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Procº nº 390/2003.
3ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Por sentença proferida no 1º Juízo do Tribunal do Trabalho de Braga foram os réus A. e mulher, B., condenados a pagar ao autor C. as quantias de Esc. 2.750.000$00, a título de retribuições vencidas até à data da sentença, Esc. 600.000$00, a título de férias e subsídios de férias, vencidos de 1 de Janeiro de 2000 até 1 de Janeiro de 2001, Esc. 150.000$00, a título de subsídio de natal relativo ao ano de 2000, e a que se viesse a liquidar em execução de sentença, a título de trabalho suplementar prestado aos sábados, para além de serem ainda condenados a reintegrar o mesmo autor no seu posto de trabalho, com a categoria e antiguidade que possuía à data do despedimento pelos primeiros operado.
Não se conformando com o assim decidido, apelaram os réus para o Tribunal da Relação do Porto, tendo, na alegação adrede produzida, formulado as seguintes «conclusões»:
“1- Tem o presente recurso em mérito por objecto a matéria de facto e de direito que versa a discussão da ‘Justa Causa’ de despedimento do Trabalhador e bem assim os seus créditos salariais, mormente trabalho suplementar e vencimento presentes na douta sentença do Tribunal a quo.
2 - Respeitante à ‘Justa Causa’ invocada para o despedimento do Apelado parece, salvo melhor opinião, ser de concluir da prova produzida em sede de ‘Audiência de Julgamento’ pela sua subsunção ao caso concreto.
3 - Com efeito, o trabalhador apresenta prova que não fez do uso do seu direito de defesa em sede de ‘Processo Disciplinar’ - o que em grande medida deve ser atendido na análise do concreto - que nada contraria as alegações da Entidade Patronal.
4 - Ademais, toda a prova produzida vai no sentido de corroborar as imputações feitas ao trabalhador, sustentáculo do seu despedimento, desde o tratamento de desdém para com os Sócios Gerentes, ao atribuir defeitos a viaturas que não os tinham, até promover aos ‘sete ventos’ a ideia de que iria retirar a concessão da marca à sua Entidade Patronal, perante designadamente e não é de somenos, CLIENTES e potenciais clientes.
5 - Ora toda a matéria que, salvo o devido respeito, ressalta da prova - alguma não considerada em termos devidos - é de molde a quebrar os laços de confiança e lealdade consubstanciando o conceito de ‘Justa Causa’ que importou e importa a impossibilidade da manutenção do vínculo contratual, tanto mais que estamos a considerar uma Empresa de pequena composição, em que a confiança de demais atributos assumem um ênfase mais personalizado.
6 - Quanto aos créditos salariais o Tribunal a quo dá como boa a alegação de que o vencimento do trabalhador era na altura do despedimento de Esc. 150.000$00, descurando, assim, toda a prova documental não contestada que a Entidade Patronal juntos - e o ónus da prova cabia ao trabalhador - e se ateve, salvo o devido respeito, a meros juízos empíricos e de probabilidade e a testemunhas não credíveis ou coerentes no seu discurso.
7 - Quanto ao alegado trabalho ao Sábado, também o mesmo não resulta claro que fosse uma obrigação imposta pela Entidade Patronal a título de trabalho suplementar, tratando-se de uma conveniência do trabalhador pelas razões atrás expostas e que não tinha, aliás, carácter regular, nada resultando da prova em abono do peticionado pelo trabalhador.
8 - Aliás, o Tribunal a quo remete para liquidação em execução de sentença, em nosso modesto entender, interpretando o artigo 661º., nº. 2 do Código de Processo Civil de forma inversa à devida, visto que, perante o fracasso da prova este não se pode substituir ao trabalhador concedendo nova oportunidade para tentar provar o que não conseguiu em sede declarativa, inclusiv[é] porque as testemunhas em abono foram nada convincentes ou esclarecedoras nesta matéria.
9 - Perante o vencimento - que não era - dado como assente, todos os demais créditos enfermam de um vício de raciocínio porque assente em pressupostos errados, e consequente adulteração de resultados.
10 - Mesmo a atender-se - o que se discorda - ao valor do vencimento dado como provado, salvo melhor opinião, o trabalhador apenas deveria receber a título de retribuições que deixou de auferir a quantia de Esc. 2.270.000$00 por referência a 15 meses já descontado o mês de Férias que é contabilizado noutro ponto da decisão, sob pena de dupla retribuição.
NESTES TERMOS,
- Deve a, aliás, douta sentença em crise ser revogada nos termos atrás expostos, com todas as consequências legais daí advenientes”.
Anote-se que, no «teor» da citada alegação, em passo algum os réus suscitaram qualquer questão de desconformidade com a Constituição por parte de qualquer norma constante do ordenamento jurídico infraconstitucional, designadamente da norma ínsita no nº 2 do artº 690º-A do Código de Processo Civil.
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão proferido em
30 de Setembro de 2002, concedeu parcialmente provimento ao recurso.
Nesse aresto, aquele Tribunal de 2ª instância considerou que, na apelação para ele interposta, os então recorrentes puseram em causa a matéria de facto fixada na 1ª instância, mas, como, na alegação por si efectuada, não especificaram quais os concretos pontos e meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizado, relativamente aos quais fundamentavam a sua discordância, dessa arte não cumprindo o ónus constante do nº 2 do artº 690º-A do Código de Processo Civil, haveria de ser rejeitado o recurso na parte em que no mesmo se impugnava a matéria de facto. Na sequência desse juízo, e em face da matéria fáctica assente pela 1ª instância, concedeu parcial provimento ao recurso, condenando os réus da acção a pagarem ao autor o montante de € 11.657,38, a título de retribuições vencidas desde a data do despedimento até à data da sentença e, no mais, confirmaram a sentença recorrida.
Inconformados, intentaram os réus recorrer para o Tribunal Constitucional.
Fizeram-no por intermédio de requerimento onde disseram:
“A. e MULHER, melhor identificados nos termos do processo em título, em que são Recorrentes,
vêm pela presente,
- Interpor recurso ao abrigo da alínea b) do nº. 1 do artigo 70º. da Lei Constitucional por não caber ‘Recurso Ordinário’ ao caso sub judice e por violação dos princípios constitucionais do ‘Acesso ao Direito’ (artigo 20º. nº.
1 da CRP), da ‘Administração da Justiça’, sub-princípios da ‘Defesa’ e
‘Cooperação’ este último enquanto análogo aos direitos, liberdades e garantias
(artigo 205º. da CRP) e da ‘Fundamentação das Decisões Judiciais’ (artigo 205º. da CRP) pela interpretação dada ao artigo 690º-A do Código de Processo Civil, designadamente o seu nº. 2.
- A inconstitucionalidade só agora é suscitada uma vez não ter havido por parte dos Recorrentes oportunidade processual de suscitar noutra sede a questão antes da presente interposição de recurso, o que é admissível como doutamente já se pronunciou o Tribunal Constitucional - cfr Ac. TC de 11/2/1992, BMJ, págª. 583”.
O pretendido recurso, contudo, não foi admitido por despacho lavrado em 10 de Março de 2003 pelo Desembargador Relator daquele Tribunal de 2ª instância, com base na circunstância de a questão da inconstitucionalidade da norma cuja apreciação era desejada submeter ao Tribunal Constitucional não ter sido suscitada antes da prolação do acórdão impugnando.
É deste despacho que, pelos réus, vem interposta reclamação para o Tribunal Constitucional, esgrimindo os impugnantes, em síntese, com a fundamentação de que, sendo o “objecto processual sobre o qual incide a invocação de inconstitucionalidades” o “próprio ‘Acórdão’” do Tribunal da Relação do Porto, estavam os ora reclamantes impossibilitados “de suscitar noutra sede a questão”, já que, antes, “não tiveram oportunidade processual de o fazer”, desta sorte sendo “pouco razoável e ferindo, salvo o devido respeito, o bom senso jurídico e demais direitos elementares a exigência aos Recorrentes de um prévio juízo de prognose quanto à questão in casu”.
Ouvido sobre a reclamação o Representante do Ministério Público pronunciou-se no sentido da sua manifesta improcedência.
Cumpre decidir.
2. É por demais óbvia a carência de razão por banda dos reclamantes.
Na verdade, decorre da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 e da alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição que, sobre quem deseja lançar mão do recurso a que aquelas disposições se reportam, incide o ónus de, precedentemente à decisão que se quer sindicar perante o Tribunal Constitucional, suscitar a questão de desarmonia com a Lei Fundamental de uma dada norma jurídica (ainda que alcançada por interpretação) que veio a servir de ratio juris dessa mesma decisão.
E, como tem sido jurisprudência tomada, neste particular e sem divergências, por este órgão de administração de justiça, a «dispensa» desse ónus só surgirá nos casos em que a decisão judicial a impugnar perfilhou uma interpretação normativa de todo insólita, irrazoável ou inusitada com a qual, de todo em todo, um normal operador jurídico não poderia, manifestamente, contar.
Neste contexto, ponderando, por um lado, que os ora reclamantes, previamente ao acórdão tirado no Tribunal da Relação do Porto, não suscitaram qualquer questão de inconstitucionalidade respeitantemente ao artº
690º-A, nº 2, do diploma adjectivo civil e que, por outro - sendo que esta consideração, atenta a perspectiva dos reclamantes, é a que agora mais releva - se não divisa minimamente que a aplicação que naquele aresto se fez do dito normativo tivesse advindo de uma interpretação que contenha algo de insólito, irrazoável ou inusitado, antes tendo tal aplicação decorrido do seu teor literal, é evidente que, no caso sub specie, não só se não congrega o requisito da suscitação daquela questão exigido pelos preceitos da Constituição e da Lei nº 28/82 acima indicados, como se não poderá falar na ocorrência de uma daquelas situações em que se tal ónus poderia ser «dispensado».
Em face do exposto, indefere-se a reclamação, condenando-se os impugnantes nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 3 de Julho de 2003 Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida