Imprimir acórdão
Processo n.º 552/02
2ª Secção Relator – Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência no Tribunal Constitucional I. Relatório
1.A., melhor identificado nos autos, interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, do acórdão proferido no Tribunal da Relação de Lisboa em 15 de Janeiro de 2002. Por acórdão datado de 9 de Maio de 2002, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu rejeitar o recurso, por ter sido extemporaneamente apresentado (intentado antes do trânsito em julgado do acórdão recorrido), por não apresentar conclusões e
“por falta de indicação do sentido em que deve ser fixada a jurisprudência” e das respectivas razões, nos termos dos artigos 441º, n.º 1, 411º, n.º 3, 414º, n.º2, 420º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicáveis por força do artigo
448º do mesmo diploma. Inconformado, o recorrente, “notificado, por registo expedido em 02-05-13, do douto acórdão que rejeitou o recurso interposto”, veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, invocando o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
43/99, e por não se conformar “com a decisão de que a falta de indicação do sentido em que deve ser fixada a Jurisprudência no requerimento de interposição do recurso implica a rejeição do recurso, seja qual for o Tribunal que assim decida”, especificando o sentido da interpretação normativa, adoptada pela decisão recorrida, cuja constitucionalidade pretende ver apreciada: a que o
“Assento” n.º 9/2000 (publicado no Diário da República, I série-A, de 27 de Maio de 2000) fez derivar dos artigos 412º, n.ºs 1 e 2, alínea b), 420º, n.º 1, 438º, n.º 2, e 448º, todos do Código de Processo Penal. Segundo essa norma:
“no requerimento de interposição de recurso de fixação de jurisprudência deve constar sob pena de rejeição, para além dos requisitos exigidos no referido artigo 438º, n.º 2, o sentido em que deve fixar-se a jurisprudência cuja fixação
é pretendida.” O recorrente reputa tal norma inconstitucional “por violação do princípio da competência legislativa insito no artigo 161º, alínea c) da Constituição da República Portuguesa.” Por despacho de 7 de Junho de 2002, que se transcreve de seguida no que ora importa, o recurso para o Tribunal Constitucional não foi admitido:
“(...) Por um lado, é óbvio que o acórdão recorrido não inobservou o mencionado acórdão do T.C., pois, a situação de rejeição do recurso do recorrente que este vem impugnar (...) não corresponde à situação que foi objecto do mencionado acórdão do T.C. (...) Por outro lado, o recurso do recorrente foi rejeitado por três diferentes razões, que deram lugar a três distintas decisões, a saber: interposição antes do tempo legalmente estabelecido, falta de conclusões e falta de indicação do sentido em que deve ser fixada a jurisprudência e das respectivas razões. Ora, como já se deu a entender, o recorrente apenas vem impugnar a decisão respeitante a este último motivo de rejeição do seu recurso. Logo, as duas restantes decisões sobre a rejeição do mesmo recurso já transitaram em julgado. Por conseguinte, o eventual provimento do recurso interposto para o Tribunal Constitucional daquela decisão não pode provocar qualquer alteração do decidido por este Supremo Tribunal a respeito dos dois restantes motivos de rejeição do recurso. De resto, constitui jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a de que o recurso para ele interposto tem natureza instrumental, ou seja, tem de ter utilidade prática. E é isso o que não sucede aqui, pelo que o recurso ora interposto para o Tribunal Constitucional constitui um acto inútil, cuja prática não é permitida pelo disposto no artigo 137º do Cód. Proc. Civil.”
2.Inconformado com o despacho de não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, o recorrente veio apresentar a presente reclamação, “nos termos dos artigos 76º e seguintes da Lei n.º 28/82, de 15.11”, com os seguintes fundamentos:
“(...)
3
(...) caso seja julgada inconstitucional a leitura feita no sentido de que deve ser rejeitado o recurso extraordinário para fixação de Jurisprudência que não indique o sentido em que deve ser fixada a Jurisprudência no requerimento de interposição do recurso, é evidente que ainda há muito para decidir nos presentes autos e que o recurso interposto para o Tribunal Constitucional tem utilidade, pois só saberemos qual é a decisão proferida pelo Tribunal Constitucional acerca do recurso interposto depois deste Tribunal julgar. E, caso as inconstitucionalidades arguidas sejam julgadas procedentes, nenhuma das decisões que fizeram as leituras cuja inconstitucionalidade é arguida podem ter transitado em julgado pois os fundamentos das referidas leituras podem ser julgados inconstitucionais pela decisão a proferir pelo Tribunal Constitucional, nomeadamente, caso seja julgada inconstitucional a leitura feita pelo Supremo Tribunal de Justiça no douto Assento n.º 9/2000 que serve de fundamento à decisão colocada em crise no recurso em causa.” Neste Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de que, verificando-se uma pluralidade de fundamentos alternativos autónomos para a rejeição, é manifesta a inutilidade do recurso, acrescentando ainda que:
“é manifesta a improcedência da presente reclamação desde logo, por inverificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso interposto, fundado na al. g) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, já que se não verifica a perfeita identidade normativa entre o caso dos autos e o dirimido no acórdão-fundamento invocado, em consequência de estar agora em causa um recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, alicerçando-se a respectiva rejeição liminar nas normas constantes dos arts. 411º, n.º3, e 414º, n.º 2 de tal código e no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 9/2000 – normas obviamente não apreciadas no citado acórdão do Tribunal Constitucional.” Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
3.O recurso que se pretendeu interpor baseava-se na alínea g) do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, supondo, portanto, a aplicação, na decisão recorrida, de norma(s) já anteriormente julgada(s) inconstitucional(is) pelo Tribunal Constitucional. A norma julgada inconstitucional na decisão invocada como fundamento do recurso – o citado Acórdão n.º 43/99, publicado no Diário da República, II série de 26 de Março de 1999 – foi a contida nos
“artigos 412º, n.º 1 e 420º, n.º 1 do Código de Processo Penal quando interpretada no sentido da falta de concisão das conclusões da motivação levar à rejeição imediata do recurso, sem que previamente seja feito o convite ao recorrente para aperfeiçoar a deficiência.” Ora, o caso dos presentes autos difere do que aí foi decidido quanto à natureza do recurso (visto estar aqui em causa um recurso extraordinário de fixação de jurisprudência) e quanto às normas aplicadas, desde logo, por a sua aplicação ocorrer por força de uma norma remissiva, que é o artigo 448º do Código de Processo Penal, e por se invocar antes os artigos 411º, n.º 3, 414º, n.º 2 e 420º, n.º 1 do Código de Processo Penal, bem como um acórdão de fixação de jurisprudência – o dito “Assento” n.º
9/2000. E difere também quanto ao que estava em causa, que não era uma falta de concisão das conclusões, mas a sua falta, sem mais. A decisão de que se pretendeu recorrer – uma e não várias decisões, ao contrário do que erradamente se afirma no despacho ora reclamado – esteou-se, aliás, numa pluralidade de fundamentos autónomos para rejeitar o recurso. Ora, tendo o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça sido rejeitado por extemporaneidade,
“falta de conclusões e falta de indicação do sentido em que deve ser fixada jurisprudência e das respectivas razões”, e não sendo invocados vícios de inconstitucionalidade quanto às normas que sustentam aqueles dois primeiros fundamentos, é claro que um eventual provimento do recurso de constitucionalidade que se pretendeu interpor não teria qualquer possibilidade de interferir com a decisão de não admissão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, subsistindo, inalteradas, outras razões só por si bastantes para justificar essa não admissão. Assim – não, como se lê no despacho reclamado, pelo facto de terem transitado em julgado outras pretensas duas decisões sobre a admissão do recurso, mas antes –, atenta a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade (cfr. os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 275/86 e 389/00, publicados no Diário da República, II série, de 17 de Dezembro de 1986 e 13 de Novembro de 2000), não seria de acolher um tal recurso, que não teria a virtualidade de se projectar com efeito útil numa alteração da decisão recorrida. Pode, pois, confirmar-se a não admissão do recurso em causa. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar o reclamante em custas, com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 20 de Maio de 2003 Paulo Mota Pinto Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos