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Procº nº 787-A/2001.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Do Acórdão nº 178/2003, proferido nestes autos na sequência dos Acórdãos números 46/2000, 166/2002, 272/2002, 385/2002, 83/2003 e
178/2003, notificado ao impugnante A. por intermédio de carta registada expedida em 7 de Abril de 2003, reclamou o mesmo, nos termos do art.º 668.º do Código de Processo Civil, tendo a peça processual corporizadora da reclamação dado entrada neste Tribunal em 6 de Maio de 2003.
Tendo a secretaria notificado o reclamante para, nos termos do n.º 6 do art.º 145.º do aludido Código, proceder ao pagamento da multa aí prevista, veio o mesmo reclamar do acto da secretaria.
O relator, em 26 de Maio de 2003, proferiu o seguinte despacho:
“Porque o ora reclamante não demonstrou qualquer factualidade de onde se extraísse a ilisão da presunção de que, efectivamente, a sua notificação do Acórdão nº 178/2003 não ocorreu no 3.º dia posterior ao do registo da carta,
‘cotada’ a fls. 473, e que sucedeu em 7 de Abril de 2003, indefiro a reclamação consubstanciada no requerimento de fls. 490 a 495, sendo de assinalar que lhe era extremamente fácil efectuar tal demonstração e que não se antevê como facto notório carecido de prova o de a recepção da carta de notificação ter, necessariamente, levado mais de três dias para ser entregue ao seu destinatário”.
É do transcrito despacho que o A. reclama para conferência, dizendo nas «conclusões» da reclamação:
“I -- Salvo melhor entendimento, a presente reclamação é admissível
1. Após leitura do texto do douto despacho notificado por nota de 28 de Maio de
2003, conclui-se que as premissas e a conclusão estão para além da mera discricionariedade que é a característica essencial dos despachos de mero expediente (artigo 156.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
2. Com efeito, nesse douto despacho, fala-se de ‘notificação ... no 3.º dia posterior ao do registo da carta', de ‘ilisão da presunção’ para efeitos do artigo 254º, n.ºs 2 e 4, do Código de Processo Civil e de ‘facto notório carecido de prova’ na acepção do artigo 514.º do Código de Processo Civil.
3.0 indeferimento da reclamação do acto da Secretaria do Tribunal Constitucional que aplicou uma multa nos termos do artigo 145.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, nos presentes autos, é susceptível de causar prejuízo ao interessado, atendendo à expressão económica que a multa assume e, sobretudo, ao contexto em que ela foi aplicada.
4. Assim, à luz do disposto no artigo 700.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, a presente reclamação deve ser admitida. II - Razões de facto e de direito pelas quais o interessado se considera prejudicado
5. No entender do ora reclamante, a nota de 28 de Maio de 2003, pela qual se notificou o douto despacho de 26 de Maio de 2003, contém elementos que permitem pensar que não foram respeitadas as exigências de imparcialidade. a) Nessa nota de notificação indica-se que, em anexo são enviadas ‘Novas Guias respeitantes à multa aplicada nos termos do artigo 145º, n.º 6, do Código de Processo Civil’ (carregado do reclamante). b) Do douto despacho de 26 de Maio de 2003 não se infere qualquer ordem no sentido de serem já enviadas ‘novas guias’ ao interessado. c) O procedimento da Secretaria do Tribunal Constitucional não se compagina com o carácter precário dos despachos do relator decorrente do disposto no artigo
700.º, n.º 3, do Código de Processo Civil que prevê reclamação para a conferência com vista à alteração do sentido dos despachos do relator que não sejam de mero expediente. d) No entender do reclamante, a Secretaria do Tribunal Constitucional só poderia proceder ao envio de ‘novas guias’, caso o interessado não reagisse ao douto despacho de 26 de Maio de 2003, após o decurso do prazo de 10 dias em que esse douto despacho poderia considerar-se definitivo. e) O envio de ‘novas guias’ antes da data em que o douto despacho reclamado se poderia considerar transitado em julgado e antes de o interessado conhecer o conteúdo desse douto despacho é susceptível de diminuir as garantias de imparcialidade na apreciação de uma eventual reacção do interessado.
6. No entender do reclamante, o douto despacho de 26 de Maio de 2003 contém considerações que revelam que, na apreciação da reclamação do acto da Secretaria do Tribunal Constitucional, não foi respeitada a relação, estabelecida pelo artigo 664.º do Código de Processo Civil, entre a actividade das partes e a do juiz. a) No douto despacho de 26 de Maio de 2003, constam as seguintes considerações:
‘... o ora reclamante não demonstrou factualidade de onde se extraísse a ilisão da presunção ... sendo de assinalar que lhe era extr(e)mamente fácil efectuar tal demonstração . . .’ (carregado do reclamante). b) A actividade jurisdicional rege-se por critérios exclusivamente jurídicos. c) O reclamante considera que cumpria ao Excelentíssimo Senhor Conselheiro-Relator apreciar, à luz da lei ou de critérios dela extraídos, se os meios de prova de que se socorreu o interessado eram, ou não, admissíveis ou se as circunstâncias invocadas eram, ou não, suficientes para ilidir a presunção estabelecida no n.º 2 do artigo 254.º do Código de Processo Civil. d) Mas o reclamante entende também que não cabe no âmbito da actividade jurisdicional assinalar ‘que era extr(e)mamente fácil’ ao interessado fazer a demonstração em causa, já que, à luz do disposto no artigo 664.º do Código de Processo Civil, o juiz não pode substituir as partes na alegação dos factos. Assim, ao assinalar ‘que era extr(e)mamente fácil’ ao reclamante fazer a demonstração em causa, em lugar de enunciar as razões que levaram a considerar que os elementos de facto indicados pelo interessado não eram susceptíveis de produzir os efeitos jurídicos pretendidos, o douto despacho de 26 de Maio de
2003 não se deteve nos limites decorrentes do disposto no artigo 664.º do Código de Processo Civil.
7. No entender do reclamante, o douto despacho de 26 de Maio de 2003 só poderá ser sustentado à custa de uma clara violação do disposto no artigo 9.º, nº 2, do Código Civil. a) O douto despacho de 26 de Maio de 2003 assenta na conclusão de que existia uma presunção de que a notificação ‘não ocorreu no 3º dia posterior ao do registo’, quando o n.º 2 do artigo 254.º do Código de Processo Civil estabelece a presunção de que a notificação é feita no terceiro dia posterior ao do registo. b) Os factos indicados pelo interessado nunca poderiam ilidir a presunção de que a notificação do douto acórdão n.º 178/2003 ‘não ocorreu no 3º dia posterior ao do registo’, já que eles foram indicados para demonstrar que a notificação desse douto aresto ocorreu em data posterior à presumida pelo n.º 2 do artigo 254.º do Código de Processo Civil. d) O sentido de que o artigo 254.º, nº s. 2 e 4, do Código de Processo Civil estabelece uma presunção de que a notificação desse douto aresto ‘não ocorreu no
3º dia posterior ao do registo’ , em que assenta o douto despacho de 26 de Maio de 2003, não tem o mínimo de correspondência no texto dessas disposições.
8. No entender do reclamante, o douto despacho de 26 de Maio de 2003 desconhece o princípio da economia processual subjacente ao artigo 514.º do Código de Processo Civil. a) O reclamante, quando reagiu ao acto da Secretaria Tribunal Constitucional indicou factos que, em seu entender, demonstram que era impossível que a notificação do douto Acórdão n.º 178/2003 tivesse ocorrido na data presumida pela lei, por razões que lhe não são imputáveis (artigo 254.º, n.º 4, do Código de Processo Civil). b) 0 reclamante alegou que a Secretaria do Tribunal Constitucional tinha conhecimento de alguns desses factos e que outros desses factos eram de conhecimento geral. c) Decorre do artigo 514.º do Código de Processo Civil que esses factos não carecem de alegação nem de prova. d) Assim, a declaração de que ‘não se antevê como facto notório carecido de prova’ que a carta de notificação levou mais de 3 dias para chegar ao destinatário, sem ter indicado se as circunstâncias invocadas pelo reclamante são, ou não, factos de que o Tribunal Constitucional teve conhecimento por virtude do exercício das suas funções e do conhecimento geral, evidencia que o douto despacho notificado por nota de 26 de Maio de 2003 foi proferido à revelia do princípio da economia processual. e) Com efeito, essa declaração equivale a impor ao interessado o desenvolvimento de actividade processual para além do que o legislador considera necessário. f) A interpretação sustentada no douto despacho de 26 de Maio de 2003 tem por resultado que se considera que a notificação do douto acórdão n.º 178/2003 foi feita antes de 11 de Abril 2003, quando o Tribunal Constitucional tem conhecimento da existência de circunstâncias que demonstram ser impossível que a o interessado tenha tido conhecimento do conteúdo desse douto acórdão antes dessa data. Por estas razões, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, o reclamante requer que sobre a matéria do douto despacho notificado por nota de 26 de Maio de 2003 recaia um acórdão no sentido de que devem ser revogados o douto despacho ora reclamado e o acto da Secretaria do Tribunal Constitucional cuja legalidade foi contestada”.
Cumpre decidir.
2. Em primeiro lugar, assinale-se que o Tribunal não se pronunciará sobre o acto da secretaria consistente no envio de «novas guias» após a prolação do despacho reclamado, justamente porque em causa, na vertente reclamação, não está a impugnação desse acto que, aliás, teria de ser decidido, em primeira linha, pelo relator.
3. Isto posto, enfrentar-se-á a impugnação sub iudicio.
No despacho reclamado entendeu-se que o reclamante não demostrou factos de onde se extraísse que a carta de notificação do Acórdão n.º
178/2003, expedida pela secretaria em 7 de Abril de 2003, somente lhe foi entregue após o terceiro dia contado da data da expedição.
O n.º 2 do art.º 254.º do Código de Processo Civil consagra a regra segundo a qual a notificação postal se presume feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando aquele terceiro dia o não seja. Mas, porque se trata de uma presunção juris tantum, o notificado pode, de harmonia com o n.º 4 do mesmo artigo, ilidi-la, desde que prove que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não são imputáveis.
Ora, neste particular, o reclamante limitou-se a dizer que tinha o seu domicílio no Luxemburgo. E, para tentar extrair dessa circunstância que um registo postal efectivado no Luxemburgo pode demorar cinco dias a chegar a Lisboa, esgrimiu com o exemplo de ter enviado a peça consubstanciadora da reclamação do Acórdão n.º 178/2003 em 30 de Abril de 2003, a qual chegou a este Tribunal em 6 de Maio seguinte.
Convir-se-á que aquela invocação do reclamante não é minimamente demonstrativa de que a carta de notificação registada em 7 de Abril de 2002, efectivamente, não foi recebida pelo mesmo no terceiro dia posterior ao seu registo.
Por outro lado, como se assinalou no despacho ora em apreço, não se poderá dizer que é facto notório (ou de conhecimento geral, para se usarem as palavras do reclamante) o de a impossibilidade de uma tal carta, necessariamente, chegar ao seu destinatário no terceiro dia posterior à data do seu registo, sendo que este Tribunal não dispõe, como não dispunha, de qualquer conhecimento, advindo do exercício das suas funções, do qual resultasse, ainda que de forma menos inequívoca, aquela impossibilidade.
Ora, neste contexto, a exigência de ilisão da presunção
ínsita no mencionado n.º 2 do art.º 254.º nunca se poderá considerar como a imposição ao interessado do desenvolvimento de uma actividade que não é querida pela lei.
Sublinhe-se que o despacho reclamado, ao aludir a que seria ao reclamante extremamente fácil demonstrar que a carta em questão somente lhe foi entregue após o terceiro dia contado do respectivo registo, não está, de todo em todo, a substituir-se ao interessado na prova que havia ou pretendia efectuar.
Com aquela asserção unicamente se efectua a constatação de que o ónus a que se refere o n.º 4 do art.º 254.º do Código de Processo Civil, no caso, não se vislumbrava como algo de impossível ou, ao menos, de difícil consecução.
Por último, anote-se que, na situação sub specie, não é cabido invocar o disposto no n.º 4 do art.º 56º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, já que, conforme deflui do seu n.º 1, a dilação prevista naquela primeira disposição é acrescida aos prazos previstos nos artigos que integram as Secções I, II, III e IV do Subcapítulo I do Capítulo I de tal Lei, sendo que, no caso em concreto, se trata de um processo regulado, não naquelas Secções, mas no Subcapítulo II daquele Capítulo.
Em face do exposto, indefere-se a presente reclamação, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando em 10 unidades de conta a taxa de justiça.
Lisboa, 30 de Setembro de 2003
Bravo Serra Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos