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Proc.º n.º 10/01
2ª Secção Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, na 2ª Secção, deste Tribunal Constitucional:
A – O relatório
1. O MINISTÉRIO PÚBLICO junto do Tribunal da Relação de Lisboa recorre para este Tribunal Constitucional, nos termos dos art.os 70.º, n.º 1, al. a), 72.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 e 78.º, n.º 4 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (doravante LTC) do Acórdão da mesma Relação, de 29 de Novembro de 2000,
que, decidindo conceder provimento em parte à apelação interposta pelo Réu – Estado Português -, revogou apenas parcialmente a sentença da 1ª instância que o havia condenado no pagamento da quantia total de 679 636$50, fixando no montante global de quatrocentos e vinte e um mil quinhentos e noventa e seis escudos (421 596$00) o valor que o Réu tem de pagar à autora A., identificada nos autos.
2. O acórdão, ora recorrido, foi proferido em reforma do decidido no Acórdão n.º 434/2000, de 11 de Outubro de 2000, deste Tribunal Constitucional, que se pronunciou pela inconstitucionalidade das normas do artigo 9.º do DL. n.º
184/89, de 2 de Junho e do artigo 18.º do DL. n.º 427/89, de 7 de Dezembro, por violação do “direito especial de igualdade no acesso à função pública, previsto no artigo 47.º, n.º 2, [...]”, com a sua “dimensão objectiva, com fundamento institucional, da regra da igualdade e liberdade no acesso à função pública, com vista a reforçar a sua capacidade funcional e de prestação e a assegurar a transparência e democraticidade na composição da função pública”, e, ainda, porque “não só a sanção da nulidade do contrato, resultante das normas cuja apreciação está em causa nos presentes autos, não é constitucionalmente proibida, como, pelo contrário, se pode afirmar, na linha da jurisprudência resultante dos arestos citados (quer referir-se aos Acórdãos n.ºs 683/99 e
368/00), que a regra da igualdade no acesso à função pública, consagrada no art.º 47.º da Constituição da República, impede que da qualificação como mera irregularidade de tal contrato se extraia a conclusão da sua conversão em contrato de tempo indeterminado”.
3. A questão de inconstitucionalidade, que esse acórdão enfrentou, assentou no pressuposto, dado por assente na instância recorrida, de que o contrato de trabalho celebrado entre a autora A. e o Estado Português
(Ministério da Educação) era um contrato a prazo que se regia pelas normas do art.º 9.º do DL. n.º 184/89, de 2/6 e do art.º 18.º do DL. n.º 427/89, de 7/12
(impossibilidade de conversão em termo incerto e de aplicação das normas relativas ao despedimento ilícito ou sem justa causa).
4. Depois de delimitar o objecto do recurso apenas ao âmbito da al. a) do n.º 1 do art.º 70.º da LTC e de refutar, em sede de inconstitucionalidade, o decidido pelo acórdão recorrido, o recorrente Ministério Público sintetizou assim as razões antes alegadas:
«1º - Situa-se no âmbito da competência do Tribunal Constitucional verificar se o tribunal a quo, ao reformular a decisão que inicialmente proferiu, se conformou com o sentido e o alcance de um precedente juízo (ou declaração) de inconstitucionalidade, emitido pelo Tribunal Constitucional - a quem compete interpretar e definir o sentido preciso dos seus precedentes juízos de constitucionalidade.
2º - Tendo sido a decisão do Tribunal Constitucional proferida no
âmbito do próprio “processo-pretexto”, compete ainda ao Tribunal Constitucional
- mesmo fora do âmbito da tipologia de recursos de fiscalização concreta – sindicar de uma possível ofensa do caso julgado decorrente do juízo acerca da constitucionalidade de certa norma, definitivamente emitido no âmbito da concreta situação dos autos.
3º - Para apurar da conformidade da decisão impugnada com o precedente juízo sobre a constitucionalidade da norma em causa, tem o Tribunal Constitucional de conferir a necessária prevalência a uma visão substancial das realidades e interesses conflituantes e controvertidos, não podendo limitar-se a uma visão estritamente formalístico-conceitual, que atribua relevância decisiva
à formulação literal e verbal da decisão recorrida.
4º - Não se conforma manifestamente com o sentido e o alcance da doutrina firmada pelos Acórdãos 683/99 e 368/00 - aplicada à concreta situação dos autos pelo Acórdão 434/2000, proferido no âmbito do próprio
“processo-pretexto” transitado em julgado -, a interpretação normativa dos artigos 9º do Decreto-Lei 184/89 e 18º do Decreto-Lei 427/89 que “substitui” a conversão das relações laborais a prazo, irregularmente celebradas e mantidas pelo Estado, em relações laborais permanentes e duradouras por uma pretensa estabilização e definitividade de relações de trabalho “de facto” - qualificadas como “atípicas” - decorrentes do simples facto de tais relações a prazo se terem prolongado no tempo, para além do prazo máximo de duração previsto na lei geral
- e que sobrevivem indefinidamente à caducidade do contrato de trabalho a prazo.
5º - E configurando-se a invocação da figura da “relação laboral atípica” como simples qualificação conceitual ou formal que determina a aplicação aos litígios de “todo” o regime “típico” e geral do contrato individual de trabalho - afrontando tal interpretação normativa o caso julgado decorrente do referido Acórdão 434/2000.
6º - O regime constante dos artigos 9.º do Decreto-Lei n.º 184/89 e
18º do Decreto-Lei n.º 427/89 - interpretado como implicando a consagração do princípio da taxatividade das formas de constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública e do carácter estritamente taxativo, residual e excepcional dos contratos de trabalho a prazo, celebrados com o Estado e outras pessoas colectivas públicas - configura-se como decorrência do princípio de acesso à função pública mediante concurso, afirmado pelo n.º 2 do art.º 47.º da Constituição da República Portuguesa.
7º - A interpretação normativa de tais preceitos legais, traduzida em considerar plenamente válida e eficaz a “relação laboral atípica” que sobrevive à caducidade de um contrato de trabalho a prazo, irregularmente celebrado pela administração - outorgando-lhe uma “estabilização” e tratamento jurídico estritamente decalcados do regime de contrato sem prazo (apesar de tal figura inexistir manifestamente no que se refere às formas de constituição daquela relação de emprego público) não decorre do princípio constitucional da estabilidade e segurança no emprego, constante do art.º 53º da Constituição da República Portuguesa, revelando-se incompatível com o princípio afirmado pelo citado art.º 47.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
8º - Termos em que deverá ser julgado procedente o presente recurso, devendo a decisão recorrida ser substituída por outra que se conforme com o sentido e alcance “substanciais” do decidido definitivamente pelo Tribunal Constitucional acerca da constitucionalidade das normas questionadas».
5. A autora, ora recorrida, não contra-alegou.
B – A fundamentação
6. A questão decidenda
O recurso vem interposto ao abrigo da al. a) do nº 1 do art. 70º da LTC. Tendo, todavia, o Ministério Público, suscitado a questão da violação do caso julgado, dele se passa a conhecer.
7. Ao proceder à dita reforma da decisão consequente ao Acórdão n.º
434/2000, o Acórdão da Relação de Lisboa, ora recorrido, discreteou assim, tendo por base a factualidade antes já considerada:
“Como qualificar, então, a relação de emprego da Autora com o Estado, surgida depois de Setembro de 1996?
Entendemos que se trata de uma relação de emprego atípica já que não foi o resultado de qualquer contrato legalmente previsto, celebrado entre ela e o Réu, nem pode ser entendida como a execução de um dos contratos anteriormente indicados ou como uma renovação ou conversão de um contrato de trabalho a termo.
A nosso ver, o que se constituiu então foi apenas - e tão só - uma relação de trabalho de facto, totalmente nova, não prevista legalmente, mas que não pode deixar de merecer a tutela do direito, quer no que respeita ao seu desenvolvimento, quer no que respeita à sua cessação.
Essa relação de emprego atípica manteve-se por um período de cerca de um ano, tendo certamente criado no espírito da trabalhadora a convicção de que, depois de Setembro de 1996, estava estabelecido entre ela e o Réu um vínculo de trabalho estável e duradouro, como acontece geralmente com os trabalhadores do Estado.
[...]
Essa relação laboral, não sendo propriamente um contrato individual de trabalho, apresentava, todavia, no seu desenvolvimento, muitos pontos de contacto com esse tipo de contrato.
Por outro lado, o corte abrupto da relação de emprego atípica mantida entre a Autora e o Estado Português também se mostra em tudo semelhante a um despedimento promovido por um empregador, sem aviso prévio e sem justa causa.
Ora, o artigo 53.º da Constituição da República garante a todos os trabalhadores a segurança no emprego - sem distinções de empregos - e proíbe os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.
[...]
Não estando as relações de emprego similares à da Autora reguladas pela lei ordinária, quer no que respeita ao seu desenvolvimento, quer no que respeita à sua cessação, tais situações de trabalho para o Estado integram claras lacunas de lei e são merecedoras da tutela do direito.
Assim, enquanto não houver normas que directamente previnam essas situações, as lacunas que se verificam têm de ser preenchidas pelo recurso à analogia, nos termos do disposto no art.º 10.º do Código Civil.
Por isso há que aplicar à cessação da relação de emprego atípica ocorrida com a Autora, em 30 de Junho de 1997, por analogia, as normas que, quanto ao contrato individual de trabalho, dispõem acerca do despedimento, sem justa causa e sem aviso prévio.
[...]
Temos de equiparar aos despedimentos [....] todas as determinações ou condutas do Estado que levam à cessação imediata das relações de emprego atípicas por ele mantidas sem contrato ou acto administrativo, legalmente previstos.
E não se diga que esta nossa posição viola o disposto no artigo
47.º, n.º 2, da Constituição da República, por afinal reconhecer um ingresso na função pública sem concurso, com preterição da igualdade de acesso à mesma garantida nessa norma constitucional.
É que, no caso sub judice, não estamos propriamente perante uma situação de ingresso da Autora na função pública, com todos os direitos e deveres inerentes ao funcionalismo público.
[...]
Estamos apenas perante uma relação de emprego tendencialmente temporário, de natureza privada, a que o Réu poderá pôr termo a todo o tempo, desde que pague à trabalhadora uma indemnização ou compensação pela sua cessação.
[...]
Ora, não se vê, dos factos provados, que o Estado tenha pago à Autora uma qualquer indemnização ou compensação pela finalização da sua relação laboral, unilateralmente decretada pelo Réu, duma forma abrupta, claramente violadora do art.º 53.º da Constituição da República.
[...]”.
8. Do mérito do recurso de (in)constitucionalidade.
Como se infere do relatado, o Acórdão da Relação agora sindicado sob o prisma da inconstitucionalidade, dando outras voltas ao Mundo (do Direito) quanto à determinação do quadro legal aplicável para o mesmo caso, retratado nos autos, chegou - pode dizer-se - ao mesmo ponto de partida prático a que antes já havia aportado, fundado numa diferente fundamentação jurídica da que veio a ser julgada inconstitucional pelo Acórdão nº 434/2000.
Como necessário corolário do caso julgado formado quanto à questão de inconstitucionalidade, a que se refere o n.º 1 do art.º 80.º da LTC, não pode deixar de entender-se que cabe ao Tribunal Constitucional sindicar directamente a violação desse caso julgado. Assim o considerou o Acórdão nº 340/2000, tirado em plenário, nos termos do qual é directamente sindicável pelo Tribunal Constitucional - e mesmo fora do quadro dos recursos tipificados no n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82 - a eventual violação do caso julgado, formado nos termos do n.º 1 do art.º 80.º daquela Lei - e traduzido na circunstância de o Tribunal a quo não ter acatado o sentido e alcance do precedente juízo de constitucionalidade proferido no processo-pretexto.
Cabendo ao Tribunal Constitucional a competência para conhecer das questões de inconstitucionalidade, não se poderá deixar de reconhecer-lhe igualmente a competência exclusiva para aferir do cumprimento do sentido e alcance do juízo de inconstitucionalidade que emitiu, aquando da reforma da decisão por ele ordenada ao tribunal a quo, por ocasião da baixa dos autos. Só assim se evita repartir a competência para sindicar, de forma definitiva, a constitucionalidade das normas atribuída pela Constituição da República Portuguesa apenas ao Tribunal Constitucional. Por outro lado, enquanto referindo-se a uma norma, o juízo que se pronuncia pela inconstitucionalidade não pode deixar de precisar qual a dimensão significante, formal ou orgânica dessa norma que é tida como desconforme com a lei fundamental, assim se precisando o sentido e alcance do juízo de inconstitucionalidade. Por outro lado, também neste terreno da declaração judicial da inconstitucionalidade, o caso julgado não pode deixar de ser de conhecimento oficioso. Para apurar se a decisão recorrida se conformou ou não, na reforma do decidido, com o sentido e alcance de certa decisão sobre a constitucionalidade de uma norma, transitada em julgado, não pode, como bem argumenta o recorrente Ministério Público, “partir-se de uma visão estritamente conceitual ou formalística”, atendendo apenas ao enunciado verbal ou linguístico da decisão impugnada, pois isso seria esquecer que o juízo de inconstitucionalidade se funda na existência de uma discordância da norma com os parâmetros constitucionais adrede relevados como seus elementos invalidantes. Deste modo, a reforma da decisão terá de ter em conta, para com eles se conformar, os elementos substanciais que determinaram o juízo de inconstitucionalidade, de modo que o seu sentido essencial seja cumprido na solução do caso, como sendo, sobre a matéria, a última palavra dos tribunais. A injunção material judicial que resulta do “acórdão-pretexto” é a de que não podem existir relações de trabalho subordinado permanentes na Administração Pública, sem que na contratação sem prazo desses agentes hajam sido observadas as regras do concurso no acesso à função pública, nem podem converter-se em relações laborais definitivas ou sem prazo os eventuais contratos a prazo celebrados e mantidos pela Administração. Anote-se, aqui, que o Acórdão n.º 368/2000, deste Tribunal, publicado no DR. I-A, de 30 de Novembro de 2000 declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, o artigo 14.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos a termo. Ao reformar a decisão, o Acórdão recorrido veio, porém, a interpretar os preceitos dos artigos 9.º do DL. n.º 184/89 e 18º do DL. n.º 427/89 no sentido de que os contratos a prazo celebrados pelo Estado correspondem, não como antes se havia ajuizado a contratos a prazo ou a termo, sujeitos àqueles preceitos legais, mas a simples relações laborais de facto, atípicas, que, mercê da confiança do trabalhador na sua duração para além do prazo máximo estabelecido na lei, acabam por provocar a verificação de efeitos jurígenos de estabilização, em termos de ultrapassarem a caducidade própria do contrato a termo, com todas as consequências legais próprias da permanência do contrato, de modo a tornar-se aplicável todo o regime típico geral do contrato de trabalho, a convocar por analogia, dada a ausência de disposições legais específicas reguladoras de tal situação.
É, por demais, evidente que esta construção criada pelo Acórdão recorrido não se conforma com o sentido e alcance do caso julgado do Acórdão n.º 434/2000 que ordenou a reforma do Acórdão recorrido. Basta notar que contra o sentido material do decidido, em que apenas se admitia a estabilização dos contratos por via do concurso público, o Acórdão recorrido acaba por conseguir, dentro de uma outra perspectiva, a aceitação da existência de uma relação laboral “atípica” mantida no plano estritamente fáctico e a admissibilidade de uma relação laboral duradoura, à margem do concurso, abstraindo completamente do modo de acesso por concurso à função pública, para relevar antes que “estamos apenas perante uma relação de emprego tendencialmente temporário, de natureza privada, a que o Réu poderá pôr termo a todo o tempo, desde que pague à trabalhadora uma indemnização ou compensação pela sua cessação”.
Assim, enquanto segundo o sentido do julgado constitucional, esgotado o prazo do contrato a termo, cessam os direitos e obrigações que emergiam do contrato antes celebrado, por não poder sobrevir uma conversão do contrato em contrato por termo indeterminado, no Acórdão ora recorrido os efeitos substanciais cuja existência era negada, passam a ser concedidos por apelo a uma outra fonte infraconstitucional criada com base na analogia cuja aplicação aquele julgado antes afastara.
Estamos, assim, perante uma evidente violação do caso julgado. A reforma do Acórdão recorrido não poderá deixar de respeitar o efeito substancial decorrente do julgamento de inconstitucionalidade segundo o qual não é admissível a conversão do contrato ou efeito prático idêntico, por atentatórios do princípio consagrado no art.º 47.º n.º 2 da CRP, independentemente das consequências jurídicas advindas da caducidade do contrato.
9. Mas, independentemente de o Acórdão recorrido se traduzir numa violação do caso julgado constitucional quanto à questão de constitucionalidade que foi resolvida pelo Acórdão n.º 434/2000, no que concerne à sua dimensão substancial, ainda poderia perspectivar-se o novo julgado da Relação como uma recusa autónoma de aplicação das normas por aquele julgadas inconstitucionais, enquanto delas deflui – e como decorrência do princípio do acesso à função pública mediante concurso, que se mostra afirmado no art.º 47.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa - “a consagração do princípio da taxatividade das formas de constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública e do carácter estritamente taxativo, residual e excepcional dos contratos a prazo celebrados com o Estado e outras pessoas colectivas públicas” (usando a linguagem do recorrente).
Nesta perspectiva, a admissibilidade, ao abrigo de tais normas, de uma relação laboral atípica, fundada quanto à sua causa jurídica na pura existência de facto, susceptível de levar à estabilização do contrato de trabalho em termos idênticos ao do regime típico, e de obstar à caducidade do contrato de trabalho a prazo, afrontaria, igualmente, pelas razões já afirmadas no referido Acórdão n.º 434/2000 (e nos Acórdãos e 683/99 e n.º 368/2000, publicados, respectivamente, no DR., II Série, de 3 de Fevereiro de 2000 e de 30 de Novembro de 2000), o referido princípio do acesso à função pública mediante concurso, afirmado no art.º 47.º n.º 2 da CRP, sem que pudesse sustentar-se ser essa solução necessariamente postulada pelo art.º 53.º da mesma Lei Fundamental.
C – A decisão
10. Destarte, atento tudo o exposto, este Tribunal Constitucional decide conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e ordenar a sua reforma de acordo com o alcance e sentido substanciais da decisão proferida sobre a questão de constitucionalidade, com trânsito em julgado, no Acórdão n.º
434/2000.
Lisboa, 2 de Julho de 2003 Benjamim Rodrigues Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres (com declaração de voto junta) Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Quanto ao fundamento para o conhecimento do recurso, mantenho-me fiel ao entendimento que sustentei, como representante do Ministério Público, no processo n.º 143/92, e de que o Acórdão n.º 318/93, emitido nesse processo, dá conta nos seguintes termos:
“No seu parecer, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto salienta que (...) est[á] verdadeiramente em causa na presente reclamação a questão «da competência do Tribunal Constitucional para controlar o modo como os restantes tribunais executam as suas decisões, derivando de uma resposta positiva a essa questão a admissibilidade de recursos interpostos com fundamento em execução defeituosa, pelo tribunal a quo, de tais decisões». E, após apresentar uma sinopse das soluções adoptadas em casos similares pela Comissão Constitucional (Acórdão n.º 415, in Apêndice ao Diário da República, de 18 de Janeiro de 1983, p. 59, e Boletim do Ministério da Justiça, n.º 310, p. 173) e pelo Tribunal Constitucional (Acórdãos n.ºs 94/90, 214/90, 251/90, 253/90, 186/91 e 330/92, o primeiro, o segundo e o quinto publicados no Diário da República, II Série, de
19 de Julho de 1990, de 17 de Setembro de 1990 e de 10 de Setembro de 1991, respectivamente, e os restantes inéditos), conclui aquele Magistrado do Ministério Público:
«Da análise desses exemplos é possível extrair que, em sede de fiscalização concreta, o Tribunal Constitucional tem competência para interpretar autenticamente as suas declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral (caso do acórdão n.º 186/91), mas que quando é chamado a apreciar decisões dos tribunais subsequentes a declarações de inconstitucionalidade ou a reapreciar decisões dos tribunais reformulados em sequência de acórdãos proferidos em sede de fiscalização concreta, não deverá intrometer-se na valoração da matéria de facto que aos outros tribunais compete em exclusivo (caso do acórdão n.º 94/90), sem prejuízo de poder conhecer desses recursos sempre que – mas apenas quando – as decisões impugnadas contenham autonomamente os requisitos dessa impugnabilidade, ou porque tenham emitido novo juízo de inconstitucionalidade (caso do acórdão n.º 415 da Comissão Constitucional) ou porque tenham feito aplicação de norma arguida de inconstitucional durante o processo pelo recorrente ou já anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. Faltando estes requisitos o recurso não é admissível mesmo que a decisão recorrida aparentemente se assuma como desrespeitadora da anterior decisão do Tribunal Constitucional (caso do acórdão n.º 330/92). Isto é: nestes casos, valem as regras gerais que regulam a admissibilidade dos recursos de constitucionalidade, não sendo sustentável um alargamento da competência do Tribunal Constitucional visando especificamente o controlo do modo como o tribunal recorrido “executou” a anterior decisão do Tribunal Constitucional. Essa “execução”, na medida em que implica valoração de provas e de factos e interpretação e aplicação do direito ordinário, é, de per si, insindicável pelo Tribunal Constitucional. Este só poderá intervir, não como instância de supervisão da execução das suas decisões, mas como instância de recurso, se a segunda decisão do outro tribunal couber autonomamente na previsão das várias alíneas do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82.”
No presente caso, entendo, porém, que a decisão recorrida recusou a aplicação de determinada interpretação normativa, com fundamento em inconstitucionalidade, por pretensa violação do direito à segurança no emprego, consagrado no artigo 53.º da Constituição, pelo que o recurso era admissível com base na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, que, aliás, foi a norma invocada para a sua interposição pelo magistrado do Ministério Público recorrente.
2. A questão da eventual violação do caso julgado constituído sobre anterior decisão do Tribunal Constitucional neste mesmo processo não revela, a meu ver, para efeitos de admissibilidade do recurso, mas apenas em sede de mérito: se se verificar caso julgado, o Tribunal não pode reapreciar a questão de constitucionalidade, limitando-se a estender os efeitos do caso julgado; se não se verificar, o Tribunal reapreciará a questão de constitucionalidade.
No presente caso, mesmo que se entendesse que não era patente uma violação directa da anterior decisão do Tribunal Constitucional
(embora fosse inegável que, através da nova concepção jurídica da situação dos autos engendrada pelo acórdão recorrido, se atingiam efeitos práticos similares), o certo é que nunca a invalidade de uma relação laboral a termo podia ter como efeito a aceitação de uma situação claramente postergada pelo legislador – a da existência de contratos de trabalho sem prazo – e que este Tribunal Constitucional tem reiteradamente julgado inconstitucional por violação da regra do concurso. Considero, assim, constitucionalmente inadmissível o entendimento do acórdão recorrido no sentido da aplicabilidade do regime do artigo 13.º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, embora limitado ao reconhecimento do direito a indemnização de antiguidade. Questão diversa – mas que exorbita do
âmbito do mesmo recurso – é a de saber se a interessada terá, ou não, direito à compensação prevista no n.º 3 do artigo 46.º do mesmo Regime Jurídico.
Foi com estes fundamentos que votei a admissibilidade e a procedência do presente recurso.
Lisboa, 2 de Julho de 2003.
Mário José de Araújo Torres