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Acórdão 237/03ACÓRDÃO N.º 237/2003
rocesso n.º 778/02
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A. impugnou no Tribunal Judicial de Loulé a decisão do Governador Civil de Faro de 16 de Janeiro de 2001, de fls. 7, na parte em que esta que lhe aplicou a sanção de inibição de conduzir por 30 dias, por infracção do artigo
81º, n.º 1, do Código da Estrada.
Por sentença do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Loulé de 25 de Setembro de 2002, constante de fls. 35 e seguintes, o recurso foi julgado procedente e, em conformidade, decidiu-se “não ser aplicável o disposto no artigo 2º do despacho do Ministro da Administração Interna n.º 521/98, por violação dos artigos 18º, 32º, 205º e 168º, n.º 1, alínea d), da Constituição da República Portuguesa e, com isso, por falta de competência da Direcção-Geral de Viação e Governo Civil para aplicar a sanção acessória prevista no artigo 139º do Código da Estrada, absolver o recorrente”.
Na sentença recorrida afirmou-se o seguinte:
“Pelo exposto, soe concluir:
· O CE em vigor consagra, como sanção de aplicação acessória à coima pela prática de contra-ordenação grave e muito grave, a possibilidade de o infractor ser condenado em inibição da faculdade de conduzir por tempo determinado (artigo
139º);
· A aplicação da referida sanção está condicionada aos critérios de ponderação, na respectiva graduação, resultantes do artigo 140º do mesmo diploma legal;
· A sua moldura concreta varia, por isso, entre o limite mínimo imposto pelas razões de prevenção e o limite máximo da culpa do agente;
· A sua aplicação imbrica no princípio da restrição mínima dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente protegidos;
· Tal sanção tem uma natureza predominantemente criminal, quando aplicada após o pagamento voluntário, em processo administrativo, da coima pelo infractor;
· Compete, em exclusivo, aos tribunais a aplicação de medidas de natureza criminal;
· Além disto, a Lei de Autorização Legislativa n.º 97/97, de 23.08 não autoriza o Governo a atribuir competência à DGV e Governos Civis para a aplicação da referida sanção;
· Com referência ao despacho ministerial n.º 521/98 do Ministro da Administração Interna, que vem atribuir à referidas entidades a competência que a lei lhes não atribui, vêm a DGV e Governos Civis a aplicar aos infractores do CE a sanção de inibição da faculdade de conduzir (artigo 2º);
· Ainda que se entendesse, e não se entende, que o referido despacho está ainda em vigor, tal atribuição de competências sempre violaria a Constituição por referência aos seus artigos 18º, 32º, 205º e 168º, n.º 1, alínea d);
· Assim importa não aplicar o citado artigo 2º e, com isso, considerá-lo inconstitucional;
· Como consequência, atento o vazio legal deixado por essa não aplicação, impõe-se concluir pela falta de competência/legitimidade da DGV / Governo Civil para aplicarem a sanção de inibição da faculdade de conduzir e, por fim, conceder provimento ao recurso, absolvendo o recorrente.”
2. O Ministério Público, porque a «referida decisão» se pronunciou
«pela inconstitucionalidade do art. 2º do Despacho n.º 521/98 de Sua Excelência o Ministro da Administração Interna, “por violação dos arts. 18º, 32º, 205º e
168º, n.º 1, a) da Constituição da República Portuguesa” e, consequentemente, pela incompetência da “DGV e Governo Civil para aplicar a sanção acessória prevista no art. 139º do CE”» interpôs recurso para o Tribunal Constitucional,
«nos termos do disposto nos artigos 75º-A, n.º 1, 70º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e 280º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa»
.
3. Admitido o recurso, as partes foram notificadas para alegar.
O Ministério apresentou as suas alegações, tendo concluído da seguinte forma:
“1º - A reserva de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de sistema punitivo e de processo contra-ordenacional apenas abrange o respectivo regime geral.
2º - A Lei de autorização legislativa n.º 97/97, de 23 de Agosto, ao abrigo da qual o Governo alterou o Código da Estrada, através do Decreto-Lei n.º
2/98, de 3 de Janeiro, nada inova relativamente à atribuição de competência às autoridades administrativas para aplicar sanções contra-ordenacionais.
3º - Não se inclui no âmbito da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República a definição das entidades administrativas com competência para sancionarem determinadas categorias de infracções contra-ordenacionais, designadamente as estradais.
4º - A sanção acessória de inibição temporária de conduzir estabelecida no Código da Estrada não tem natureza criminal, estando assegurado aos arguidos, incluindo nos casos de pagamento voluntário da coima, os direitos de audiência e defesa, com respeito pelo princípio do contraditório.
5º - Termos em que na ausência de violação de normas ou princípios constitucionais deverá improceder [proceder] o presente recurso.”
Quanto ao recorrido, formulou as seguintes conclusões:
“1) O Despacho do Ministério da Administração Interna n.º 521/98, de 9 de Janeiro, que atribui ao Governo Civil e D.G.V. a competência para aplicar sanções acessórias de inibição do direito de conduzir, é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 18º, n.ºs 2 e 3, 32º, 112º, n.º 3 e 6 e 202º, todos da C.R.P.;
2) É também inconstitucional, por violação do disposto no artigo 30º, n.º 4, da C.R.P., a previsão contida no artigo 139º, n.º 1, do Código da Estrada, quando, face à condenação em coima, estatui a punição necessária e automática em sanção de inibição de conduzir;
3) Integram-se no âmbito do direito penal as infracções cujos autores se expõem a penas (sanções) destinadas a dissuadir e reprimir, e que consistem em medidas privativas de direitos, liberdades ou garantias;
4) O carácter geral da norma que prevê a sanção acessória de inibição de conduzir, bem como o fim desta última, simultaneamente preventivo e repressivo, permitem concluir pela natureza penal de tal sanção;
5) São factores determinantes dessa natureza a existência de um registo, a possibilidade de agravação da sanção, a punição por reincidência, e a prolação dos seus efeitos no tempo, após o cumprimento da pena principal;
6) A aplicação da dita sanção por parte de uma entidade administrativa viola os princípios de jurisdicionalização da aplicação de medidas sancionatórias de natureza penal, consignadas nos artigos 18º, 32º, 34º, n.º 4, e 202º da C.R.P.;
7) A Lei de Autorização Legislativa n.º 97/97, de 23 de Agosto, não conferiu legitimidade ao Governo para atribuir competência à D.G.V. ou Governo Civil para aplicar sanções acessórias de inibição de conduzir, pelo que o despacho n.º
521/98 é inconstitucional por violação do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 165º da C.R.P.;
8) O processo e a atribuição de competência nesta matéria estão sujeitos ao princípio constitucionalmente consagrado de reserva de lei (citado artigo 165º, n.º 1, alínea d), da C.R.P.), pelo que, sem a respectiva autorização legislativa, não poderia o Governo, ainda menos por mero despacho, ter conferido
à D.G.V. e ao governo Civil competência para a aplicação daquele tipo de sanções;
9) Aliás, não existe silêncio da lei nesta matéria, porquanto resulta inequivocamente dos artigos 7º a 12º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, a contrario sensu, que não é atribuída à Direcção-Geral de Viação e Governos Civis qualquer competência para a aplicação da sanção acessória da inibição de conduzir prevista no artigo 139º do Código da Estrada;
10) Reveste ainda particular significado a redacção dada ao artigo 5º, n.ºs 1 e
2 do referido decreto preambular, que implicitamente reconhece o princípio da judicialidade em matéria de aplicação acessória de inibição de conduzir;
11) Por esta via, o despacho ministerial n.º 521/98, além de ilegal por violação do estabelecido nos artigos 5º a 12º do referido Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, é também e ainda inconstitucional por violação do disposto nos n.ºs 1 e
2 do artigo 112º e da alínea d) do artigo 165º, todos da C.R.P.”
4. Cumpre começar por fixar o objecto do recurso.
A sentença recorrida afastou a norma do n.º 2 do Despacho n.º 521/98 citado, em primeiro lugar, por entender que a sanção acessória de inibição de conduzir reveste natureza criminal, o que implica que a sua aplicação compete, em exclusivo, aos tribunais e, em segundo lugar, porque a Lei n.º 97/97, de 23 de Agosto, não autoriza o governo a atribuir competência à Director-Geral de Viação e aos Governos Civis para a aplicação da referida sanção. A argumentação da sentença recorrida não é, assim, dirigida a questionar a constitucionalidade da norma do ponto 2 do Despacho n.º 521/98 na parte em que atribui competência para a aplicação de coimas ao Director-Geral de Viação e aos Governadores Civis, mas apenas na parte em que do mesmo ponto 2 se pode retirar a competência destas entidades para a aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir, prevista no artigo 139º do Código da Estrada. Não poderiam as coisas, aliás, ser de outro modo, quando é certo que ora recorrido pagou voluntariamente a coima e apenas questionou, no recurso de impugnação que interpôs, a aplicação, no caso, da sanção acessória.
Todavia, nas suas alegações, o recorrido vem suscitar a inconstitucionalidade do próprio artigo 139º do Código da Estrada, o qual, no seu entender, violaria a norma do artigo 30º, n.º 4, da Constituição. Tal norma, porém, não pode integrar o objecto do presente recurso, como desde logo resulta do disposto no artigo 79º-C da Lei n.º 28/82.
O objecto do presente recurso consiste, assim, na norma do n.º 2 do Despacho n.º 521/98, publicado no Diário da República, II Série, n.º 7, de 9 de Janeiro de 1998, cujo texto é o seguinte:
“Considerando o disposto no artigo 152º, n.º 1, do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, e no artigo 34º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 432/82, de 27 de Outubro, revisto pelo Decreto-Lei n.º
244/95, de 14 de Setembro:
Determino:
...
2 – A decisão sobre a aplicação das sanções por infracção às disposições do Código da Estrada compete às seguintes entidades: a) Ao governador civil do distrito em que foi cometida a infracção, se se tratar de contra-ordenação muito grave, e em todos os casos em que tenha sido apresentada defesa, nos termos do n.º 3 do artigo 155º do Código da Estrada; b) Ao director geral de viação, nos casos restantes.”
Estão, pois, colocadas duas questões de constitucionalidade, referidas à norma do n.º 2 do Despacho n.º 521/98, interpretada e aplicada no sentido de atribuir competência ao Director-Geral de Viação e aos Governadores Civis para aplicarem a sanção acessória da inibição de conduzir, prevista no artigo 139º do Código da Estrada. A primeira traduz-se em saber se tal norma integra o regime geral dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo, a que se refere o artigo 165º, n.º 1, alínea d), da Constituição e se, nessa medida, se deverá considerar organicamente inconstitucional, uma vez que a Lei n.º 97/97, de 23 de Agosto, não autoriza o Governo a atribuir competência às entidades supra mencionadas para a aplicação da referida sanção. A segunda consiste em saber se a mesma norma, interpretada no sentido indicado, viola o disposto nos artigos 32º e 205º da Constituição, por se tratar de uma sanção de natureza criminal, cuja aplicação competiria, em exclusivo, aos Tribunais.
Antes de as analisar cumpre, todavia, afastar um eventual obstáculo ao conhecimento do presente recurso, decorrente do facto de na sentença recorrida se afirmar que o Despacho n.º 521/98 não se encontrava em vigor à data dos factos (note-se que o referido despacho veio a ser expressamente revogado pelo Despacho n.º 24.798/2002, publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Novembro de 2002) Não cabe, agora, questionar tal afirmação; e a verdade é que sempre seria irrelevante, para efeitos do presente recurso, averiguar se seria ou não exacta, uma vez que a recusa da sua aplicação constituiu, efectivamente, a ratio decidendi da sentença recorrida.
5. A questão de saber se a determinação da autoridade administrativa competente para punir um ilícito de mera ordenação social integra o regime geral de punição dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo, a que se refere o artigo 165º, n.º 1, alínea d), da Constituição, mereceu já, por diversas vezes, uma resposta negativa por parte deste Tribunal. Assim, como se afirmou no Acórdão n.º 174/2003 (inédito), é “o próprio regime geral das contra-ordenações que remete para a lei que prevê as contra-ordenações em especial a indicação das entidades a quem compete a aplicação das correspondentes coimas; e é essa norma, apenas, que integra aquele regime geral”
(no mesmo sentido, cfr., ainda os Acórdãos n.ºs 50/2003 e 62/2003, ambos inéditos). Por outras palavras, é apenas a opção de atribuir às autoridades administrativas, em geral, tal competência que integra o regime geral a que alude o artigo 165º, n.º 1, alínea d), da Constituição. Uma vez tomada essa opção, expressa nos artigos 33º e 34º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro, e pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, ao abrigo das correspondentes autorizações legislativas, a determinação da autoridade administrativa concretamente competente, em cada caso, para a aplicação das coimas é feita nos termos aí previstos.
O artigo 33º do Decreto-Lei n.º 433/82 prescreve que o processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas incumbem às autoridades administrativas. Por seu turno, o artigo seguinte estabelece as regras que determinam a competência em razão da matéria das mesmas autoridades administrativas. De acordo com essas regras, tal competência pertencerá às autoridades indicadas pela lei que prevê e sanciona as contra-ordenações; no seu silêncio, serão competentes os serviços designados pelo membro do Governo responsável pela tutela dos interesses que a contra-ordenação visa defender ou promover. Por
último, o mesmo artigo 34º permite que os dirigentes dos serviços aos quais tenha sido atribuída a competência a deleguem, nos termos gerais, nos dirigentes de grau hierarquicamente inferior.
Parece evidente que a norma do n.º 2 do Despacho n.º 521/98 se conforma com o disposto no artigo 34º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 433/82, pelo que a mesma não é passível de censura à luz do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 165º da Constituição. O facto de a Lei n.º 97/97, de 23 de Agosto, nada dispor sobre a competência do Director-Geral de Viação e dos Governadores Civis para a aplicação das coimas previstas no Código da Estrada é irrelevante, uma vez que essa questão se deve resolver, “no silêncio da lei”, nos termos previstos no artigo 34º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 433/82.
6. Assente, nos termos expostos, que a norma do n.º 2 do Despacho n.º 521/98, respeita a regra de competência contida no artigo 34º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 433/82 e, nessa medida, não infringe a reserva do regime geral das contra-ordenações para a competência legislativa da Assembleia da República, resta apurar se tem autonomia, em relação a essa questão, o problema de saber se a competência dos governos civis e da Director-Geral de Viação, assim determinada, se estende também à aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir, prevista no artigo 139º do Código da Estrada. Ora importa desde já afirmar que na argumentação que permite sustentar a conformidade constitucional da norma do n.º 2 do Despacho n.º 521/98, na medida em que atribui competência aos governadores civis e ao director geral de Viação para a aplicação das sanções por infracção às disposições do Código da Estrada, não há que distinguir entre coimas e sanções acessórias.
A argumentação em contrário apresentada na sentença recorrida parece basear-se na substancial afinidade entre o regime da sanção acessória de inibição de conduzir, prevista no artigo 139º do Código da Estrada, e o regime da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, a que se refere o artigo 69º do Código Penal. Tal afinidade permitiria “considerar que a sanção em causa, aplicada após o pagamento voluntário da coima respectiva, e muito embora inscrita no Código da Estrada, tem natureza penal e não deve estar subtraída ao princípio da judicialidade”. A mesma argumentação apoia-se ainda no Acórdão n.º 337/86 deste Tribunal (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 8º, pp. 277 e ss.), o qual declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do artigo 32º, n.ºs 1, 3 e 5, da Constituição, da norma do artigo 61º, n.º 4, do Código da Estrada, na versão em vigor à data da respectiva prolação, na parte em que atribuia competência à Director-Geral de Viação para aplicar a medida de inibição da faculdade de conduzir ao condutor que, tendo cometido uma transgressão estradal, paga voluntariamente a multa.
Ora, um dos fundamentos dessa decisão deste Tribunal foi precisamente a comparação entre as garantias de defesa do arguido de uma contravenção estradal a que correspondesse também a inibição da faculdade de conduzir, com as garantias de defesa do autor de uma contra-ordenação. No quadro normativo então em vigor, no caso em que a uma contravenção estradal correspondesse também inibição da faculdade de conduzir e houvesse pagamento voluntário da multa, esta medida seria aplicada pela Director-Geral de Viação. Da decisão do director geral aplicando tal medida, havia recurso hierárquico para o Secretário de Estado dos Transportes e Comunicações, e da decisão deste
último cabia recurso contencioso, de mera legalidade, para o Supremo Tribunal Administrativo. Diferentemente, como se afirma no Acórdão citado, o autor de uma contra-ordenação “tem sempre a possibilidade de ver os factos de que é acusado serem discutidos – e decididos – numa audiência de julgamento por um juiz e com observância da regra do contraditório, de aí comparecer, ser ouvido e, querendo, assistido por um defensor (v. artigos 64º, 66º e 67º do citado Decreto-Lei n.º
433/82). Isto é coisa que não acontece com aquele, sempre que pague voluntariamente a multa devida pela transgressão”. Ora, no quadro normativo actualmente em vigor as coisas não se passam já assim, como resulta dos artigos 150º e seguintes do Código da Estrada, não se estabelecendo já qualquer diferenciação quanto às regras processuais para a impugnação de uma sanção acessória de inibição de conduzir entre as situações em que a coima tenha sido paga voluntariamente e aquelas em que não se proceda a tal pagamento. Em ambos os casos são aplicáveis as regras do processo das contra-ordenações, estabelecidas no Decreto-Lei n.º 433/82, com as adaptações constantes do Código da Estrada. Deste modo, a verdade é que dos fundamentos apontados pelo Acórdão n.º 337/86 para o julgamento de inconstitucionalidade podem, agora, quando muito, extrair-se argumentos para afastar a inconstitucionalidade apontada pela sentença recorrida.
Tal afastamento, aliás, também decorre logicamente da opção legislativa de atribuir competência às autoridades administrativas para o processamento das contra-ordenações e aplicação de coimas, opção essa que o Tribunal Constitucional, por exemplo no seu Acórdão n.º 158/92 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 21º vol., pp. 713 e seguintes) considerou já, desde que esteja garantido, naturalmente, o direito de impugnação judicial das decisões de autoridades administrativas que hajam aplicado coimas, isenta de censura constitucional, atendendo à diferença dos princípios jurídico-constitucionais que regem a legislação penal, por um lado, e aqueles a que se submetem as contra-ordenações, por outro.
Por último, importará aqui referir que a conclusão alcançada em nada
é prejudicada pela circunstância de a mesma medida, em substância, de inibição de conduzir revestir em alguns casos natureza criminal e em outros não poder ser já caracterizada desse modo. É que na verdade a natureza criminal ou não da medida de inibição de conduzir decorre da sua acessoriedade em relação a uma pena criminal ou a uma contra-ordenação (pressupondo esta mesma distinção, cfr. os Acórdãos n.º 149/00 e 44/02, publicados no Diário da República, II Série, de
9 de Outubro de 2000 e de 29 de Outubro de 2002, respectivamente).
Assim, decide-se conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformada de acordo com o presente juízo de não inconstitucionalidade.
Lisboa, 14 de Maio de 2003 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida