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Procº nº 390/2003.
3ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Notificados do Acórdão nº 325/2003, tirado nestes autos de reclamação deduzida do despacho lavrado em 10 de Março de 2003 pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto e por intermédio do qual não foi admitido o recurso intentado interpor para o Tribunal Constitucional do acórdão prolatado em 30 de Setembro de 2002 por aquele tribunal de 2ª instância, vieram os reclamantes A. e mulher, B., solicitar o esclarecimento do aresto lavrado neste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, o que fizeram por via de requerimento com o seguinte teor:
“1 - Diz-nos o douto Acórdão que a ‘dispensa desse ónus’ - alínea b) do n°. 1 do artigo 70 da Lei do Tribunal Constitucional – ‘só surgirá nos casos em que a decisão judicial perfilhou de uma interpretação normativa de todo insólita, irrazoável...’
2 - Em primeiro lugar esta análise que o presente douto Acórdão promana pressupõe a impossibilidade ou falta de oportunidade processual de invocação da matéria de inconstitucionalidade tal qual assim sucede com os ora Requerentes;
3 - Perante tal consideração importa que o Tribunal esclareça designadamente se como parece fazer crer considera a inexistência de oportunidade mas entende que a decisão judicial não contém uma interpretação no sentido exposto no ponto 1 deste Requerimento atento o explanado na página 2 do douto Acórdão;
4 - Ou seja ficam os Requerentes sem saber se a questão é a não invocação anterior (que estes não o podiam fazer em seu modesto entendimento) ou se, dando-se afinal razão aos Recorrentes, não obstante a falta de oportunidade a própria decisão em causa não cumpre o desiderato de conter uma ‘interpretação normativa de todo insólita...’;
5 - Deste modo, salvo o devido respeito, cumpre esclarecer tal ponto tanto mais que os aqui Requerentes entendem não poder fazer um juízo de
‘adivinhação’ do sentido dado pe1a Relação à norma in casu;
6 - Em segundo lugar cabe perguntar com deferência e partindo da primeira premissa que, salvo melhor opinião, é aceite no douto Acórdão de que não haveria oportunidade processual para invocar a inconstitucionalidade ficando por saber se a segunda premissa (interpretação insólita, irrazoável ou inusitada) se encontra ou não preenchida, se não deveria ter admitido o recurso para este douto Tribunal para que em sede, designadamente, de alegações se pudesse aferir com maior acuidade e só assim no caso in concreto se pudesse cumprir o espírito e a letra do artigo 76º da Lei supra enunciada?
7 - É ou não verdade que se não pouco habitual pelo menos a interpretação do Tribunal da Relação é irrazoável o mesmo é dizer a tenta o significado não ponderada ou justa no mínimo?
8 - A norma cuja inconstitucionalidade se suscitou visa ou não simplificar a actividade das partes recorrentes?
9 - Os aqui Requerentes haviam utilizado ou não um meio mais complexo e trabalhoso mas mais rigoroso. fiável e indicador dos seus fundamentos?
10 - A rejeição do recurso pelo Tribunal da Relação quanto à matéria de facto pura e simples é ou não penalizadora e nessa medida injusta?
11 - Tal interpretação da Relação conjugada com a inobservância do convite previsto nos artigos 508º. nº. 2 e 690°. nº. 4 do Código de Processo Civil (poder-dever) fere ou não juízos de justiça, ponderação ou razoabilidade bastantes para ser normativa insólita...?
12 - É ou não comum a aplicação do redito convite (cfr. Ac. STJ de
1/10/98) e não o fazendo interpretou ou não a norma invocada de forma também inabitual (insólita)?”.
Ouvido sobre a pretensão o Representante do Ministério Público junto deste Tribunal, veio esta entidade dizer que a mesma carecia de qualquer fundamento, já que o decidido no aclarando acórdão era inteiramente inteligível e isento de dúvidas quanto aos pressupostos de admissibilidade do recurso que se desejara interpor e que não fora admitido pelo despacho reclamado, sendo que nunca seria possível qualificar como «decisão-surpresa» aquela que aplica um preceito legal atendendo à sua singela literalidade.
Cumpre decidir.
2. Na óptica deste Tribunal, o texto do esclarecendo Acórdão nº 325/2003 não se apresenta como contendo qualquer asserção, seja nos seus fundamentos, seja na respectiva decisão, da qual se retire falta de clareza ou a possibilidade de conferência de mais de um entendimento.
Na verdade, o aresto ora em crise - depois de ter vincado que, no caso submetido à sua apreciação, os reclamantes, antes de ser tirado o acórdão da Relação do Porto, não tinham equacionado qualquer questão de inconstitucionalidade, e após assinalar que o Tribunal Constitucional tem seguido uma jurisprudência de acordo com a qual só é de aceitar a dispensa do
ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade antes do proferimento da decisão intentada recorrer perante esse Tribunal nos casos em que tal decisão veio a perfilhar uma interpretação normativa (que, com o recurso de constitucionalidade, se pretende sindicar) de todo insólita, irrazoável ou inusitada e com a qual um normal operador jurídico não poderia manifestamente contar -, discorreu no sentido de, na situação em espécie, a interpretação que o acórdão de 30 de Setembro de 2002 proferido pelo Tribunal da Relação do Porto deu ao preceito ínsito no nº 2 do artº 690º-A do Código de Processo Civil não se revelava, atento o seu teor literal, como uma interpretação com aquelas características.
E, sendo assim, não se configurava a citada situação como um daqueles casos perante os quais a indicada jurisprudência deste Tribunal tem aceite a dispensa do referido ónus, pelo que, na falta de suscitação atempada da questão de inconstitucionalidade por banda dos reclamantes, a não admissão do recurso não merecia censura.
Neste contexto, conclui-se que ficaram expostos com suficiente clareza as premissas e conclusão do juízo decisório do esclarecendo Acórdão nº 325/2003, sendo que umas e outra não se deparam como passíveis de um outro entendimento, pelo que é desprovida de sentido a pretendida aclaração.
O que, no requerimento consubstanciador do vertente pedido de esclarecimento, é referido nos items 7 a 12, nada tem, claramente, a ver com um pretenso esclarecimento das premissas e da decisão contidas no aresto em causa.
De facto, o que se concretiza nos items 7 e 12 traduz uma visão de discordância quanto à perspectiva do Tribunal no sentido de este ter entendido que o sentido com que foi aplicada pela Relação do Porto a norma do dito nº 2 do artº 690º-A não representava uma interpretação insólita, inusitada ou irrazoável. Simplesmente, uma discordância daquele jaez não legitima que, por intermédio de um pedido de esclarecimento ou de aclaração, se alcance uma modificação do decidido.
Por outro lado, o que é exposto nos items 8 a 11 tem, como é óbvio, a ver com a questão da eventual desarmonia com a Lei Fundamental por parte do referenciado normativo, questão essa que não constituiu, nem podia constituir, o thema decidendum do Acórdão nº 325/2003.
Termos em que se indefere o pedido de esclarecimento, condenando-se os requerente nas custas processuais, fixando em dez unidades de conta a taxa de justiça.
Lisboa, 25 de Setembro de 2003
Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida