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Processo n.º 186/03
2ª Secção Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A- Relatório
1. A., identificado com os sinais dos autos, requereu, no Tribunal do Trabalho do Círculo Judicial de Braga, a suspensão do despedimento que lhe fora comunicado no dia 31 de Janeiro de 2002 pela sua entidade patronal – a B.
–, alegando a nulidade do processo disciplinar e a inexistência de justa causa para o despedimento.
Por sentença de 1 de Março de 2002 – exarada a fls. 143 e ss. –, esse Tribunal decidiu não decretar a suspensão do despedimento.
Inconformado com tal decisão judicativa, o requerente interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, pedindo “a revogação do despedimento reconhecendo-se a nulidade do processo disciplinar ou então se considere existir probabilidade séria de inexistência de justa causa para o despedimento”. O Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao agravo interposto, confirmando, por Acórdão de 9 de Dezembro de 2002, o despacho recorrido. Considerou-se, como questão prévia nesse juízo decisório, para o que aqui se releva, que:
«O recorrente veio arguir a nulidade do despacho recorrido ao abrigo do art.
668.º, n.º 1, al. d) do C. P. Civil e fê-lo nas alegações de recurso. O art. 77.º, n.º 1 do C. P. Trabalho refere que a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso. Tal artigo corresponde ao art. 72.º, n.º 1, do C. P. Trabalho de 1981 sendo certo que à anterior redacção foi acrescentada a expressão “expressa e separadamente”, a significar que o legislador do actual C. P. Trabalho quis frisar ainda com mais clareza que as nulidades devem ser arguidas logo no requerimento de interposição de recurso e separadamente das alegações. E estas não são a mesma coisa que o requerimento de interposição de recurso. Com efeito, o requerimento de interposição de recurso é uma peça processual que deve conter as alegações (art. 81.º, n.º 1, do C. P. Trabalho). Mas conjugando este preceito legal com o disposto no art. 77.º do C. P. Trabalho, n.º 1, necessariamente há que concluir que o legislador pretendeu que as nulidades da sentença constassem expressamente do requerimento de interposição do recurso e não das alegações, já que podem as alegações ser apresentadas, não com aquele requerimento, mas posteriormente, desde que tal ocorra dentro do prazo para a interposição do recurso. Por isso, se conclui que este tribunal encontra-se impedido de conhecer das nulidades invocadas”.
2. A., por requerimento de fls. 286, interpôs, ao abrigo do art.
70.º, n.º 1, al. b) da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, sucessivamente alterada), recurso dessa decisão para o Tribunal Constitucional, invocando que o Acórdão recorrido “aplicou a disposição do artigo 77.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, com uma interpretação materialmente inconstitucional, por contrária ao disposto no art. 20.º, n.os 4 e
5 da Constituição da República Portuguesa, que garante às partes o direito a uma tutela judicial efectiva, requerendo a declaração da referida inconstitucionalidade e, em consequência, determinando que sejam apreciadas as nulidades de que enferma a sentença da 1ª instância”.
3. O recorrente tece, no essencial, as seguintes alegações “da inconstitucionalidade da interpretação do n.º 1 do art. 77.º do C. P. Trabalho de 1999”:
«No entender do recorrente, a interpretação que o Tribunal da Relação do Porto fez do n.º 1 do art. 77.º do Cód. Proc. Trabalho e aplicou no caso vertente, contraria o disposto no art. 20.º da Constituição da República, designadamente no seu n.º 5, que determina antes que a referida norma processual seja interpretada, de molde a garantir aos recorrentes uma tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos, no caso, a apreciação das nulidades da sentença do Tribunal de 1ª instância atempadamente apresentadas.
A tutela jurisdicional efectiva dos direitos determina, em nosso entender, que a norma processual em questão, seja interpretada por forma a retirar dela toda a sua utilidade substantiva, afastando obstáculos meramente formais e vazios de significado, que por terem essa natureza, se devem qualificar como arbitrários.
No caso vertente, a interpretação do n.º 1 do artigo 77.º só estará em conformidade com o princípio da tutela jurisdicional efectiva, se for reconhecido, como na realidade acontece, que do requerimento de interposição do recurso de agravo para o Tribunal da Relação do Porto, constavam todos os elementos que permitiam ao Tribunal da Relação apreciar as nulidades da sentença sob recurso, com a mesma celeridade e esforço, que dispenderia se o recorrente tivesse repetido na 1ª página do requerimento, aquilo que afirmou, expressa e separadamente, nas págs. 3 a 7 e 38 e 39 da Alegação.
A interpretação do n.º 1 do art. 77.º do Cód. Processo do Trabalho feita pelo Tribunal da Relação do Porto esqueceu que o requerimento de interposição do recurso e a alegação do recurso se apresentam no processo laboral como uma única peça processual, nos termos do n.º 1 do art. 81.º do C. P. Trabalho.
Na verdade, como é generalizadamente reconhecido pela doutrina, de que citamos, por exemplo, o Dr. Alberto Leite Ferreira, quando o Cód. Proc. Trabalho diz que “o requerimento de interposição do recurso deve conter a alegação do recorrente” quer significar “no seu sentido material que o requerimento e as alegações constituem uma só peça, de tal modo que a apresentação daquele desacompanhado destas não serve para exprimir eficazmente a vontade de recorrer e levará por isso à deserção do recurso” (pág. 383 do
“Código de Processo do Trabalho Anotado”, 4ª ed., Coimbra Editora, 1996).
[…]
Embora o significado destas duas palavras, “expressa e separadamente”, não seja unívoco, cremos que a interpretação mais ajustada e significante, é a que parte do reconhecimento generalizado da Doutrina de que o requerimento e a alegação do recurso da decisão da 1ª instância em processo laboral, constituem funcionalmente uma única peça processual.
[…]
Sendo esta a estrutura legal do requerimento do recurso não faz sentido exigir que nesse requerimento a arguição das nulidades seja feita de forma “expressa e separada” dos elementos constitutivos do requerimento do recurso, porque, por natureza, a arguição das nulidades se apresenta como a
única matéria, com autonomia funcional e material, naquele requerimento. De que outra matéria haveria que separá-la?
Mas já faz todo o sentido que o legislador, exigindo, como o faz especialmente, no C. P. Trabalho, que “do requerimento constem as alegações do recurso” determine que, neste conjunto, que consiste numa única peça processual,
(requerimento + alegação de recurso) o recorrente distinga “expressa e separadamente” a arguição das nulidades da sentença recorrida, dos restantes fundamentos do recurso constantes da alegação, só possibilitando a apreciação das nulidades, quando essa separação se realize.
Se não há razão para exigir uma arguição “expressa e separada” das nulidades, se apenas se considerasse os elementos legalmente constitutivos do requerimento de interposição do recurso, porque ele não inclui, na sua arquitectura, quaisquer outros fundamentos de recurso, já faz todo o sentido dizê-lo, quando se considera a unidade da peça processual “requerimento mais alegação”.
[…]
Uma interpretação do n.º 1 do art. 77.º do C. P. T. que conduza a desconsiderar a arguição de nulidades da sentença da 1ª instância, feita expressa e separadamente dos restantes fundamentos da alegação do recurso quando esta é apresentada em simultâneo com o requerimento do recurso, não é a mais adequada à “ratio legis” do preceito, nem a conforme ao princípio constitucional da tutela judicial efectiva.
Em primeiro lugar, porque o fundamento por todos considerado como a base da especialidade do n.º 1 do art. 77.º do C. P. T. – a maior celeridade da decisão do juiz da 1ª instância – continua a verificar-se porquanto o Tribunal se pode pronunciar, de imediato, sobre as nulidades da sentença.
Na verdade, a alegação é apresentada, em simultâneo, com o requerimento de recurso e naquela alegação é feita referência “expressa e separada”, às nulidades da sentença, em relação aos restantes fundamentos do recurso, o que permite a sua apreciação imediata, sem maior esforço ou demora.
Entender o contrário seria exigir, de modo injustificado, inútil e arbitrário que o recorrente “copiasse” os fundamentos das nulidades da sentença para a 1ª folha do requerimento do recurso. Tal entendimento traduzir-se-ia num inútil formalismo processual, contrário ao princípio da economia processual e da eficácia, que são também elas, vertentes do princípio da tutela jurisdicional efectiva constantes do n.º 5 do art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.
A repetição de formalidades inúteis encontra-se, a nosso ver, impedida pelo princípio da tutela jurisdicional efectiva, na sua vertente de exigência de “procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade” constante designadamente do n.º 5 do art. 20.º da Constituição.
Se por uma questão de celeridade processual o legislador exige que o recorrente apresente, no mesmo prazo, o requerimento do recurso e os respectivos fundamentos a prossecução da tutela jurisdicional efectiva exige que prevaleça o princípio do aproveitamento material dos actos, como […] o legislador escolheu ao alterar o n.º 1 do art. 77.º do C. P. Trabalho, fazendo dele uma interpretação em conformidade com o princípio jurisdicional da tutela efectiva.
Ao actuar desse modo, o legislador deu ao n.º1 do art. 77.º do C. P. Trabalho, a única interpretação compatível com o princípio da tutela jurisdicional efectiva que se traduz em considerar que estão regularmente arguidas as nulidades da sentença: 1) sempre que o requerimento de recurso e a alegação sejam apresentados simultaneamente, como exige o n.º1 do art. 81.º do C. P. Trabalho; 2) Sempre que nesta peça processual única, constituída pelo requerimento e pelas alegações, o recorrente tenha arguido as nulidades da sentença “expressa e separadamente” dos restantes fundamentos do recurso.
Pelo que, segundo o recorrente, “o Tribunal da Relação do Porto, ao aplicar o n.º 1 do art. 77.º do novo Código de Processo do Trabalho, desconsiderando que: a) o requerimento e a alegação do recurso de sentença de 1ª instância, constitui uma única peça processual, nos termos do n.º 1 do art. 81.º do C. P. Trabalho; b) o recorrente apresentou ‘expressa e separadamente’ naquela peça processual única, as nulidades de sentença de 1ª instância e a sua fundamentação, permitindo a sua apreciação imediata e simultânea (…); c) e determinando, afinal, na sua interpretação daquele n.º 1 do art. 77.º do C. P.T., que o recorrente repita na 1ª folha do requerimento o que afirmou nas págs. 3 a 7 e 38 e 39 da alegação, impondo-lhe uma actividade inútil, meramente formal e criando um obstáculo material ao direito de apreciação das nulidades da sentença, fez daquela norma uma interpretação contrária ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, contido no art. 20.º da Constituição da República, interpretando-o e aplicando-a inconstitucionalmente, o que não pode ser consentido por este Tribunal».
B – A Fundamentação
4. A questão decidenda
Tal como foi delimitado pelo recorrente, o objecto do presente recurso incide sobre a constitucionalidade, à luz do disposto no art. 20.º n.os 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa, da norma constante do art. 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, na interpretação segundo a qual, devendo o requerimento de interposição do recurso de apelação ser acompanhado das respectivas alegações numa única peça processual, as nulidades da sentença recorrida não podem ser conhecidas pelo tribunal ad quem no caso de terem sido arguidas, expressa e separadamente, da parte das alegações e não no requerimento de interposição do recurso.
5. O art. 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro (doravante designado, de forma abreviada, por C.P.T.), tem a seguinte redacção: “A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”.
Tal redacção sucedeu ao art. 72.º, n.º 1, do anterior Código de Processo do Trabalho (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 272-A/81, de 30 de Outubro)
– que dispunha: “A arguição de nulidades da sentença é feita no requerimento de interposição de recurso”. A constitucionalidade desta norma foi apreciada por este Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 403/00 (publicado no Diário da República, II Série, n.º 286, de 13 de Dezembro de 2000).
6. Tal Acórdão seguiu na esteira de anteriores juízos decisórios proferidos por este Tribunal quanto às especificidades do regime de recursos constante da regulamentação processual laboral. Relativamente à questão aqui em causa, escreveu-se nele:
«No Acórdão n.º 266/93 do Tribunal Constitucional, de 30 de Março de 1993
(Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24º Vol., 1993, p. 699 ss), apreciou-se uma questão de constitucionalidade que, sendo embora diversa da que constitui objecto do presente recurso, no que ao artigo 72º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981 diz respeito, foi resolvida de acordo com um critério que agora também deve ser seguido. A questão incidia sobre uma dada interpretação do artigo 76º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981, perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão recorrido. Tal artigo 76º, n.º 1, dispõe o seguinte: “O requerimento de interposição de recurso deverá conter a alegação do recorrente, além da identificação da decisão recorrida, especificando, se for caso disso, a parte dela a que o recurso se restringe. ” Lê-se nesse acórdão, para o que aqui releva:
“[...] importa reter este dado legislativo fundamental: existe um Código de Processo do Trabalho diverso do Código de Processo Civil, não tendo triunfado em
1981 a orientação de política legislativa que preconizava a integração da lei processual do trabalho na lei processual civil. Quer dizer, a integração dos tribunais de trabalho na ordem dos tribunais judiciais não foi acompanhada pela eliminação da autonomia do processo laboral e da sua lei reguladora. No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 272-A/81, que aprovou o Código de Processo do Trabalho vigente, afirmou-se ser desejável «levar mais longe a simplificação do processo do trabalho, mas julgou-se ser inconveniente prosseguir antes de concluída a primeira fase da revisão do Código de Processo Civil». Em matéria de recursos, confessou o legislador que a regulamentação destes foi feita de forma diferente da proposta no Código de Processo do Trabalho de 1979, isto enquanto se não procedia «a um estudo sério neste capítulo e que também se encontra em curso no âmbito da já referida revisão do processo civil».
[...]. No que toca ao prazo e modo de interposição dos recursos em processo laboral, os art.os 75.º e 76.º do Código de Processo do Trabalho não se referem especialmente ao recurso de revista e, relativamente ao recurso de agravo, não distinguem os recursos de agravo interpostos em primeira e em segunda instância. A jurisprudência foi, assim, chamada a fixar a interpretação da nova regulamentação e a integrar eventuais lacunas, de harmonia com o disposto no art. 1.º do Código de Processo do Trabalho, tendo em especial em conta o princípio estabelecido no n.º 2 deste artigo (não aplicação das normas subsidiárias «quando forem incompatíveis com a índole do processo regulado neste Código»). No que toca apenas ao prazo e modo de interposição de recursos de natureza cível em processo laboral, a jurisprudência considerou que o disposto nos art.os 75º, n.º 1, e 76.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho era aplicável quer ao agravo interposto em primeira instância, quer ao agravo interposto em 2ª instância, em virtude de este Código não distinguir entre os dois casos [...]. Só quanto à revista e relativamente à lacuna de regulamentação quanto ao prazo e modo de interposição deste recurso, tem sido controvertido na jurisprudência saber se se aplica o regime do agravo previsto no Código de Processo do Trabalho ou o regime específico estabelecido no Código de Processo Civil, inclinando-se a jurisprudência maioritariamente neste último sentido [...].
[...] O acórdão recorrido acolheu a orientação jurisprudencial uniforme que considera que o art. 76.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho abrange não só o agravo interposto de decisões proferidas em 1ª instância, como o agravo interposto de decisões proferidas em segunda instância. Como é evidente, é vedado a este Tribunal censurar a bondade da interpretação feita, salvo se a mesma se vier a mostrar contrária à Constituição. Pretende o recorrente que tal interpretação, implicando a aplicação do regime do art. 76.º, n.º 1, também ao agravo interposto de decisões de segunda instância, contraria o art. 20.º, n.º 1, da Constituição. Mas não tem razão. A exigência de a alegação ter de constar do requerimento de interposição de recurso ou, quando muito, de ter de ser apresentada no prazo de interposição do recurso de oito dias, não diminui, por si mesma, as garantias processuais das partes, nem acarreta um cerceamento das possibilidades de defesa dos interesses das partes que se tenha de considerar desproporcionado ou intolerável. Na verdade, o legislador tem ampla liberdade de conformação no estabelecimento das regras sobre recursos em cada ramo processual, não se vendo que o sistema constante do art. 76.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, na interpretação agora impugnada, seja em si mais gravoso do que o estabelecido no Código de Processo Civil, em que a alegação nos agravos tem de ser apresentada também no prazo de oito dias, embora este prazo se conte da notificação do despacho de admissão do recurso. Há uma preocupação de maior celeridade e economia processual no domínio das leis regulamentadoras do processo de trabalho, visando no fundamental evitar que as demoras do processo penalizem as partes mais fracas do ponto de vista económico, os trabalhadores, os sinistrados e os seus familiares. Só no caso de não vir a ser admitido o recurso interposto
é que as partes se poderão queixar da inutilidade da apresentação de alegações
(cfr. art. 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), mas tal inconveniente não é susceptível de fundamentar, por si só, um juízo de inconstitucionalidade do art. 76.º, n.º 1, do mesmo diploma.
[...] Por último, e decisivamente, a concessão de um prazo de 8 dias para motivação do recurso de agravo interposto de decisão proferida em segunda instância não se revela passível de censura constitucional, pois tal prazo não pode considerar-se intoleravelmente exíguo, tanto mais que o objecto desta espécie de recurso tem a ver em regra com a impugnação de decisões respeitantes a matérias processuais, de menor complexidade, como decorre da conjugação dos art.os 721.º, 722.º e
754.º, alínea b), do Código de Processo Civil. Não existe, assim, o risco denunciado pelo recorrente, nas suas alegações, de que possa chegar-se a «uma justiça pronta mas materialmente injusta» (cfr. fls. 193 dos autos). Acrescente-se que a fixação de prazo para alegações em recursos oscila, no nosso direito e nos diferentes ramos, entre oito e vinte dias, fazendo apenas excepção o caso de reclamação prevista nos art.os 688.º e 689.º do Código de Processo Civil, em que a fundamentação tem de constar do requerimento de interposição, tendo este de ser apresentado no prazo de cinco dias a contar da notificação do despacho reclamado.
[...]”
Também no Acórdão n.º 51/88 (publicado no Diário da República, II Série, n.º
193, de 22 de Agosto de 1988 e no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 375, p.
109 ss) o Tribunal Constitucional tinha considerado que essa interpretação do n.º 1 do artigo 76.º do Código de Processo do Trabalho de 1981 não violava o princípio constitucional da igualdade nem o direito de recurso aos tribunais. Escreveu-se aí:
“O T. Const. tem entendido em sucessivos acórdãos (cfr., por último, os Acs.
358/86, 359/86 e 31/87, publicados, respectivamente, no DR, 2ª, de 11-4-87 e
1-4-87) que tal garantia [a prevista hoje no art. 20.º, n.º 1, da Constituição] não abrange a obrigatoriedade da existência, para todas as decisões, de um duplo grau de jurisdição nem, muito menos, que esteja constitucionalmente garantido o triplo grau de jurisdição, isto é, o direito de recurso, em qualquer caso, ao S.T.J.. Não é, porém, nesta perspectiva que o recorrente invoca a violação do art. 20.º, n.º 2, da Constituição [hoje, a referência deve ter-se como feita para o n.º 1 deste artigo]. Pretende ele que, com a mera interposição do recurso na 2ª instância, no prazo estabelecido, já havia cumprido o ónus legalmente necessário com vista a assegurar o acesso ao STJ para a legítima defesa dos seus interesses
[...]. Mas não é assim. Se é certo poder dizer-se que, não obstante a Constituição da República não adiantar expressamente nenhum princípio em matéria de recursos, tal matéria não
é constitucionalmente neutra, nem significa que a lei possa discipliná-la de forma arbitrária (cfr. o Ac. 199/86, no DR, 2ª S. de 25-8-86), a verdade é que não se consegue descortinar, neste caso, qualquer violação do art. 20.º, n.º 2, da Constituição [...]. Mas é evidente que essa especialidade [do regime do direito processual laboral, face ao civil] não coarcta ou elimina, ou sequer dificulta de modo particularmente oneroso, o direito ao recurso que o CPT reconhece, não violando o art. 20.º, n.º 2, da Constituição, pois que, se o recorrente cumprir a obrigação que a lei lhe impõe de fazer a sua alegação de recurso no requerimento de interposição, o processo seguirá os seus termos.”
A orientação espelhada nos acórdãos acabados de transcrever deve ser mantida no caso sub judice, com as devidas adaptações.
A interpretação do n.º 1 do artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho de
1981, adoptada no acórdão recorrido, não pode, evidentemente, ser questionada pelo Tribunal Constitucional, no que se refere à sua correcção perante o texto legal.
Importa apenas averiguar se essa interpretação elimina ou dificulta de modo particularmente oneroso o direito ao recurso reconhecido pelo Código de Processo do Trabalho e que o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa impede que seja arbitrariamente disciplinado.
Refira-se, antes do mais, que sendo embora certo que o Código de Processo Civil não contém regra expressa a determinar que as nulidades da sentença sejam arguidas no requerimento de interposição do recurso – parecendo antes que, podendo estas constituir fundamento de recurso (artigo 668.º, n.º 3), devem ser arguidas nas alegações, se esse recurso for interposto (artigo 690.º, n.º 1) –, também contempla casos em que o fundamento específico do recurso deve ser indicado no próprio requerimento de interposição (artigo 687º, n.º 1).
Significa isto que a exigência contida no n.º 1 do artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho, na interpretação perfilhada no acórdão recorrido, e no que se refere à exigência de o fundamento do recurso ser invocado no requerimento e não nas alegações, não se apresenta como anómala ou arbitrária face ao próprio sistema processual civil: sistema que, como se assinala no transcrito Acórdão n.º 266/93, é distinto do processual laboral.
Refira-se, em segundo lugar, que a circunstância de, no processo de trabalho, o requerimento de interposição do recurso e as alegações constarem da mesma peça processual (artigo 76.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981), não constitui qualquer indício no sentido de ser arbitrária ou puramente formalista a exigência contida no n.º 1 do artigo 72.º deste Código, na interpretação veiculada no acórdão recorrido. Podem existir motivos para, na parte dessa peça que contém o requerimento, se exigir a invocação do fundamento do recurso.
Como se salientou no referido Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 266/93, há uma preocupação de maior celeridade e economia processual no domínio das leis regulamentadoras do processo de trabalho. De acordo com a jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça sobre o n.º 1 do artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho – a que se faz referência no acórdão recorrido e, nomeadamente, em A. Mendes Baptista (Código de Processo do Trabalho anotado, Lisboa, 2000, anotação ao artigo 77.º, p. 149-151) – é essa preocupação que justifica o particular regime de arguição de nulidades da sentença no processo de trabalho: a invocação das nulidades no próprio requerimento de interposição do recurso permitiria ao juiz que proferiu a decisão suprir a nulidade antes da subida do recurso.
Se bem que, também no processo civil seja possível ao juiz que proferiu a decisão suprir as nulidades respectivas antes da subida do recurso (artigo
668.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), sem se exigir, todavia, que a arguição dessas nulidades se faça no próprio requerimento de interposição do recurso, compreende-se que a particular celeridade e economia processual exigida no processo do trabalho se reflicta num cuidado acrescido do recorrente na delimitação dos fundamentos do recurso, quando eles se traduzam em nulidades da sentença. Sem prejuízo de, nas suas alegações, invocar tais nulidades como fundamentos do recurso, a exigência dessa invocação no próprio requerimento possibilita ao tribunal recorrido a sua mais rápida e clara detecção e consequente suprimento. Trata-se de formalidade que, sobretudo quando o requerimento de interposição do recurso e as alegações constam da mesma peça processual, pode parecer excessiva e inútil, mas que ainda se justifica por razões de celeridade e economia processual.
Em terceiro lugar, refira-se que, além de não ser anómala face ao sistema processual civil e de se justificar por razões de economia e celeridade processual, a interpretação acolhida no acórdão recorrido não implica a constituição, para o recorrente, de um pesado ónus, que pudesse dificultar de modo especialmente oneroso o exercício do direito ao recurso. Ao interpor o recurso, sabe certamente a parte vencida quais os fundamentos do recurso que pretende invocar: assim sendo, a exigência de que os indique no próprio requerimento em nada constitui uma incumbência que não possa levar a cabo ao interpor o recurso. Tanto mais, que, se se considerarem os prazos de interposição dos recursos, eles são perfeitamente razoáveis (artigo 75.º do Código de Processo do Trabalho de 1981).»
7. Não obstante não existir inteira correspondência verbal entre o artigo 72.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981 e o artigo 77.º do C. P. T. actualmente em vigor, posto que, como se referiu, a redacção actual do preceito refere que a arguição seja feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso, o certo é que o Acórdão recorrido interpretou a disposição actual exactamente no mesmo sentido da anterior, acentuando até que aquelas expressões significam que “o legislador do actual C. P. Trabalho quis frisar ainda com mais clareza que as nulidades devem ser arguidas logo no requerimento de interposição de recurso e separadamente das alegações”. Esta interpretação do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho actual, que foi adoptada no acórdão recorrido, não pode, evidentemente, ser questionada pelo Tribunal Constitucional, no que se refere à sua correcção perante o texto legal. Como se disse, a correspondente norma anterior, de igual sentido, foi já objecto de um juízo de constitucionalidade proferido no citado Acórdão n.º 403/00. Ora, sendo assim, são inteiramente transponíveis para o caso sub judicio os fundamentos expendidos, em tal Acórdão, no sentido da sua conformidade constitucional, aos quais aqui inteiramente se adere.
C – A Decisão
8. Destarte atento tudo o exposto, este Tribunal Constitucional decide:
a) não julgar inconstitucional, face ao disposto nos artigos 2º, 20º, 205º e
207º da Constituição da República Portuguesa, e ao princípio da proporcionalidade, a norma constante do art. 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, na interpretação segundo a qual, devendo o requerimento de interposição do recurso de agravo ser logo acompanhado das respectivas alegações, numa única peça processual, as nulidades da sentença recorrida não podem ser conhecidas pelo Tribunal Superior, caso tenham sido apenas arguidas, expressa e separadamente, na parte das alegações e não na parte do requerimento de interposição do recurso;
b) negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente com taxa de justiça que se fixa em 15 UC.
Lisboa, 30 de Setembro de 2003
Benjamim Rodrigues Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos