Imprimir acórdão
Processo n.º 821/02
2ª Secção Relator -Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Por sentença de 14 de Junho de 1999, do 2º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa, foi A. condenado a oito meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido nos artigos 203º e 204º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, pena, esta, perdoada ao abrigo do disposto nos artigos 1º, n.º
1 e 4º da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, sob condição resolutiva de não voltar a incorrer em infracção dolosa durante o período de 3 anos, subsequente à entrada em vigor da referida lei. Tal sentença foi lida no dia marcado para o efeito, na presença da defensora oficiosa do arguido.
Por decisão do Tribunal Judicial de Sesimbra, de 15 de Abril de 2002, o arguido veio a ser condenado na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, por condução sem carta (facto ocorrido no dia 5 de Março de 2002), pelo que, em face do respectivo boletim de registo criminal, o Ministério Público junto do 2º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa promoveu a revogação do perdão da pena aí antes aplicada.
Por despacho de 8 de Outubro de 2002, o Mm.º Juiz decidiu não conhecer “da eventual revogação do perdão, por a sentença que aplicou o perdão sob condição não ter ainda transitado”, com base na seguinte argumentação:
“O regime das notificações das sentenças é desde 1998 o seguinte: o arguido ausente na audiência de julgamento deveria ser notificado pessoalmente da sentença, quer em face do direito vigente à data daquela audiência, quer do direito hoje vigente (atigo 334º, n.º 8, do CPP, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25.8, e artigo 334º, n.º 6, do CPP, na versão do DL n.º 320-C/2000, de
15.12). O arguido presente na audiência de julgamento e ausente na audiência de leitura de sentença era, em face do direito vigente à data em que ocorreu a audiência de leitura e ainda hoje vigente, considerado notificado da sentença ‘depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído’ (artigo 373º, n.º 3 do CPP, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25.8). No caso dos autos, o arguido esteve presente na audiência de julgamento, mas esteve ausente na audiência de leitura da sentença e, por isso, nos termos do disposto no artigo 373º, n.º 3 do CPP, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25.8, não foi notificado pessoalmente da sentença. Contudo o arguido devia tê-lo sido, porquanto o disposto no artigo 373º, n.º 3 do CPP, na redacção da Lei n.º 59/99, de 25.8, viola o princípio da igualdade, as garantias da defesa e o direito ao recurso consagrados nos artigos 13º e 32º, n.º 1 da CRP. Com efeito, resulta da aplicação da dita disposição que o arguido não toma conhecimento pessoal em momento algum da censura penal resultante da condenação e, designadamente, dos termos condicionais em que lhe é concedido o perdão. A situação arbitrária em que foi colocado o arguido resulta evidente se se ponderar que o arguido ausente na leitura da sentença fica em uma situação de desigualdade em relação a outros arguidos no que toca ao exercício do direito de recurso, vendo correr contra si o prazo de recurso de cujo início não teve qualquer conhecimento e não beneficiando da previsão geral de que o prazo para a prática do acto de interposição do recurso se conta a partir da data da notificação da sentença ao arguido ou ao seu defensor que tenha sido efectuada em último lugar (artigo 113º, n.º 7, do CPP, na redacção do DL n.º 320-C/2000, de 15.12). Pelo exposto, não aplico, por os julgar inconstitucionais, o artigo 373º, n.º 3 do CPP, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25.8, conjugado com o artigo 113º, n.º 7, do CPP, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25.8, e os artigos
1, n.º 1, e n.º 4, da Lei n.º 29/99, de 12.5, quando interpretados no sentido de que a sentença de condenação em pena de prisão sujeita a condição, proferida em audiência sem a presença do arguido, se pode considerar notificada ao arguido depois de ela ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído, e declaro o arguido não notificado da sentença e esta não transitada.”
2.Interposto pelo Ministério Público o obrigatório recurso de constitucionalidade (n.º 3 do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional) ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70º, e admitido este, só foram apresentadas alegações pelo Ministério Público, que concluiu deste modo:
“1 – A norma constante do artigo 373º, n.º 3, do Código de Processo Penal, conjugada com a do artigo 113.º, n.º 7, interpretada como consagrando que o arguido – condenado em pena de prisão, parcialmente perdoada sob condição resolutiva de não praticar nova infracção dolosa – que participou em toda a audiência de produção de prova e foi notificado da data em que iria ter lugar a leitura da sentença, tendo faltado a este acto e sendo nele representado pelo defensor oficioso que acompanhou toda a audiência do julgamento, não viola os princípios da igualdade e das garantias de defesa.
2 – Na verdade, neste circunstancialismo processual, é do pleno conhecimento do arguido a data em que ocorrerá a publicitação e depósito da sentença, a ela tendo fácil acesso, e não havendo qualquer motivo para pôr em causa o cumprimento dos deveres funcionais e deontológicos do defensor que o representou no acto.” Cumpre decidir.
II. Fundamentos A) Delimitação do objecto do recurso
3.O despacho recorrido imputou a inconstitucionalidade ao “disposto no artigo
373º, n.º 3 do CPP, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25.8”, mas acabou por desaplicar este “artigo 373º, n.º 3 do CPP, na redacção introduzida pela Lei n.º
59/98, de 25.8, conjugado com o artigo 113º, n.º 7, do CPP, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25.8, e os artigos 1, n.º 1, e n.º 4, da Lei n.º 29/99, de 12.5, quando interpretados no sentido de que a sentença de condenação em pena de prisão sujeita a condição proferida em audiência sem a presença do arguido se pode considerar notificada ao arguido depois de ela ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído, e declaro o arguido não notificado da sentença e esta não transitada.”. Comparando o objecto do presente recurso com o do processo n.º 749/02, da 3ª Secção deste Tribunal, notou o Ministério Público neste Tribunal que, no caso dos autos
“a desaplicação normativa se mostra ampliada ao ‘disposto no artigo 113º, n.º 7, do Código de Processo Penal (que se limita a considerar, em consonância com o referido artigo 373º, n.º3, como ‘notificação’ a convocação feita a interessado presente em acto processual), invocando-se ainda, no caso dos autos, as normas legais que se reportam à concessão do perdão de um ano às penas de prisão e prevêem a respectiva condição resolutiva.
É, porém, evidente que – no caso dos autos – tal explicitação (ligada à fisionomia do caso concreto) pouca relevância apresenta, já que a questão suscitada se situa ao nível procedimental ou adjectivo, e não material.”
Importa, pois, preliminarmente, delimitar o objecto do presente recurso de constitucionalidade.
Ora, atentas as circunstâncias do caso, é claro que não chegou, em rigor, a haver recusa de aplicação das normas do diploma que previu a amnistia (Lei n.º
29/99, de 12 de Maio): ainda que elas fossem convocáveis (e por isso se suscitou o despacho recorrido), o entendimento adoptado pelo Mm.º Juiz no tribunal a quo prejudicou logo a sua aplicação ao nível dos seus pressupostos, pois que, ao julgar “o arguido não notificado da sentença e esta não transitada”, as condições para a revogação do perdão concedido deixaram de ser relevantes. E de todo o modo, essa aparente “desaplicação” subsequente não teria tido realmente por fundamento a genericamente invocada desconformidade constitucional.
4.Restam, portanto, as normas dos artigos 373º, n.º 3, e 113º, n.º 7, do Código de Processo Penal, introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto (esta última com o n.º 5, só passando a n.º 7 com o Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro).
À primeira são expressamente imputadas inconstitucionalidades múltiplas (“viola o princípio da igualdade, as garantias da defesa e o direito ao recurso consagrados nos artigos 13º e 32º, n.º 1 da CRP”), mas a outra é apenas desaplicada por inconstitucionalidade enquanto conjugada com a primeira.
B) Questões de constitucionalidade
5.A redacção do artigo 113º, n.º 7 do Código de Processo Penal tida por inconstitucional é a da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto (correspondendo hoje ao n.º 9 do do mesmo artigo), que era a seguinte:
“Artigo 113º Regras gerais sobre notificações
(...)
7. As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data de notificação efectuada em último lugar. (...)”
Ora, embora na redacção anterior à referida Lei n.º 59/98, este Tribunal já se debruçou sobre a conformidade constitucional do segmento que agora, justamente, pode estar em causa: o referente à notificação apenas ao defensor (oficioso, no caso, e, por maioria de razão, ao mandatário constituído) da decisão proferida por um tribunal superior, mesmo que condenatória.
Na verdade, no Acórdão n.º 59/99 (publicado no Diário da República, II Série, de
30 de Março de 1999) foi julgada inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo
113º do Código de Processo Penal na versão anterior à resultante da Lei n.º
59/98, de 25 de Agosto – que tinha a seguinte redacção: “As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial” – “quando interpretada no sentido de que a decisão condenatória proferida por um tribunal de recurso pode ser notificada apenas ao defensor que ali foi nomeado para substituir o primitivo defensor que, embora convocado, faltou à audiência, na qual também não esteve presente o arguido em virtude de não ter sido, nem dever ser, para ela convocado”. Ora, como se comprova da declaração de voto apensa a tal aresto pelo seu próprio relator, a fórmula da decisão de inconstitucionalidade que aí se proferiu foi expressamente escolhida para excluir o mesmo juízo de inconstitucionalidade quando tal notificação fosse feita ao “primitivo defensor” do arguido (e não também a este). E, como se viu antes, tal norma passou com aquela lei a ser o n.º 7 do mesmo artigo 113º (com alterações) e com o Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, passou a ser o n.º 9 do mesmo normativo.
Escreveu-se então na fundamentação do dito acórdão:
“são configuráveis várias hipóteses que apontam para que as garantias de defesa de um arguido só serão plenamente adquiridas se ao mesmo for dado um cabal conhecimento da decisão condenatória que a seu respeito foi tomada. Mas, entende este Tribunal, esse cabal conhecimento atinge-se, sem violação das garantias de defesa que o processo criminal deve comportar, desde que o seu defensor – constituído ou nomeado oficiosamente –, contanto que se trate do primitivo defensor, seja notificado da decisão condenatória tomada pelo tribunal de recurso. Na verdade, os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre esse defensor, na vertente de relacionamento entre ele e o arguido, apontam no sentido de que o mesmo, que a seu cargo tomou a defesa daquele, lhe há-de, com propriedade, transmitir o resultado do julgamento levado a efeito no tribunal superior. De harmonia com tais deveres, há-de concluir-se que o arguido, por intermédio do conhecimento que lhe é dado pelo seu defensor (aquele primitivo defensor) ficará ciente dos motivos fácticos e jurídicos que o levaram a ser considerado como agente de um ilícito criminal e da reacção, a nível de imposição de pena, que lhe foi aplicada pelo Estado, ao exercer o seu jus puniendi. Outrotanto, porém, se não passa se se tratar de um defensor meramente nomeado para a audiência em substituição do defensor que, para ela notificado, não compareceu. Aqui, esse defensor não estará vinculado a deveres funcionais e deontológicos que lhe imponham a dação de conhecimento ao arguido resultado do julgamento realizado no tribunal superior, já que a sua intervenção processual se 'esgotou' na audiência e somente para tal intervenção foi nomeado. Numa tal situação, e só nessa, é que este Tribunal perfilha a óptica segundo a qual a norma constante do n.º 5 do artigo 113º do Código de Processo Penal, desse jeito interpretada, se revela contrária ao n.º 1 do artigo 32º da Constituição, por isso assim se não almejam as garantias que o processo criminal deve assegurar ao arguido.”
Do que se trata agora é exactamente da mesma questão de constitucionalidade, embora a propósito da notificação da decisão de um tribunal de 1ª instância (e não de recurso) e também de um outro preceito – o do n.º 3 do artigo 373º do Código de Processo Penal, introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, e assim redigido:
“O arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois desta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído”.
Na verdade, continua a estar em causa o apuramento das consequências da notificação de uma decisão jurisdicional ao defensor do arguido presente na audiência de discussão e julgamento, mas não à audiência de leitura da sentença, entendendo a decisão recorrida que tal “viola o princípio da igualdade, as garantias de defesa e o direito ao recurso consagrados nos artigos 13º e 32º, n.º 1, da CRP.”
Por sua vez, no Acórdão n.º 109/99 (publicado no Diário da República, II série, de 15 de Junho de 1999), numa situação que, como nota o Ministério Público, apresenta manifesta analogia com a dos presentes autos, apreciou-se a constitucionalidade da “norma que se extrai da leitura conjugada dos artigos
411º n.º 1 e 113º n.º 5 do Código de Processo Penal interpretados por forma a entender que com o depósito da sentença na secretaria do tribunal o arguido que justificadamente não esteve presente na audiência em que se procedeu à leitura pública da mesma deve considerar-se notificado do seu teor para o efeito de a partir desse momento se contar o prazo para recorrer da sentença se nessa audiência esteve presente o seu mandatário.”
E, à pergunta sobre se esta norma violaria “aquele núcleo essencial que constitui o cerne do artigo 32º n.º 1 da Constituição”, deu-se resposta negativa, com as seguintes considerações:
“De facto estando o defensor do arguido presente na audiência em que se procede
à leitura pública da sentença e ao seu depósito na secretaria do tribunal pode aí ficar ciente do seu conteúdo. E de posse de uma cópia dessa sentença – que a secretaria lhe deve entregar de imediato - pode nos dias que se seguirem relê-la repensá-la reflectir ponderar e decidir juntamente com o arguido sobre a conveniência de interpor recurso da mesma. Assim sendo e tendo em conta que a decisão sobre a eventual utilidade ou conveniência de interpor recurso em regra depende mais do conselho do defensor do que propriamente de uma ponderação pessoal do arguido há que concluir que este pode decidir se deve ou não defender-se interpondo se quiser em prazo contado da leitura da sentença que o condene o respectivo recurso. E pode tomar essa decisão com inteira liberdade sem precipitações e sem estar pressionado por qualquer urgência. O processo continua pois a ser a due process of law a fair process.
6.Entende-se que se pode agora remeter para os fundamentos dos arestos citados
(cfr., ainda, o Acórdão n.º 433/00, in Diário da República, II série, de 20 de Novembro de 2000), para concluir pela inexistência, na norma em análise, de violação do artigo 32º, n.º 1, da Constituição, importando apenas indagar se os argumentos agora aduzidos são de molde a alterar o juízo que este Tribunal formulou nos referidos arestos.
Diz-se que a “desigualdade em relação a outros arguidos no que toca ao exercício do direito de recurso” resulta da necessária notificação pessoal aos arguidos ausentes na audiência de discussão e julgamento (artigo 334º, n.º 8, do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, e artigo 334º, n.º 6, do mesmo Código, na redacção do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro), por estes não verem correr contra si “o prazo para a prática do acto de interposição de recurso” enquanto não tiver sido notificado o último (artigo
113º, n.º 7, do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, e n.º 9 do mesmo artigo na redacção do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro).
No entanto, além de, em concreto, não haver nenhum outro arguido em relação ao qual fizesse sentido invocar tal diferenciação de regime, resulta da consideração, em abstracto, desse argumento, que também os arguidos que estivessem presentes na audiência de leitura de sentença (a mais de na de discussão e julgamento) estariam na mesma posição de “desigualdade” em relação aos faltosos. Ora, a aceitar-se existir um benefício para os ausentes, como se invocou, haveria um ainda maior “prejuízo” para os arguidos inteiramente cumpridores (porque sempre presentes em tribunal). O que chama a atenção para o fundamento da diferença de regime, que é materialmente justificada: estando presentes na altura da leitura da sentença o arguido ou o seu representante, é logo possível perspectivar a conduta a adoptar quanto à decisão de que se inteiraram. Estando ambos ausentes não o é, e daí o diferimento temporal até à efectiva notificação. Resulta da Lei n.º 59/98 que, para tal determinação da conduta processual subsequente, basta que esteja presente um defensor do arguido, seja este constituído por ele ou nomeado para a sua defesa ou para o acto. E resulta do Acórdão n.º 59/99 que só é assim desde que esteja presente o seu representante primitivo, seja ele nomeado ou constituído.
Não se pode considerar, pois, que, em matéria de recurso, haja uma desigualdade que não decorra da própria diferença de situações e não seja materialmente justificada por esta.
7.Considerou-se, depois, que o arguido não presente na audiência de leitura da sentença vê “correr contra si o prazo de recurso de cujo início não teve qualquer conhecimento”.
Porém, mesmo que se admita que os tribunais podem vir a adoptar essa interpretação – o que, em todo o caso, não compete ao Tribunal Constitucional antecipar –, a implicação que se pretende extrair não se afigura correcta, na medida em que, estando o arguido devidamente representado na audiência, o início do prazo se pode presumir do seu conhecimento, a coberto dos deveres de representação, e na medida em que, em todo o caso, ao ser, como foi, notificado da data da leitura da sentença, logo se haveria de ter por ciente do momento do seu início, mesmo sem a adequada representação no acto. O que é dizer que também se não corrobora o diagnóstico quanto às limitações do direito de recurso – independentemente de saber se, no caso concreto, face aos factos confessados e à pena aplicada, este poderia trazer alterações substanciais.
8.Por fim, o argumento de que “o arguido não toma conhecimento pessoal em momento algum da censura penal resultante da condenação e, designadamente, dos termos condicionais em que lhe é concedido o perdão” só poderia valer se se desconsiderassem os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre o defensor do arguido, como, correctamente, se sublinhou nos citados Acórdãos n.ºs
59/99 e 109/99. E isto, acrescente-se agora, apenas se se considerasse que o arguido, ciente que estava de ter praticado um facto punível – de resto, no caso concreto, confessado –, e de que a sentença seria proferida em data determinada, revelava em relação a esta indiferença.
Porém, mesmo somadas estas duas condições, ainda daí não resultaria uma violação das garantias de defesa constitucionalmente consagradas, porque delas não resulta que a inércia e a indiferença perante as decisões judiciais possam ser transformadas em vantagens. Como escreveu o Ministério Público neste Tribunal:
“é evidente que, no caso ora em apreciação, o arguido sabia perfeitamente em que data exacta iria ocorrer a leitura da sentença, já que, no termo da audiência de julgamento em que esteve presente, foi notificado da data em que viria [a] ocorrer a leitura da sentença - ao contrário do que ocorre com a leitura do acórdão no Tribunal Superior, em que (...) o arguido não tem (sem a efectiva colaboração do defensor) conhecimento da data em que tal decisão é publicitada. Ora, neste circunstancialismo, discorda-se inteiramente da argumentação expendida na decisão recorrida, já que o arguido dispôs de plena oportunidade para ter acesso à decisão condenatória contra si proferida, bastando que diligenciasse contactar, logo de seguida à data em que bem sabia que tal decisão iria ser proferida, quer o seu defensor (que bem conhecia) quer a própria secretaria judicial. O hipotético e eventual desconhecimento do exacto teor da sentença só poderá radicar, neste circunstancialismo, numa grosseira negligência do próprio arguido, que bem sabendo que, em certa data, ia ser publicitada ( e lhe era plenamente acessível) o teor de tal sentença, se desinteressou totalmente (e injustificadamente) do sentido e conteúdo da mesma.”
Ora esta eventual negligência e desinteresse não merece, certamente, tutela ao abrigo das garantias de defesa reconhecidas ao arguido.
9.Uma vez que não merecem acolhimento os argumentos invocados pela decisão recorrida, e que se mantêm plenamente válidos os que foram decisivos para as considerações efectuadas na fundamentação e para a delimitação da decisão de inconstitucionalidade proferida no Acórdão n.º 59/99, já parcialmente transcritos, pode concluir-se que a norma do artigo 373º, n.º 3 , do Código de Processo Penal, conjugada com a norma do artigo 113.º, n.º 7, do Código de Processo Penal (actual n.º 9 do artigo 113º), ambos na redacção resultante da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, interpretada no sentido de a sentença lida perante o primitivo defensor nomeado, ou perante advogado constituído, se considerar notificada ao arguido, não padece de qualquer inconstitucionalidade. E, em consequência, há que negar provimento ao recurso. III . Decisão
Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não tomar conhecimento do recurso quanto às normas dos artigos 1º, n.º 1, e
4º da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio; b) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 373º, n.º 3 , do Código de Processo Penal, conjugada com a do artigo 113.º, n.º 7, do Código de Processo Penal (actual n.º 9 do artigo 113º), ambos na redacção resultante da Lei n.º
59/98, de 25 de Agosto, interpretada no sentido de a sentença lida perante o primitivo defensor nomeado, ou perante advogado constituído, se considerar notificada ao arguido; c) Em consequência, conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da decisão recorrida, no que à questão de constitucionalidade respeita.
Lisboa, 15 de Julho de 2003
Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos