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Processo nº 120/2003
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 555, foi proferida a seguinte decisão sumária :
«1. B. veio recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 2003, de fls. 534, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, considerando ter sido recusada “a aplicação da norma constante do n.º 1 do artigo 6º do Código de Processo do Trabalho, com fundamento em inconstitucionalidade, na interpretação que lhe foi dada pelas instâncias”, ou seja, “no sentido de que, nos termos daquela disposição, a legitimidade do Sindicato Autor nos presentes autos, depende de norma legal que lhe atribua a tutela dos direitos em causa”.
O acórdão recorrido foi proferido no âmbito de uma acção proposta pelo sindicato A. contra B. (incorporada, por fusão, na ora recorrente), que veio a terminar, na 1ª instância, com a absolvição da instância por ilegitimidade do autor, decisão que foi confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, mas revogada pelo Supremo Tribunal de Justiça .
O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal
(nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82).
2. Para o que agora releva, o Supremo Tribunal de Justiça, após descrever os vários pedidos formulados na acção pelo Sindicato autor, pronunciou-se nos seguintes termos:
«Dispõe o n.º 1 do art. 6º do CPT (1981) que os organismos sindicais são parte legítima como autores nas acções respeitantes aos interesses colectivos cuja tutela lhes esteja atribuída por lei.
De harmonia com este preceito, e como, aliás, é assinalado na decisão da 1.ª instância, a legitimidade dos organismos sindicais (como o A) depende da verificação de dois requisitos: 1.º- estarem em causa “interesses colectivos” (respeitantes aos trabalhadores); 2.º - a tutela (desses interesses) lhes estar atribuída por lei.
A decisão da 1.ª instância (...) entendeu que no caso “sub judice” ocorria o primeiro requisito, mas já não o segundo.
Considerou-se, na verdade, “em sintonia com o aresto do STJ de
24.02.99...” que “ocorre no caso em apreço o primeiro dos requisitos previstos no aludido art. 6.º, n.º 1, do CPT (estarem em causa interesses colectivos)”
(...)..
Entendeu-se, todavia, que não se verificava o segundo requisito, já que não podia deixar-se de dar à expressão “cuja tutela lhes esteja atribuída por lei” o devido sentido, “que é o de implicar norma que expressamente – explícita ou implicitamente – atribua aos organismos sindicais responsabilidades, ou seja, deveres de protecção, “tutela” de determinados direitos e interesses dos trabalhadores, naturalmente os mais significativos”, sendo certo que não existe norma que atribua tal tutela ao A., designadamente, os preceitos invocados por este, ou seja, os arts. 20, n.º 1, 46, n.º 1, 55, n.º
2, a) e c), 56, n.º 1 e 3, da CRP, art.s 5.º e 6.º da C. Social Europeia, 160, n.º 1 do C.C., art. 2.º, n.º 2, do CPC, e art. 6.º do CPT.
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O acórdão do T R Porto, de 03.07.2000 (fls. 321 a 324) negou provimento ao recurso do A., nos termos do art. 713, n.º 5, do CPC, remetendo para os fundamentos da decisão recorrida.
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Não se conformando com esta decisão o A. dela interpôs recurso para este STJ que, por acórdão de 24.10.2001 (fls. 466 a 471), julgou procedente a arguida nulidade prevista na alínea d), do n.º 1, do art. 668, do CPC (“omissão de pronúncia sobre questão posta no recurso e de que o acórdão (da Relação) devia conhecer”), ordenando a baixa do processo ao Tribunal da Relação, para que proceda à reforma do acórdão nos termos do disposto no art. 731, n.º 2, do CPC.
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Baixando os autos ao T R Porto, este veio conhecer da referida nulidade, que julgou improcedente (acórdão de fls. 478 a 483) – (a referida nulidade), entendendo não ser inconstitucional a interpretação dada na decisão recorrida ao art. 6.º do CPT, bem como este próprio normativo, pelo que, reiterando a anterior decisão, negou provimento ao recurso do A..
É deste acórdão (...) que vem interposto o presente recurso de agravo do autor.
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Como se alcança dos diversos pedidos formulados o A. não se limitou a solicitar a condenação do R. a respeitar e satisfazer “interesses colectivos”, contemplados em a), b1, b2 e b3 (parte).
Pediu também que o R. fosse condenado a pagar-lhe, a ele próprio, importâncias resultantes de abonos por ele efectuados aos trabalhadores que exercem cargos sindicais, nos quais se considera subrogado, de contribuições obrigatórias para o C. relativas aos trabalhadores do R., que este não lhe entregou, bem como de danos morais, que alega ter sofrido em consequência da actuação do R. (vide pedidos constantes de b3 (parte), c) e d) ). Embora o art. 6.º do CPT constitua uma norma especial, não se vislumbra que relativamente a estes últimos pedidos possa questionar-se a legitimidade do A., face ao disposto no art. 26 do CPC (redacção actual introduzida pelo D.L.
329-A/95, de 12 de Dezembro), sobretudo o seu n.º 3.
Segundo este... são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo A.
Tendo em atenção a alegação produzida na p.i., nomeadamente a constante dos artigos 27.º, 28.º e 47.º, o A. terá de ser considerado parte legítima relativamente a tais pedidos.
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No tocante aos restantes pedidos, atinentes aos chamados “interesses colectivos”, importa indagar da relevância que assume a expressão “cuja tutela lhes esteja atribuída por lei”.
Dispõe o n.º 1 do art. 56 da CRP que compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representam, e o seu n.º 3 estipula que lhes compete também exercer o direito de contratação colectiva, que é garantido nos termos da lei.
Estabelece, por sua vez, o art. 18 da CRP:
1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
À luz destes preceitos constitucionais a aludida expressão “cuja tutela lhes esteja atribuída por lei” não poderá ser entendida como restritiva do princípio consagrado no n.º 1 do art. 56.º do CRP.
Este princípio encontrava, aliás, já plena expressão no art. 4.º do Dec. Lei 215-B/85, de 30 de Abril – este diploma define as bases do ordenamento jurídico das associações sindicais – o qual assinala que compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses sócio-profissionais dos trabalhadores que representam.
No seu douto “parecer” o Exm.º Procurador-Geral Adjunto opina que as dificuldades de interpretação poderão ser superadas se se atender ao alcance de tal expressão em articulação com o conceito de “representação” constante deste artigo 4.º do D.L. 215-B/75. “A pré-vigência deste em relação ao CPT/81 não permitiria ao legislador do D.L. 272/A/81, de 30/9, deixar de estabelecer uma restrição à legitimidade dos organismos sindicais para intervirem como autores nas acções respeitantes a interesses colectivos se pretendesse que essa legitimidade existisse apenas quando os organismos sindicais “representassem” os trabalhadores; pois, se não tivesse previsto nenhuma restrição à 1.ª parte do n.º 1, do art. 6.º do CPT, o que sucederia era que ficava atribuída legitimidade a qualquer dos organismos sindicais para a defesa de todos os interesses colectivos, mesmo aqueles que respeitassem aos grupos sócio profissionais que não fossem representados pela Associação que viesse a Juízo, o que não faria sentido, como referem G. Canotilho e V. Moreira (CRP Anotada, 3.ª Ed., 306, nota III).” E acrescenta “essa terá sido, a nosso ver, a intenção do D.L. 272-A/81, de 30/9, ao incluir no art. 6.º, n.º 1, do CPT, “cuja tutela lhe esteja atribuída por lei” e não a de restringir a legitimidade das associações sindicais, para além do previsto no art. 56, n.º 1, da CRP, o que não lhe era lícito fazer”.
Cumpre ainda salientar que o T. Constitucional tem vindo a pronunciar-se no sentido de que o nº 1 do art. 56.º da CRP ao reconhecer às associações sindicais competência para defenderem os direitos e interesses dos trabalhadores que representem não restringe tal competência à defesa dos interesses colectivos desses trabalhadores, supõe que ela se exerça igualmente para defesa dos seus interesses individuais (vide Acs. 75/85, Acs. do T.C., 5.º vol., 200, e 118/97, de 19/2/97, D.R. I Série-A, de 24/4/97, e 160/99, Proc.
197/98, de 10/3/99).
Conhecidas as dificuldades de interpretação do n.º 1 do art. 6.º do CPT/81, e face à posição que vem assumindo o T.C. considerando inconstitucionais alguns preceitos legais, por violação do disposto no n.º 7 do art. 56.º do CRP, não será por mero acaso que o n.º 1 do art. 5.º do actual CPT (2000) tem a seguinte redacção: “as associações sindicais e patronais são partes legítimas como autoras nas acções relativas a direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam”.
De todo o exposto resulta não poder ser acolhida a tese das instâncias, ao defenderem a ilegitimidade do A. para a presente acção.
O segmento da parte final do n.º 1 do art. 6.º do CPT/81, de harmonia com a interpretação dada pelas instâncias, seria inconstitucional, por violador do disposto no n.º 1 do art. 56.º do CRP, mas não na ora perfilhada.
O A. é parte legítima.»
3. Cumpre começar por verificar se estão reunidas as condições necessárias ao conhecimento do objecto do presente recurso, tal como se encontra definido no requerimento de interposição de recurso (atrás transcrito). Como resulta da lei e o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, são requisitos de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, como se escreveu, por exemplo, no acórdão nº 152/98 (Diário da República, II série, de 7 de Maio de 1998): “(a) Recusa (ainda que implícita) da aplicação pela decisão recorrida de uma norma jurídica (ou de uma sua dada interpretação), com fundamento em inconstitucionalidade; (b) Constituir essa recusa um dos fundamentos da decisão
– decisão de desaplicação ou de recusa de aplicação – e não um mero obiter dictum ou desenvolvimento argumentativo ad ostentationem” . E o Tribunal também tem observado, consequentemente, que o recurso de constitucionalidade tem natureza instrumental, o que implica, como se sabe, que
é condição do conhecimento do respectivo objecto a possibilidade de repercussão do julgamento que nele vier a ser efectuado na decisão recorrida (ver, por exemplo, o acórdão deste Tribunal com o nº nº 463/94, publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Novembro de 1994.)
É, pois, condição de conhecimento do respectivo objecto que tenha integrado a respectiva ratio decidendi o afastamento de uma norma (ou de uma interpretação normativa) que, a não ser inconstitucional, o tribunal recorrido teria aplicado na decisão que proferiu. Só assim se poderá dizer que, se o Tribunal Constitucional, em recurso, vier a afastar a inconstitucionalidade, o seu julgamento tem repercussão na decisão recorrida.
4. Ora, no caso concreto, não foi por julgar inconstitucional a interpretação adoptada pelas instâncias, e da qual resultou a decisão de ilegitimidade do Sindicato autor, que o Supremo Tribunal de Justiça concedeu provimento ao recurso e o julgou parte legítima. Desde logo, e em primeiro lugar, o Supremo Tribunal de Justiça distinguiu, de entre os pedidos formulados na acção, aqueles em que estavam em causa questões relacionadas com a defesa de interesses colectivos e aqueles em que, diferentemente, o Sindicato pretendia exercer direitos que apresentou como seus. Relativamente a este último grupo, não foi em consequência de nenhuma interpretação do n.º 1 do artigo 6º do Código de Processo do Trabalho de 1981 que o Supremo Tribunal de Justiça reconheceu legitimidade ao autor; diferentemente, tal julgamento decorreu da aplicação da regra constante do artigo 26º do Código de Processo Civil, em particular do seu n.º 3, na redacção actual. Assim sendo, não há dúvidas de que, quanto a este grupo de pedidos, não foi determinante para o acórdão recorrido qualquer interpretação do n.º 1 do referido artigo 6º , não podendo o Tribunal Constitucional conhecer do recurso na parte a ele respeitante.
5. A verdade, porém, é que se chega à mesma conclusão do não conhecimento do recurso também no que respeita à decisão relativa ao outro grupo de pedidos. Com efeito, da leitura atenta do acórdão resulta claro que não foi por julgar inconstitucional a interpretação aplicada pelas instâncias que o Supremo Tribunal de Justiça concedeu provimento ao recurso. O que o Supremo Tribunal de Justiça considerou foi antes que não é essa a interpretação a atribuir ao preceito, nomeadamente tendo em conta o disposto no artigo 4º do Decreto-Lei n.º
215-B/75, como se viu; e foi essa a razão que o levou a julgar o autor parte legítima, repita-se, mesmo quanto aos pedidos formulados pelo Sindicato autor para defesa de interesses colectivos. O Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se, de facto, sobre a interpretação perfilhada pelas instâncias; e observou, na verdade, que contrariava os preceitos constitucionais que indicou; tinha, aliás, que o fazer, uma vez a questão da sua inconstitucionalidade tinha sido colocada pelo Sindicato (cfr., em especial, as alegações de fls. 485, apresentadas no recurso de interposto para o Supremo Tribunal de Justiça ). O que já se não pode dizer é que a decisão sobre a legitimidade constante do acórdão recorrido tenha sido determinada por tal juízo de inconstitucionalidade. A demonstrá-lo, aliás, está a consideração de que, se houvesse conhecimento do objecto do recurso e se o Tribunal Constitucional concluísse no sentido da não inconstitucionalidade da norma cuja aplicação teria sido recusada, a decisão em nada obrigaria à reformulação do acórdão agora impugnado.
6. A terminar, cumpre observar que o acórdão recorrido acolheu a interpretação da norma em apreciação que tinha sido defendida pelo Ministério Público no parecer de fls. 521, apresentado no mesmo recurso. Nesse parecer, o Ministério Público – que, note-se, não veio recorrer para o Tribunal Constitucional –, após ter considerado inconstitucional a interpretação perfilhada pelas instâncias, no que toca à defesa em juízo de interesses colectivos, observou expressamente que tal juízo “não significará, na nossa opinião, a necessidade de desaplicar o artigo 6º, n.º 1, do CPT/81, na medida em que se preencha o seu segmento ‘cuja tutela lhes esteja atribuída por lei’ com o conceito de ‘representação’ previsto no artigo 4º do DL 215-B/75, de 30 de Abril”.
7. Estão, assim, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82.
Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 ucs.»
2. Inconformada, a recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a revogação da decisão sumária. Em seu entender, “o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça julgou inconstitucional o n.º 1, do artigo 6º do Código de Processo do Trabalho de 1981, na interpretação dada pelas instâncias”; e “é recorrível, por ter recusado a aplicação da norma constante do n.º 1 do artigo 6º do Código de Processo do Trabalho, com fundamento em inconstitucionalidade, na interpretação que lhe foi dada pelas instâncias (...)”. E concluiu requerendo “que o Tribunal Constitucional aprecie a não inconstitucionalidade do n.º 1, do artigo 6º, do Código de Processo do Trabalho de 1981, na interpretação dada pelas instâncias, ou seja, no sentido de que, nos termos daquela disposição, a legitimidade do Sindicato Autor nos presentes autos, depende de norma legal que lhe atribua a tutela dos direitos em causa”. Notificado para se pronunciar, o recorrido não respondeu.
3. Não apresentando a reclamante nenhum argumento no sentido da revogação da decisão sumária , resta ao Tribunal confirmá-la, pelas razões dela constantes.
Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão reclamada. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs.
Lisboa, 22 de Maio de 2003 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida