondade de tal solução. L – Entendimento contrário levaria à ofensa dos princípios gerais da boa-fé
(art. 266º, n.º 2, da CRP) e da colaboração da Administração com os particulares
(art. 7º da CPA)”.
4 – O Tribunal Central Administrativo, por acórdão de 24 de Maio de 2001, decidiu negar provimento ao recurso. Na fundamentação dessa decisão, ponderou aquele Tribunal:
“[...]
6 – O acto impugnado nos presentes autos, é da autoria do Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, datado de 13.08.98, que recaiu sobre requerimento do recorrente, onde solicitava o pagamento de determinados montantes “correspondentes ao abono mensal para representação”. A sentença recorrida entendeu que tal acto se apresenta como contenciosamente irrecorrível, já que do mesmo deveria o recorrente ter interposto recurso hierárquico necessário para o Membro do Governo superior hierárquico do autor do acto – Ministro dos Negócios Estrangeiros – e só da decisão deste é que cabia recurso contencioso de anulação. A solução do presente recurso jurisdicional resume-se por conseguinte ao saber se o acto impugnado nos presentes autos, usando a terminologia tradicional, se apresenta como verticalmente definitivo, podendo ser objecto de recurso contencioso de anulação, ou caso contrário se do mesmo cabia recurso hierárquico necessário para o Ministro dos Negócios Estrangeiros, a fim de possibilitar a abertura da via contenciosa. Normalmente, o acto apresenta-se como verticalmente definitivo quando é praticado por um órgão colocado de tal forma na hierarquia que a sua decisão constitui a última palavra da Administração – cfr. Freitas do Amaral, «in» DA, III, pág. 234. Por outra via, para que de um órgão inferior da hierarquia caiba directamente recurso contencioso terá de haver lei expressa nesse sentido, ou que o acto haja sido proferido ao abrigo de delegação de poderes ou de competência exclusiva
(cf. a título de exemplo o art. 2º da Lei 8/90, de 20/2, que estabelece que em determinadas matérias os serviços e organismos da Administração Central podem praticar actos administrativos definitivos e executórios). Nada nos autos indicia ter o acto impugnado sido praticado ao abrigo de uma competência delegada, nem tal competência delegada foi invocada pelo autor do acto no momento em que o proferiu. A Secretaria Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, como serviço interno do Ministério dos Negócios Estrangeiros, é o serviço responsável para assegurar e coordenar a administração do Ministério dos Negócios Estrangeiros, sendo dirigida pelo secretário-geral, que é o mais alto funcionário da hierarquia do Ministério dos Negócios Estrangeiros – art.s 3º n.º 1 e 5º n.ºs 1 e 2 do DL
48/94, de 24 de Fevereiro e art. 2º do DL 49/94, de 24/2. Só que, como salienta o M.P. no parecer que emitiu, a prevalência dada pela Lei ao secretário-geral, relativamente aos dirigentes de outros serviços internos do Ministério dos Negócios Estrangeiros não afasta, obviamente, a subordinação hierárquica do mesmo ao Ministro respectivo, este sim, o órgão de topo do departamento. E, embora a Secretaria Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, como resulta do art. 2º do DL 49/94 seja um serviço central, dotado de autonomia administrativa, ao qual incumbe assegurar e coordenar a administração do Ministério dos Negócios Estrangeiros, essa autonomia administrativa determina no respectivo dirigente a competência para, com carácter definitivo e executório, praticar actos necessários à autorização de despesas e respectivo pagamento
(cfr. art. 2º da Lei 8/90, de 20 de Fevereiro e art. 3º do DL 155/92, de 28 de Julho), onde se não integra a competência relativa a actos de gestão de pessoal ou para definir ou autorizar o pagamento de subsídios ou abonos de representação, como seja a matéria versada no acto impugnado. A Secretaria Geral, enquanto serviço interno do Ministério dos Negócios Estrangeiros (art. 3º do DL 48/94), bem como o respectivo responsável máximo estão subordinadas ao poder hierárquico do órgão superior ou central, neste caso o Ministro dos Negócios Estrangeiros que detém, em relação aos serviços que integram esse Ministério, os poderes de direcção e superintendência. Na situação, verifica-se por conseguinte uma relação de dependência hierárquica do Secretário Geral relativamente ao Ministro referido. Só quando a um determinado órgão é reconhecida competência decisória exclusiva,
é que o órgão superior da administração se não pode substituir a esse órgão no poder de decidir no âmbito daquelas competências exclusivas atribuídas por lei a um seu inferior hierárquico. Apresentando-se o acto administrativo como contenciosamente recorrível quando é praticado pelo órgão máximo da estrutura governamental ou administrativa em que se insere o subalterno autor da prática do acto, o recorrente, do acto do Secretário-Geral recorrido, por este estar sujeito ao poder de superintendência do Ministro dos Negócios Estrangeiros, deveria ter interposto recurso hierárquico necessário para aquele membro do Governo, a fim de possibilitar a abertura da via contenciosa. Acresce que não descortinamos a existência de disposição legal que atribua à entidade ora recorrida competência exclusiva para decidir sobre a matéria em questão no acto impugnado nos presentes autos. No sentido do ora decidido, conferir entre outros os seguintes Ac. Do S.T.A.: de
30.04.96, rec. 38572; de 1.7.98, rec. 40170; de 4.6.96, rec. 34.510; de
29.02.96, rec. 39466; e de 18.12.97, rec. 33.976 e ainda o Ac. deste TCA de
15.10.98, rec. 119/98, sendo certo que neste momento não vislumbramos qualquer argumento válido, capaz de contrariar a doutrina nos mesmos contida. Diga-se desde já que, tal posição ou interpretação em nada confronta com o disposto no art. 268º, n.º 4 da CRP ou com qualquer outra disposição legal já que, embora em momento diferente, não fica o administrado impedido de defender os seus direitos através da impugnação contenciosa do acto administrativo eventualmente lesivo dos seus direitos ou interesses. No sentido de que o art. 25º n.º 1 da LPTA não sofre da inconstitucionalidade que o recorrente lhe aponta, cf. entre outros o Ac. Do TC de 30.06.99, publicado no DR, II Série de 03.12.99, pág. 18.309, a cuja doutrina aderimos. Daí que seja de concluir pelo acerto da sentença recorrida ao rejeitar o recurso por irrecorribilidade do acto, com a consequente improcedência das conclusões formuladas pelo recorrente”.
5. É desta decisão que vem interposto, ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do art. 70º da LTC, o presente recurso, cujo requerimento de interposição, tem o seguinte teor:
“[...] RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Uma vez que o referido Acórdão desse Tribunal Central Administrativo: a) ao negar provimento ao citado recurso Jurisdicional, com fundamento no disposto no n.º1, do art. 25º, da LPTA, aplicou norma que enferma de inconstitucionalidade material superveniente, por ofensa ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado nos artigos 20º, n.º 1 e 268º, n.º 4, da CRP, conforme o Recorrente invocou nas Conclusões A a E da sua Alegação de Recurso Jurisdicional; b) ao interpretar e aplicar as normas constantes dos artigos 5º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 48/94 e 2º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 49/94, ambos de 24 de Fevereiro, no sentido de recusar definitividade vertical ao acto, de 13 de Agosto de 1998, objecto de Recurso Contencioso de Anulação, interposto para o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, praticado pelo Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, violou os princípios da desconcentração administrativa (CRP, artigo 267º, n.º 2) e da desburocratização e da eficiência
(CPA, artigo 10º), conforme o Recorrente invocou nas Conclusões F a H da sua Alegação de Recurso Jurisdicional; c) ao interpretar e aplicar a norma da alínea c), do n.º 1, do art. 68º, do CPA, no sentido de que a falta de indicação, por parte da Administração, dos elementos previstos naquele preceito, em resposta a requerimento expresso do Recorrente, não confere a este legitimidade para inferir que o acto em causa é passível de imediata impugnação contenciosa, violou os princípios da confiança, da boa-fé (CRP, artigo 266º, n.º 2 e CPA, artigo 6º-A) e da colaboração da Administração com os particulares (CPA, artigo 7º), conforme o Recorrente invocou nas Conclusões I a L da sua Alegação de Recurso Jurisdicional. Nestes termos, Porque está em tempo, tem legitimidade e o Acórdão em causa admite Recurso, requer a admissão deste [...].”
6. Já neste Tribunal foi o recorrente notificado para alegar, o que fez, tendo concluído da seguinte forma:
“A – O Secretário-Geral do MNE, em matéria de processamento de abono remuneratório a funcionário diplomático, detém, à sombra dos DLs 48/94 e 49/94, competência própria e exclusiva, pelo que qualquer decisão por aquele proferida, na referida área de actividade, constitui a última palavra daquele Ministério. B – Por via disso, o despacho do Secretário-Geral do MNE, de 13 de Agosto de
1998, que indeferiu o Requerimento do Recorrente, de 16 de Fevereiro do mesmo ano, é verticalmente definitivo. C – Decidindo em contrário, o Acórdão Recorrido violou os princípios da desconcentração administrativa (CRP, artigo 267º, n.º 2) e o da desburocratização e da eficiência (CPA, artigo 10º). D – Mesmo que assim não fosse, o citado acto sempre seria contenciosamente recorrível, atenta a sua lesividade. E – Decidindo em contrário a coberto da norma constante do n.º 1, do artigo 25º da LPTA, o Acórdão Recorrido aplicou preceito que enferma de inconstitucionalidade material superveniente, ofendendo a garantia fundamental da tutela jurisdicional efectiva e do acesso à Justiça Administrativa (CRP, artigos 268º, n.º 4 e 20º, n.º 1). F – A falta de indicação por parte da Administração do órgão competente para apreciar a impugnação hierárquica de um acto administrativo, nos termos da al. c) do n.º 1, do art. 68º do CPA, em resposta a pretensão informativa formulada pelo interessado, confere a este legitimidade para inferir que o citado acto é passível de imediato Recurso Contencioso. G – Decidindo em contrário, o Acórdão Recorrido violou os princípios da confiança, da boa-fé (CRP, artigo 266º, n.º 3 e CPA, artigo 6º-A) e da colaboração da Administração com os particulares (CPA, artigo 7º)”.
7. Contra-alegou o recorrido, tendo sustentado a improcedência do recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação.
8. Invoca o recorrente, no seu requerimento de interposição de recurso, o disposto nas alíneas b) e f) do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Verifica-se, porém, que, nem naquele requerimento, nem nas alegações produzidas neste Tribunal, cujas conclusões também já transcrevemos integralmente, é feita qualquer referência a norma(s) cuja ilegalidade tenha sido suscitada com fundamento nas alíneas c), d) ou e) do referido artigo 70º, conforme é exigido pela citada alínea f) do mesmo artigo. Por outro lado, aliás, é manifesto que não está aqui em causa nenhuma aplicação de norma ilegal por violação de lei com valor reforçado, nem a aplicação de norma constante de diploma regional que viole estatuto de região autónoma ou lei geral da República, nem, tão pouco, a aplicação de norma emanada de um órgão de soberania que viole estatuto de região autónoma. Não há, portanto, qualquer questão de ilegalidade que possa e deva ser apreciada por este Tribunal Constitucional, pelo que não tem, assim, qualquer cabimento o recurso com fundamento na alínea f) do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Analisemos, então, as questões de inconstitucionalidade reportadas à alínea b) do artigo 70º da LTC.
9. Da inconstitucionalidade, por violação “dos princípios da desconcentração administrativa (CRP, artigo 267º, n.º 2), das normas constantes dos artigos 5º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 48/94 e 2º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 49/94, quando interpretadas em termos de recusarem definitividade vertical ao acto do Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
9.1. Entendeu a decisão recorrida que o acto do Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, de 13 de Agosto de 1998, que indeferiu um requerimento do ora Recorrente em que este solicitava o pagamento de determinados montantes correspondentes ao abono mensal para representação, não era ainda verticalmente definitivo, por ser susceptível de recurso hierárquico para o Ministro dos Negócios Estrangeiros e, em consequência, não era ainda susceptível de impugnação contenciosa nos termos do artigo 25º, n.º 1, da LPTA.
Entende o Recorrente, diferentemente, que a melhor interpretação dos preceitos dos Decretos-Lei n.ºs 48/94 e 49/94, de 24 de Fevereiro, conduz à conclusão de que o Secretário-Geral do MNE, em matéria de processamento de abono remuneratório a funcionário diplomático, detém, à sombra daqueles diplomas,
“competência própria e exclusiva, pelo que qualquer decisão por aquele proferida, na referida área de actividade, constitui a última palavra daquele Ministério”, sendo, por isso, o acto verticalmente definitivo e, consequentemente, susceptível de impugnação contenciosa imediata.
Importa, por isso, começar por evidenciar que não cumpre ao Tribunal Constitucional, como é sabido, tomar posição nesta querela – a de saber se o acto do Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros em causa é ou não verticalmente definitivo – optando por uma das interpretações dos preceitos em análise. E a ser esta a questão efectivamente colocada ao Tribunal, como, porventura, se poderia deduzir da forma como foi suscitada no requerimento de interposição do recurso e nas alegações, desde logo se diria não estar em causa uma dimensão interpretativa do preceito legal aplicado na decisão, mas sim a própria decisão em si mesma considerada, o que, manifestamente, não se incluiria no âmbito do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal. Na verdade, este último, ao contrário dos sistemas em que é admitido recurso de amparo, nomeadamente na modalidade de amparo dirigido contra decisões jurisdicionais que, alegadamente, violam directamente a Constituição, não se destina ao controlo da decisão judicial recorrida, como tal considerada, como sucede quando a discordância se dirige a esta última, nomeadamente quanto à qualificação jurídica dos actos concretos, mas, pelo contrário, ao controlo normativo de constitucionalidade da norma aplicada.
9.2. Admitindo-se, contudo, numa outra leitura das peças processuais apresentadas, que vem suscitada pelo Recorrente, por violação do princípio da desconcentração administrativa, consagrado no artigo 267º, n.º 2 da Constituição, a questão da constitucionalidade das normas constantes dos artigos
5º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 48/94 e 2º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 49/94, quando interpretadas no sentido de recusarem definitividade vertical a acto do Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, sempre se dirá que lhe não assiste razão.
Refere o n.º 1 do artigo 267º da Constituição que “A Administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização [...]”. E, acrescenta o n.º 2, que
“Para efeitos do disposto no número anterior, a lei estabelecerá adequadas formas de descentralização e desconcentração administrativas, sem prejuízo da necessária eficácia e unidade da acção da Administração e dos poderes de direcção, superintendência e tutela dos órgãos competentes”.
Ora, a simples leitura dos preceitos supra referidos e, concretamente, do n.º 2 acabado de citar, parece induzir um resultado exactamente oposto àquele que é defendido pelo Recorrente. Na verdade, desses preceitos resulta apenas, para o que agora importa, uma orientação – genérica – dirigida ao legislador no sentido de que deverá, com vista a evitar a burocratização da Administração, estabelecer adequadas formas de desconcentração administrativa. Mas desde logo se afirma no n.º 2 que tal deve ser realizado 'sem prejuízo da necessária eficácia e unidade da acção da Administração e dos poderes de direcção, superintendência e tutela dos órgãos competentes'. Daqui decorre – ao contrário do que é pressuposto pela argumentação do Recorrente – que a atribuição ao Ministro dos Negócios Estrangeiros da competência para decidir, em última instância, sobre determinada matéria – no caso a relativa à atribuição e pagamento de um abono mensal para representação – é constitucionalmente legítima – não se olvidando que é ao Governo, no exercício de funções administrativas, que compete dirigir os serviços e a actividade de administração directa do Estado (artigo 199º, alínea c) da Constituição).
Com efeito, não só estamos numa área – a da distribuição de competências dentro de um Ministério – em que ao Governo, como se acabou de referir, não pode deixar de ser reconhecida uma ampla margem de liberdade, mas também, ainda assim, tal solução normativa permite, se for considerado conveniente e adequado, o desenvolvimento do objectivo da desconcentração administrativa através do instituto – que a lei também prevê – da delegação de competências.
Improcede, por isso, nesta parte, o presente recurso.
10. A alegada inconstitucionalidade da norma constante do artigo 25º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho (LPTA), por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado nos artigos 20º, n.º 1 e 268º, n.º 4, da Constituição.
É o seguinte o teor do artigo 25º, n.º 1, da LPTA, cuja constitucionalidade é questionada:
“Artigo 25º
(Actos recorríveis)
1 - Só é admissível recurso dos actos definitivos e executórios.
2 - [...].”
Entende o Recorrente que este artigo, aplicado pelo acórdão recorrido, enferma de inconstitucionalidade material superveniente, por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva e do acesso à Justiça Administrativa.
Também aqui, porém, não tem razão.
A questão, aliás, não é nova na jurisprudência do Tribunal Constitucional, que já se pronunciou, diversas vezes, pela não inconstitucionalidade do mencionado artigo 25º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho (LPTA). Assim aconteceu, nomeadamente, com os acórdãos n.ºs 9/95 (publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Março de 1995, p.3169), 603/95 (D.R., II Série, de
14 de Março 1996, p. 3484), 24/96 (inédito), 115/96 (D.R., II Série, de 6 de Maio de 1996, p.6002), 1002/96 (inédito), 32/98 (D.R., II Série, de 19 de Março de 1998, p. 3575), 676/98 (inédito), 425/99 (D. R., II Série, de 3 de Dezembro de 1996, p.18309), 431/99 (inédito), 40/01 (D.R., II Série, de 9 de Março de
2001, p. 4473) e 283/01 (D.R., II Série, de 8 de Novembro de 2001, p. 18542).
Assim, em caso em tudo semelhante ao que ora se aprecia (cfr. o já citado Acórdão n.º 603/95), concretamente quanto a um acto administrativo proferido por um órgão subalterno da Administração, numa via hierárquica necessária, o Tribunal Constitucional entendeu que a mesma norma do artigo 25º, n.º 1, da LPTA, não era materialmente inconstitucional, por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 268º, n.º 4 da Constituição. Com interesse para os presentes autos, ponderou então este Tribunal:
“[...]in casu, o que, justamente, acontece é que o acto de que se interpôs recurso contencioso de anulação (recordando: o despacho do Director-Geral das Contribuições e Impostos que 'não agiu ao abrigo de delegação de poderes, nem sobre a matéria possui competência exclusiva', no qual se indeferiu um pedido do recorrente de promoção a técnico tributário de 1ª classe) não representa a
última palavra da Administração sobre a pretensão formulada. Trata-se, na verdade – diz o acórdão recorrido, sem que essa afirmação seja passível de censura por este Tribunal – de um acto praticado por um órgão subalterno da Administração, passível de recurso hierárquico necessário. A decisão final
(definitiva) da Administração cabia, pois, ao órgão colocado no topo da respectiva hierarquia administrativa. Tratando-se de uma decisão de não promoção de um funcionário, sujeita a recurso hierárquico necessário, não causou ela lesão efectiva do direito que o funcionário invoca, pois, se tal direito existir, sempre ele poderá vir a ser reconhecido pelo órgão a que na Administração cabe a última e definitiva palavra sobre a matéria. A lesão do direito invocada, a existir, é, por isso, meramente potencial. Mas, sendo assim, mesmo não se podendo recorrer contenciosamente do mencionado despacho (tal como se decidiu no acórdão recorrido), não se viola a garantia constitucional da accionabilidade dos actos administrativos ilegais, já que ainda é possível tentar obter uma tutela eficaz do direito do administrado ao nível da Administração.
[...]”
É esta jurisprudência que, por manter inteira validade e ser inteiramente transponível para o caso dos autos, aqui há que reiterar. Agora apenas se acrescenta, como o Tribunal também já declarou por diversas vezes, que esta posição não é infirmada pelas alterações introduzidas no texto do artigo 268º, n.º 4, da Constituição, com a revisão constitucional de 1997.
Nesse sentido, ponderou o Tribunal no Acórdão n.º 425/99, também já citado, para o qual, aliás, expressamente remete o acórdão recorrido:
“[...] Após a Lei Constitucional n.º 1/97, neste artigo 268º, n.º 4, passou a referir-se o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, incluindo, nomeadamente, a impugnação de quaisquer actos administrativos que lesem os administrados, independentemente da sua forma. Tal norma contém, pois, uma garantia de protecção jurisdicional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. Dela decorre, designadamente, a
“inconstitucionalidade de normas erguidas como impedimento legal a uma protecção adequada de direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares”, bem como um dever de configuração adequada dos instrumentos de tutela judicial já existentes (assim, J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, Coimbra, 1998, pág. 457). Todavia, não se vê que da consagração desta garantia de protecção jurisdicional, dirigida à protecção dos particulares através dos tribunais, e deste direito de impugnação dos actos administrativos lesivos, haja que decorrer a impossibilidade do condicionamento, pelo legislador, de tal recurso contencioso a um recurso hierárquico dos actos administrativos proferidos por órgãos subalternos da Administração – ou, o que é o mesmo, que dela decorra uma obrigatória impugnabilidade jurisdicional imediata desses actos, independentemente da sua reapreciação por órgãos superiores. Do artigo 268º, n.º 4, da Constituição não resulta, na verdade, como se diz no Acórdão recorrido, “a ideia de que todo o acto que não aquiesça às pretensões de um cidadão é imediatamente recorrível para os tribunais.” Desde logo, um acto administrativo da autoria de um subalterno, como acto precário, susceptível de ser alterado por órgãos superiores, não reveste também carácter lesivo como última palavra da Administração sobre a matéria, que não possa ser corrigido pela própria Administração. A reacção contra a potencial lesão resultante desse acto, igualmente precária, não tem pois, que poder efectivar-se imediatamente através do recurso aos tribunais, podendo tal reacção ser condicionada à reapreciação pela própria Administração. Por outro lado, da obrigatoriedade de um prévio recurso hierárquico não resulta a inviabilização, ou, sequer, a inadequação da tutela de direitos e interesses dos particulares. Apenas se impõe a necessidade de impugnação hierárquica prévia para actos de órgãos subalternos, ficando em qualquer caso assegurado o posterior recurso contencioso.
[...] A tutela jurisdicional efectiva dos administrados não resulta, nem inviabilizada, nem, sequer, restringida pela previsão de tal via hierárquica necessária como meio de, em primeira linha, tentar obter a satisfação do interesse do administrado pela revisão do acto administrativo praticado pelo
órgão subalterno da Administração, previamente ao, sempre assegurado, recurso jurisdicional. Trata-se, apenas, de um condicionamento legítimo do direito de recurso contencioso, ficando sempre ressalvada a garantia da tutela judicial em todos os casos concretos [...].
E, no mesmo sentido, pode ainda ver-se, mais recentemente, o igualmente já referido Acórdão n.º 283/2001, do qual resulta ainda que uma interpretação normativa como a que agora vem questionada também não viola o disposto no artigo
20º da Constituição. Sobre esta última questão, ponderou-se naquele acórdão:
“[...] por outro lado, também não se mostra violado o disposto no artigo 20º da Constituição, conforme se salientou no acórdão 32/98, já citado, “pois aquela disposição constitucional consagra de forma genérica o direito de acesso aos tribunais, que é concretizado pelo artigo 268º, n.º 4, da CRP, estabelecendo o direito de acesso aos tribunais administrativos, pelo que, não se demonstrando a violação desta norma constitucional, pela mesma ordem de razões não poderá resultar qualquer ofensa ao princípio genérico de que a última é uma concretização.[...]”
Assim, por tudo o exposto, é efectivamente de concluir que a interpretação dada pelo acórdão recorrido ao nº1 do artigo 25º da LPTA não viola os artigos 20º e
268º, nº4, da Constituição, não sendo, por isso, materialmente inconstitucional.
11. Da alegada inconstitucionalidade da norma contida na alínea c), do n.º 1, do artigo 68º, do CPA.
Entende, finalmente, o Recorrente, como último argumento para considerar, ao contrário do que decidiu o acórdão recorrido, que o despacho do Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros era imediatamente susceptível de impugnação contenciosa, que o facto de, em resposta a requerimento expresso, a Administração não lhe ter indicado os meios de impugnação do acto previstos na alínea c), do n.º 1, do artigo 68º, do CPA lhe confere legitimidade para inferir que o acto em causa era passível dessa imediata impugnação contenciosa, pelo que, uma decisão contrária traduziria uma interpretação de tal preceito que seria inconstitucional, por alegada violação dos princípios da confiança e da boa-fé, consagrados no art. artigo 266º, n.º 2, da Constituição.
Mais uma vez, porém, manifestamente sem razão.
Em primeiro lugar, importa sublinhar que, também aqui, à semelhança do que se referiu supra (ponto 9.1.), se podem suscitar dúvidas sobre se o Recorrente questiona a constitucionalidade de uma norma ou, ao invés, da própria decisão recorrida. Mas mesmo admitindo que é uma questão de constitucionalidade normativa a que foi levantada, ainda assim não estão desfeitas as dúvidas sobre o preenchimento de todos os pressupostos que permitem conhecer do recurso quanto a este ponto. É que, na verdade, o acórdão recorrido não se refere expressamente
à norma contida no artigo 68º, n.º 1, al. c) do CPA), pelo que, só muito dificilmente se poderá considerar que tal norma foi efectivamente aplicada pela decisão recorrida. O fundamento da decisão foi, como se pode ver da transcrição supra (ponto 4.), diverso e, a ser assim, não tendo a mencionada norma sido aplicada, como ratio decidendi do acórdão recorrido, faltaria um dos pressupostos de admissibilidade do recurso, que, nesse âmbito, permitiria o seu conhecimento.
Mas, mesmo que se admita que esta norma foi, ao menos implicitamente, aplicada pelo acórdão recorrido, é manifesto que ela não viola qualquer preceito ou princípio constitucional, designadamente os enunciados no n.º 2 do artigo 266º da Constituição. Na verdade, na situação descrita pelo Recorrente, ou nos encontraríamos perante uma incorrecta ou ilegítima interpretação por ele efectuada ou estaríamos face a um acto da Administração que não terá preenchido todos os requisitos legalmente exigidos, e que, como tal, poderia e deveria ter sido questionado em local próprio, pelos meios adequados, não cabendo ao Tribunal Constitucional, como é manifesto, apreciar essa questão. Seguro é que, em qualquer dos casos, não estaríamos perante norma inconstitucional.
III. Decisão
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 14 de Maio de 2003 Gil Galvão Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Luís Nunes de Almeida