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Procº nº 443/2003.
3ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 14 de Julho de 2003 proferiu o relator a seguinte decisão:
1. No Tribunal Cível da comarca de Lisboa A. instaurou, em 23 de Março de 1992 e contra B. (posteriormente denominada C.), D., E., F., G., H., I., J., L. e M. (posteriormente denominada N.), acção, seguindo a forma de processo ordinário, peticionando que fosse declarada que era ilegítima a utilização que era dada às fracções autónomas, de que os réus eram «donos», de um prédio urbano, denominado -----------------, sito no nº ------- da Avenida
-------------------, em -----------------, prédio esse do qual o autor também era «dono» de uma fracção, consequentemente condenando os mesmos réus a cessarem imediatamente a utilização que faziam das referidas fracções ou, se essa cessação não ocorresse, a condenar estes no pagamento ao autor de uma indemnização a liquidar oportunamente.
Tendo, por sentença lavrada em 17 de Maio de 1996 pelo Juiz do 12º Juízo daquele Tribunal, sido a acção julgada procedente, da mesma apelaram os Réus B., D., E., F., H., I. e L. para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 26 de Fevereiro de 1998, absolveu os réus da instância, o que motivou o autor a pedir revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, por acórdão de 26 de Janeiro de 1999, revogou o aresto impugnado, determinando que a Relação de Lisboa conhecesse do objecto do recurso.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 20 de Maio de 1999, revogou a sentença proferida em 1ª instância, determinando que fosse quesitada matéria de facto controvertida, necessária à decisão de mérito.
Do assim decidido pediu revista o autor e a ré H., não tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 25 de Janeiro de 2000, conhecido do recurso.
Remetidos os autos ao tribunal de 1ª instância (actual 12ª Vara Cível), em cumprimento do determinado no acórdão de 20 de Maio de 1999 do Tribunal da Relação de Lisboa, ali veio, em 23 de Julho de 2001, a ser proferida sentença, que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente, no que se referia aos réus E., F. e J., e declarando ilícita a utilização dada às fracções pelos restantes réus, que foram condenados a cessá-la.
De tal sentença apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa os réus C. (que viria a desistir da instância de recurso), D., H., I. e N., tendo aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 17 de Outubro de 2002, concedido provimento à apelação, absolvendo os réus do pedido.
Pediu então revista o autor, sendo que na alegação que produziu não suscitou, de todo em todo, qualquer questão de desconformidade com a Lei Fundamental por banda de norma ou normas constantes do ordenamento jurídico infraconstitucional, o mesmo sucedendo quando respondeu ao pedido de ampliação do recurso formulado pela ré I..
Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 6 de Maio de
2003, negado a revista, o autor apresentou nos autos requerimento onde, a dado passo, após efectuar um «historial» do processo, escreveu:
‘...................................................................................................................................................................................................
3. - Nos termos do artigo 70 nº 1 alínea i) da Lei do Tribunal Constitucional e do nº 2 a) e nº 3 do artigo 280 da C.R.P cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais.
4. - Com efeito, o Acórdão recorrido viola os artigos 1418 nº 2 e 1442 nº 2 c) CC, o artigo 62 nº 1 da Constituição da República Portuguesa e o art. 334º do CC na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido.
5 - O acórdão violou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nomeadamente, o seu artigo 6 nº 1.
6. - Nos termos do nº 3 do art. 280 da CRP quando a norma cuja aplicação tiver sido recusada constar de convenção internacional, de acto legislativo os recursos previstos na alínea a) do nº 1 e na alínea a) do nº 2 da mesma norma são obrigatórios para o Ministério Público.
7. - O acórdão em análise violou igualmente o disposto no art. 204º da CRP, nomeadamente, os princípios consignados em matéria do direito de propriedade
Nestes termos:
R. a V. Exa. se digne admitir o recurso para
o Tribunal Constitucional nos termos e por violação
das normas supra citadas’.
Por despacho lavrado em 27 de Maio de 2003, o Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
2. Porque um tal despacho não vincula este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Como deflui do relato supra efectuado, o ora intentado recurso esteia-se na alínea i) do nº 1 do artº 70º da já aludida Lei nº 28/82.
Dispõe esse preceito que cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de norma constante de acto legisla, com fundamento na sua contraditoriedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão por aquele mesmo Tribunal.
Ora, percorrendo todo o discurso do aresto agora querido recorrer, e por maiores esforços que se façam, não se lobriga minimamente que o mesmo procedesse à recusa de aplicação de qualquer normativo, pertencente à ordem jurídica portuguesa e emanado de acto legislativo produzido pelos cabidos
órgãos, com fundamento na sua contraditoriedade com uma convenção internacional.
Por outro lado, identicamente no aludido acórdão se não fez a aplicação de qualquer norma de modo desconforme com o anteriormente decidido por este Tribunal quanto à questão de saber se a mesma norma contrariava, ou não, uma convenção internacional.
Não cobrará, desta arte, aplicação, no caso sub specie, o recurso intentado interpor, motivo pelo qual se não toma conhecimento do respectivo objecto, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em seis unidades de conta”.
Da transcrita decisão reclamou para a conferência, nos termos do nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 Novembro, o recorrente A., dizendo no requerimento consubstanciador da reclamação:
“1. - As razões que serviram ao indeferimento, respeitantes à competência do Tribunal Constitucional na óptica das alegações produzidas pelo requerente, salvo o devido respeito, distorcem a hermenêutica do sistema jurídico Português.
2. - Nos termos do n.º 3 do art. 78.º A da Lei Constitucional, o requerente vem reclamar para Conferência a fim de o colectivo tomar posição relativamente aos problemas constitucionais suscitados no recurso se devem ser conhecidos pelo Tribunal Constitucional ou, ao invés, se entendem pôr fim ao respectivo conhecimento na ordem jurídica interna”.
Ouvidos sobre a vertente reclamação, os recorridos nada vieram dizer.
Cumpre decidir.
2. Não se lobriga, na reclamação ora em espécie, a exposição de qualquer fundamento concretizado que intente infirmar a corte de razões que conduziram ao proferimento da decisão impugnada.
Assim, e mesmo que se não adopte a postura segundo a qual a admissibilidade de reclamação para a conferência a que alude o citado nº
3 do artº 78º-A só existirá quando se questiona a solução dada pela decisão reclamada, e não quando apenas se pretende reabrir o debate feito a propósito dessa questão, não se indicando ou especificando os motivos da discordância com o decidido (cfr. os Acórdãos deste Tribunal números 320/99 e 288/2001), o que é certo é que este órgão de administração de justiça não vislumbra minimamente quaisquer fundamentos que esteiem uma perspectiva de harmonia com a qual seria possível, in casu, abrir-se a via de recurso baseado nas alíneas a) ou i) do nº
1 do artº 70º da Lei nº 28/82, atentas as razões que foram carreadas à decisão em apreço.
De outra banda, não se divisa em que é que a decisão em crise assumiu, tocantemente às competências atribuídas, legal e constitucionalmente, a este Tribunal, uma posição que distorce a “hermenêutica do sistema jurídico”, sendo que, como se viu, não concretizou o reclamante aquilo que, no seu entendimento, conduziria à alegada distorção.
Na verdade, foi justamente atendendo a que se não verificavam os pressupostos dos recursos aludidos na acima citadas alíneas do nº
1 do artº 70º, tais como se encontram legalmente estatuídos, que se concluiu na decisão reclamada pelo não conhecimento do objecto do recurso.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando em vinte unidades de conta a taxa de justiça.
Lisboa, 22 de Outubro de 2003 Bravo Serra Gil Galvão
Luís Nunes de Almeida