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Processo n.º 313/02
2ª Secção Relator - Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório
1.Por sentença de 17 de Maio de 2001, o Tribunal de Instrução Criminal e de Comarca de Évora condenou A., melhor identificado nos autos, na pena de multa de
90 dias à razão diária de esc. 800$00 e ainda na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de seis meses, nos termos do artigo 69º , n.º 1, alínea a) e 2 do Código Penal, por crime de condução de veículo em estado embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º do Código Penal. Inconformado com esta sentença, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, o qual foi rejeitado por não ter sido cumprido o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 412º do Código de Processo Penal.
2.Inconformado, pretendeu então o arguido apresentar novo recurso, agora para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo, no que ora importa:
“(...) D) Com o devido respeito que, aliás, é muito, foi violado o correcto entendimento do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 412 do C.P.P. e ainda o consignado no art. 32, n.º1 da CRP e assim o princípio das garantias de defesa. E) Salvo melhor opinião, as normas do n.º2, alíneas a) e b) do Art. 412 do C.P.P. são inconstitucionais quando interpretadas no sentido de as deficiências na indicação das normas jurídicas aplicáveis e na indicação do sentido em que a norma foi interpretada ou foi aplicada pelo tribunal recorrido, e no sentido em que deveria ter sido feita a sua interpretação ou aplicação por esse tribunal, implicarem a imediata rejeição do recurso, sem que previamente seja feito convite ao recorrente para suprir tais deficiências.” Em 29 de Janeiro de 2002, por despacho do Desembargador Relator este recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não foi admitido, nos termos do artigo 400º, n.º 1 alínea e) do C.P.P., “uma vez que o acórdão recorrido foi proferido em processo por crime a que é aplicável pena de multa ou pena de prisão até um ano”. Desse despacho reclamou o recorrente sustentando que:
“(...)
10. De acordo com o entendimento plasmado no douto despacho de fls. 127, não são recorríveis as decisões da Relação que ponham termo à causa por razões de ordem adjectiva, como foi o caso.
11. Ora tal tese, violou o n.º 1 do art. 32 da CRP, na medida em que cerceia as garantias de defesa e assim também o direito de recurso, bem como, o consignado no n.º 1 do art. 20 da CRP, onde se consagrou a garantia de acesso aos tribunais, que a todos é assegurado para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
12. Salvo melhor opinião, é inconstitucional, por violação do art. 32, n.º1 da CRP, a interpretação da alínea e) do n.º1 do art. 400 do C.P.P., segundo a qual não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça os Acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que versem sobre questões de direito processual penal.
13. Já foi declarada inconstitucional, por Acórdão n.º 597/00 do Tribunal Constitucional, proferido em 20 de Dezembro de 2000, a alínea c) do n.º 1 do art. 400 do CPP, por fundamento idêntico – Vd. Doc. nº.1” Após desapensação dos autos de reclamação dos do processo penal, ordenada no Tribunal da Relação de Évora, foi, por despacho de 2 de Abril de 2002, indeferida a reclamação no Supremo Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:
“No caso em apreço, está em causa um acórdão da Relação em processo por crime a que é aplicável pena de multa ou de prisão não superior a cinco anos, previsto e punido pelo art.º 292, do CP, não sendo assim admissível o recurso, nos termos do art.º 400º n.º1 alínea e) do CPP. Quanto à invocação pelo ora reclamante [de a ] decisão ter posto termo à causa por razões de ordem adjectiva também não acolhe. Com efeito, se bem que a decisão que o condenou, além do mais, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, tenha posto termo à causa, a interpretação da alínea c) do n.º 1 do art.º 400º do CPP a contrario só seria possível se o aludido crime fosse punido com pena de multa ou de prisão superior a cinco anos, ante o estatuído na alínea e) do n.º 1 do citado art.º 400º. Isto tendo em conta que a irrecorribilidade das decisões judiciais, nos termos do n.º 1 do art.º 400º do CPP, depende apenas da verificação de uma das situações nele contempladas. Se assim não fosse, a decisão que pusesse termo ao processo era sempre recorrível e as demais alíneas seriam inúteis.
É assim insusceptível de recurso a decisão ora impugnada. Quanto à invocada inconstitucionalidade pelo ora reclamante, cabe dizer o seguinte: após a revisão levada a efeito pela Lei Constitucional, o direito ao recurso foi expressamente referenciado como uma garantia de defesa do processo criminal, no n.º 1 do art. 32º da CRP. Todavia, como o T.C. também tem sustentado, a Constituição não impõe que tenha de haver recurso de todos os actos do juiz, como também não exige que se garanta um triplo grau de jurisdição (cfr., por todos, os Acórdãos do T.C. de 19-06-90, BMJ, 398, p. 152, e de 19-11-96, DR, II Série, de 14-03-97). Ora, a admitir-se recurso para este S.T.J., estar-se-ia a garantir um triplo grau de jurisdição, o que a Constituição não impõe, por se bastar com um segundo grau, já concretizado aquando do julgamento pela Relação. Não se julga, assim, inconstitucional a norma do art.º 400º, n.º1, alínea e) do CPP. Quanto ao Acórdão n.º 597/00 do Tribunal Constitucional, proferido em 20 de Dezembro de 2000, referido pelo ora reclamante, nele estava em causa crime a que era aplicável pena de prisão superior a 8 anos, o que não é o caso dos presentes autos. Ainda, neste acórdão, o não recebimento do recurso alicerçava-se na alínea c) do n.º1 do art.º 400º do CPP, enquanto o despacho reclamado, para não admitir o recurso, se fundou na alínea e) do n.º 1 do citado artigo. ”
3.Veio então o arguido “declarar que pretende interpor recurso para o Tribunal Constitucional: a) Do douto acórdão de fls. 107 e 108, proferido pelo Tribunal da Relação de Évora (...); e assim também b) Da douta decisão proferida nos presentes autos de reclamação.” Quanto ao primeiro recurso, seguindo “o douto requerimento do Digno Procurador Geral Adjunto”, foi interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada “a norma do n.º 2 do artigo 412º do CPP, quando interpretada no sentido de que a inobservância, nas conclusões da motivação de recurso, nas menções prescritas naquele normativo tem como consequência a liminar rejeição do recurso, sem que ao recorrente seja facultada oportunidade para suprir as deficiências a que nele se alude” –
“Acrescentando ainda que a dita norma foi já julgada inconstitucional por acórdão de 26/9/01 proferido no Proc. n.º 746/00, da 2ª secção, do Tribunal Constitucional”. Quanto ao segundo, “da douta decisão proferida nos presentes autos de reclamação”, foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada “a inconstitucionalidade, por violação do art. 32, n.º 1 da CRP, da interpretação da alínea e) do n.º 1 do art. 400 do CPP, segundo a qual, não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça os acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que versem sobre questões de direito processual penal.” No Supremo Tribunal de Justiça foi então proferido o despacho de fls. 50, do seguinte teor:
“Admito o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, recurso com efeito suspensivo e processado nestes autos.”
4.No Tribunal Constitucional, o recorrente foi notificado para produzir alegações, o que fez concluindo nos termos seguintes:
“A) O recorrente deu inteiro cumprimento ao estatuído nas alíneas a) e b) do n.º
2 do art. 412 do C.P.P.; B) Quanto muito, terá ocorrido um deficiente cumprimento, que não ausência, do aí prescrito; C) Ora, para tais deficiências, não tem a sanção da rejeição apoio no art. 412, n.º 2 ou em qualquer outro preceito; D) Com o devido respeito que, aliás, é muito, foi violado o correcto entendimento do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 412 do C.P.P. e ainda o consignado no art.32, n.º1 da CRP e assim o princípio das garantias de defesa. E) As normas do n.º 2, alíneas a) e b) do Art. 412 do C.P.P. são inconstitucionais quando interpretadas no sentido de as deficiências na indicação das normas jurídicas aplicáveis e na indicação do sentido em que a norma foi interpretada ou foi aplicada pelo tribunal recorrido, e no sentido em que deveria ter sido feita a sua interpretação ou aplicação por esse tribunal, implicar a imediata rejeição do recurso, sem que previamente seja feito convite ao recorrente para suprir tais deficiências.” Em contra-alegações, o Ministério Público junto do Tribunal Constitucional veio suscitar as questões prévias “de não admissão do recurso interposto do acórdão da Relação pelo órgão jurisdicional que o proferiu” e de “desistência da questão da constitucionalidade suscitada quanto à decisão que dirimiu a reclamação”, nos seguintes termos:
“Confrontado com a decisão que dirimiu a reclamação que havia deduzido perante o Exmº Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o arguido A. interpôs dois recursos de constitucionalidade, reportad[o]s a decisões diversas e tendo diferente objecto normativo. O primeiro deles, é reportado ao acórdão proferido na causa principal pela Relação de Évora e tem como objecto a questão da constitucionalidade da norma constante do artigo 412º do Código de Processo Penal. O segundo é referenciado à decisão que dirimiu a reclamação pela não admissão de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e tem como objecto a norma constante do artigo 400º, n.º1, alínea e), do Código de Processo Penal. Quanto ao primeiro de tais recursos – que tem obviamente a ver, não com qualquer decisão proferida nestes autos de reclamação, mas com o acórdão proferido na causa principal – verifica-se que o mesmo não foi admitido pelo competente órgão jurisdicional sendo evidente que o despacho de fls. 50 tem naturalmente de ser interpretado como admitindo o recurso da decisão proferida, nos presentes autos, acerca da reclamação deduzida perante o Exmº Presidente do Supremo Tribunal de Justiça). E, como é evidente, tal recurso sempre teria de ser processado nos autos da causa principal, por respeitar à impugnação da decisão totalmente estranha à presente reclamação: aliás, pelo que afirma o recorrente, a fls. 44, infere-se que o Ministério Público terá identicamente apresentado recurso, fundado também na alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, ignorando-se, porventura, se o mesmo já terá sido julgado (o que retiraria interesse ao recurso paralelamente apresentado pelo arguido). Restringindo, deste modo, o objecto do presente recurso de constitucionalidade à segunda questão suscitada pelo recorrente – e tendo por objecto a norma do artigo 400º, n.º1, alínea e) do Código de Processo Penal – verifica-se, porém, que tal matéria foi abandonada nas alegações ora produzidas – o que significa que o recorrente restringiu licitamente o objecto do recurso de constitucionalidade interposto, pelo que não há que conhecer da questão colocada. Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:
1 – O primeiro recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente – e reportado à aplicação normativa feita pelo acórdão da Relação de Évora – é absolutamente estranho aos presentes autos de reclamação, já que tal aresto foi proferido na causa principal – não se mostrando, aliás, admitido pelo órgão jurisdicional competente, o que impede a apreciação do mérito.
2 – O recorrente abandonou, na alegação apresentada, a questão de constitucionalidade que havia colocado quanto à norma do artigo 400º, n.º 1 alínea e), aplicada pelo Exmº Presidente do Supremo Tribunal de Justiça – restringindo, deste modo, o objecto do recurso e inviabilizando a pronúncia do Tribunal Constitucional sobre tal questão.”
5.Corridos os vistos, com projecto de acórdão junto, este Tribunal veio a decidir em 26 de Maio de 2003, pelo acórdão n.º 262/2003, ordenar a notificação do recorrente para, querendo, se pronunciar, no prazo de 10 (dez) dias, sobre a questão prévia do conhecimento do recurso, por este não ter sido admitido pelo competente órgão jurisdicional. Decorrido o prazo fixado, o recorrente nada veio dizer sobre a referida questão prévia. Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
6.Como este Tribunal tem por várias vezes salientado, e escreveu, por exemplo, no Acórdão n.º 20/97 (publicado no Diário da República, II Série, de 1 de Março de 1997), “delimitado o objecto do recurso pelo requerimento de interposição, pode este ser posteriormente circunscrito – mas não ampliado – pelos recorrentes
(...) tal como pode ser restringido nas conclusões das alegações apresentadas no Tribunal Constitucional”, neste sentido se invocando vária jurisprudência deste Tribunal e o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 684º do Código de Processo Civil. Ora, consultando as alegações apresentadas pelo recorrente, não se descortina nelas (e não apenas nas suas conclusões, mas em todo o seu conteúdo) qualquer referência à questão da constitucionalidade da “interpretação da alínea e) do n.º 1 do art. 400 do CPP, segundo a qual, não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça os acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que versem sobre questões de direito processual penal”, a que, na parte relativa
à decisão que indeferiu a sua reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça, fazia referência no seu requerimento de recurso. Tem, pois, de concluir-se que o recorrente abandonou nas suas alegações a pretensão de ver apreciada a constitucionalidade dessa norma, e que, portanto, não pode conhecer-se agora da sua conformidade constitucional, por opção que tem de ser imputada ao recorrente.
7.Restaria, pois, o recurso do “acórdão de fls. 107 e 108, proferido pelo Tribunal da Relação de Évora”, relativo à norma do n.º 2 do artigo 412º do Código de Processo Penal, que o recorrente pretendeu também interpor no Supremo Tribunal de Justiça, depois do indeferimento da sua reclamação, como indubitavelmente resulta do seu requerimento de recurso. Quanto a este recurso, afigura-se, porém, procedente a questão prévia suscitada pelo Ministério Público nas suas contra-alegações, baseada na circunstância de tal recurso não poder ser considerado admitido pelo órgão competente. Na verdade, apesar de no transcrito despacho de admissão de recurso, de fls. 50, se não distinguir entre o recurso da decisão da reclamação, pelo Supremo Tribunal de Justiça, e do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, e apenas se referir o processamento do recurso “nestes autos”, entende-se que tal despacho de admissão deve ser interpretado no sentido de apenas se reportar ao recurso da decisão proferida justamente nos autos de reclamação, processados em separado, desde logo, porque o recurso de constitucionalidade do acórdão do Tribunal da Relação, a ser interposto (e cfr., aliás, quanto ao prazo para tanto, o que se dispõe no artigo 75º, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional), haveria de o ser perante esse Tribunal da Relação, e admitido por ele. Entende-se, pois, quanto ao recurso do acórdão principal, proferido no processo penal, que este, tal como se salienta nas contra-alegações do Ministério Público, “não foi admitido pelo competente órgão jurisdicional”, não tendo, aliás, sido interposto perante ele
(mas antes perante o Supremo Tribunal de Justiça). Aliás, como também se refere nas contra-alegações, se efectivamente foi interposto do acórdão principal pelo Ministério Público, como afirma o recorrente (que diz inspirar-se nesse requerimento), o não conhecimento do recurso do acórdão principal no presente processo não prejudicará a apreciação, nesse recurso, da constitucionalidade da norma em causa, aplicada naquele acórdão do Tribunal da Relação. Não tendo o recurso do acórdão principal sido admitido pelo órgão competente, não pode, pois, também nesta parte, tomar-se conhecimento do presente recurso de constitucionalidade. III. Decisão Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do presente recurso. Custas pelo recorrente, com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 8 de Julho de 2003 Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos