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Processo nº 269/03
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - A., não conformado com a decisão do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que não tomou conhecimento da reclamação do despacho do Conselheiro relator que, nesse Tribunal, não lhe admitiu recurso para o Pleno, reclama, “ao abrigo do artigo 668º do C.P.C.”, para o Presidente do Tribunal Constitucional daquela primeira decisão.
2. - O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 4 de Dezembro último, negou provimento à revista interposta do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21 de Janeiro de 2002, proferido em acção emergente das relações de trabalho subordinado, sob a forma ordinária, que, no Tribunal de Trabalho de Penafiel, o ora reclamante intentou contra B., pedindo se reconheça a existência de um verdadeiro e próprio contrato de trabalho celebrado entre os dois, declarando-se a ilicitude do despedimento do autor e condenando-se a ré a reintegrá-lo, salvo se, até à data da sentença, optar pela indemnização de antiguidade, no valor que indica, bem como a pagar-lhe determinado quantitativo, de créditos salariais vencidos, e as atribuições vindas desde a data do despedimento até à da sentença, e juros, à taxa legal.
A acção foi, em 1ª instância, julgada improcedente, absolvendo-se a ré dos pedidos.
A Relação, no acórdão citado, confirmou o assim decidido o que, por sua vez, foi confirmado na revista interposta para o Supremo Tribunal de Justiça.
3. - Inconformado, pretendeu o autor, recorrente e ora reclamante, interpor recurso para o Tribunal Pleno, por alegada oposição com os acórdãos de 13 de Novembro de 2002 proferidos pelo Supremo nos processos nºs.
497/01, 3363/01 e 3666/01, “tendo as decisões opostas sido proferidas no domínio da mesma legislação e incidido sobre a mesma questão fundamental de direito – qualificação jurídica do contrato de docência”.
O recurso não foi admitido por despacho do Conselheiro relator de 17 de Fevereiro último.
Escreveu-se, então:
“Inconformado com o Acórdão de fls. 225 e 235, vem o A., a fls. 251-2,
‘...interpor recurso do mesmo para o Tribunal Pleno, ao abrigo dos artº. 3º do DL nº 480/99, de 09.11. e artº 74º, nº 3, do DL 272/81 de 30.07 e artº 763º e seguintes do CPC, entretanto revogado, não aplicável no caso sub judice como forma de colmatar lacuna, deixada em aberto pela concatenação dos supra citados artigos no âmbito da aplicação sucessiva de leis no tempo’. Incontestavelmente o presente processo rege-se pelo CPT/81, aprovado pelo DL.
272/81, de 30.7, atento o disposto no artº 3, do DL 480/99, de 9.11, quanto à aplicação do CPT/99 e dado que a acção foi instaurada em 25.6.99.
É certo que o artº 74º, nº 3, do CPT/81 previa, entre os recursos ordinários, o recurso para o Tribunal Pleno, sendo que a sua redacção nunca foi alterada. E dispunha em conformidade com o estatuído no CPC, anteriormente à revisão de
95/96. Porém, com esta revisão, deixou de haver recurso para o Tribunal Pleno, pelo que, do seu artº 676º, nº 1, ao referir os recursos ordinários, deixou de haver referência ao recurso para o Tribunal Pleno, tendo sido revogados os artºs. 763º a 770º. E, nos termos do artº 17º, do DL 329-A/95, de 12.12., é imediatamente aplicável a revogação dos artºs. 763º a 770º (nº 1), tendo os Assentos já proferidos o valor dos Acórdãos proferidos nos termos dos artºs.
732º-A e 732º-B (nº 2), ao passo que os recursos para o Tribunal Pleno, já intentados, ficam com o seu objecto circunscrito à resolução em concreto do conflito, com os efeitos decorrentes das citadas disposições legais (nº 3). E a referência aos recurso ordinários constantes do citado artº 74º, nº 3, do CPT/81, têm de ser entendida em conformidade com o disposto no CPC sobre recursos ordinários, atento o disposto no artº 1, nº 2, al. a), do CPT/81, tanto mais, que o recurso para o Tribunal Pleno sempre se regeu pelas regras do CPC, por não tratado no CPT/81. Da mesma forma se aplicando nos processos do foro laboral no artº 17º, do DL
329-A/95. Desconhece-se entendimento Doutrinal ou Jurisprudencial diferente. Donde inexistir qualquer lacuna de lei, como o Recorrente invoca. Como nem sequer existiu com a revogação dos artºs. 763º a 770º e a introdução dos artºs.
732º-A e 732º-B, todos do CPC. Poderia o Recorrente, oportunamente, pedido o julgamento alargado da revista – artº 732º-A, nº 2, do CPC, na actual redacção, já vigente à data da interposição da revista e, mesmo, da propositura da acção. Mas não o fez, nem o poderia fazer agora. Assim, por tudo o antecedente, não se admite o recurso para o Tribunal Pleno, interposto pelo requerimento de fls. 251-2. Custas pelo Recorrente.”
4. - Reagiu o recorrente mediante reclamação ao abrigo do disposto no artigo 688º do Código de Processo Civil, defendendo que o recurso deve reger-se pela antiga redacção do nº 3 do artigo 74º do Código de Processo de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 272/81, de 30 de Julho, que, entre os recursos ordinários, integrava o recurso para o Tribunal Pleno sob pena de, de outro modo, se denegar o acesso á justiça, violando-se “frontalmente” o artigo
20º da Constituição da República.
5. - O despacho do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça é do seguinte teor:
“No caso em apreço, está em causa despacho proferido pelo Exmo. Conselheiro Relator que não admitiu o recurso interposto, pelo ora reclamante, para o Tribunal Pleno. Não é, pois, aplicável ao caso o disposto no nº 1 do artº 688º do CPC. Aliás, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, a reclamação é dirigida ao presidente do tribunal superior e aqui o que está em causa é um despacho proferido pelo Exmo. Conselheiro Relator de uma secção do Supremo Tribunal de Justiça. Ora. sendo um despacho de um Conselheiro do S.T.J., não tem o Presidente desse mesmo Tribunal – que constitui a cúpula do sistema judiciário – poder hierárquico ou jurisdicional sobre os seus pares, por forma a determinar que eles profiram despachos a admitir recursos. Pelo exposto, não se toma conhecimento da reclamação. Custas pelo reclamante. Notifique.”
6. - É desta decisão – invocando novamente o artigo 688º do Código de Processo Civil – que o recorrente agora reclama, retomando a sua tese sobre a aplicabilidade da versão de 1981 do artigo 74º, nº 3, citado, e o vício de inconstitucionalidade resultante do entendimento adoptado.
7. - Sobre o requerido, o autor do despacho ordenou a remessa dos autos a este Tribunal, “por mera cautela”, não sem observar:
“A presente reclamação não tem qualquer fundamento legal, quer na forma de reclamação para o Exmo. Presidente do Tribunal Constitucional, figura que não existe, quer como reclamação para o próprio Tribunal Constitucional, o que só caberia nos termos do disposto no artº 76º, nº 4 da LTC. Quando muito poderia ter sido interposto recurso para o Tribunal Constitucional, o que não tem a mínima correspondência no texto do requerimento e, sobretudo no pedido final ‘ordenar-se que o STJ admita o recurso para o Tribunal Pleno’. Assim, poderia ser desde já indeferida [...].”
8. - Ouvido nos termos do nº 2 do artigo 77º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal observou:
“O reclamante lança mão de um meio impugnatório manifestamente inexistente no ordenamento jurídico, pretendendo fazer sindicar pelo Presidente deste Tribunal Constitucional a admissibilidade de um recurso que se pretendeu interpor para o Pleno do STJ. Deste modo, não se verificando os pressupostos do procedimento de reclamação, previsto nos artºs. 76º, nº 4, e 77º da Lei nº 28/82, é evidente que a dita
‘reclamação’, abusivamente utilizada, deverá ser liminarmente rejeitada.”
9. - A Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, prevê que se reclame para o Tribunal Constitucional do despacho que indefira o requerimento de interposição de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, nos termos estabelecidos no nº 4 em conjugação com o nº 2, ambos do artigo 76º desse diploma legal.
O que não pode admitir-se é a utilização de um meio impugnatório – sob a invocação do artigo 688º do Código de Processo Civil – com o objectivo de fazer sindicar pelo Presidente do Tribunal Constitucional a decisão do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça quanto à admissibilidade de um recurso que se pretendeu interpor para o Pleno deste último Tribunal.
Mesmo admitindo que o Tribunal Constitucional não está impedido de apreciar a reclamação dirigida ao seu Presidente – por este ser a entidade que representa aquele, preside às sessões e dirige os respectivos trabalhos [alíneas a) e d) do nº 1 do artigo 39º da Lei nº 28/82], afastando-se, neste específico ponto, da tramitação prevista no citado artigo 688º –, o certo
é que, constitucionalmente, o Supremo Tribunal de Justiça é o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais (nº 1 do artigo 210º da lei fundamental), não integrando a competência do Tribunal Constitucional qualquer tipo de controlo sobre a sua actividade jurisdicional que não subentenda um recurso de constitucionalidade que, obviamente, não foi deduzido.
Ou seja, não se verificando os pressupostos de procedimento de reclamação, tal como a Lei nº 28/82 o prevê, é evidente, como sublinha o Ministério Público, que o meio processual utilizado, “abusivamente”, deve ser liminarmente rejeitado.
10. - Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento da reclamação.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta.
Lisboa, 12 de Maio de 2003 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida