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Procº nº 289/2003.
3ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que, confirmando o decidido pelo tribunal de 1ª instância, não pronunciou determinados arguidos pela prática de um crime de coacção, previsto e punível pelo nº 1 do artº 154º do Código Penal, intentou o assistente A. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso esse que não foi admitido por despacho proferido pelo Desembargador Relator daquele tribunal de 2ª instância.
Não se conformando com esse despacho, o assistente reclamou para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, dizendo no requerimento consubstanciador da reclamação:-
“1. Diz o despacho, ora, aqui, reclamado,
‘... salvo melhor opinião tal recurso não é admissível como resulta das disposições conjugadas dos artºs 432º e 400º do CPP’
2. Ora, salvo o devido respeito, pela decisão tomada, o despacho deveria enumerar com clareza e certeza, qual a norma que invoca e que esteja expressa naqueles dois articulados, o que não fez!
3. Por outro lado, no Acórdão, do qual se recorreu ‘decide-se negar provimento ao recurso confirmando a decisão recorrida’ e assim o ‘arquivamento dos autos’ e a consequente ilibação dos 4 arguidos. E em termos penais nada mais há a fazer!
4. Não se entendeu no douto Acórdão do TRL - e dele se recorreu - e muito menos se entende que fiquemos por aqui, acatando o arquivamento dos autos, face aos circunstancialismos dos factos, dos direitos violados e das ocorrências.
5. Por fim, no recurso apresentado para o STJ e que se pretende negar a subida,
. Descreve-se, minuciosamente, as factualizações;
. Aduz-se, sobre o Inquérito e o Despacho de Acusação;
. Refere-se, a pronúncia não foi alterada no debate instrutório, porque nenhum elemento novo apareceu;
. O Acórdão do TRL, recorrido, nada fundamentou, pelo contrário, muito omitiu!
. E que os 4 arguidos, violaram as disposições ínsitas no artº 154º do CP”.
O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 5 de Fevereiro de 2003, indeferiu a reclamação, nesse despacho se podendo ler:-
“I. O assistente A. interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, confirmativo de decisão de não pronúncia da 1ª instância.
Por despacho do Ex.mo Desembargador Relator, esse recurso não foi admitido, nos termos dos art.ºs 432º e 400º do CPP.
Desse despacho reclama o recorrente.
II. Cumpre apreciar e decidir.
Por um lado, estamos perante um acórdão da Relação que, confirmando a decisão da 1ª instância, não pronunciou os arguidos pela prática do crime de coacção, p. e p. pelo art.º 154º, n.º 1, do CP, determinando o arquivamento dos autos.
Ora, essa situação é de considerar abrangida pela previsão da alínea d) do n.º 1 do art.º 400º do CPP. Com efeito, como se disse no Acórdão do S.T.J. de
11.10.2001, (CJ - Acórdãos do S.T.J., Ano IX, Tomo III, p. 196) ‘o acórdão da relação que, em recurso, confirmar a decisão de não pronúncia, por insuficiente indiciação dos factos acusados, constitui decisão absolutória, ainda que formal, visto que determina a absolvição da instância’.
Por outro lado, o conhecimento da decisão de não pronúncia envolve o apuramento de matéria de facto, estranha à competência do S.T.J., que apenas conhece de matéria de direito, nos termos do art.º 434. do CPP.
E para apreciar o acórdão de que se pretende recorrer teria que se entrar no conhecimento da matéria de facto, estranha à que suporta os vícios do n.º 2 do art.º 410º do CPP.
III. Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação”.
Do transcrito despacho pretendeu o assistente recorrer para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea f) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, dizendo no requerimento de interposição de recurso que “em todo o processado existe matéria de Direito, violadora da Lei, quer no TIC, quer no TRL, quer, agora, no STJ e que estão expressas no Inquérito e no Despacho de Acusação” e que todas “estas ilegalidades foram atempadamente suscitadas pelo, ora, aqui, Recorrente e constam dos autos”.
Tendo o citado Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 21 de Fevereiro de 2003, convidado o assistente, nos termos do nº 5 do artº 75º-A da Lei nº 28/82, a indicar a peça processual onde teria sido suscitada a questão de ilegalidade, veio este a apresentar requerimento onde disse:-
“O Despacho de Acusação, proferido em 26/05/2000, pelo Digníssimo Ministério Público, junto do DIAP , após encerrado o Inquérito, é suficientemente elucidativo, quanto aos crimes cometidos pelos arguidos, aliás, violadores do Artº 154°/1 do CP, pelo que desde logo lhes foi aplicada a medida de coacção de TIR. Com efeito, prescreve-se, concreta e substantivamente no Artº 154°/1 do CP:
‘Quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade, é punido como pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa’. A abertura da instrução requerida pelos arguidos e o debate instrutório nada trouxeram de novo para se decidir pela ‘não pronúncia’ dos arguidos. Nos termos do Artº 286°/1 do CPP, ‘A instrução visa a comprovação judicial de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter a causa a julgamento’. Ou seja, do debate instrutório tem que se comprovar ou não comprovar aquilo que decorre dos factos apurados em sede de Inquérito e que foi vertido para o Despacho de Acusação. O que estava em causa - e sempre esteve - foram questões de direito tal como se expressa no Despacho de 19/0l/200, proferid[o] a fls. 236. Por outro lado, a fls. 253 ‘pelo Digno Magistrado do Ministério Público, requer a pronúncia de todos os arguidos’ mas, quando veio contra-alegar sobre o recurso interposto sobre a não pronúncia, o Mº Pº já veio concordar com a decisão da não pronúncia, tendo sido este parecer decisivo para que o Mº Pº, junto do TRL se baseasse neste parecer e concomitantemente o Acórdão do TRL acabou por se ater a esta volatilidade dos quatro pareceres do Mº Pº, porquanto,
1º - o Mº Pº, em fundamentado despacho produz a acusação;
2° - o Mº Pº, no debate instrutório, mant[é]m a acusação;
3° - o Mº Pº, sem elementos novos no debate instrutório, já vem concordar com a não pronúncia;
4° - o Mº Pº junto do TRL, com base nesta terceira posição (ignorando as duas anteriores) pronuncia-se a favor do não provimento do recurso. De todo, não se pode entender a modificação da intervenção do Mº Pº em todo o processado! O Acórdão do TRL em vez de se ater às provas efectuadas em sede de Inquérito ou seja integrando as factualizações no Direito veio a apreciar contextualizações que nada tinham a ver com as questões de direito a que o debate instrutório foi solicitado. Os arguidos violaram dispositivos legais pertinentes que não foram apreciados no Acórdão do TRL, por isso, o Assistente interpôs recurso para o STJ, pagou, primeiro, a taxa de justiça, em 09/12/2002, mas, em 09/01/2003, o TRL não admite o recurso com o fundamento que a apreciação, pelo STJ, está reservada apenas à matéria de direito! Ora, conforme o Despacho de 12/03/2001, proferido na 1ª instância, temos estado as tratar apenas sobre matéria de direito ! O Despacho de 05/02/2003, do STJ, insiste que estamos no domínio da matéria de facto e não de direito e, em consequência, indefere a reclamação! Não podemos estar de acordo com esta decisão, por isso recorremos contra estas ilegalidades cometidas, para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL. Por isso, elencamos as peças judiciais, aonde estão conjugadamente, expressas tais ilegalidades:
1. - Despacho de Acusação, de 29/06/2000;
2. - Despacho de f1s. 236, produzido na 1ª instância, em 12/03/2002, a delimitar os autos apenas, à matéria de direito.
3. - Decisão de não pronúncia, de 25/05/2001;
4. - Acórdão do TRL, de 25/11/2002, negando provimento ao recurso;
5. - Não admissão do recurso para o STJ, de 09/01/2003;
6. - Indeferimento da reclamação, pelo STJ, de 06/02/2003. Julgando ter satisfeito, cabalmente, todo o solicitado, no douto despacho de
24/02/2003, reitera a admissão do recurso para o Tribunal Constitucional”.
Por despacho de 12 de Março de 2003, o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não admitiu o recurso desejado interpor para o Tribunal Constitucional, aduzindo, para tanto:-
“O disposto no art.º 75º-A, n.º 2 da LTC, exige que no requerimento de interposição de recurso seja indicada a peça processual onde a questão da ilegalidade foi suscitada, e como tal não aconteceu foi a parte convidada a fazê-lo, nos termos do n.º 5 do referido artigo.
Vem agora [o] reclamante, no seu requerimento de fls. 34, indicar várias decisões judiciais onde diz estarem expressas ilegalidades, mas como resulta do referido requerimento, nenhuma dessas ilegalidades foi suscitada durante o processo.
E, manifestamente, como a doutrina tem assinalado, é momento inidóneo para suscitar a questão da ilegalidade o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, por, após a sua apresentação, o tribunal a quo já não poder emitir juízos de ilegalidade (cf. art.ºs 70º, n.º 1 alínea f) e
72º, n.º 2 da LTC).
Refira-se ainda que o recurso de legalidade para o Tribunal Constitucional, como resulta do n.º 2 do art.º 280º da CRP, só pode incidir sobre normas e não sobre decisões judiciais.
Assim, não se admite o recurso interposto a fls. 32, para o Tribunal Constitucional”.
É deste despacho de 12 de Março de 2003 que, pelo assistente, vem deduzida reclamação para o Tribunal Constitucional, argumentando, no que ora releva:-
“........................................................................................................................................................................................................................................................................................
3. Na queixa-crime, apresentada, em 13/02/1997, desde logo o Assistente suscita o cometimento, pelos arguidos, das ilegalidades previstas nos Artºs 153º e 154º do CP.
1ª suscitação de ilegalidade.
4. No Despacho de Acusação, os arguidos são acusados de terem cometido ‘um crime de coacção p. e p. pelo Artº 154º nº 1 do C. Penal’.
5. O Assistente, deduz igual acusação, produzida no Despacho de Acusação.
2ª suscitação de ilegalidade.
6. No recurso interposto para o TRL, reitera o cometimento, pelos arguidos, da violação do Art. 154º do CP.
3ª suscitação de ilegalidade
7. Em resposta ao parecer do M.P. junto do TRL, novamente e expressamente, reitera as ilegalidades cometidas pelos arguidos,
4ª suscitação de ilegalidade
8. No recurso para o STJ, suscita, de novo, a violação do Artº 154º do CP.
5ª suscitação de ilegalidade
9. Na reclamação para o STJ, sobre a não admissão do recurso pelo TRL, suscita novamente, a violação do Artº 154º do CP, acrescentando que ‘o Despacho de não admissão deveria enumerar com clareza e certeza, qual a norma que invoca e que esteja expressa’, nos Artº 432º e 400º do CPP.
6ª suscitação de ilegalidade
10. Na resposta ao STJ, entregue no dia 06/03/2003, novamente e claramente, se invocam as ilegalidades cometidas pelos arguidos.
7ª suscitação de ilegalidade Pelo exposto e por tudo o que está plasmado nos presentes autos; e porque existe[ ], por sete vezes a suscitação de ilegalidades, reclama-se que o recurso para o TC seja admitido, revogando-se o Despacho do STJ, ora, aqui reclamado, porque é de inteira justiça que os arguidos sejam julgados pelos crimes que cometeram!”
O Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido do indeferimento de a vertente reclamação carecer ostensivamente de qualquer fundamento.
Cumpre decidir.
2. É, a todos os títulos, evidente a falta de razão do reclamante, anotando-se que o que é dito no requerimento corporizador da presente reclamação mais não traduz do que um verdadeiro desconhecimento do que seja o recurso estribado na alínea f) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
Na verdade, a impugnação, aí prevista, visando a fiscalização concreta da ilegalidade, reporta-se a normas constantes do ordenamento jurídico infraconstitucional, sendo que um tal vício se há-de ancorar, quer em violação, por parte de normas ínsitas em actos legislativos, de lei com valor reforçado, quer em violação, por banda de normas vertidas em diploma regional, de um estatuto de uma Região Autónoma ou de lei geral da República, quer, por fim, em violação, por parte de normas emanadas de um órgão de soberania, de um estatuto de uma Região Autónoma. E, para se poder lançar mão de um tal recurso, mister é que, precedentemente à decisão judicial intentada impugnar perante o Tribunal Constitucional, a «parte» que, posteriormente, queira lançar mão desse recurso, tenha suscitado uma daquelas questões de ilegalidade.
Essas questões de ilegalidade apresentam-se, desta arte, com um perfil totalmente diverso daqueloutras consistentes em se esgrimir com a violação das normas jurídicas por parte de decisões judiciais, que, assim, seriam, na perspectiva dos recorrentes, decisões que enfermavam de ilegalidade, justamente por causa dessa violação.
Ora, no caso sub specie, nenhuma das questões de ilegalidade a que respeita a alínea f) do nº 1 do aludido artº 70º foi suscitada pelo ora reclamante quando, por via de reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, impugnou o despacho proferido pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa e por intermédio do qual se não admitiu o recurso querido interpor para aquele Supremo.
Neste contexto, indefere-se a reclamação, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 19 de Maio de 2003 Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida