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Proc. nº 183/03
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
Recorrente: A. Recorrido: Câmara Municipal do Porto
I - Relatório
1. A. (ora recorrente), não se conformando com a decisão da Câmara Municipal do Porto (ora recorrida), de 15 de Outubro de 2002, que a condenou ao pagamento de uma coima no valor de € 150, pela prática da contra-ordenação prevista pelo artigos 29º, n.º 1, da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, 10º, n.º 1, da Lei n.º
97/88, de 17 de Agosto, e 191º, n.º 1 do Código de Posturas do Concelho do Porto e punível com coima de € 3, 74 a € 44.891, 81, nos termos do n.º 3 do art. 10º da citada Lei e 17º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 433/82, dela interpôs recurso para o Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto. Nas alegações que então produziu, afirmou, na Conclusão 12ª, que “ as normas usadas para fundar a exigibilidade da taxa à Recorrente, nomeadamente os invocados art. 191º/1 do Código das Posturas do Concelho do Porto e o Edital 7/82, de 10 de Setembro, são organicamente inconstitucionais, por violadoras dos arts. 103º./2 e 165º./1 – i) da Constituição”.
2. Por decisão daquele Tribunal, de 23 de Janeiro de 2003, foi o recurso julgado improcedente (fls. 53 a 61).
3. É desta decisão que vem interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.
70º da LTC, o presente recurso, para apreciação da constitucionalidade das normas constantes do n.º 1 do art. 191º do Código de Posturas do Concelho do Porto e do Edital 7/82, de 10 de Setembro, da Câmara Municipal do Porto, por alegada violação do disposto nos artigos 103º, n.º 2 ou 165º, n.º 1, al. i) da Constituição.
4. Já neste Tribunal foi a recorrente notificada para alegar, o que fez, tendo concluído da seguinte forma:
“1ª - Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls. -, proferida no processo que sob o n.º 1851/02, correu termos pela 3.ª Secção do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto.
2ª - Naquele processo tinha a ora Recorrente impugnado a decisão dada, em
02-10-2002, pelo Vereador do Pelouro das Actividades Económicas e Protecção Civil da Câmara Municipal do Porto, que, por haver considerado infringidas pela ora Recorrente as normas do n.º 1 do art. 1.º da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, do n.º 1 do art. 191º do Código das Posturas do Concelho do Porto e do Edital
7/82, de 10 de Setembro, do Município do Porto, aplicou-lhe a coima de 150
(cento e cinquenta) euros.
3ª - A decisão referida na conclusão 2ª foi mantida pela douta sentença recorrida.
4ª - A questão (única) que a Recorrente quer ver decidida pelo Tribunal Constitucional, neste recurso de constitucionalidade, pode resumir-se assim: Tendo a Câmara Municipal do Porto, pelo Vereador do Pelouro das Actividades Económicas e Protecção Civil, decidido e a douta sentença recorrida confirmado, que a pintura - num veículo automóvel ligeiro, de passageiros, pertença da Recorrente - dos dizeres ------------- constituía facto publicitário e que “A obtenção da licença para os factos em análise implicariam (sic) o pagamento duma taxa no valor de 59.86' (presume-se que euros), vindo a aplicar-lhe, pelo não pagamento daquela taxa uma coima de 150 euros, era obrigação da Recorrente requerer o licenciamento da pintura daqueles sobreditos dizeres (que, no seu entendimento não constituem publicidade) e pagar a referida taxa (de publicidade) por ela tida por ilegal (inconstitucional) ?
5ª - A Recorrente considera que não estava obrigada a requerer licença para a pintura nos seus veículos dos dizeres ------------- nem a pagar a taxa correspondente a essa licença.
6ª - A incobrabilidade daquela taxa decorre da ilegalidade
(inconstitucionalidade) de que está viciada.
7ª - É que ela é um imposto e não uma taxa.
8ª - Na verdade, contrariamente ao que a lei impõe, a sua criação não proveio de lei ou de decreto-lei autorizado, mas simplesmente de regulamento municipal.
9ª- É por isso, organicamente inconstitucional.
10ª - Inconstitucionalidade que à douta sentença recorrida competia ter declarado, ordenando, em consequência o arquivamento do processo de contra-ordenação.
11ª - É de todo inaceitável a posição assumida pela douta sentença recorrida ao, invocando Jurisprudência do Tribunal Constitucional, decidir que no caso dos autos não se está confrontado com a exigência da taxa de publicidade pela Câmara Municipal do Porto, mas antes com a aplicação duma coima a sancionar infracção praticada pela Recorrente.
12ª - E essa inaceitabilidade decorre do cerceamento que assim é feito à garantia da constitucionalidade dos impostos, afirmada no n.º 3 do art. 103º da Constituição de 1976: não se pode conhecer da constitucionalidade da norma violada porque o que está em causa é a norma que pune a violação da norma que a Recorrente tem por inconstitucional !
13ª - Sendo ainda clara a inobservância do princípio da constitucionalidade
(art. 3.º/3 da Constituição de 1976).
14ª - O art. 191.º/1 do Código de Posturas Municipais do Porto e o Edital /82 de
10 de Setembro, na interpretação e aplicação que deles fez a decisão de
02-10-2002, do Vereador do Pelouro das Actividades Económicas e Protecção Civil da Câmara Municipal do Porto, mantidas pela douta sentença recorrida, ofendem o princípio da legalidade fiscal consagrado nos arts. 103.º/2 e 165.º/l-i) da Constituição de 1976, retiram à Recorrente a garantia estabelecida pelo n.º 3 do mesmo artigo (103.º) da Constituição e inobservam o princípio da constitucionalidade acolhido no art. 3.º/3 do texto constitucional, sendo, por via disso, inconstitucionais. Nestes termos e em todos os mais, de direito, que sempre serão supridos no provimento a conceder ao presente recurso, deve ser proferido Acórdão que declare inconstitucionais as disposições do art. 191.º, n.º 1, do Código de Posturas Municipais do Porto e o Edital 7/82, de 10 de Setembro, na interpretação e aplicação que deles fez a sentença dada no processo n.º 1851/02 da 3.ª Secção do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, o que se fará por obediência à LEI e imperativo de JUSTIÇA.”
5. Contra-alegou a recorrida, tendo sustentado a improcedência do recurso, no essencial pelas razões constantes do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
434/02.
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.
II – Fundamentação
6. A questão de constitucionalidade que agora vem colocada à consideração do Tribunal Constitucional não é nova na jurisprudência deste Tribunal, que ainda recentemente se pronunciou, no Acórdão n.º 434/02 (publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Dezembro de 2002), pela não inconstitucionalidade da norma constante do artigo 191º, n.º 1, do Código de Posturas do Concelho do Porto que agora, mais uma vez, vem questionada.
Para decidir desta forma, escudou-se o Tribunal, no essencial, na seguinte fundamentação:
“[...]
3. Este Tribunal tem julgado inconstitucionais as normas constantes de posturas ou editais municipais que tributam a colocação e manutenção de anúncios ou reclamos publicitários, com fundamento na respectiva inconstitucionalidade orgânica. É o caso, nomeadamente, do Acórdão nº 558/98 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 41º vol., págs. 55 e segs.), do Acórdão nº 32/99 (inédito), do Acórdão nº 63/99 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 42º vol., págs. 291 e segs.), do Acórdão nº 515/00 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 48º vol., págs. 459 e segs.), e do Acórdão nº 92/2002 (inédito).
[...] Todavia, o que estava em causa nos presentes autos não era o pagamento de qualquer taxa eventualmente devida pela licença dos anúncios colocados, mas antes, e tão só, a cobrança da coima devida pela não existência do necessário licenciamento para os anúncios em causa. Com efeito, a recorrida B. não requereu oportunamente o licenciamento para a colocação dos anúncios ou reclamos referentes à sua actividade, pelo que a autarquia deu início ao respectivo processo de contra-ordenação, destinado a sancionar essa falta de licenciamento, e não a cobrar o tributo correspondente a essa mesma licença. Ora, a necessidade de licenciamento não foi posta em causa pela jurisprudência constitucional citada, e é a ela que se referem os nºs 1 e 2 do artigo 1º da Lei nº 97/88, bem como o artigo 191º do Código de Posturas Municipais, disposições infringidas pela recorrida. O que vale por dizer que a decisão recorrida, ao interpretar esses normativos no sentido de permitirem «a tributação da utilização de espaços pertencentes a particulares», entendeu como abrangidas no conceito de «tributo» as coimas devidas pela não existência de licenciamento, afastando assim a possibilidade de sancionamento pelas autarquias desses mesmos comportamentos infractores. Ou seja, interpretou-os no sentido de abrangerem o sancionamento da ausência de licença, concluindo pela respectiva inconstitucionalidade. Ora, tal sentido é manifestamente excessivo. Como bem referiu o Ministério Público, supra, aquela coima, «prevista e punida na norma regulamentar desaplicada na decisão recorrida» possui uma natureza clara e indubitavelmente sancionatória, «carecendo consequentemente de sentido proceder a uma sua qualificação como «taxa» ou «imposto»». Pretende ainda a recorrida, todavia, que o estabelecimento da necessidade de licenciamento «mais não é do que a sujeição ao pagamento de uma taxa, que surge na sequência de um procedimento administrativo, que é acessório e a sanção mais não é do que a ausência do tal procedimento pelo não pagamento da respectiva taxa», alegando ainda que «procedimento» e «taxa» seriam uma e a mesma realidade. Para concluir assim, e ainda, que «não sendo lícito à autarquia cobrar a aludida taxa igualmente não lhe é lícito sancionar o comportamento pela ausência da licença, por nulidade da disposição que determina e discrimina a sanção». Ora, tal argumento é de todo improcedente, já que a recorrente não logra fundamentar tais afirmações, pois que não é de todo possível confundir essas duas realidades distintas: por um lado, a obtenção da necessária licença municipal; por outro, o pagamento do tributo a ela correspondente. Não se verifica, assim, qualquer inconstitucionalidade nas normas desaplicadas”.
Também nos presentes autos, tal como sucedeu no caso do acórdão 434/02, estamos confrontados – não com a exigência à recorrida de qualquer “tributo” pela autarquia, como decorrência de afixação de mensagens publicitárias no seu estabelecimento, mas com a imposição de uma coima – sanção contra-ordenacional decorrente de a arguida não ter procedido ao prévio e indispensável licenciamento municipal, destinado a facultar à autarquia a fiscalização da afixação ou inscrição de mensagens publicitárias, com vista à salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental. Neste ponto, não há, pois, senão que reiterar aquela jurisprudência, por ser inteiramente transponível para o presente caso.
A recorrente questiona ainda a constitucionalidade do Edital n.º 7/82 de 10 de Setembro. Ora, parece resultar do teor da decisão recorrida que o mesmo não foi efectivamente aplicado como ratio decidendi, para determinar a coima aplicável à recorrente. Com efeito, no que se refere à medida concreta da coima, a mesma apenas se fundamenta normativamente no artigo 10º, n.º 3, da Lei n.º 97/88, de
17 de Agosto, e nos artigos 17º e 18º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro. Mas, mesmo que assim se não entendesse, a verdade é que o juízo de não inconstitucionalidade orgânica que se formulou no acórdão n.º 434/02 sobre o artigo 191º, n.º 1, do Código de Posturas Municipais do Porto, seria igualmente válido para o referido edital. É que, como o Tribunal tem reiteradamente afirmado (cfr., mais recentemente, o Acórdão n.º 234/02, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Julho de 2002), em matéria de fixação das coimas aplicáveis às contra-ordenações, só constitui reserva relativa da Assembleia da República a fixação de limites mínimos inferiores ou de limites máximos superiores aos definidos no respectivo regime geral (hoje constante do artigo
17º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro). Ora, in casu, a coima que resultaria da aplicação daquele edital conter-se-ia sempre dentro dos limites fixados por aquele artigo 17º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (que, ainda na perspectiva da decisão recorrida, se situam entre € 3,74 e 44.891,81.). Improcede, por isso, também nesta parte, o objecto do recurso e, consequentemente, a alegada violação, pelas normas que são seu objecto, do
“princípio da constitucionalidade” consagrado no artigo 3º, n.º 3 da Constituição.
III Decisão
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 14 de Julho de 2003
Gil Galvão Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Luís Nunes de Almeida