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Proc. nº 306/03 Plenário Relator: Cons. Rui Moura Ramos
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. O Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores veio, nos termos do
artigo 278º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 57º e seguintes da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade da norma constante do nº 7 do artigo 25º do Regulamento do Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo artigo 1º do Decreto da Assembleia Legislativa Regional dos Açores nº 26/2003, bem como da norma constante do artigo 2º desse Decreto, na medida em que estabelece uma redacção provisória para o nº 4 do artigo 23º daquele Regulamento, aplicável ao concurso do pessoal docente para o ano lectivo de 2003/2004.
O Decreto da Assembleia Legislativa Regional dos Açores nº 26/2003 foi aprovado no dia 10 de Abril de 2003 e submetido para assinatura como decreto legislativo regional ao Ministro da República, nos termos do artigo 233º, nº 2, da Constituição, no dia 15 de Abril de 2003. O pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade deu entrada no Tribunal Constitucional no dia 23 de Abril de 2003.
O pedido fundamenta-se na circunstância de existirem dúvidas em torno da conformidade constitucional do regime regional da ordenação dos candidatos nos concursos do pessoal docente que, no final, o requerente sintetiza do seguinte modo:
“[...] têm-se desenvolvido, em torno da conformidade constitucional do regime regional de preferências na ordenação dos candidatos nos concursos do pessoal docente, duas linhas argumentativas fortes mas de sinal contrário, sublinhando uma que o critério da existência de uma ligação prévia e efectiva dos candidatos aos Açores e ao seu sistema educativo se não afigura arbitrário, estando constitucionalmente justificado pela necessidade de inserir a escola na comunidade; e salientando outra que aquele critério se mostra discriminatório e desproporcionado, não podendo sobrepor-se à graduação profissional e académica da generalidade dos candidatos. A validade dos argumentos esgrimidos pelos defensores de ambas as posições, assim como a impossibilidade de superar um problema jurídico com estas características e com este melindre no quadro institucional da Região Autónoma dos Açores, aconselham, pois, claramente, o recurso a uma intervenção do Tribunal Constitucional”.
Para fundamentar este pedido, o Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores afirmou designadamente o seguinte:
« [...]
III
Pode ler-se no nº 7 do artigo 25º do Regulamento aprovado pelo artigo 1º do Decreto nº 26/2003, que “na ordenação dos candidatos a que se referem as alíneas c) do nº 4 e c) do nº 5 do presente artigo – isto é, na ordenação dos candidatos, respectivamente, aos quadros de escola e aos quadros de zona pedagógica, que possuam habilitação profissional e que “aceitem ser providos por um período não inferior a três anos” – “ter-se-á ainda em conta a seguinte ordem de prioridades:
a) Tenham sido bolseiros da Região Autónoma dos Açores durante pelo menos um dos anos lectivos do curso que lhes confere habilitação profissional para a docência; ou tenham prestado pelo menos 3 anos de serviço docente, como docente profissionalizado no respectivo grupo ou nível de docência, em escola da rede pública da Região Autónoma dos Açores; ou tenham realizado o estágio profissionalizante, mesmo quando este não seja remunerado, em escola da rede pública da Região Autónoma dos Açores; ou tenham acedido ao ensino superior integrados no contingente da Região Autónoma dos Açores; b) Candidatos detentores de habilitação profissional não incluídos na alínea anterior.”
[...] Por sua vez, no nº 4 do artigo 23º do Regulamento em apreço, na redacção transitória que lhe foi conferida pelo artigo 2º do Decreto nº 26/2003, pode ler-se que “podem concorrer a provimento por período não inferior a três anos, nos termos dos nºs. 4 e 5 do artigo 25º do presente regulamento, os candidatos que satisfaçam, pelo menos, uma das seguintes condições: a) Tenham sido bolseiros da Região Autónoma dos Açores durante pelo menos um dos anos lectivos do curso que lhes confere habilitação profissional para a docência; b) Tenham realizado o estágio profissionalizante, mesmo quando este não seja remunerado, em escola da rede pública da Região Autónoma dos Açores; c) Tenham prestado pelo menos 3 anos de serviço docente, como docente profissionalizado no respectivo grupo ou nível de docência, em escola da rede pública da Região Autónoma dos Açores; d) Tenham acedido ao ensino superior, para o curso que lhe confere habilitação profissional para a docência, integrados no contingente da Região Autónoma dos Açores.”
Os nºs. 4 e 5 do artigo 25º, também na sua redacção transitória, dada pelo artigo 2º do Decreto nº 26/2003, estabelecem que, na ordenação dos candidatos para os quadros de escola e de zona pedagógica, têm prioridade, respectivamente, quer entre os candidatos já providos em quadros de escola ou de zona pedagógica, mas que pretendam mudar de grupo, subgrupo, disciplina ou especialidade, quer simplesmente entre os docentes com habilitação profissional, aqueles que aceitem ser providos por um período não inferior a três anos.
[...] Por conseguinte, estamos em ambos os casos perante normas que estabelecem prioridades na ordenação dos candidatos aos quadros de escola e aos quadros de zona pedagógica, prioridades essas fundadas numa de quatro formas diferentes de ligação prévia entre os candidatos e o sistema educativo da Região Autónoma dos Açores. As diferenças existentes entre os dois conjuntos normativos manifestam-se, antes de mais, na técnica legislativa utilizada: no primeiro caso, a existência da referida ligação efectiva ao sistema educativo regional constitui, em si mesma, factor de prioridade; no segundo caso, a verificação daquela ligação efectiva prévia é condição para a aplicação do regime de provimento por período não inferior a três anos, acedendo-se, por esta via, a uma posição de prioridade na ordenação dos candidatos. Por outro lado, há também diferenças no âmbito de aplicação dos critérios de preferência, uma vez que, na norma transitória resultante do artigo 2º do Decreto nº 26/2003, tais critérios aplicam-se não apenas aos candidatos que simplesmente possuem habilitação profissional, como acontece na versão definitiva do Regulamento, mas também aos candidatos (com habilitação profissional) já providos em quadros de escola e quadros de zona pedagógica, desde que pretendam mudar de grupo, subgrupo, disciplina ou especialidade.
De qualquer forma, do ponto de vista da conformidade constitucional dos dois conjuntos normativos em apreciação, as diferenças registadas entre ambos não parecem ser relevantes, não se justificando por isso a sua análise autónoma.
IV
As normas em questão não introduzem, contudo, soluções novas na ordem jurídica. Na verdade, elas reproduzem, com pequenas alterações, o sistema de preferências instituído pelo nº 4 do artigo 43º do anterior Regulamento do Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-escolar e Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto Regulamentar Regional nº 1-A/2000/A, de 3 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º do Decreto Regulamentar Regional nº 4-A/2002/A, de 21 de Janeiro. Acontece que estes dois diplomas regulamentares, que haviam sido emanados ao abrigo do artigo 24º do Estatuto da Carreira Docente – Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril, revisto pelo Decreto-Lei nº 1/98, de 2 de Janeiro –, adaptado à Região Autónoma dos Açores pelo Decreto Legislativo Regional nº 16/98/A, de 6 de Novembro, foram declarados inconstitucionais com força obrigatória geral pelo citado Acórdão nº 81/2003, com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica, por violação da reserva de competência da Assembleia Legislativa Regional decorrente da conjugação da segunda parte da alínea d) do nº 1 do artigo 227º com o nº 1 do artigo 232º, ambos da Constituição. Tal inconstitucionalidade surge, aliás, na economia do douto Acórdão referido, como consequência directa da inconstitucionalidade do artigo 24º do Estatuto da Carreira Docente, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 2º do Decreto Legislativo Regional nº
16/98/A, de 6 de Novembro, que havia servido de lei habilitante para a emanação dos mencionados regulamentos do Governo Regional.
Com efeito, no entendimento sufragado pelo Tribunal Constitucional, “não é possível, através de um decreto legislativo regional, invocar a adaptação da legislação nacional para a transformar em legislação regional e permitir, consequentemente, a sua regulamentação por órgão incompetente para regulamentar a dita legislação nacional. Ora, nestes termos, na medida em que se admite que os órgãos regionais podiam regulamentar aquela lei geral emanada dos órgãos de soberania, tal regulamentação, contudo, não podia deixar de se efectuar em conformidade com o procedimento previsto na Constituição. Quer isto dizer (...) que o artigo 2º do Decreto Legislativo Regional nº 16/98/A, ao prever, no seu artigo 24º, que a regulamentação seria efectuada por decreto regulamentar regional do Governo Regional, veio colidir com o preceituado no artigo 231º, nº
1, da Constituição da República [com referência ao artigo 227º, nº 1, alínea d), segunda parte], que reserva à assembleia legislativa regional a regulamentação das leis gerais emanadas dos órgãos de soberania que não reservam para estes o respectivo poder regulamentar”.
V
Nesta consonância, não parece haver agora razões para questionar, do ponto de vista formal e orgânico, a conformidade constitucional do Decreto da Assembleia Legislativa Regional nº 26/2003, que aprova o novo Regulamento de Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-escolar e Ensinos Básico e Secundário.
Na verdade, o referido Decreto nº 26/2003, que invoca como habilitação constitucional a alínea d) do nº 1 do artigo 227º, regulamenta de forma suficientemente densificada o disposto no artigo 24º do Estatuto da Carreira Docente. Por sua vez, este Estatuto, que assume a posição da lei geral emanada dos órgãos de soberania regulamentada por diploma regional, não reserva para o Governo da República a respectiva regulamentação. Pelo contrário, o artigo 5º do Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril, que aprovou a primeira versão do dito Estatuto da Carreira Docente, estabeleceu que “a aplicação do presente diploma, bem como a do Estatuto por ele aprovado, às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira não prejudica as competências dos respectivos órgãos de governo próprio”.
De igual modo, aceitando-se que o interesse específico constitui não apenas um parâmetro da competência legislativa regional, mas também da competência regulamentar dos órgãos de governo autonómicos, não se vislumbram motivos sérios para duvidar do respeito por aquele parâmetro constitucional dos poderes normativos regionais. De facto, como se sublinha logo no primeiro parágrafo do preâmbulo do Decreto nº 26/2003, “as regras de recrutamento do pessoal docente para o sistema educativo da Região Autónoma dos Açores devem ter em conta, para além das especificidades que resultam da estrutura dos órgãos de governo próprio, a necessidade de garantir a estabilidade dos seus quadros, impedindo que os mesmos sejam utilizados como mero ponto de passagem para o ingresso nos quadros de outras regiões do País. Daí a necessidade de garantir a adequação das regras dos concursos à situação específica dos quadros docentes regionais e à sua previsível evolução”.
Assim sendo, a existirem problemas de constitucionalidade, afigura-se que os mesmos se deverão situar, em princípio, em sede material e, muito em particular, na eventual violação do princípio constitucional da igualdade consagrado no artigo 13º da nossa Lei Fundamental. A violação deste princípio foi, aliás, invocada pelo Provedor de Justiça no seu requerimento de fiscalização sucessiva da inconstitucionalidade do Decreto Regulamentar Regional nº 1-A/2000/A, de 3 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto Regulamentar Regional nº
4-A/2002/A, de 21 de Janeiro.
Contudo, o Tribunal Constitucional, tendo já tomado posição firme pela inconstitucionalidade orgânica de todas as normas dos referidos decretos regulamentares, não considerou “necessário o conhecimento das restantes questões de constitucionalidade suscitadas pelo Provedor de Justiça”, desde logo porque estas respeitavam apenas a algumas das normas integradas naqueles mesmos diplomas, isto é, respeitavam às alíneas a) e d) do nº 4 do artigo 23º (agora reproduzidas com a mesma numeração pela norma transitória decorrente do artigo
2º do Decreto nº 26/2003 e retomadas pelo nº 7 do artigo 25º do Regulamento), e
à alínea a) do nº 4 do artigo 43º (agora reproduzida pela alínea a) do nº 4 do artigo 41º da sobredita norma transitória e retomada em termos algo diferentes pelas alíneas a) e b) do nº 4 do artigo 41º do Regulamento).
VI
No requerimento de fiscalização apresentado pelo Provedor de Justiça, transcrito parcialmente no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 81/2003, considerou-se, efectivamente, que as normas indicadas contrariavam o disposto no artigo 13º da Constituição, pois que “as condições impostas pelo artigo 23º, nº 4, do diploma regulamentar em apreço – ao permitirem que os cidadãos colocados em determinadas circunstâncias obtenham prioridade na respectiva colocação, em prejuízo daqueles que as não preenchem, e possibilitando assim que docentes com habilitações profissionais e académicas superiores sejam preteridos nessa colocação por candidatos que reúnem condições profissionais e académicas inferiores – promovem uma verdadeira diferenciação no tratamento da situação que visam regulamentar”, restando apurar se tal “medida de diferenciação” se mostraria legítima, ou não.
O Provedor de Justiça, reconhecendo embora a legitimidade constitucional do fim pretendido pelo Governo Regional, ou seja, o objectivo de “estabilização dos quadros docentes dos Açores, com vista à promoção da educação e da qualidade do ensino na Região”, não deixou de concluir pela impossibilidade de “afirmar que a medida normativa em foco, tal como delineada pelo órgão regional, se revelará necessária e adequada à prossecução de tal objectivo”, antes se configurando como “uma solução desproporcionada e incongruente face ao fim almejado”.
Consequentemente, o Provedor analisou em concreto as medidas adoptadas pelo Governo Regional, concluindo em seguida que “em vez de ter sido concebido um conjunto de medidas de incentivo à permanência de docentes na Região” complementando-as com medidas sancionatórias para os casos de incumprimento, o Governo Regional veio, através da alteração introduzida pelo artigo 1º do Decreto Regulamentar Regional nº 4-A/2002/A, limitar ainda mais – face à anterior redacção, introduzida pelo artigo 2º do Decreto Regulamentar Regional nº 1-A/2000/A – “as possibilidades de ver satisfeito o seu objectivo de estabilização do ensino na Região”. E afirmou ainda o Provedor de Justiça, concluindo pela inconstitucionalidade das referidas normas:
“a solução legal consubstanciada no actual artigo 23º, nº 4, alíneas a) e d), do Decreto Regulamentar Regional nº 1-A/2000/A não só não se revelará necessária à prossecução do fim que a mesma visou alcançar como se mostrará até (...) desadequada, logo, desproporcionada, face ao objectivo que a fundamentou.
(...) O conteúdo do artigo 23º, nº 4, não constitui qualquer ordenação de prioridades ou de preferências, antes esgota o universo possível de opositores aos concursos que visa regular, em termos de gozo de determinada prioridade.
(...) Ao limitar o universo possível de opositores nessas condições, está a norma ora impugnada a transformar essa prioridade na concessão arbitrária de facilidade no acesso a cargos públicos.
(...) Tal solução, constante do artigo 23º, nº 4, do decreto regulamentar, não tem, nos termos expostos, justificação material, ultrapassando os limites da discricionariedade impostos ao legislador e revelando-se desta feita manifestamente arbitrária, em violação do preceituado nos artigos 13º e 2º da Constituição.
A argumentação exposta serve ainda para fundamentar a violação do princípio da igualdade no acesso à função pública, consubstanciado no artigo 47º, nº 2, da Lei Fundamental.
(...) A violação dos princípios da exigibilidade, adequação e proporcionalidade da medida legislativa de que nos ocupamos (...) torna ilegítima uma eventual restrição que se pretendesse fazer operar no âmbito do direito em foco, com tradução no preceituado no artigo 23º, nº 4, do decreto regulamentar em análise
– restrição essa que sempre seria formalmente ilegítima, atenta a reserva de lei que enquadra constitucionalmente as restrições aos direitos, liberdades e garantias, cuja previsão normativa não está na disponibilidade das Regiões Autónomas, muito menos ao alcance do poder regulamentar destas”.
VII
A Assembleia Legislativa Regional e o Governo Regional foram ouvidos pelo Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 54º da Lei do Tribunal Constitucional, enquanto autores das normas submetidas a fiscalização, tendo-se ambos pronunciado pela não inconstitucionalidade das normas em questão e, em particular, pela inexistência de qualquer violação do princípio da igualdade.
O próprio Ministro da República tornou pública uma informação jurídica realizada no seu Gabinete, da autoria do Dr. Jorge Pereira da Silva, que foi entretanto junta ao processo, onde se sustentou também que o regime introduzido pelo Decreto Regulamentar Regional nº 4-A/2002/A, de 21 de Janeiro, em alteração ao Decreto Regulamentar Regional nº 1-A/2000/A, de 6 de Janeiro, não enfermava do vício de violação do princípio constitucional da igualdade. Recorde-se que ao Ministro da República cabe, nos termos do nº 4 do artigo 233º da Constituição, assinar ou vetar politicamente os decretos regulamentares regionais, mas a fiscalização preventiva da constitucionalidade só pode ser por ele desencadeada, de acordo com o nº 2 do artigo 278º, em relação aos decretos emanados da Assembleia Legislativa Regional.
Na referida informação do Gabinete do Ministro da República sustenta-se, designadamente, “que apesar de o preâmbulo do diploma em causa se referir aos
«candidatos residentes na Região Autónoma dos Açores», nenhuma das quatro categorias de candidatos a que se garante uma posição de preferência é delimitada em função da residência na Região Autónoma. Muito menos se exige, como é evidente, que os candidatos em causa sejam naturais da Região. Exige-se,
é certo, uma particular ligação à Região Autónoma dos Açores, mas essa ligação é recortada de diferentes formas, sendo que nalguns casos ela tenderá a coincidir com a residência, mas noutros não.
(...) Por outro lado, o que está em causa não é uma reserva de lugares na função pública para certas pessoas. O regime jurídico estabelecido não impede ninguém de concorrer aos lugares a preencher, limitando-se a estabelecer requisitos para a obtenção de uma certa prioridade no tocante à ordenação final dos candidatos. Quem preenche certos requisitos pode concorrer a provimento por período não inferior a três anos, beneficiando de uma prioridade na ordenação dos candidatos. Quem não tem esses requisitos pode concorrer também, mas não beneficia de qualquer preferência.
(...) Assim, no plano da comparação das situações materiais em confronto, a pergunta que deve ser feita é a seguinte: para efeitos de acesso aos quadros do pessoal docente da Região Autónoma – é este o fim visado pelo autor da norma –, os candidatos que possuam uma especial ligação aos Açores – ligação essa traduzida num dos quatro factores constantes do nº 4 do artigo 23º – são iguais ou são diferentes aos candidatos que não possuam qualquer ligação às ilhas açorianas? Por outras palavras, aquilo que se pretende saber é se a existência de uma especial ligação aos Açores é ou não um termo de comparação adequado para diferenciar os candidatos aos lugares dos quadros de escola e aos quadros de zona pedagógica ou se, pelo contrário, estamos perante um termo de comparação arbitrário, injustificado ou inadequado.
É evidente, porém, que, na economia do Regulamento de Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-escolar e Ensinos Básico e Secundário, esse termo de comparação não funciona isoladamente, uma vez que ele não permite uma avaliação global dos candidatos. Funciona, isso sim, como critério secundário para a ordenação dos candidatos com habilitação profissional, no acesso aos quadros de escola (alíneas c) e d) do nº 4 do artigo 25º), e para a ordenação dos candidatos com habilitação profissional no acesso aos quadros de zona pedagógica
(alíneas c) e d) do nº 5 do artigo 25º) (...). Ou seja, o critério da especial ligação aos Açores não se sobrepõe às qualificações profissionais dos candidatos, surgindo apenas em complemento destas, como forma de ordenação dos candidatos com idênticas qualificações”.
Por essa razão “o termo de comparação escolhido pelo DRR nº 4-A/2002/A, de 21 de Janeiro, não parece ser, enquanto critério secundário, arbitrário ou sequer desadequado ao fim pretendido de regular o acesso aos quadros de escola e aos quadros de zona pedagógica. Com efeito, a existência de uma especial ligação aos Açores por parte de determinados candidatos constitui uma mais valia importante do ponto de vista do próprio sistema educativo, sendo legítimo o seu aproveitamento em benefício deste. Ninguém pode contestar seriamente que os candidatos que têm uma ligação mais forte aos Açores são diferentes dos que não têm essa ligação, uma vez que, em regra, os primeiros estão em condições de contribuir mais para a estabilidade dos quadros docentes do que os segundos.
(...) Nem se diga que, na ordenação dos candidatos, se deveria atender exclusivamente
à sua competência, às suas qualificações ou habilitações, etc. Na verdade, o princípio da igualdade não proíbe “toda e qualquer diferenciação de tratamento, desde que razoavelmente fundada e destinada a proteger um valor ou interesse constitucional. Será o caso da preferência no recrutamento de deficientes para certas funções (...) ou na colocação de cônjuges um junto do outro” (GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1993, pág. 265). É também o que se passa no caso em apreço, em que a Constituição aponta claramente para uma concepção de escola integrada na comunidade e em que os docentes têm um papel dinamizador fundamental.
Na verdade, compulsando as diferentes normas da Constituição respeitantes à educação, verifica-se que não só se incumbe o Estado de “inserir as escolas nas comunidades que servem” [alínea f) do nº 2 do artigo 74º], como se reconhece aos professores o direito fundamental de participarem na gestão democrática das escolas em que exercem a sua actividade (nº 1 do artigo 77º). Ora, uma escola empenhada no desenvolvimento económico, social e cultural da comunidade em que se insere não se constrói com professores deslocados, desenraizados, a milhares de quilómetros de casa e, muitas vezes, das suas famílias. A fungibilidade e transitoriedade do corpo docente constitui, necessariamente, um factor de desincentivo e de desinteresse dos docentes relativamente aos alunos, aos encarregados de educação, à escola e ao meio em que ela se insere. Por outro lado, a participação democrática dos professores na gestão das escolas, juntamente com os demais actores do processo educativo – alunos, funcionários e encarregados de educação –, só tem sentido se os professores sentirem a escola como sua, como uma instituição onde irão desempenhar a sua actividade durante um período de tempo considerável (e não apenas por um ano ou pelo período de tempo necessário para obterem uma colocação melhor, mais perto de casa).
Significa isto que o fim prosseguido pelo Governo Regional com a emanação do DRR nº 4-A/2002/A, de 21 de Janeiro, e a partir do qual faz a comparação e a diferenciação dos candidatos (com idênticas habilitações profissionais), é um fim legítimo e com apoio constitucional. O termo de comparação utilizado – isto
é, a existência de uma especial ligação à Região Autónoma dos Açores – não representa, portanto, uma opção arbitrária, injustificada ou desadequada, sobretudo considerando o objectivo de preenchimento dos quadros docentes da Região com pessoas que, à partida, propiciem mais estabilidade a esses mesmos quadros.
Nesta linha, aquilo que é desigual pode e deve ser tratado de forma desigual. Mas será que a diferença de tratamento estabelecida não é excessiva em face das diferenças detectadas entre as situações em confronto? A resposta afigura-se negativa, não havendo forma de questionar a solução adoptada à luz do princípio da proporcionalidade sem entrar no mérito das normas em causa”.
Na informação transcrita sublinha-se ainda a existência de outras situações de preferência legal no acesso a determinados lugares na função pública, de que é exemplo saliente o regime do Decreto-Lei nº 310/82, de 3 de Agosto, que regulava as carreiras médicas e estabelecia, “no seu artigo 36º, como um dos factores de preferência na colocação dos médicos de clínica geral, «a opção pelo concelho de residência, verificada através do recenseamento eleitoral, ou a prática clínica no referido concelho por um período superior a um ano, confirmada pela respectiva administração regional de saúde». Esta solução legal foi, aliás, objecto de apreciação constitucional no Acórdão nº 44/84 (Acórdãos do TC, vol.
3º, 1984, págs. 133 e segs.), tendo o Tribunal Constitucional concluído que «a preferência no provimento de lugares de carreira de médicos de clínica geral baseada na residência mostra-se razoável e justificada face às tarefas que integram o cargo a preencher, pelo que não viola o princípio da igualdade». Com efeito, segundo a mesma jurisprudência «elevar a critério de preferência a residência anterior no local do posto de trabalho pretendido, mais do que criar um privilégio pessoal, corresponde a dar relevância a um factor que importa ao bem do serviço público, por ser de presumir que o rendimento e a qualidade deste subirão se o funcionário se achar integrado no ambiente social correspondente ao local onde é chamado a desempenhar a sua função. Acresce que a residência (...) não é algo que de uma vez para sempre se defina, não é algo que adira ao homem como qualidade ou marca dele inseparável (...). Por isso mesmo, a preferência que em certas condições tome por base a residência não é de natureza a criar desigualdades estruturais entre cidadãos, aí onde existir um mínimo de mobilidade da população»”.
Por último, a informação em apreço procede ainda à análise na especialidade dos vários requisitos em que se traduz, em alternativa, a especial ligação aos Açores e ao respectivo sistema educativo e que tem como consequência a atribuição de uma posição prioritária nos concursos do pessoal docente. Em particular, analisa-se detidamente o critério de prioridade mais problemático, referente aos candidatos que tenham acedido ao ensino superior, para o curso que lhes confere habilitação para a docência, integrados no contingente da Região Autónoma dos Açores, concluindo-se pela sua não inconstitucionalidade, à luz do princípio da correcção das desigualdades derivadas da insularidade».
Tendo apresentado as duas posições existentes em torno da constitucionalidade material do regime de recrutamento do pessoal docente na Região Autónoma dos Açores – a sustentada pelo Provedor de Justiça e a expressa na informação jurídica do Gabinete do Ministro da República –, o requerente veio, depois, apresentar a conclusão que atrás se transcreveu, e segundo a qual tendo-se “desenvolvido, em torno da conformidade constitucional do regime regional de preferências na ordenação dos candidatos nos concursos do pessoal docente, duas linhas argumentativas fortes mas de sinal contrário, [...] a validade dos argumentos esgrimidos pelos defensores de ambas as posições, assim como a impossibilidade de superar um problema jurídico com estas características e com este melindre no quadro institucional da Região Autónoma dos Açores, aconselham, pois, claramente, o recurso a uma intervenção do Tribunal Constitucional”.
2. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 54º da Lei do Tribunal Constitucional, o Presidente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores não respondeu no prazo legal.
II – Objecto do pedido
1. As normas cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional dispõem o seguinte:
A - Artigo 25º, nº 7 do Regulamento do Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário:
“7 – Na ordenação dos candidatos a que se referem as alíneas c) do nº 4 e c) do nº 5 do presente artigo, ter-se-á ainda em conta a seguinte ordem de prioridades:
a) Tenham sido bolseiros da Região Autónoma dos Açores durante pelo menos um dos anos lectivos do curso que lhes confere habilitação profissional para a docência; ou tenham prestado pelo menos 3 anos de serviço docente, como docente profissionalizado no respectivo grupo ou nível de docência, em escola da rede pública da Região Autónoma dos Açores; ou tenham realizado o estágio profissionalizante, mesmo quando este não seja remunerado, em escola da rede pública da Região Autónoma dos Açores; ou tenham acedido ao ensino superior integrados no contingente da Região Autónoma dos Açores;
b) Candidatos detentores de habilitação profissional não incluídos na alínea anterior”
[O corpo do nº 7 deste artigo 25º remete para o nº 4, alínea c), e nº 5, alínea c), do mesmo artigo, que dispõem: Artigo 25º, nº 4, alínea c):
“Na ordenação dos candidatos para os quadros de escola ter-se-á em conta as seguintes prioridades: c) Candidatos com habilitação profissional”.
Artigo 25º, nº 5, alínea c):
“Para os candidatos aos quadros de zona pedagógica constituem critérios de prioridade:
d) Candidatos com habilitação profissional que aceitem ser providos por um período não inferior a três anos, sem prejuízo do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 20º” (esta última disposição determina que, entre outras, a manutenção na situação de titular do quadro de zona pedagógica fica condicionada à obrigação de “concorrer anualmente a todos os quadros de escola de uma ilha de qualquer quadro de zona pedagógica”)].
B - Artigo 2º do Decreto da Assembleia Legislativa Regional nº 26/2003, na medida em que estabelece uma redacção provisória para o nº 4 do artigo 23º do Regulamento do Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário:
“Artigo 2º Norma transitória
1- O presente diploma aplica-se aos procedimentos do concurso do pessoal docente da educação pré-escolar e ensinos básico e secundário para o ano
2003/2004 a partir da data do trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 81/2003, de 2 de Abril, salvo o disposto nos artigos 23º, 25º e 41º, que têm a redacção dada pelo número seguinte, e no artigo 55º.
2- Os artigos 23º, 25º e 41º do presente diploma para efeitos do número anterior, têm a seguinte redacção:
«Artigo 23º Candidatos
1 - ...
2 - ...
3 - ...
4- Podem concorrer a provimento por período não inferior a três anos, nos termos dos nºs 4 e 5 do artigo 25º do presente regulamento, os candidatos que satisfaçam, pelo menos, uma das seguintes condições:
a) Tenham sido bolseiros da Região Autónoma dos Açores durante pelo menos um dos anos lectivos do curso que lhes confere habilitação profissional para a docência; b) Tenham realizado o estágio profissionalizante, mesmo quando este não seja remunerado, em escola da rede pública da Região Autónoma dos Açores; c) Tenham prestado pelo menos 3 anos de serviço docente, como docente profissionalizado no respectivo grupo de nível de docência, em escola da rede pública da Região Autónoma dos Açores; d) Tenham acedido ao ensino superior, para o curso que lhe confere habilitação profissional para a docência, integrados no contingente da Região Autónoma do Açores.»”.
2. O pedido baseia-se, como se assinalou, na existência de uma dúvida em torno da constitucionalidade das normas sub judicio, dúvida essa que se funda na existência de duas linhas argumentativas de sinal contrário: uma, sustentando que o sistema de “preferências regionais” estabelecido quer no Regulamento do Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário, quer no Decreto que o aprovou, se não mostra desconforme ao princípio da igualdade a que se refere a norma do artigo 13º da Constituição da República; outra, entendendo que o tratamento preferencial de certas categorias de candidatos ao exercício de funções docentes é discriminatório e desproporcionado, não possuindo justificação em face do princípio constitucional da igualdade. Muito embora o requerente não tenha tomado partido nesta controvérsia, avançando uma posição própria a este respeito, o pedido é claro na indicação quer das regras cuja conformidade com a Constituição pretende ver apreciada, quer da norma constitucional pretensamente violada, invocando ademais a necessidade de garantir a segurança jurídica abalada pelos fundamentos aduzidos em pedido de declaração de inconstitucionalidade que, por economia de meios, o Tribunal Constitucional, não analisou no seu Acórdão nº
81/2003. Cumpre pois decidir, uma vez verificados os requisitos do artigo 278º da Constituição.
III – Fundamentação
1. O regime do recrutamento do pessoal docente da Região Autónoma dos Açores
Pelo Acórdão nº 81/2003 (D.R., I Série-A, de 2-4-2003), o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 2º do Decreto Legislativo Regional nº 16/98/A, de 6 de Novembro, na parte relativa ao artigo 24º do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril, de todas as normas constantes da versão originária do Decreto Regulamentar Regional nº 1-A/2000/A, de 3 de Janeiro, bem como das que permaneceram entretanto inalteradas, e, enfim, de todas as normas do Decreto Regulamentar Regional nº 4-A/2002/A, de 21 de Janeiro.
Na sequência daquela decisão do Tribunal Constitucional, a Assembleia Legislativa Regional dos Açores emitiu, em 10 de Abril de 2003, o Decreto nº 26/2003, que aprovou o Regulamento do Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário. No preâmbulo desse diploma, a Assembleia Legislativa Regional assinala, desde logo, que as “regras de recrutamento do pessoal docente para o sistema educativo da Região Autónoma dos Açores devem ter em conta, para além das especificidades que resultam da estrutura dos órgãos de governo próprio, a necessidade de garantir a estabilidade dos seus quadros, impedindo que os mesmos sejam utilizados como mero ponto de passagem para ingresso nos quadros de outras regiões do País”
[itálico acrescentado]. E afirma ainda a “necessidade de garantir a adequação das regras dos concursos à situação específica dos quadros docentes regionais e
à sua previsível evolução”. Mais adiante, sublinha-se a legitimidade dos mecanismos de atribuição de prioridades aos candidatos qualificados para a docência nos concursos externos para provimento não inferior a três anos com base no “objectivo que presidiu à feitura da gradação em causa, qual seja o da estabilização dos quadros docentes dos Açores, com vista à promoção da educação e da qualidade do ensino na Região”. Tais prioridades são conferidas, recorde-se, aos candidatos que tenham sido bolseiros da Região Autónoma dos Açores durante pelo menos um dos anos lectivos do curso que lhes confere habilitação profissional para a docência; ou tenham prestado pelo menos 3 anos de serviço docente, como docente profissionalizado no respectivo grupo ou nível de docência, em escola da rede pública da Região Autónoma dos Açores; ou tenham realizado o estágio profissionalizante, mesmo quando este não seja remunerado, em escola da rede pública da Região Autónoma dos Açores; ou tenham acedido ao ensino superior integrados no contingente da Região Autónoma dos Açores.
Importa ainda salientar que a Assembleia Legislativa Regional dos Açores justificou o regime transitório aprovado pelo artigo 2º do decreto em apreço com o seguinte argumento: “Já tendo decorrido o prazo para entrega de candidaturas ao concurso para pessoal docente para o ano escolar de 2003/2004, aberto ao abrigo da legislação agora revogada, para evitar a desnecessária repetição daquele momento do concurso a decorrer, é mantida a tramitação daquele, sendo os candidatos seleccionados e colocados de acordo com a norma transitória prevista pelo presente diploma” [itálico acrescentado].
Quanto ao novo regime instituído pelo Regulamento do Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário, deve referir-se que, no Capítulo I (“Disposições Gerais”), o mesmo define o concurso como forma de recrutamento e selecção normal e obrigatória do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário e profissional público
(artigo 1º, nº 1). Estabelece em seguida que o seu âmbito de aplicação contempla o universo dos educadores de infância, professores dos 1º, 2º e 3º ciclos do ensino básico e do ensino secundário, e indivíduos portadores de habilitação académica que lhes confira habilitação própria para a docência e que pretendam exercer funções na Região, na educação pré-escolar, ensinos básico e secundário, educação e ensino especial, ensino artístico e educação extra-escolar e ensino profissional público (artigo 2º).
O Capítulo II dispõe sobre os quadros de pessoal. Os quadros do pessoal docente estruturam-se em dois tipos – quadros de escola e quadros de zona pedagógica
(artigo 3º) –, prevendo-se a existência de quadros de escola nos estabelecimentos de educação e ensinos básico e secundário, nas escolas básicas integradas, nas áreas escolares, nos conservatórios regionais e nas escolas profissionais públicas (artigo 5º), a par da existência de três quadros de zona pedagógica: (a) de Angra do Heroísmo; (b) da Horta; (c) de Ponta Delgada (artigo
6º) (cf., a este propósito, as normas dos artigos 25º, 26º e 27º do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril).
O artigo 4º, nº 1, determina que o concurso é o “processo anual de recrutamento normal e obrigatório do pessoal docente” e “visa o preenchimento das vagas existentes nos quadros de escola ou de zona pedagógica, constituindo ainda o instrumento de mudança dos docentes de um para outro quadro”. Prevê-se a existência de dois tipos de concurso, interno e externo (artigo 4º, nº 2). O concurso interno é aberto a docentes dos quadros de escola e de zona pedagógica da Região Autónoma dos Açores e dos quadros docentes do sistema público de ensino de todo o território nacional, qualquer que seja a designação dos respectivos quadros, e que pretendam ser nomeados por transferência (artigo 4º, nº 3). Nos termos do nº 4 do artigo 4º podem candidatar-se ao concurso externo:
- em situação de prioridade, o pessoal docente que pode candidatar-se a concurso interno;
- docentes dos quadros de escola e de zona pedagógica que pretendam mudar de grupo, subgrupo, disciplina ou especialidade;
- docentes profissionalizados;
- docentes profissionalizados não pertencentes aos quadros;
- indivíduos portadores de habilitação própria, mas apenas para os quadros de zona pedagógica.
Os Capítulos III e IV regulam, respectivamente, os procedimentos dos concursos interno e externo.
Podem ser opositores ao concurso interno (Capítulo III) docentes com vínculo aos quadros de escola e de zona pedagógica (artigo 8º, nº 1), procedendo-se, em momento posterior do concurso, à graduação profissional e académica dos candidatos (artigo 10º, nº 1, especificando os artigos 11º e 12º os modos de determinação destas duas formas de graduação, respectivamente).
A preocupação de assegurar a estabilidade do pessoal docente – manifestada no preâmbulo do diploma em apreço – evidencia-se, desde logo, na definição dos critérios de prioridade no preenchimento dos lugares nos concursos internos, onde avulta a atribuição de preferência aos docentes que aceitem ser providos em quadros de escola ou de zona pedagógica por período não inferior a três anos
[artigo 10º, nº 4, alíneas a) e b), e nº 5, alíneas a) e b)]. Refira-se que um titular de quadro de escola ou de zona pedagógica com nomeação provisória que aceite ser provido pelo mínimo de três anos prefere a um titular de quadro de escola com nomeação definitiva que não manifeste tal disponibilidade (cf. o artigo 10º, nºs. 4 e 5, e, para os docentes de quadros de zona pedagógica que pretendam mudar de quadro de zona pedagógica, o nº 6 do mesmo artigo). Por outras palavras, o objectivo de assegurar a estabilidade do pessoal docente é mais visível do que o de proceder à designação de titulares com nomeação definitiva. Em igualdade de condições, estes preferem aos titulares com nomeação provisória. Mas, se estes últimos aceitarem ser providos pelo mínimo de três anos, têm prioridade sobre os titulares de nomeação definitiva que não aceitem tal provimento.
No que respeita ao concurso externo (Capítulo IV), podem ser opositores os docentes dos quadros de escola e de zona pedagógica que pretendam mudar de grupo, subgrupo, disciplina ou especialidade e os indivíduos detentores de habilitação profissional adequada para o exercício da actividade docente [artigo
23º, nº 1, alíneas a) e b)], além de indivíduos portadores de habilitação própria, mas estes exclusivamente para os quadros de zona pedagógica (artigo
23º, nº 2). À semelhança do que sucede com os concursos internos, a ordenação dos candidatos é feita através da respectiva graduação profissional e académica
(artigo 25º, nº 1), estabelecendo-se um esquema de prioridades quer para os candidatos aos quadros de escola, quer para os candidatos aos quadros de zona pedagógica.
No que respeita às candidaturas a quadros de escola em concurso externo, têm prevalência os candidatos providos em quadro de escola, com nomeação definitiva, que pretendam mudar de grupo, subgrupo, disciplina ou especialidade para o qual possuam também habilitação profissional, que, quando providos no quadro de outra escola, aceitem o provimento por um período não inferior a três anos [artigo
25º, nº 4, alínea a)]. Seguem-se os candidatos providos em quadro de escola, com nomeação definitiva, que pretendam mudar de grupo, subgrupo, disciplina ou especialidade para o qual possuam também habilitação profissional [artigo 25º, nº 4, alínea b)]; ou seja, os candidatos que estejam em idênticas condições dos anteriores mas não aceitem o provimento por um mínimo de três anos. Na lista de prioridades, surgem depois os candidatos com habilitação profissional que aceitem ser providos por um período não inferior a três anos [artigo 25º, nº 4, alínea c)], e, por último, os candidatos com idêntica habilitação mas que não aceitem ser providos por aquele mínimo de tempo [artigo 25º, nº 4, alínea d)].
No que concerne às candidaturas para quadros de zona pedagógica nos concursos externos, constituem critérios de prioridade, nos termos do nº 5 do artigo 25º:
- candidatos providos em quadro de zona pedagógica, com nomeação definitiva, que pretendam mudar de grupo, subgrupo, disciplina ou especialidade para o qual possuam também habilitação profissional, que, quando providos no quadro de outra escola, aceitem o provimento por um período não inferior a três anos, sem prejuízo do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 20º [que dispõe que “a manutenção na situação de titular do quadro de zona pedagógica fica condicionada (...), às seguintes obrigações: c) Concorrer anualmente a todos os quadros de escola de uma ilha de qualquer quadro de zona pedagógica”];
- candidatos providos em quadro de zona pedagógica, com nomeação definitiva, que pretendam mudar de grupo, subgrupo, disciplina ou especialidade para o qual possuam também habilitação profissional;
- candidatos com habilitação profissional que aceitem ser providos por um período não inferior a três anos, sem prejuízo do disposto na alínea c) do nº
2 do artigo 20º;
- candidatos com habilitação profissional;
- candidatos com habilitação própria que aceitem ser providos por um período não inferior a três anos, sem prejuízo do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 20º;
- candidatos com habilitação própria.
É neste âmbito que se situa a norma cuja apreciação de constitucionalidade foi requerida ao Tribunal Constitucional, a alínea a) do nº 7 do artigo 25º do Regulamento do Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário aprovado pelo Decreto nº 26/2003 da Assembleia Legislativa Regional dos Açores. Esta norma determina, como se viu, que na ordenação de certas categorias de candidatos aos concursos externos para os quadros de escola ou de zona pedagógica, além dos demais critérios, se terá “ainda em conta” uma ordem de prioridades que coloca, num primeiro nível de prioridade, os candidatos que possuam uma ligação à Região Autónoma dos Açores e, num segundo nível, os candidatos detentores de habilitação profissional que não possuam tal ligação. Esta ligação define-se a partir dos seguintes critérios (que, entre si, não possuem qualquer hierarquia de prioridades):
- candidatos que tenham sido bolseiros da Região Autónoma dos Açores durante pelo menos um dos anos lectivos do curso que lhes confere habilitação profissional para a docência;
- candidatos que tenham prestado pelo menos 3 anos de serviço docente, como docente profissionalizado no respectivo grupo ou nível de docência, em escola da rede pública da Região Autónoma dos Açores;
- candidatos que tenham realizado o estágio profissionalizante, mesmo quando este não seja remunerado, em escola da rede pública da Região Autónoma dos Açores;
- candidatos que tenham acedido ao ensino superior integrados no contingente da Região Autónoma dos Açores.
A “preferência regional” contida na norma sub judicio reporta-se apenas, por conseguinte, às candidaturas em concursos externos e contempla os candidatos colocados em terceiro lugar na lista de prioridades, ou seja, os candidatos com habilitação profissional que aceitem ser providos por um período não inferior a três anos. Assim, mesmo beneficiando do tratamento preferencial previsto na alínea a) do nº 7 do artigo 25º, tais candidatos sempre serão ordenados em posição secundária relativamente aos candidatos providos em quadro de escola ou em quadro de zona pedagógica com nomeação definitiva. A “preferência regional” não se sobrepõe à ordenação de prioridades prevista nos nºs 4 e 5 do artigo 25º, nem afecta, naturalmente, a graduação profissional e académica dos candidatos
(cf. os artigos 25º, nº 1, 26º e 27º do Regulamento).
Refira-se, por outro lado, que a qualidade de bolseiro da Região Autónoma dos Açores – uma das condições de prioridade previstas na alínea a) do nº 7 do artigo 25º do Regulamento – é regulada pela Portaria nº 38/2000, de 15 de Junho, cujo nº 1 dispõe: “Podem aderir ao presente regime complementar de bolsa de estudo os alunos que, independentemente dos seus recursos económicos, da idade e do ano que frequentem, façam prova de estarem matriculados num curso de licenciatura, em qualquer das instituições de ensino superior portuguesas, que confira habilitação para a docência nas áreas que, em cada ano, por despacho do Director Regional da Educação, forem consideradas como carenciadas na Região Autónoma dos Açores”. Por seu turno, o nº 8 da mesma Portaria dispõe: “A aceitação da bolsa de estudo, através da assinatura do compromisso de honra e do recebimento da primeira mensalidade, implica, como contrapartida, e com dispensa de qualquer outra formalidade, a aceitação simultânea das seguintes condições: a) Prestar serviço em escola da Região Autónoma dos Açores durante um período de tempo não inferior ao dobro daquele durante o qual beneficie de bolsa, até ao máximo de oito anos, assumindo para tal o compromisso de, até colocação, concorrer a todas as escolas da Região Autónoma dos Açores, em todos os concursos para pessoal docente para os lugares para os quais tenha habilitação profissional, e aceitar a colocação que lhe couber; b) Iniciar funções na Região Autónoma dos Açores, imediatamente após a conclusão do curso; c) Apresentar, no início de cada ano lectivo, certificado de inscrição no curso, até sua conclusão”.
Quanto ao acesso ao ensino superior no contingente da Região Autónoma dos Açores – outras das condições de prioridade previstas na alínea a) do nº 7 do artigo 25º do Regulamento –, o regime actualmente em vigor consta do Decreto-Lei nº 296-A/98, de 25 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 99/99, de 30 de Março, e pelo Decreto-Lei nº 26/2003, de 7 de Fevereiro. O regime anterior, previsto no Decreto-Lei nº 28-B/96, de 4 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei nº 75/97, de 3 de Abril, continha uma norma revogatória (artigo 72º) da legislação anterior, o Decreto-Lei nº 189/92, de 3 de Setembro, alterado pelos Decretos-Leis nºs. 53/95, de 20 de Março, e 318/95, de 28 de Novembro, ressalvando, porém, a norma do nº 2 artigo 34º do Decreto-Lei nº 189/92. Assim, nos termos do artigo 34º, nº 2 do Decreto-Lei nº 189/92, de 3 de Setembro: “2 – Existem contingentes especiais de vagas para: Candidatos oriundos da Região Autónoma dos Açores”. Note-se que a existência destes contingentes se encontrava prevista no artigo 7º do Decreto-Lei nº 354/88, de 12 de Outubro, não tendo esta norma sido alterada pelo Decreto-Lei nº 140/89, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei nº 33/90, de 24 de Janeiro, pelo Decreto-Lei nº 276/90, de 10 de Setembro, e pelo Decreto-Lei nº 379/91, de 9 de Outubro; por outro lado, as alterações realizadas no Decreto-Lei nº 189/92 pelo Decreto-Lei nº 53/95, de 20 de Março, e pelo Decreto-Lei nº 318/95, de 28 de Novembro, não modificaram aquela norma do artigo 34º, nº 2.
O regime actualmente em vigor – constante do Decreto-Lei nº 296-A/98, de 25 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 99/99, de 30 de Março, e pelo Decreto-Lei nº 26/2003, de 7 de Fevereiro – estabelece o seguinte, no seu artigo 28º:
“compete ao Ministro da Ciência e do Ensino Superior, ouvida a Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior, aprovar, por portaria, o regulamento geral do concurso nacional, o qual contempla, nomeadamente: a) Os contingentes em que as vagas se repartirão”.
Nos termos do Regulamento Nacional de Acesso e Ingresso no Ensino Superior Público para a Matrícula e Inscrição no Ano Lectivo de 2002-2003, aprovado pela Portaria nº 711/2002, de 25 de Junho, determina-se:
“
Artigo 9.º Contingentes
1 - Na 1.ª fase as vagas fixadas para cada curso em cada estabelecimento de ensino superior são distribuídas por um contingente geral e por contingentes especiais.
2 - São criados os seguintes contingentes especiais: a) Contingente especial para candidatos oriundos da Região Autónoma dos Açores, com 3,5 % das vagas fixadas para a 1.ª fase; b) ...; c) ...; d) ...; e) ....
3 - O resultado do cálculo dos valores a que se refere o número anterior: a) É arredondado para o inteiro superior se tiver parte decimal maior ou igual a
5; b) Assume o valor 1 se for inferior a 0,5.
4 - As vagas atribuídas ao contingente geral são o resultado da diferença entre o número de vagas fixadas para a 1.ª fase e as vagas afectadas aos contingentes especiais nos termos dos nºs 2 e 3.
Artigo 10.º Contingentes especiais para candidatos oriundos das Regiões Autónomas dos Açores
e da Madeira
1 - Podem concorrer às vagas dos contingentes especiais previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo anterior os estudantes que, cumulativamente, façam prova de que: a) À data da candidatura residem permanentemente, há pelo menos dois anos, na Região Autónoma dos Açores ou na Região Autónoma da Madeira, respectivamente; b) Frequentaram e concluíram um curso de ensino secundário em estabelecimento de ensino secundário localizado na Região Autónoma em que têm residência; c) Nunca estiveram matriculados em estabelecimento de ensino superior público.
2 - Pode ainda concorrer às vagas do respectivo contingente especial o estudante que, cumulativamente, comprove: a) Ser filho (ou estar sujeito à tutela) tanto de funcionário ou agente, quer da administração pública central, regional e local, quer de organismo de coordenação económica ou de qualquer outro instituto público, como de magistrado, conservador, notário, funcionário judicial, membro das Forças Armadas ou das forças de segurança; b) Haver a sua residência permanente sido mudada há menos de dois anos para localidade situada fora da área territorial do referido contingente em consequência de o progenitor ou de a pessoa que sobre ele exerce o poder tutelar ter entretanto passado a estar colocado nessa localidade; c) À data da mudança de residência referida na alínea b), residir permanentemente, há pelo menos dois anos, na Região Autónoma dos Açores ou na Região Autónoma da Madeira, respectivamente, e aí ter estado inscrito no ensino secundário; d) Nunca ter estado matriculado em estabelecimento de ensino superior público.
3 - De entre os candidatos às vagas de cada um dos contingentes especiais referidos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo anterior, os candidatos que concorrem ao abrigo do n.º 1 do presente artigo têm prioridade de colocação em relação aos que concorrem ao abrigo do n.º 2.
4 - Os candidatos às vagas do contingente especial para a Região Autónoma dos Açores apenas podem concorrer a vagas desse contingente respeitantes a cursos congéneres dos professados na Universidade dos Açores e nas Escolas Superiores de Enfermagem de Angra do Heroísmo e de Ponta Delgada desde que também concorram, antes daquelas, às vagas dos cursos congéneres das referidas Universidade e Escolas Superiores de Enfermagem e para o efeito reúnam as condições a que se refere o artigo 6.º
5 - ...”.
[cf. o modo como se regulava o regime do contingente especial nos artigos 8º e
9º da Portaria nº 428/97, de 30 de Junho (Concurso para o Ano Lectivo de
1997-1998), nos artigos 8º e 9º da Portaria nº 403/89, de 11 de Julho (Concurso para o Ano Lectivo de 1998-1999), nos artigos 9º e 10º da Portaria nº 505-A/99, de 15 de Julho (Concurso para o Ano Lectivo de 1999-2000) e nos artigos 9º e 10º da Portaria nº 715/2001, de 12 de Julho (Concurso para o Ano Lectivo de
2001-2002)].
Estabelece-se ainda um regime de preferências regionais para acesso aos cursos de ensino superior ministrados nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira por parte dos residentes nessas Regiões [cf. o artigo 28º, alínea c), do Decreto-Lei nº 296-A/98, de 25 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 99/99, de 30 de Março, e pelo Decreto-Lei nº 26/2003, de 7 de Fevereiro, e o artigo 15º da Portaria nº 711/2002].
Definido o modo como se procede à integração do “contingente especial” para a Região Autónoma dos Açores, é importante salientar a diferença entre o regime constante do artigo 23º, nº 4, do anterior Regulamento do Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto Regulamentar Regional nº 1-A/2000/A, de 3 de Janeiro, na redacção do artigo 1º do Decreto Regulamentar nº 4-A/2002/A, de 21 de Janeiro, e o regime agora aprovado pelo Decreto nº 26/2003 da Assembleia Legislativa Regional dos Açores. Assim, enquanto a alínea d) do nº 4 do artigo
23º do anterior Regulamento atribuía prioridade aos candidatos que tivessem
“acedido ao ensino superior, para o curso que lhe[s] confere habilitação para a docência, integrados no contingente da Região Autónoma dos Açores” [itálico acrescentado], o novo Regulamento prevê uma ordenação prioritária dos
“candidatos que tenham acedido ao ensino superior integrados no contingente da Região Autónoma dos Açores” [artigo 25º, nº 7, alínea a), in fine]. Ou seja, desapareceu a necessidade de identificação entre o curso ao qual se acedeu integrado em contingente regional e o curso que confere habilitação para a docência, tornando-se mais longínqua, por assim dizer, a ligação entre a frequência do ensino superior e o exercício de funções docentes.
As demais normas do Regulamento tratam do procedimento nos concursos externos
(artigos 26º a 34º) e de outras formas de mobilidade do pessoal docente
(Capítulo V): afectação por prioridade (artigo 35º) e afectação dos docentes dos quadros de zona pedagógica que não tenham obtido colocação em quadro de escola
(artigo 36º). O Capítulo VI regula o exercício transitório de funções docentes mediante contrato administrativo (artigos 37º e seguintes), prevendo-se
“Disposições Finais” (Capítulo VII) respeitantes a necessidades remanescentes
(artigo 52º), exclusividade (artigo 53º), docentes requisitados (artigo 54º), tempo de serviço (artigo 55º), exoneração e nomeação definitiva (artigo 56º), exoneração e nomeação provisória (artigo 57º) e comissão de acompanhamento e avaliação do processo de concursos (artigo 58º). Deve salientar-se, por último, que, nos termos do artigo 5º do Decreto-Lei nº
139-A/90, de 28 de Abril, que aprovou o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, se determina que “a aplicação do presente diploma, bem como do estatuto por ele aprovado, às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira não prejudica as competências dos respectivos
órgãos de governo próprio” (cf., a este propósito, o Acórdão nº 363/94, in AcTC,
28º vol., pp. 97ss, e o Acórdão nº 81/2003, cit.). Há, assim, uma abertura, por parte do legislador nacional, à intervenção do legislador regional na modulação do estatuto do pessoal docente de acordo com as especificidades ou particularismos das regiões autónomas. Recorde-se que a Lei de Bases do Sistema Educativo prevê, não por acaso, que o sistema educativo será organizado de forma a “descentralizar, desconcentrar e diversificar as estruturas e acções educativas, de modo a proporcionar uma correcta adaptação às realidades, um elevado sentido de participação das populações, uma adequada inserção no meio comunitário e níveis de decisão eficientes” [artigo 3º, alínea g); itálico acrescentado], indo ao encontro do mandado da norma do artigo 74º, nº 2, alínea g), da Constituição, que incumbe ao Estado, na realização da política de ensino,
“inserir as escolas nas comunidades que servem”.
2. O parâmetro constitucional
O requerente situa a questão da constitucionalidade no âmbito do princípio da igualdade, confrontando as normas sub judicio com o artigo 13º da Constituição da República.
Não é necessário recordar, em todas as suas dimensões, a abundante jurisprudência constitucional nesta matéria (uma resenha dessa jurisprudência pode encontrar-se in Martim de Albuquerque, Da igualdade. Introdução à jurisprudência, Coimbra, 1993, pp. 167ss).
O Acórdão nº 319/00 (in AcTC, 47º vol., pp. 497ss), apoiando-se no Acórdão nº
563/96 (in AcTC, 33º vol., pp. 47ss), procedeu a uma síntese da jurisprudência constitucional relativa ao princípio da igualdade. Assim:
«[O] Tribunal Constitucional teve já a oportunidade de se pronunciar diversas vezes sobre as exigências do princípio constitucional da igualdade, que, no fundo, se reconduz à proibição do arbítrio, proibição essa que, naturalmente, não anula a liberdade de conformação do legislador onde ele a não infrinja. Assim, por exemplo, no acórdão nº 563/96 (...), publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º, pág. 47 e segs., foram assim descritas:
“1.1.- O princípio da igualdade do cidadão perante a lei é acolhido pelo artigo 13º da Constituição da República que, no seu nº 1, dispõe, genericamente, terem todos os cidadãos a mesma dignidade social, sendo iguais perante a lei, especificando o nº 2, por sua vez, que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social”.
Princípio estruturante do Estado de Direito democrático e do sistema constitucional global (cfr., neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 125) o princípio da igualdade vincula directamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cfr. ob. cit., pág.
129) o que resulta, por um lado, da sua consagração como direito fundamental dos cidadãos e, por outro lado, da 'atribuição aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força jurídica própria, traduzida na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de qualquer lei regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as entidades públicas, tenham elas competência legislativa, administrativa ou jurisdicional
(artigo 18º, nº 1, da Constituição)”(cfr. acórdão do Tribunal Constitucional nº 186/90, publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Setembro de
1990).
Muito trabalhado, jurisprudencial e doutrinariamente, o princípio postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais) - cfr., entre tantos outros, e além do já citado Acórdão nº 186/90, os Acórdãos nºs. 39/88, 187/90, 188/90, 330/93, 381/93, 516/93 e 335/94, publicados no referido jornal oficial, I Série, de 3 de Março de 1988, e II Série, de 12 de Setembro de 1990, 30 de Julho de 1993, 6 de Outubro do mesmo ano, e 19 de Janeiro e 30 de Agosto de 1994, respectivamente.
1.2.- O princípio não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento,
“razoável, racional e objectivamente fundadas”, sob pena de, assim não sucedendo, “estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes”, no ponderar do citado Acórdão nº 335/94. Ponto
é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada (o que importa é que não se discrimine para discriminar, diz-nos J.C. Vieira de Andrade – Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, pág. 299).
Perfila-se, deste modo, o princípio da igualdade como “princípio negativo de controlo” ao limite externo de conformação da iniciativa do legislador - cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág. 127 e, por exemplo, os Acórdãos nºs. 157/88, publicado no Diário da República, I Série, de 26 de Julho de 1988, e os já citados nºs. 330/93 e 335/94 - sem que lhe retire, no entanto, a plasticidade necessária para, em confronto com dois (ou mais) grupos de destinatários da norma, avalizar diferenças justificativas de tratamento jurídico diverso, na comparação das concretas situações fácticas e jurídicas postadas face a um determinado referencial (“tertium comparationis”). A diferença pode, na verdade, justificar o tratamento desigual, eliminado o arbítrio (cfr., a este propósito, Gomes Canotilho, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124, pág. 327; Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, pág. 425; acórdão nº 330/93).
Ora, o princípio da igualdade não funciona apenas na vertente formal e redutora da igualdade perante a lei; implica, do mesmo passo, a aplicação igual de direito igual (cfr. Gomes Canotilho, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra, 1982, pág. 381; Alves Correia, ob. cit., pág. 402) o que pressupõe averiguação e valoração casuísticas da 'diferença'” de modo a que recebam tratamento semelhante os que se encontrem em situações semelhantes e diferenciado os que se achem em situações legitimadoras da diferenciação.
O nº 2 do artigo 13º da Constituição da República enumera uma série de factores que não justificam tratamento discriminatório e assim actuam como que presuntivamente - presunção de diferenciação normativa envolvendo violação do princípio da igualdade - mas que são enunciados a título meramente exemplicativo: cfr., v.g., os Acórdãos nºs. 203/86 e 191/88, publicados no Diário da República, II Série, de 26 de Agosto de 1986, e, I Série, de 6 de Outubro de 1988, respectivamente, na esteira do parecer nº 1/86, da Comissão Constitucional, in Pareceres da Comissão Constitucional, vol., 1º, pág. 5 e segs., maxime pág. 11. A intenção discriminatória (...) não opera, porém, automaticamente, tornando-se necessário integrar a aferição jurídico-constitucional da diferença nos parâmetros finalístico, de razoabilidade e de adequação pressupostos pelo princípio da igualdade'».
Registe-se ainda que, quer a Comissão, quer o Tribunal Constitucional admitiram já a hipótese de, em certos casos, se proceder a diferenciações de tratamento ou, noutra perspectiva, a “discriminações positivas” (sobre a jurisprudência constitucional nesta matéria, cf., por todos, Luís Nunes de Almeida e Armindo Ribeiro Mendes, “Les discriminations positives – Portugal”, Annuaire International de Justice Constitutionnelle, vol. XIII, 1997, pp. 223ss).
Assim, no Parecer nº 33/81 (in ParCC, 17º vol., pp. 139ss) a Comissão Constitucional concluiu pela não inconstitucionalidade de normas de um decreto regulamentar da Região Autónoma dos Açores que disciplinava a matéria relativa ao pessoal auxiliar dos estabelecimentos de ensino primário e de educação pré-escolar nos Açores, dando preferência, no preenchimento dos lugares, a indivíduos do sexo feminino. O Tribunal Constitucional, por seu turno, não enjeitou a possibilidade de discriminações positivas em benefício das mulheres no Acórdão nº 191/88 (in AcTC, 12º vol., pp. 239ss) e também no Acórdão nº
231/94 (in AcTC, 27º vol., pp. 205ss). Noutra ocasião, o Tribunal admitiu um tratamento mais favorável do sexo feminino em razão do peso exercido pelas
“tarefas domésticas” (Acórdãos nºs 609/94 e 713/96, in AcTC, 29º vol., pp.
173ss, e 34º vol., pp. 215ss, respectivamente).
O debate em torno das discriminações positivas pela jurisprudência constitucional não se cinge, todavia, à questão das desigualdades em razão do género. A título ilustrativo, pode referir-se que, no Parecer nº 15/81, a Comissão Constitucional considerou que não violava a Constituição um regulamento ministerial sobre o preço dos transportes aéreos entre o Continente e as regiões autónomas que estabelecia uma discriminação de preços favorável aos residentes nessas regiões (in ParCC, 15º vol., pp. 129ss). Aí se afirmou, designadamente:
“Sucede (...) que tais discriminações favoráveis ou positivas têm uma razão de ser evidente, não configurando, por isso, uma violação ao princípio da igualdade, tal como é postulado na nossa Constituição (artigo 13º): o legislador considera atendível a circunstância de os cidadãos portugueses residirem habitualmente nas regiões autónomas, em ilhas afastadas do continente, para introduzir reduções dos preços de viagens aéreas que, de alguma maneira, minorem os inconvenientes da insularidade e do desigual desenvolvimento sócio-económico das próprias regiões autónomas (...).
Há certas situações da vida em que o legislador constitucional considera lícito criar regimes mais favoráveis para certos grupos humanos, em nome mesmo de uma tendencial igualdade de oportunidades ou igualdade de tratamento de facto”.
Mais tarde, o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela inconstitucionalidade de uma norma que atribuía uma preferência na admissão à Marinha, em regime de voluntariado, aos órfãos dos antigos membros desse ramo das Forças Armadas por entender que não existia um fundamento material razoável para essa discriminação
(Acórdão nº 336/86, in AcTC, 8º vol., pp. 263ss). Finalmente, no Acórdão nº 1/97
(in AcTC, 36º vol., pp. 7ss), o Tribunal pronunciou-se pela inconstitucionalidade de uma lei que impunha ao Ministério da Educação a criação de vagas suplementares no ensino superior público, ultrapassando o numerus clausus previamente fixado, de forma a permitir o ingresso de candidatos que, na fase de candidatura de Setembro, tivessem obtido uma classificação superior à obtida por candidatos admitidos na fase de candidatura de Julho - o Tribunal entendeu que o fundamento avançado para essa discriminação positiva (a compensação por anomalias surgidas no decurso de certos exames da primeira fase) não era adequado, uma vez que o sistema que se pretendia instituir acabaria por beneficiar estudantes que não haviam realizado exames na primeira fase e que, por conseguinte, nunca haviam sido lesados pelas eventuais anomalias que aí tivessem ocorrido.
É particularmente interessante, a este respeito, o Acórdão nº 44/84
(in AcTC, 3º vol., 1984, pp. 133ss), onde o Tribunal Constitucional decidiu não declarar a inconstitucionalidade de uma norma de um decreto-lei que estabelecia como critério de preferência na colocação de clínicos gerais “a opção pelo concelho de residência, verificada através do recenseamento eleitoral”. O Tribunal lembrou que “o princípio da igualdade não deve nem pode ser interpretado em termos absolutos, impedindo nomeadamente que a lei discipline diversamente quando diversas são as situações que o seu dispositivo visa regular”, mas, ao mesmo tempo, que “há violação do princípio da igualdade quando o legislador estabelece distinções discriminatórias. Assim é quando tais distinções são materialmente infundadas, quando assentam em motivos que não oferecem carácter objectivo e razoável; isto é, quando o preceito em apreço não apresenta qualquer fundamento material razoável”. No caso em apreço, o Tribunal considerou, em síntese, que a utilização da residência como critério de preferência na colocação de clínicos gerais não se mostrava injustificada, arbitrária ou irrazoável em face do princípio da igualdade, porquanto “uma maior inserção do médico na zona onde é chamado a exercer funções não é irrelevante
«em termos de garantir uma maior qualidade do serviço a prestar»”. Para o efeito, o Acórdão nº 44/84 não deixou de recordar o Parecer nº 1/76 da Comissão Constitucional (in ParCC, 1º vol., pp. 5ss), onde, justamente a propósito de uma preferência baseada na residência para a recondução ou colocação de professores em estabelecimentos de ensino na Região Autónoma da Madeira, bem como no acesso a estágios nesses estabelecimentos, se deixou afirmado:
“(...) poderá sustentar-se que elevar a critério de preferência a residência anterior no lugar do posto de trabalho pretendido, mais do que criar um privilégio pessoal, corresponde a dar relevância a um factor que importa ao bem do serviço público, por ser de presumir que a qualidade e o rendimento deste subirão se o funcionário se achar integrado no ambiente social correspondente ao local onde é chamado a desempenhar a sua função. Acresce que a residência – relação entre a pessoa e o lugar onde ela centra a sua vida – não é algo que de uma vez para sempre se defina, não é algo que adira ao homem como qualidade ou marca dele inseparável (sob este aspecto, é flagrante o contraste com a origem, ainda mais do que com a nacionalidade). Por isso mesmo, a preferência que em certas certas condições tome por base a residência não é de natureza a criar desigualdades estruturais entre cidadãos, aí onde existir um mínimo de mobilidade da população”.
Mais recentemente, o Tribunal Constitucional, numa situação onde estava justamente em causa uma pretensa desigualdade no recrutamento de professores (Acórdão nº 412/02, in D.R., II Série, de 16-12-2002), recordou que o princípio da igualdade abrange fundamentalmente três dimensões ou vertentes: a proibição do arbítrio, a proibição de discriminação e a obrigação de diferenciação, significando a primeira, a imposição da igualdade de tratamento para situações iguais e a interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais (tratar igual o que é igual; tratar diferentemente o que é diferente); a segunda, a ilegitimidade de qualquer diferenciação de tratamento baseada em critérios subjectivos (v.g., ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social); e a última surge como forma de compensar as desigualdades de oportunidades.
Nesse acórdão, o Tribunal apoiou-se ainda em duas anteriores decisões suas, começando por citar o que se disse no Acórdão nº 180/99 (in AcTC, 43º vol, pp.
135ss):
“(...) O Tribunal Constitucional tem considerado que o princípio da igualdade impõe que situações da mesma categoria essencial sejam tratadas da mesma maneira e que situações pertencentes a categorias essencialmente diferentes tenham tratamento também diferente. Admitem-se, por conseguinte, diferenciações de tratamento, desde que fundamentadas à luz dos próprios critérios axiológicos constitucionais. A igualdade só proíbe discriminações quando estas se afiguram destituídas de fundamento racional [cf., nomeadamente, os Acórdãos nºs 39/88,
186/90, 187/90 e 188/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol. (1988), p. 233 e ss., e 16º vol. (1990), pp. 383 e ss., 395 e ss. e 411 e ss., respectivamente; cf., igualmente, na doutrina, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 2ª ed., 1993, p. 213 e ss., Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6ª ed., 1993, pp. 564-5, e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 1993, p.125 e ss.]”.
Lembrou, depois, a linha argumentativa do Acórdão nº 409/99 (in AcTC, vol. 44º, pp 461ss):
“O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da igualdade enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (cf., quanto ao princípio da igualdade, entre outros, os Acórdãos nºs 186/90,187/90,188/90,1186/96 e 353/98, publicados in “Diário da República”, respectivamente, de 12 de Setembro de 1990, 12 de Fevereiro de 1997, e o último, ainda inédito).”
Assente a possibilidade de estabelecimento de diferenciações, tornar-se-á depois necessário proceder ao controlo das normas sub judicio, feito a partir do fim que visam alcançar, à luz do princípio da proibição do arbítrio
(Willkürverbot) e, bem assim, de um critério de razoabilidade.
Com efeito, é a partir da descoberta da ratio da disposição em causa que se poderá avaliar se a mesma possui uma “fundamentação razoável” (vernünftiger Grund), tal como sustentou o “inventor” do princípio da proibição do arbítrio, Gerhard Leibholz (cf. F. Alves Correia, O plano urbanístico e o princípio da igualdade, Coimbra, 1989, pp. 419ss). Essa ideia é reiterada entre nós por Maria da Glória Ferreira Pinto: “[E]stando em causa (...) um determinado tratamento jurídico de situações, o critério que irá presidir à qualificação de tais situações como iguais ou desiguais é determinado directamente pela 'ratio' do tratamento jurídico que se lhes pretende dar, isto é, é funcionalizado pelo fim a atingir com o referido tratamento jurídico. A 'ratio' do tratamento jurídico
é, pois, o ponto de referência último da valoração e da escolha do critério”
(cf. Princípio da igualdade: fórmula vazia ou fórmula 'carregada' de sentido?, sep. do Boletim do Ministério da Justiça, nº 358, Lisboa, 1987, p. 27). E, mais adiante, opina a mesma Autora: “[O] critério valorativo que permite o juízo de qualificação da igualdade está, assim, por força da estrutura do princípio da igualdade, indissoluvelmente ligado à 'ratio' do tratamento jurídico que o determinou. Isto não quer, contudo, dizer que a 'ratio' do tratamento jurídico exija que seja este critério, o critério concreto a adoptar, e não aquele outro, para efeitos de qualificação da igualdade. O que, no fundo, exige é uma conexão entre o critério adoptado e a 'ratio' do tratamento jurídico. Assim, se se pretender criar uma isenção ao imposto profissional, haverá obediência ao princípio da igualdade se o critério de determinação das situações que vão ficar isentas consistir na escolha de um conjunto de profissionais que se encontram menosprezados no contexto social, bem como haverá obediência ao princípio se o critério consistir na escolha de um rendimento mínimo, considerado indispensável
à subsistência familiar numa determinada sociedade” (ob. cit., pp. 31-32).
Também a jurisprudência constitucional se orienta nesse sentido. Assim, o Tribunal Constitucional alemão já teve ensejo de afirmar que “(...) um tratamento arbitrário é aquele que (...) não é compreensível por uma apreciação razoável das ideias dominantes da Lei Fundamental” (42 BVerfGE 64, 74) e que
“[A] máxima da igualdade é violada quando para a diferenciação legal ou para o tratamento legal igual não é possível encontrar um motivo razoável, que surja da natureza das coisas ou que, de alguma outra forma, seja compreensível em concreto, isto é, quando a disposição tenha de ser qualificada como arbitrária”
(1 BVerfGE 14, 52; mais recentemente, cf. 12 BVerfGE 341, 348; 20 BVerfGE 31,
33; 30 BVerfGE 409, 413; 44 BVerfGE 70, 90; 51 BVerfGE 1, 23; 60 BVerfGE 101,
108).
Caminhos idênticos foram percorridos pelo Tribunal Constitucional português (a título meramente exemplificativo, cf. os Acórdãos nºs 44/84, 186/90, 187/90 e
188/90, in AcTC, 3º vol., pp. 133ss, e 16º vol., pp. 383 ss, 395ss e 411ss, respectivamente). No Acórdão nº 39/88, o Tribunal teve ocasião de dizer: “[O] princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo constitucionalmente relevantes
(...)” (in AcTC, 11º vol., pp. 233ss). E, curiosamente, também nos Estados Unidos se alude à necessidade de, no estabelecimento de diferenciações, obedecer a um cânone de razoabilidade (reasonableness) (cf. J. Tussman e J. tenBroek,
“The equal protection of the laws”, California Law Review, nº 37, 1949, p. 344, cit. por Gianluca Antonelli, “La giurisprudenza italiana e statunitense sul principio di solidarietà”, Studi parlamentari e di politica costituzionale, nºs.
125-126, 1999, p. 89; sobre o princípio da razoabilidade na jurisprudência norte-americana, cf. Giovanni Bognetti, “Il principio di ragionevolezza e la giurisprudenza della Corte Suprema degli Stati Uniti”, in AA.VV., Il principio di ragionevolezza nella giurisprudenza della Corte Costituzionale. Riferimenti comparatistici, Milão, 1994, pp. 43ss).
Neste domínio em especial, merece destaque a evolução da jurisprudência constitucional italiana que, tendo firmado em termos absolutos a ideia da discricionariedade do legislador (sentenze nºs 28/1957 e 56/1958), veio pouco depois indagar se uma dada lei se apresentava “destituída de qualquer justificação” e se a mesma detinha uma “razão idónea” (sentenza nº 46/1959). Na sentenza nº 15/1960, a Corte disse que era sua jurisprudência constante considerar que “(...) o princípio da igualdade é violado mesmo quando a lei, sem um motivo razoável, procede a um tratamento diverso de cidadãos que se encontram em situação idêntica”. A doutrina, de seu lado, não andou longe destas asserções: já Mortati afirmava, por exemplo, que o legislador tinha “a obrigação de não violar as leis da lógica” (Istituzioni di diritto pubblico, Pádua, 1958, p. 715; mais recentemente, cf. a mesma obra, 9ª ed., actualizada, Pádua, 1976, pp. 1412ss). Mais tarde, Carlo Lavagna teve a percepção clara da necessidade do recurso a um princípio de razoabilidade - que definiu como “la utilizzazione razionale dei contesti umani nella costruzione di norme sulla base delle prescrizioni-fonte” - e enunciou os diversos critérios da sua ponderação: a correspondência (corrispondenza), o juízo sobre a finalidade (giudizio sulle finalità), a pertinência (pertinenza), a congruência (congruità) meios/fins, a coerência (coerenza), a evidência (evidenza) e, enfim, a motivação (motivazione)
(cf. “Ragionevolezza e legittimità costituzionale”, in Studi in memoria di Carlo Esposito, vol. III, Pádua, 1973, pp. 1573ss). De igual modo, Vezio Crisafulli reconheceu que o Tribunal, ao indagar de eventuais violações do princípio da igualdade, fá-lo, designadamente, com base numa “cláusula geral de razoabilidade” (cf. Lezioni di diritto costituzionale, tomo II, 5ª ed., revista e actualizada, Pádua, 1984, p. 372). Contrariando a tese do “racional como razoável” (Aulis Aarnio), Gustavo Zagrebelski veio distinguir a ideia de racionalidade - que, em seu entender, corresponderia à coerência lógica - da ideia de razoabilidade, estando esta ligada a uma adequação aos valores de justiça que funciona primacialmente como um vínculo negativo do legislador [cf. La giustizia costituzionale, 2ª ed., Bolonha, 1988, pp. 147ss; idem, “Su tre aspetti della ragionevolezza”, in AA.VV., Il principio..., cit., pp.179ss, em esp. pp. 181-184 (onde parece aproximar os conceitos de razoabilidade e racionalidade)]. E, justamente naquele primeiro sentido - isto é, no sentido de uma racionalidade coerente -, aludiu o Tribunal Constitucional italiano, na sua sentenza nº 204/1982, a um “cânone geral de coerência” (generale canone di coerenza) [cf., sobre a evolução jurisprudencial do Tribunal Constitucional italiano, A. Agrò, “Commento all’art 3 Cost.”, in G. Branca (org.), Commentario della Costituzione, vol. I, Bolonha e Roma, 1975, pp. 141ss; Paolo Barile, “Il principio di ragionevolezza nella giurisprudenza della Corte Costituzionale”, in AA.VV., Il principio..., cit., pp. 21ss; Livio Paladin, “Ragionevolezza
(principio di)”, in Enciclopedia del Diritto – Aggiornamento, vol. I, Milão,
1997, em esp. pp. 900ss].
Destaque-se, por outro lado, que também a jurisprudência do Conselho Constitucional francês fez referência à necessidade de o legislador se nortear por critères rationnels et objectifs. Particularmente no que respeita ao princípio da igualdade perante os encargos públicos, o Conselho admitiu a introdução de discriminações, desde que as mesmas se fundassem em critérios objectivos e racionais - cf. as decisões 83-164 DC de 29-12-1983, 89-270 DC de
29-12-1989 e 91-298 DC de 24-7-1991, cits. por Louis Favoreu, “Conseil Constitutionnel et ragionevolezza: d’un rapprochement improbable à une communicabilité possible”, in AA.VV., Il principio..., cit., p. 224.
Interessa assinalar, por fim, que a mais recente jurisprudência do Bundesverfassungsgericht procura, de certo modo, superar os limites estreitos da teoria da proibição do arbítrio, aumentando, de certo modo, a “densidade do controlo” (Kontrolldichte), por meio de uma nova fórmula do seguinte teor:
“[E]sta norma constitucional (o artigo 3º, nº 1) obriga a tratar de modo igual todos os homens perante a lei. Consequentemente, este direito fundamental é sobretudo violado se um grupo de destinatários da norma em comparação com outros destinatários da norma é tratado de modo diferente, sem que existam entre os dois grupos diferenças de tal natureza (Art) e de tal peso (Gewicht) que possam justificar o tratamento desigual” (cf. F. Alves Correia, ob. cit., p. 425; v., ainda, Dian Schefold, “Aspetti di ragionevolezza nella giurisprudenza costituzionale tedesca”, in AA.VV., Il principio..., cit., pp. 121ss).
Pode assim concluir-se que o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República e de que o artigo 47º, nº 2 da nossa lei fundamental consagra uma projecção específica em matéria de acesso à função pública, proíbe diferenciações de tratamento, salvo quando estas, ao serem objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes, se revelem racional e razoavelmente fundadas. Tal proibição não alcança assim as discriminações positivas, em que a diferenciação de tratamento se deve ter por materialmente fundada ao compensar desigualdades de oportunidades. Mas deve considerar-se que inclui ainda as chamadas “discriminações indirectas”, em que, e sempre sem que tal se revele justificável de um ponto de vista objectivo, uma determinada medida, aparentemente não discriminatória, afecte negativamente em maior medida, na prática, uma parte individualizável e distinta do universo de destinatários a que vai dirigida.
3. Aplicação às normas sob sindicância
3.1. Como atrás ficou referido, a regra do nº 7 do artigo 25º do Regulamento vem estabelecer uma ordem de prioridades que, na admissão a concursos externos para o recrutamento do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário e profissional público, deve ser observada no interior de um dos grupos de candidatos aos quadros de escola ou de zona pedagógica que os nºs 4 e
5 do mesmo artigo incluem numa primeira série de prioridades. O grupo em causa, referido nas alíneas c) dos referidos nºs 4 e 5 daquele artigo, é integrado pelos “candidatos com habilitação profissional que aceitem ser providos por um período não inferior a três anos” que, nos termos daquelas disposições, embora sofram a preferência dos “candidatos providos em quadro de escola, com nomeação definitiva, que pretendam mudar de grupo, subgrupo, disciplina ou especialidade para o qual possuam também habilitação profissional” [a que se referem as alíneas a) e b) daqueles números] têm precedência na ordenação sobre os candidatos com simples habilitação profissional [mencionados na alínea d) dos mesmos números] e, no caso de candidatura aos quadros de zona pedagógica, sobre os candidatos com habilitação própria, referidos nas alíneas e) e f) do nº 5.
A ordem de prioridades que a regra do nº 7 do artigo 25º do Regulamento estabelece para os referidos “candidatos com habilitação profissional que aceitem ser providos por um período não inferior a três anos” dá precedência na ordenação àqueles candidatos que
i) tenham sido bolseiros da Região Autónoma dos Açores durante pelo menos um dos anos lectivos do curso que lhes confere habilitação profissional para a docência; ou ii) tenham prestado pelo menos 3 anos de serviço docente, como docente profissionalizado no respectivo grupo ou nível de docência em escola da rede pública da Região Autónoma dos Açores; ou iii) tenham realizado o estágio profissionalizante, mesmo quando este não seja remunerado, em escola da rede pública da Região Autónoma dos Açores; ou iv) tenham acedido ao ensino superior integrados no contingente da Região Autónoma dos Açores.
Com o dispositivo em questão visa o legislador regional a “estabilização dos quadros docentes dos Açores com vista à promoção da educação e da qualidade do ensino na Região”.
Não está em causa a legitimidade do fim último prosseguido, que claramente se insere nas obrigações dos entes públicos regionais, assim como a adequação, para o efeito, do escopo instrumental utilizado pelo legislador: a estabilização dos quadros docentes da região. Não sofre contestação, na realidade, que uma rede escolar caracterizada pela presença de quadros dotados de estabilidade assegurará muito mais eficazmente a qualidade do ensino que uma outra em que os agentes de ensino mantenham apenas laços precários com a comunidade que a escola serve e onde por imperativo constitucional se deve achar inserida
[artigo 74º, nº 2, alínea f), da C.R.P.]. O que levou o legislador a, no interior de cada categoria incluída na ordenação (candidatos providos em quadro de escola com nomeação definitiva; candidatos com habilitação profissional; e, no caso da candidatura aos quadros de zona pedagógica, candidatos com habilitações próprias), dar sistematicamente preferência àqueles candidatos que aceitem ser providos por um período não inferior a três anos. Questiona-se apenas a legitimidade das diferenças de tratamento que o referido nº 7 introduz no seio dos “candidatos com habilitação profissional que aceitem ser providos por um período não inferior a três anos”.
Tais dúvidas afiguram-se em princípio desprovidas de fundamento. Na verdade, as diferenças de tratamento assim introduzidas são meras preferências relativas que intervêm no interior de uma mesma categoria mais geral. E não constituem qualquer vedação de acesso à candidatura ao subgrupo de candidatos que delas não goza. Com efeito, todos os indivíduos com habilitação profissional que aceitem ser providos por um período não inferior a três anos podem candidatar-se e gozam inclusivamente de preferência na ordenação, nos termos referidos, sobre outras categorias de candidatos. O que o referido preceito se limita a fazer é a conceder preferência dentro dessa categoria a uma parte daqueles que nela se integram e que se podem prevalecer de uma especial ligação
à Região Autónoma dos Açores definida nos termos da sua alínea a).
Não é desrazoável pensar que uma especial ligação aos Açores possa favorecer a radicação nesta Região e por aí a estabilização dos seus quadros docentes. Resta pois indagar se os termos por que tal ligação é concretizada desnaturam o objectivo prosseguido e, revelando-se arbitrários ou carecidos de adequada fundamentação, nos termos supra indicados, constituem uma discriminação constitucionalmente proibida em relação àqueles cuja candidatura é preterida pela actuação do comando que analisamos.
Tal afigura-se excluído no que tange à primeira condição de preferência consagrada. Com efeito, o Regulamento do regime de concessão de bolsas de estudo para a frequência de cursos de licenciatura que confiram habilitação para a docência apenas faz depender a concessão de bolsas de estudo da matrícula num curso de licenciatura, em qualquer das instituições de ensino superior portuguesas, que confira habilitação para a docência nas áreas que, em cada ano, por despacho do Director Regional da Educação, forem consideradas como carenciadas na Região Autónoma dos Açores. Não existe neste regime, pois, qualquer condição discriminatória na definição do universo dos candidatos à docência. E a inserção daquela condição de preferência afigura-se além disso adequada a facilitar aos candidatos que dela beneficiam o cumprimento do compromisso, que assumem, nos termos do nº 8 do Regulamento acima citado, de
“prestar serviço em escola da Região Autónoma dos Açores durante um período de tempo não inferior ao dobro daquele durante o qual beneficie[m] de bolsa, até ao máximo de oito anos”. Por outro lado, e para as hipóteses em que esse compromisso haja já sido cumprido, sempre o candidato haveria de ter prestado dois anos de serviço docente na Região Autónoma dos Açores. Não se afigura pois que, ao atentar na efectiva ou potencial prestação de serviço docente na Região, e na opção em sede de habilitação profissional, por área considerada como carenciada na Região Autónoma dos Açores, reveladas pela concessão de bolsa de estudo de que o candidato beneficiou, o legislador regional haja ultrapassado a discricionaridade legislativa que lhe é consentida ao utilizar um critério objectivo e racional, na medida em que exprime uma ligação àquela Região Autónoma.
O mesmo se diga das segunda e terceira razões de preferência a que alude a alínea a) do nº 7 do artigo 25º e que se referem, respectivamente, à prestação de pelo menos três anos de serviço docente, como docente profissionalizado no respectivo grupo ou nível de docência em escola da rede pública na Região Autónoma dos Açores, e à realização de estágio profissionalizante, mesmo quando este não seja remunerado, em escola da mesma rede. Trata-se aqui de elementos objectivos, reveladores de uma ligação à Região Autónoma dos Açores, que não envolvem qualquer privilégio de naturalidade, origem ou residência e cuja eleição, para os efeitos em vista, se enquadra pois manifestamente na liberdade de conformação que não pode deixar de ser reconhecida ao legislador.
Importa por último considerar o quarto critério de preferência referido, que faz relevar a circunstância de o candidato ter acedido ao ensino superior integrado no contingente especial da Região Autónoma dos Açores. Cumpre referir, a este propósito, que se não alcança em que é que o círculo dos candidatos por ele recortado pode por si só revelar uma ligação à Região Autónoma dos Açores diversa ou mais intensa que a daqueles outros que, encontrando-se quanto ao mais em idêntica situação, isto é, sendo igualmente detentores de habilitação profissional e aceitando ser providos por um período não inferior a três anos, hajam acedido ao ensino superior pela via do contingente geral, que não pela do contingente especial daquela Região Autónoma, muito embora preenchessem todos os requisitos a que está sujeita a inclusão neste último. O que significa que tal inclusão constitui um factor extrínseco, que por si só nada acrescenta e não revela uma particular ligação à Região Autónoma dos Açores.
É verdade que uma certa ligação pode resultar do preenchimento dos pressupostos de que depende a inserção no referido contingente especial, mas estes podem verificar-se mesmo em relação a candidatos que tenham acedido ao ensino superior integrados no contingente geral. Desde logo quanto a estes, e uma vez que o referido critério introduz uma desigualdade de tratamento desprovida de qualquer justificação, revelando-se arbitrária, a condição é discriminatória. Mas ao não revelar, em si mesma considerada, qualquer ligação efectiva dos candidatos à Região Autónoma dos Açores, aquela condição também não constitui fundamento para a preferência que reconhece aos candidatos que a preencham sobre todos os demais. Pelo que, e sem pôr em causa as razões que estão na base da fixação do referido contingente, há-de considerar-se que a utilização da pertinência a ele, enquanto elemento demonstrativo de uma particular ligação à Região Autónoma dos Açores, para justificar uma preferência de ordenação dos candidatos a que se referem as alíneas c) do nº 4 e c) do nº 5 do artigo 25º do Regulamento, excede a liberdade de conformação do legislador, ao postular uma diferenciação de tratamento sem qualquer justificação razoável, violando desta forma, segundo é lição corrente da doutrina e da jurisprudência constitucional, a proibição do arbítrio que representa uma primeira dimensão do princípio da igualdade.
3.2. Vejamos agora a norma do artigo 2º do Decreto da Assembleia Legislativa Regional nº 26/2003 na medida em que estabelece, para os procedimentos do concurso do pessoal docente da educação pré-escolar e ensinos básico e secundário para o ano 2003/2004, uma redacção provisória para o nº 4 do artigo
23º do Regulamento.
Integrada na disposição relativa aos candidatos, aquela norma faz depender o concurso a provimento por período não inferior a três anos do preenchimento de uma, pelo menos, das condições (reveladoras, no entender do legislador regional, de uma especial ligação à Região Autónoma dos Açores) acima apreciadas no contexto do artigo 25º, nº 7 do Regulamento. Importa referir a este propósito que a aceitação do provimento por um período não inferior a três anos constitui, nos termos do artigo 25º do Regulamento, na redacção que lhe é dada pela disposição transitória do artigo 2º do Decreto da Assembleia Legislativa Regional nº 26/2003, um critério de ordenação dos candidatos aos quadros de escola ou de zona pedagógica providos em lugar de escola ou de zona pedagógica com nomeação definitiva, e, apenas no caso dos concursos para os quadros de zona pedagógica, de ordenação dos candidatos com habilitação profissional e dos dotados de habilitação própria (que sofrem contudo a preferência dos anteriores).
Diferentemente do que acontecia com a disposição do Regulamento cuja conformidade ao princípio da igualdade se começou por analisar, os mencionados
índices de ligação especial à Região Autónoma dos Açores não operam agora como factor de preferência relativa no interior de uma categoria, mas como condição de acesso a um tipo particular de concurso (o de provimento por período não inferior a três anos). Importa acrescentar que, nos termos da redacção provisória do referido artigo 25º, é conferida prioridade, nos concursos para os quadros de escola e de zona pedagógica, aos candidatos providos em quadros de escola com nomeação definitiva e a candidatura a tal tipo de provimento é factor de preferência, nos concursos para os quadros de escola ou de zona pedagógica, entre os candidatos providos em quadros de escola com nomeação definitiva que neles ocupam a primeira posição, e, nos concursos para os quadros da zona pedagógica, no seio dos candidatos com habilitação profissional e dos que têm habilitação própria (que, por sua vez, sofrem a preferência dos anteriores).
Nestes termos, ao invés de constituir um critério relativo de prioridade no seio de uma categoria que ocupava um determinado lugar num processo de ordenação dos candidatos, como no artigo 25º, nº 7 do Regulamento, os mesmos factores de revelação de uma pretendida ligação especial à Região Autónoma dos Açores constituem agora, para os concursos referentes ao ano escolar 2003/2004, na redacção dada pela norma transitória do artigo 2º do Decreto da Assembleia Legislativa Regional nº 26/2003, ao artigo 23, nº 4 do Regulamento, verdadeiras condições de acesso a um tipo particular de concursos. Concursos estes que dão aos que a ele são admitidos ou posições de prioridade na ordenação dos candidatos aos quadros de escola ou de zona pedagógica, nos termos já referidos, ou que, para certas categorias (a dos candidatos com habilitação profissional), constituem a única possibilidade de acesso aos quadros de escola.
As condições referidas não consubstanciam nestes termos meras preferências relativas, mas autênticas condições de acesso a um particular tipo de concursos, discriminando, em violação do disposto no artigo 47º, nº 2 da Constituição, todos os candidatos que as não preencham, ao impedi-los de concorrer, com aqueles que se encontrem em situação funcional ou académica semelhante, a um provimento por período não inferior a três anos, que por sua vez constitui, como vimos, critério de prioridade na ordenação de candidatos ou condição de participação, para determinadas categorias de candidatos, em certos concursos.
Na verdade, os candidatos em que não concorram tais condições não podem sequer propor-se concretizar uma das finalidades assumidas da legislação regional em apreciação – a constituição de uma ligação estável ao ensino na Região Autónoma dos Açores – uma vez que ficam por aquela disposição impedidos de se candidatarem a um “provimento por período não inferior a três anos”.
Nestes termos, não pode a conformidade à Constituição daquela disciplina provisória deixar de ser rejeitada, por a sua aplicação envolver uma manifesta discriminação a favor daquelas categorias, discriminação que não logra basear-se em qualquer fundamento objectivo em favor dos candidatos que preencham as referidas condições. Com efeito, não se alcança desde logo em que medida é que a norma em questão serve a finalidade, declarada pelo legislador regional, de estabilização do corpo docente da Região, uma vez que veda a uma categoria de candidatos (os que não preencham as condições referidas e elencadas no artigo
23º, nº 4, na sua versão provisória) o acesso a um tipo de concursos que, precisamente por conduzirem a um provimento por duração não inferior a três anos, garantem uma particular estabilização do corpo docente. E não se vê em que
é que o não preenchimento daquelas condições constitui um fundamento objectivo de afastamento dos candidatos por elas excluídos da possibilidade de concorrer a provimento por período não inferior a três anos e, portanto, de contribuírem nessa medida para a estabilização do corpo docente regional. Nem se alcança em que medida é que a circunstância, referida no preâmbulo do diploma a que nos reportamos, de, tendo já decorrido o prazo para entrega das candidaturas ao concurso para pessoal docente para o ano escolar de 2003/2004 entretanto aberto, se manter a respectiva tramitação, implica que a selecção dos candidatos nele devesse ser feita por critérios distintos dos consagrados em geral para o futuro pelo legislador regional no artigo 25º.
Nesta medida, não pode deixar de se considerar que a referida restrição ao acesso ao concurso de provimento por período não inferior a três anos carece de fundamento objectivo, contrariando aliás a finalidade que o legislador regional prossegue, e constitui uma limitação arbitrária dos direitos dos candidatos, ofendendo o princípio constitucional da igualdade.
IV – DECISÃO
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade, por violação dos artigos 13º e
47º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, do segmento normativo que contém o critério respeitante aos candidatos que tenham acedido ao ensino superior integrados no contingente da Região Autónoma dos Açores, constante da parte final da alínea a) do nº 7 do artigo 25º do Regulamento do Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo artigo 1º do Decreto da Assembleia Legislativa Regional dos Açores nº
26/2003, e, bem assim, da norma constante do artigo 2º do mesmo Decreto, na medida em que estabelece uma redacção provisória para o nº 4 do artigo 23º daquele Regulamento, aplicável ao concurso do pessoal docente para o ano lectivo de 2003/2004.
b) Não se pronunciar pela inconstitucionalidade dos demais segmentos normativos do nº 7 do artigo 25º do Regulamento do Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo artigo 1º do Decreto da Assembleia Legislativa Regional dos Açores nº 26/2003.
Lisboa, 13 de Maio de 2003.
Rui Manuel Moura Ramos Paulo Mota Pinto Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Gil Galvão Maria Helena Brito Mário José de Araújo Torres Benjamim Rodrigues Artur Maurício (subscrevendo a declaração de voto feita pela Exmª Consª Maria dos Prazeres Beleza) Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (com declaração de voto) Maria Fernanda Palma (com declaração de voto quanto à alínea b) da Decisão) Carlos Pamplona de Oliveira – com declaração expressa pela Senhora Conselheira Prazeres Beleza. Luís Nunes de Almeida
Declaração de voto
Não votei no sentido do não conhecimento do pedido por estar em causa uma questão que, pelas razões indicadas no acórdão, ficou por analisar no acórdão nº
81/2003, apesar de ter sido colocada ao Tribunal Constitucional.
É que, em meu entender, não basta a simples manifestação de dúvidas de constitucionalidade para que se justifique a intervenção do Tribunal Constitucional, mesmo em processo de fiscalização preventiva, no essencial, pelas seguintes razões:
1. A fiscalização preventiva não é uma função consultiva, não é uma função auxiliar do veto. É uma função jurisdicional do Tribunal Constitucional, ao mesmo título que as demais funções de fiscalização.
2. Se o Tribunal Constitucional não se pronuncia pela inconstitucionalidade, o poder de veto fica intacto e pode ser exercido livremente. Se, diferentemente, o Tribunal Constitucional se pronuncia pela inconstitucionalidade, o poder de veto muda de natureza, passando a exercer apenas uma função subordinada de execução da decisão do Tribunal (veto obrigatório). O Ministro da República (neste caso) não é, portanto, um órgão consulente, mas antes um órgão requerente ou de iniciativa, que pode também vir a ser um órgão executor.
3. No sistema português, que reconhece aos tribunais poderes muito amplos de fiscalização sucessiva, a fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional não constitui um modo normal de fiscalização da constitucionalidade das leis. No espírito da Constituição, a fiscalização preventiva serve apenas o objectivo de evitar a entrada em vigor de textos legais feridos de uma inconstitucionalidade particularmente nítida e clara. Se se fosse mais longe, fazendo intervir o Tribunal Constitucional sempre que um argumento de inconstitucionalidade pudesse ser configurado, o peso do sistema deslocar-se-ia para a fiscalização preventiva, com prejuízo, pelo menos, da fiscalização sucessiva difusa.
4. Não podendo o Tribunal Constitucional decidir da oportunidade da sua intervenção, cabe necessariamente ao órgão requerente, enquanto órgão detentor da iniciativa processual, o papel de seleccionar os casos em que se justifica a fiscalização preventiva. Para que esta se exerça dentro do espírito da Constituição, é necessário que exista aos olhos do órgão requerente mais do que uma simples dúvida, ainda que razoável. O órgão requerente deverá estar ele mesmo convicto da existência da inconstitucionalidade e sustentá-la em termos afirmativos, não em termos meramente dubitativos e hipotéticos. Se o órgão requerente não tiver essa convicção, não deverá suscitar a intervenção do Tribunal Constitucional. No mesmo sentido aponta o facto de o juízo de não inconstitucionalidade ser desprovido de quaisquer efeitos “preventivos”. É que a fiscalização preventiva só produz efeitos úteis se conduzir a um juízo de inconstitucionalidade; não pode, portanto, servir para afastar dúvidas, mas sim para afastar inconstitucionalidades. Só deve, portanto, ser utilizada quando o órgão requerente estiver convencido da existência da inconstitucionalidade, desenvolvendo nesse sentido uma argumentação conclusiva.
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Declaração de voto
Concordando, em geral, com a fundamentação do Acórdão, tenho muitas dúvidas de que o artigo 1º do Decreto da Assembleia Legislativa Regional dos Açores não promova uma “discriminação indirecta” incompatível com o princípio da igualdade que acabe por impedir, na prática, as pessoas que não se enquadram nos critérios de prioridade de obterem colocação. Na verdade, conferindo a página oficial na Internet do Governo Regional dos Açores (dre.raa.pt), pode constatar-se que, no ano lectivo de 2002/2003, os números globais (resultantes da adição das várias parcelas) de candidatos incluídos nas prioridades foram de 499 e 554 (para os Quadros de Zonas Pedagógicas e de Escolas, respectivamente), enquanto os números globais de vagas correspondentes foram de 61 e 458. A circunstância de ter sido considerado inconstitucional um segmento da norma em crise (o relativo aos candidatos provenientes dos contingentes especiais de acesso ao ensino superior), apesar de reduzir o universo dos candidatos incluídos nas prioridades, não logrará, em princípio, abrir uma possibilidade razoável de colocação a candidatos fora daquelas prioridades. Com efeito, a maioria dos candidatos que poderiam concorrer por terem sido colocados no Ensino Superior ao abrigo dos contingentes especiais fizeram a sua profissionalização na Região – pois condição de ingresso nos contingentes é a candidatura prévia às vagas da Universidade dos Açores, cujos cursos de licenciatura comportam, em geral, no 5º ano, a profissionalização (artigo 10º, nº 4, do Regulamento do Concurso Nacional de Acesso e Ingresso no Ensino Superior Público para a Matrícula e Inscrição no ano lectivo de 2002/2003, aprovado pela Portaria nº 711/2002, D.R., I Série-B, de 25 de Junho). Deste modo, tais candidatos, não podendo beneficiar do critério inconstitucional dos contingentes, beneficiarão, ainda assim, na maioria dos casos, do critério da profissionalização na Região. Por conseguinte, a preferência absoluta pelos critérios referidos pode redundar, em concreto, num modo de vedar o acesso àqueles lugares da Função Pública a outros candidatos.
Maria Fernanda Palma