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Processo nº 242/03
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - Nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente A., sendo recorridos B., C., D. e E., foi lavrada decisão sumária, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A daquele diploma legal, com o seguinte teor:
“1. – B., C., D. e E., recorrentes nos autos de recurso contencioso de anulação n.º 29578, que correu termos pela 1ª secção do Supremo Tribunal Administrativo, requereram, nos termos do nº1 do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Julho, contra o Ministro da Saúde, a declaração de inexistência de causa legítima de inexecução do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 11 de Março de 1993, que anulou o despacho do Ministro da Saúde de 21 de Março de 1991, que havia negado provimento ao recurso hierárquico por eles interposto da deliberação do júri que os excluiu da lista provisória ao concurso de provimento para chefe do Serviço de ------------- do Hospital F., em
--------, acórdão este confirmado pelo acórdão do Pleno da Secção, de 3 de Outubro de 1996, e pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 163/2000, de 22 de Março de 2000. Respondeu o Secretário de Estado dos Recursos Humanos e da Modernização da Saúde, em representação do requerido, informando que o Conselho de Administração do Hospital F. já havia, em 27 de Setembro de 2000, decidido no sentido de anular o concurso e refazer o mesmo, pelo que, no seu entendimento, com a anulação deliberada estava a ser dada execução ao acórdão em causa. Replicaram os recorrentes, pugnando pela declaração de inexistência de causa legítima de inexecução do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo e pedindo que sejam especificados “os actos e operações em que a execução deverá consistir, nomeadamente a declaração de nulidade de todos os actos consequentes e subsequentes ao acto administrativo anulado, incluindo, necessariamente, o acto de nomeação do A. para o lugar de chefe do Serviço de ------------ do Hospital F. ...”. Ouvido o interessado A., opôs-se ao pedido de anulação da sua nomeação para o cargo de chefe de serviço em causa, argumentando, em síntese, não ter sido pedida a suspensão de eficácia do acto de nomeação, que tem direito ao lugar, “e adquiriu-o por via daquilo a que Marcelo Caetano apelida de uma espécie de usucapião (...), tanto mais que está decorrido e excedido o período de dez anos no exercício de tais funções”. Respondeu ainda o recorrido Hospital F., afirmando que não ocorreu a “inexecução de sentença” e que não há lugar à existência de causa ilegítima de inexecução da sentença.
2. - O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão da 1ª Secção (2ª Subsecção), de 24 de Abril de 2001, concluindo que o acórdão exequendo não se encontrava inteiramente executado, declarou “a inexistência de causa legítima de inexecução do julgado contido no acórdão desta secção, de 11 de Março de 1993, confirmado pelo Pleno no seu acórdão de 28 de Março de 1996”. No seguimento deste aresto, vieram os requerentes, ao abrigo do n.º 1 do artigo
9º do Decreto-Lei n.º 256-A/77, apresentar o requerimento de resposta de fls. 51 a 55, especificando os actos e operações em que a execução deverá consistir e o prazo em que deverão ter lugar. Após audição da autoridade requerida, bem como do Hospital F., e do Ministério Público, o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 13 de Novembro de
2001, especificou os actos e operações a praticar em execução do acórdão da secção de 11 de Março de 1993, confirmado pelo acórdão do Pleno de 28 de Março de 1996, bem como o prazo em que devem ser praticados, e decidiu “declarar a nulidade do acto de nomeação, na sequência do concurso publicitado através do aviso inserto no Diário da República, II Série, n.º 215, de 16 de Setembro de
1988, do ora requerido, A., no lugar de chefe do serviço de --------- do Hospital F., posto a concurso”.
3. - Inconformado, o requerido A. interpôs recurso para o Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, que, por acórdão de 23 de Janeiro de 2003, decidiu negar-lhe provimento, mantendo o acórdão recorrido.
4. - Notificado deste aresto, apresentou o recorrente o seguinte requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional:
“A., recorrente nos autos a margem referenciados, não se conformando com o, aliás, douto acórdão de 23 de Janeiro de 2003, vem dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70° da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, com fundamento na inconstitucionalidade do artigo 9º, nº 2 do Decreto-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho, com a interpretação que lhe foi dada no, aliás, douto acórdão recorrido, por violação dos artigos 2°, 18°, nº
2, 53°, 59º, nº 1, alínea b) e 266º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, conforme alegado na 14ª Conclusão das suas Alegações de Recurso. O presente recurso tem efeito suspensivo, nos termos do nº 3 do artigo 78° da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, e porque está em tempo, requer-se a sua admissão.”
5. - Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que admitiu o recurso – n.º3 do artigo 76º da Lei n.º 28/82 – entende-se não poder conhecer do objecto do recurso, sendo caso de proferir decisão sumária, nos termos do n.º1 do artigo 78º-A do mesmo diploma.
6. - Com efeito, a admissibilidade do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, interposto ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, implica, para que possa ser admitido e conhecer-se do seu objecto, a congregação de vários pressupostos, entre os quais a aplicação pelo Tribunal recorrido, como sua ratio decidendi, de norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, considerada esta norma na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação, mediatizada pela decisão recorrida.
7. - Invocou o recorrente no requerimento de interposição de recurso que pretendia a apreciação da constitucionalidade da norma do nº2 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, na interpretação dada no acórdão recorrido, conforme alegado na 14ª conclusão das suas alegações de recurso [para o Pleno da Secção no Supremo Tribunal Administrativo], que é do seguinte teor:
“ A interpretação dada pelo Acórdão recorrido ao artigo 9º, nº2 do Decreto-Lei n.º 256-A/77, segundo a qual para reconstituir a situação actual hipotética dos candidatos excluídos, seria necessário proceder à despromoção do recorrente, fazendo-o regressar à categoria que ocupava anteriormente à prolação do acto anulado, torna tal preceito inconstitucional, porquanto não só limita de forma injustificada e manifestamente desproporcional dos direitos fundamentais do ora recorrente, como também desrespeita os Princípios da Boa Fé, da dignidade e da organização do trabalho como forma de realização pessoal.”
8. - Ora, o acórdão recorrido não aplicou a norma impugnada com a interpretação dada pelo recorrente, ou melhor, não a aplicou como fundamento da “despromoção do recorrente”. Na verdade, entendeu-se neste aresto que a anulação contenciosa do acto de exclusão implicava a nulidade do acto de nomeação do recorrente, enquanto acto consequente do que tinha sido objecto de anulação contenciosa, não se reconduzindo tal questão à declaração de nulidade contemplada na norma ora em apreciação. Para tanto, basta atentar na parte da decisão recorrida que se reporta a esta questão, que se transcreve:
“2.3.6 Sustenta, ainda, o Recorrente que a interpretação acolhida no Acórdão recorrido quanto ao sentido e alcance do n.º 2, do artigo 9° do DL 256-A/77, de
17-6, enferma de inconstitucionalidade, por se traduzir numa limitação injustificada e manifestamente desproporcional dos seus direitos fundamentais, ao considerar ser imperativo proceder à sua despromoção, fazendo-o regressar à categoria que ocupava anteriormente à prolação do acto anulado. Não lhe assiste razão. Antes do mais importa esclarecer que, quando no aresto em questão se procedeu à declaração de nulidade do acto de nomeação, a Secção mais não fez do que aplicar a doutrina por si defendida, e que já vimos ser de subscrever, segundo o qual a anulação contenciosa do acto de exclusão implicava a nulidade do acto de nomeação do Recorrente, enquanto acto consequente do que tinha sido objecto de anulação contenciosa. Ou seja, o que se tratou foi de estatuir ao nível das consequências decorrentes da mencionada anulação, não se reconduziu tal questão à declaração de nulidade contemplada no n.º 2, do artigo 9° do DL 256-A/77, uma vez que esta se reporta aos praticados em desconformidade com a “sentença” anulatória, pressupondo, consequentemente, em primeira linha, a nulidade de actos praticados após a anulação contenciosa ( cfr. . neste sentido, o Ac. deste STA, de 18-6-98 Rec.
34588), sendo que o acto de nomeação ocorreu antes de tal anulação, daí o não ser de convocar o disposto no citado n.º 2, do artigo 9°, preceito que, assim, ao não constituir fundamento da declarada nulidade, não possa ter sido objecto de uma interpretação e aplicação violadora das princípios constitucionais, não cumprindo, como se sabe, a este STA proceder à fiscalização abstracta da constitucionalidade das normas, espaço reservado ao Tribunal Constitucional, por força do artigo 281° do CRP , estando a sua actuação circunscrita, neste sede, à fiscalização concreta dos normas aplicadas, desaplicando-as se for caso disso, nos termos do n.º 3, do artigo 4° do ETAF. Improcede, por isso, a 14ª conclusão da alegação do Recorrente”. Assim, e não competindo ao Tribunal Constitucional apreciar do acerto desta decisão no que aos seus fundamentos de direito ordinário diz respeito, não pode conhecer-se do objecto do recurso.
9. - Em face do exposto e nos termos do nº1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de
15 de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso. Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 unidades de conta.”
2. - Notificado, A. reclamou para a conferência, nos termos do nº 3 do já citado 78º-A, defendendo a admissão do recurso.
Com efeito, declara não se conformar com a fixação feita pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de Novembro de 2001, dos
“actos e operações” e, designadamente, com a “ilegal e injusta conclusão” a que no mesmo se chega, de acordo com a qual “em execução da decisão que determinou a anulação contenciosa do acto de exclusão dos candidatos a recurso é devida, enquanto acto consequente da mesma, a declaração de nulidade do acto de nomeação do [...]reclamante”.
A questão de constitucionalidade da norma do nº 2 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 256-A/77, de 13 de Agosto, foi suscitada em momento oportuno, tendo por objecto a interpretação que o aresto lhe terá dado, nomeadamente porque, “importando a reconstituição da situação actual hipotética dos candidatos excluídos, a necessidade de proceder à despromoção do recorrente, fazendo-o regressar à categoria que ocupara anteriormente à prolação do acto anulado, torna tal preceito inconstitucional por violação dos artigos 2º, 18º, nº 2, 53º, 59º, nº 1, alínea b), e 266º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, na medida em que, não só limita de forma injustificada e manifestamente desproporcional os direitos fundamentais do ora reclamante, como também desrespeita os Princípios da Boa Fé, e ainda da dignificação e organização do trabalho como forma de realização pessoal”.
Sendo esta, em síntese, a tese do reclamante, o certo é que a interpretação normativa efectuada pela decisão recorrida nunca se poderia reportar ao artigo 9º, nº 2, do Decreto-Lei nº 256-A/77, porquanto tal preceito se refere a matéria que lhe é totalmente alheia. Assim sendo, o recorrente identifica a norma impugnada por referência a um preceito que não foi aplicado pelo tribunal a quo, pelo que falece um pressuposto essencial do recurso de constitucionalidade.
3. - Em face do exposto e nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, indefere-se a reclamação, mantendo-se a decisão proferida, no sentido do não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta.
Lisboa, 24 de Setembro de 2003
Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida