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Procº nº 412/2003.
3ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 12 de Junho de 2003 o relator proferiu decisão com o seguinte teor:-
“1. Pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa intentou a A. contra cooperativa de ensino universitário B. e universidade C., acção, seguindo a forma de processo ordinário, solicitando:-
- que fosse declarado que o contrato de trabalho celebrado entre a autora e as rés em 1 de Outubro de 1987 era um contrato de trabalho sem termo e válido ou, se assim se não entendesse, que fosse declarada a nulidade dos contratos celebrados posteriormente, pretensamente epitetados de contratos de prestação de serviços, consequentemente se declarando a existência de celebração de um contrato de trabalho definitivo, por falta de redução a escrito de qualquer contrato de trabalho a termo;
- que fosse declarado nulo, por não ter sido precedido de processo disciplinar, o despedimento de que a autora foi alvo ou, se assim se não entendesse, por àquela não ter sido feita comunicação escrita;
- que fossem as rés condenadas a pagar à autora as retribuições devidas desde 1 de Março de 1992 até à data da sentença, com actualizações salariais entretanto ocorridas, acrescidas de juros, retribuições essas que, à data da propositura da acção, ascendiam a Esc. 1.537.600$00, além de serem condenadas a pagar-lhe a quantia global de Esc. 1.182.880$00, acrescida de juros, a título de subsídios de férias e Natal vencidos, ajudas de custo, serviço de vigilância e feitura de exames, para além de subsídios de férias e Natal vincendos, acrescidos de juros e de uma indemnização não inferior ao quíntuplo da quantia devida por todos esses créditos, a título de indemnização por danos não patrimoniais;
- que fossem as rés condenadas a reintegrar a autora no local e posto de trabalho ou, se a autora assim viesse a optar, a indemnizá-la pelo despedimento ilícito, indemnização que, no momento da propositura da acção, ascendia a Esc. 720.000$00, acrescidos de juros.
Após vicissitudes processuais que agora não relevam, em 24 de Novembro de 2000 veio a ser proferida sentença por intermédio da qual:-
- foi a ré C., absolvida da instância;
- foi declarada a existência de um contrato de trabalho válido e sem termo, celebrado entre a autora e a ré B.;
- foi declarada a ilicitude do despedimento da autora, operado pela ré B. em Março de 1993;
- foi a ré B. condenada a reintegrar imediatamente a autora, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
- foi a ré B. condenada a pagar à autora a quantia global de Esc.
2.873.400$00 a título de retribuições mensais, subsídio de férias e de natal e
«capitações», além de ser ainda condenada a pagar-lhe os quantitativos que se liquidassem em execução de sentença relativos a vigilância e feitura de exames, retribuições, subsídios, «capitações», serviços de vigilância e feitura de exames e quaisquer outras praticadas pela autora, atendendo à sua categoria e antiguidade, e juros sobre cada uma das quantias em dívida, deduzindo-se à totalidade das importâncias devidas o montante de Esc. 71.176$00, já pago pela ré.
Não se conformando com o assim decidido apelou a ré B. para o Tribunal da Relação de Lisboa e, como este, por acórdão de 25 de Setembro de 2002, tivesse negado a apelação, pediu a mesma ré revista para o Supremo Tribunal de Justiça.
Na alegação adrede produzida, a ré B. formulou as seguintes
«conclusões»:-
‘1ª - A A., para exercer a docência na C., estabeleceu inicialmente com a B. o
‘CONTRATO’ junto a fls. 159, que as próprias partes no seu preâmbulo designaram como ‘contrato de trabalho a prazo’;
2ª - A C. encontrava-se então no arranque do seu primeiro ano lectivo e do anexo ao seu Regulamento Interno constava expressamente que os trabalhadores seriam contratados mediante ‘contrato a prazo’ (cf. fls. 142);
3ª - Os próprios directores da B., docentes da C., subscreveram com a B. contratos de trabalho a prazo (Vd. fls. 154 a 156, e respostas aos quesitos 35º a 37º, fls. 232 vº - 233, e 567 vº);
4ª - Antes de decorridos três anos da celebração desse contrato a prazo com a A., a B. pôs-lhe termo;
5ª - Depois, - tal-qualmente sucedeu nos Acórdãos deste STJ referidos - entre a A. e a B. foram celebrados os ‘CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS’ juntos a fls.
32-35, em 01.10.90, e fls. 39-42, em 10.10.91;
6ª - A A. é não só licenciada em direito mas também advogada - bem sabendo assim que só a circunstância de o contrato ser a prazo permitia à B. pôr-lhe termo;
7ª - E, ainda que não fosse ele, porventura, a termo - o que se não concede -, a celebração pela A. com a B. do primeiro ‘CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS’, em
01.10.90, teria importado na revogação por mútuo acordo do anterior CONTRATO;
8ª - Acresce que, nos termos da lei ordinária, a docência universitária pode ser exercida através de contrato de trabalho ou de contrato de prestação de serviços, tendo por objecto o mesmo escopo - essa docência (cf. Pareceres de fls. 101 e ss. 187 e ss., e Acórdãos deste STJ juntos a fls. 778 a 826 e os ainda identificados nesta alegação);
9ª - Tal - que a docência tanto pode ser exercida através de um contrato de trabalho (objecto de diploma próprio) ou de um contrato de prestação de serviços
-, hoje, consta expressamente do art. 24º do DL 16/94, de 22 de Janeiro, diploma que aprovou o Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, sucedendo ao DL 271/89, de 19 de Agosto;
10ª - Contudo, o reconhecimento dessa possibilidade já antes emergia do DL
327/87, de 8 de Agosto - seus arts. 1º e 2º - 2, e do art. 405º do Código Civil;
11ª - E ‘se é certo que o texto dos contratos - incluindo a denominação que lhes esteja aposta - não se reveste aqui de carácter decisivo, nem por isso se pode caminhar no sentido de lhe atribuir carácter despiciendo ou supérfluo’, como está escrito no parecer de Monteiro Fernandes a fls. 191, in fine;
12ª - É evidente que - cabendo unicamente aos tribunais julgar da sua licitude e bondade - é de nulo valor jurídico o entendimento do reitor, de então, da C. sobre [a] validade ou invalidade dos contratos de prestação de serviços dos seus docentes, ainda mais tendo-se em conta as particulares circunstâncias em que ele exercia a reitoria (vd. fls. 814), estando a sua competência (do reitor) delimitada no respectivo Regulamento Interno - seu art. 14º, a fls. 249;
13ª - Para mais, essa insólita tomada de posição representou um dos vários actos de vingança e dislates cometidos pelo então reitor da C., que havia sido excluído desse cargo em 21.04.92 e nele reintegrado de 09.07.92 a 08.10.92
(período de três meses) por providência cautelar proferida no 1º Juízo Cível de Lisboa, depois revogada por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no agravo 7766, da 2ª Secção;
14ª - O recrutamento de pessoal docente para a C. compete à B., se bem que sob proposta dos Conselhos Escolares da C., e foi assim e por isso que ela subscreveu com a A.(como outros idênticos com os demais docentes) os contratos juntos aos autos (art. 22º, b), do Regulamento Interno da C. - a fls. 254);
15ª - Atendendo à matéria de facto provada no processo, dela deriva que o Acórdão recorrido e na sentença que ele validou - não foi convenientemente sopesado esse factualismo;
16ª - As funções de docente para que a A. foi - sucessivamente - contratada exerciam-se na C. e vigora entre nós o princípio da autonomia universitária, consagrado até constitucionalmente, segundo o qual as universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia científica, administrativa e financeira (art. 76 - 2 da Constituição da República e art. 9 do DL 271/89, de 19 de Agosto);
17ª - Tal autonomia, constitucional e legalmente instituída, impede, desde logo, a relação de dependência e subordinação jurídica - com a qual se não harmonizam
- próprias do contrato individual de trabalho, relativamente à R. B.;
18ª - Os próprios estatutos da B., no seu art. 4º, distingue entre ‘docentes do ensino superior’ e ‘trabalhadores’, inculcando notoriamente que não tinham, como efectivamente não têm, ali, a categoria de trabalhadores os docentes da C.;
19ª - Aquilo que decorre das relações havidas entre a A. e a R. B. é que esta se limitava a ‘proporcionar’ à C., através da assunção dos vínculos e da obrigação do pagamento das inerentes remunerações, os meios humanos necessários à realização das actividades lectivas, não podendo interferir nesses meios, nem nos conteúdos do ensino ministrado, nem na orientação pedagógica adoptada;
20ª - No que concerne à organização do tempo de trabalho a R. B. apenas participa no ajuste dobre o ‘serviço docente’ a estabelecer com ‘órgãos académicos competentes’;
21ª - O docente conserva plena liberdade para a organização do seu tempo relativamente à preparação das aulas e actividades complementares;
22ª - O modo de realização do ensino - métodos pedagógicos, instrumentos de estudo, formas de actividade, articulação de matérias, etc. - estava expressamente salvaguardado perante interferências directivas, organizativas ou fiscalizadoras da B. pela garantia da autonomia científica, pedagógica, administrativa e financeira;
23ª - Não se descortina, na matéria provada, a existência sequer de espaço para o aparecimento de deveres de obediência especificamente incidentes sobre o modo de exercício das actividades da A,:
24ª - Pertence ao critério do docente a organização dos meios (elementos de consulta, textos de estudo, grau e extensão da investigação preparatória das aulas) que possibilitam o seu ensino, sendo um dos aspectos dessa organização, precisamente, a escolha dos locais e tempos de execução;
25ª - O horário da A. - que respeitava apenas à aulas e com elas coincidia - era fixado de harmonia com os interesses e conveniências, também, dela,
26ª - a qual exercia, simultaneamente, a advocacia e era responsável pelos Serviços Jurídicos e de Gestão de Pessoal duma sociedade comercial anónima
(alínea A’ da especificação);
27ª - A A. unicamente não podia cumular a docência na C. com a mesma docência noutros estabelecimentos de ensino superior particular e cooperativo, mas já podia cumulá-la com a leccionação em quaisquer outros estabelecimentos fora desse âmbito: ensino secundário - particular, cooperativo ou público -, ensino superior público, Universidade D., etc.;
28ª - Foram os órgãos académicos da C. que não distribuíram serviços à A., no 2º semestre do ano lectivo de 1991/1992;
29ª - A remuneração da A. era medida pelo serviço realmente prestado - as horas lectivas efectivamente dadas dentre as acordadas em cada ano lectivo, que podiam variar (e não pela mera disponibilidade abstracta para as dar);
30ª - Ora, a A. não provou a existência dos elementos essencialmente constitutivos do contrato de trabalho que invocou - nem as ordens e instruções, nem a fiscalização, nem a direcção da R. -, pelo que a sua pretensão terá que improceder;
31ª - Nos artigos 11º- 3, 13º - 4 do DL 441-A/82, de 6.11 (DL 441-A/82 que Estabelece disposições relativas às cooperativas de ensino) consideram-se os docentes unicamente prestadores de serviços;
32ª - Sem nada conceder, a opção pelo modelo de prestação de serviços e pelo respectivo regime constante do título contratual então vigente, sub judice, só poderia ser afastado por assentar em efectiva comprovação de uma realidade subjacente abertamente conflituante com a aparência, não bastando a mera demonstração de um eventual quadro pouco nítido ou de uma eventual zona cinzenta entre a autonomia e a subordinação;
33ª - Se, porventura, de contrato de trabalho subordinado se tratasse - o que se não concede -, nunca seria de aplicar o regime legal próprio previsto na lei geral, já que a sua aplicação era manifestamente afastada pelo art. 40º - 2 do
[D.L.] 271/89, de 9.08;
34ª - De igual modo - o regime da lei do contrato de trabalho individual foi afastado pelo diploma que lhe sucedeu: o DL 16/94, de 22.02, no seu artigo 24º;
35ª - O preceituado no nº 3 do art. 9º do Código Civil - norma de aplicação geral sobre interpretação da lei - afasta indiscutivelmente a aplicação do regime decorrente da Lei do Contrato Individual do Trabalho aos contratos de docência no âmbito do Ensino Superior Particular e Cooperativo, ex vi do disposto no art. 40º - 2 do DL 271/89, de 19 de Agosto, no art. 24º - 1 do DL
16/94, de 22.01, e 10º - 1, 11º - 3 e 13º do DL 441-A/82, de 06.11;
36ª - A B. e a C. são pessoas jurídicas distintas - a até sujeitas a legislação diferenciada, aplicando-se à primeira a atinente ao Sector Cooperativo e à
última a reguladora do Ensino Superior Particular e Cooperativo;
37ª - As universidades privadas não são empresas e a docência no ensino superior apresenta características específicas que são incompatíveis com a aplicação do regime do contrato de trabalho;
38ª - A autonomia universitária obsta à aplicação - à R., B. - do dever de ocupação efectiva à A., distribuindo-lhe serviço, por lhe falecer o correspondente direito (Cfr. art. 76º - 2 da CRP; DL 271/89, art. 9º - 1 e 2. b) e d), art. 11º - 1, a), e art. 33º - 2; Regulamento Interno da C., art. 8 - 1);
39ª - Na verdade, foram tão só os órgãos académicos da C. que não distribuíram serviço docente à A., sem qualquer interferência - aliás legal e constitucionalmente vedada - da B.;
40ª - A aplicação daquelas controvertidas normas do regime geral do trabalho conduziria a que a R. B., «forçada» pela decisão judicial, frustrasse a autonomia universitária, sobrepondo-se à Universidade na distribuição do serviço docente;
41ª - A autonomia universitária é, na nossa ordem jurídica, um direito fundamental e uma garantia institucional que actua como elemento condicionador do alcance do legislador ordinário;
42ª - As normas constituídas pelos arts. 1º do DL 64-A/89, de 27.02, e 22º - 1,
[pretender-se-ia dizer do Decreto-Lei nº 49.408] de 24 de Novembro
[pretender-se-ia dizer de 1969], se não forem consideradas derrogadas pelo art.
40º - 2 do DL 271/89, de 19.08, e pelo art. 24º - 2 do DL 16/94, de 22.01, quando aplicadas aos contratos de docência no ensino superior particular e cooperativo, maxime para efeitos de cessação contratual, deverão ser julgadas materialmente inconstitucionais por ofenderem o disposto no art. 76º - 2 da Constituição - e ainda violarem os seus artigos 13º, 43º, 73º e 74º;
43ª - Essas normas podem e devem ser interpretadas em conformidade com a Constituição, no sentido de que, na omissão da legislação em falta, seja aplicado aos contratos de docência universitária privada, ou um regime de livre acordo, ou então um regime de contrato de trabalho (ou de prestação de serviços), com características que não sejam dissemelhantes das estabelecidas para os contratos de docência nas universidades públicas;
44ª - De outro modo, tais normas ofendem o conteúdo essencial da liberdade de gestão de recursos humanos docentes, enquanto dimensão elementar, ao nível do ensino superior, da liberdade de gestão da escola e da liberdade de definição de um projecto educativo de qualidade, inerentes ao direito de criação de escolas privadas e cooperativas (art. 43º - 4 da Constituição):
45ª - Elas desfiguram a autonomia universitária, afectando o núcleo característico da autonomia científica e pedagógica das escolas e dos seus
órgãos académicos (seu art. 76º - a);
46ª - Violam o princípio da autonomia universitária, a norma constitucional que o consagra no art. 76º - 2 e ainda o princípio de justiça ínsito na ideia de Estado de Direito Democrático decorrente dos seus arts. 2º e 18º - 2.
47ª - Ao não ter em atenção a direcção das cinco decisões proferidas cinco Acórdãos do STJ no mesmo sentido em casos perfeitamente análogos ao sub judice -
(1) de fls. 779 a 796, de 07.06.2000 - revista nº 37/2000; (2) de fls. 779 a
796 - revista nº 243/98; (3) revista nº 305/99, de 06.04.2000, publicado na CJ-STJ-, 2000, tomo II, p.249 e ss.; (4) revista nº 340/99, de 06.04.2000; e, mais recentemente, (5) revista nº 2654/01-4, de 23.01.2002 - o Acórdão recorrido violou ainda a norma do art. 8º - 3 do Código Civil;
48ª - Na hipótese - que só para efeitos de raciocínio se concebe - de a recorrente vir a ser condenada em qualquer quantia, sobre ela só seriam devidos juros de mora após o respectivo trânsito em julgado, conforme Acórdão deste STJ de 15.01.98 (in Acórdãos Doutrinais do STA, nº 449, ps. 714 e segs.);
49ª - O Acórdão recorrido violou, além de outras, as normas cima mencionadas’.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 14 de Maio de 2003, negou a revista.
Para assim decidir, aquele Alto Tribunal[,] no que ora interessa - após ter discorrido sobre as características dos negócios jurídicos que lhes podem conferir as modalidades de contratos de trabalho ou de contratos de prestação de serviços e os factos que se deram como demonstrados nos autos, dos quais extraiu que, in casu, se deparava a existência de um contrato de trabalho, reportadamente ao negócio jurídico acordado em Outubro de 1987 -, considerou o seguinte:-
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Em suma, pois, e tudo visto, o contrato em Outubro de 1987 é, efectivamente, um contrato de trabalho.
E esta forma de vinculação não deixa de ser possível a nível do ensino superior particular e cooperativo.
Não se vê, na verdade, por que, não havendo legislação que tal vede, um autêntico contrato de trabalho não deva como tal ser considerado e tratado.
Aliás, a legislação sobre a matéria não deixa de reforçar isso mesmo.
Por exemplo, o Dec.Lei nº 16/94, de 22-1,que aprovou o novo Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, afirma que o regime de contratação do pessoal docente constará de diploma jurídico próprio - que ainda não foi aprovado - estabelecendo o regime do contrato de trabalho, bem como as condições em que se poderá recorrer ao contrato de prestação de serviços. Inculca-se mesmo a preferência por aquele primeiro modelo.
Outra questão será a do regime de tais contratos.
Ora, enquanto não houver legislação específica sobre a matéria, não se vê que não possa deixar de se aplicar, em princípio, a normação que regula o comum dos contratos de trabalho, designadamente, pois, a LTC aprovada pelo Dec-Lei nº 48.408, de 24.11.69, de 27.2 (mas esta questão será adiante retomada).
Assim situados, há agora que ver se o contrato de trabalho vigorava por tempo indeterminado.
E a resposta, face aos dados colhidos, só pode ser afirmativa, atento o disposto no art.º 8º, nº 1, do Dec-Lei nº 781/76 e art.º 42º, nº 3, da LCCT.
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É tempo, agora, de passar à análise da situação decorrente da celebração em Outubro de 1990 e em Outubro de 1991 de dois contratos ditos de
‘prestação de serviços’, com a duração de 12 meses cada qual.
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Vê-se daqui, claramente, e da análise circunstanciada dos mesmos contratos, que não houve qualquer intenção das partes em modificar o contrato de trabalho celebrado em Outubro de 1987.
Tão pouco se pode dizer que este foi revogado por acordo das partes
(v. art.º 3, nº 2, al. b), da LCCT).
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Ora, neste contexto, os novos contratos, ditos de ‘prestação de serviços’, não interferem, seja qual for a sua natureza, com a vida do contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado em Outubro de 1987.
Por isso nos dispensamos de os analisar, com vista à sua verdadeira qualificação.
Aliás, a serem considerados contratos de trabalho, o que poderiam era transformar aquele primeiro contrato de trabalho, em contrato por tempo indeterminado, se acaso ainda não o fosse (art.ºs 3º, nº 3, al. b), do Dec-Lei nº 64º-A/89 e 47º da LCCT, por ele aprovada).
Sustenta, no entanto, a Recorrente B., que o princípio da autonomia universitária (artºs. 76º da CR e 9º do Dec-Lei nº 271/89), impede que, relativamente a si, se possa falar de dependência e subordinação jurídica.
Mas não é assim.
Gomes Canotilho e Vital Moreira (‘Constituição da República Portuguesa Anotada’, 3ª edição, pags. 373/374) referem que são, os seguintes os aspectos constitutivos da autonomia universitária:
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Ora, como decorre do apurado, à Ré B., instituidora da C. e dita sua proprietária, é que competia recrutar o pessoal docente para esta, sob proposta dos Conselhos Escolares, de acordo com o disposto no artº 22º, al. b) do Regulamento Interno da Universidade, como ela própria reconhece.
E a feitura de tal Regulamento compete aos órgãos próprios da C..
Portanto, a partir da auto-regulamentação estabelecida, cabe-lhe receber os docentes assim contratados, respeitando o regime de recrutamento, sem embargo da sua autonomia gestionária, científica e pedagógica.
Não há aqui intrusão alguma por parte da entidade instituidora, a B..
E numa relação deste tipo, nada impede que se aplique a subordinação jurídica.
É que, como parece claro, há que atender para o efeito aos termos em que a mesma se estabeleceu, olhando ao conteúdo do contrato e à especial ligação entre a B. e a C..
Por isso, como decorre logo à partida da matéria de facto, essa subordinação jurídica vive também, e essencialmente, dos poderes conferidos à C., tal como foi acima apontada, por forma a poder concluir-se no caso, pela sua efectiva verificação.
Defende, depois, a Recorrente que o regime do contrato individual de trabalho, estabelecido na lei geral, foi derrogado, na área em causa, pelos Decretos-Leis nºs 271/89, de 19.8, artº 40º, nº 2, 16/94, de 22.1, artº 24º, nº
1, 3 441-A/92, de 6.2, artºs 10º, nº 1, 11º, nº 3 e 13º, º4.
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Por isso, e ao contrário do que a Recorrente defende, entendemos que aos contratos de trabalho dos docentes do ensino superior particular e cooperativo, deve ser aplicável o regime comum dos contratos de trabalho - nomeadamente, pois a LCT e a LCCT - salvo, eventualmente, se em qualquer situação pontual se revelasse de todo contra-natura.
Mas não vemos que seja esse o caso quando se dirimem essencialmente aspectos contados do regime dos contratos a termo e a aplicação de contratos de trabalho por tempo indeterminado e a sua cessação.
Isto sem querer significar, obviamente, que um regime específico que atendesse a certas particularidades da docência nos estabelecimentos de ensino em causa, não fosse mais apropriada aqui e além.
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Mas a Recorrente sustenta que, a ser assim, devem ser considerados materialmente inconstitucionais as normas do art.º 1.º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e do artº 24.º do Estatuto do Ensino Superior Particular a Cooperativo, por violarem os artigos 2º, 13º, 18º, nº 2,
73º, 74º e 76º, nº 2, da CRP.
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Ao citar os artigos 2º e 18º, nº 2, a Recorrente afirma a violação do princípio da justiça, ínsito no Estado de Direito. Mas não explica porquê. Se acaso pretende significar desigualdade de tratamento, tal caberá no art.º 13º da CR, que também vem invocado.
Ao fazê-lo a Re pretende demonstrar a sua violação, sustentando que deve haver um regime semelhante no ensino superior público e no ensino superior privado quanto à constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego.
Mas se tendencialmente se entende uma aproximação entre as duas carreiras (v., p. e., o art.º 40º, nº 1, do Dec-Lei nº 271/89), não se deve esquecer que, apesar disso, as realidades são diversas, não se impondo o mesmo figurino.
E, depois, os contratantes, no domínio privado, têm ao seu dispor instrumentos jurídicos vários, que permitem uma certa plasticidade, como o contrato de trabalho por tempo indeterminado, o contrato de trabalho a termo e o contrato de prestação de serviços, cuja admissibilidade a própria Recorrente sustenta com grande largueza.
O artº 43º, por seu turno, respeita à liberdade de aprender e de ensinar e não vemos onde possa situar-se a sua violação. Nomeadamente, sendo o nº 4 que parece estar em causa, não resulta demonstrado onde se encontra a limitação do direito de criar escolas particulares e cooperativas, mesmo na definição de um projecto educativo de qualidade, que se diz ser inerente àquele.
Os artigos 73º e 74º possuem vários números onde são tratados e afirmados valores diversos. Não concretizando a Recorrente o preceito alegadamente ofendido, não é possível proceder a qualquer análise.
Finalmente, o artigo 76º, nº 2, que consagra a autonomia universitária, como já se sabe.
Diz a Recorrente que a ter-se por aplicável o regime geral dos contratos de trabalho, a mesma sairia desfigurada, não se afirmando uma verdadeira autonomia da escola e dos seus órgãos académicos.
Mas não vemos - e a imprecisão não permite uma abordagem mais circunstanciada - que assim seja.
Na verdade, o que se passa é que as escolas e as entidades instituidoras deverão, obviamente, subordinar-se ao modelo de recrutamento que escolheram, de entre os que a lei lhe oferece.
É natural.
Mas isso não briga com depois com a autonomia, maxime, a científica e a pedagógica, tal como foram atrás definidas.
............................................................................................................................................................................................................................................’
É do acórdão de que partes se encontram transcritas que, pela B., vem interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, recu[r]so para o Tribunal Constitucional, por seu intermédio se pretendendo a apreciação da inconstitucionalidade das normas constantes do artº
1º do Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 e Fevereiro, e do nº 1 do artº 22º do Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969, por ‘se não considerarem derrogadas pelo art. 40º - 2 do DL 271/89, de 19.08, e pelo art. 24º - 2 do DL
16/94, de 22.01, maxime para efeitos de cessação contratual quando aplicadas aos contratos de docentes celebrados com as universidades privadas ou estabelecimentos de ensino superior particular e cooperativo’.
O recurso veio a ser admitido por despacho proferido em 29 de Março de
2003 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça.
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula este Tribunal
(cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto do recurso.
Na verdade, como se viu, a recorrente elegeu, como normas cuja apreciação pretende que o Tribunal Constitucional, aprecie as vertidas nos preceitos do artº 1º do Decreto-Lei nº 64-A/89 e do nº 1 do artº 22º do Decreto-Lei nº 49.408, quando interpretadas no sentido de se não considerarem derrogadas pelo nº 2 do artº 40º do Decreto-Lei nº 271/89 e pelo nº 2 do artº
24º do Decreto-Lei nº 16/94, se estiver em causa a cessação da relação contratual que liga os docentes às universidades privadas ou aos estabelecimentos de ensino superior, particular ou cooperativo.
2.1. Assinale-se, em primeira via, que, aquando da alegação no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, a impugnante não colocou a questão de inconstitucionalidade referente às indicadas normas nos mesmos moldes que se surpreendem no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
De facto, enquanto que naquela alegação sustentou que os normativos
ínsitos nos dois assinalados preceitos, caso se entendesse que não foram derrogados pelos artigos 40º, nº 2, do Decreto-Lei nº 271/89 e 24º, nº 2, do Decreto-Lei nº 16/94, se deveriam considerar desarmónicos com a Lei Fundamental, no requerimento de interposição de recurso para este órgão de administração de justiça assumiu postura diversa, já que o descortinado vício de enfermidade constitucional residiria em se não considerarem os mesmos normativos como derrogados por estas últimas disposições.
Ou seja, enquanto que na alegação de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça o que a recorrente propugnou (se bem se entende o seu posicionamento) foi a inconstitucionalidade directa de tais preceitos enquanto não permitiam que os contratos de docência universitária privada fossem perspectivados como sujeitos ao regime de livre acordo ou a um regime especial de contrato de trabalho (ou de prestação de serviço) com características que não fossem diversas das estabelecidas para os contratos de docência nas universidades públicas, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional a sua desarmonia com o Diploma Básico residiria numa interpretação segundo a qual não teria havido derrogação de tais preceitos pela superveniência dos aludidos artigos 40º, nº 2, e 24º, nº 2.
Aquele primeiro posicionamento é, aliás, perfeitamente compreensível.
Na verdade, se, por interpretação do ordenamento jurídico infra-constitucional, no Alto Tribunal a quo se viesse a concluir que, pela mencionada superveniência, os normativos insertos no artº 1º do Decreto-Lei nº
64-A/89 e no nº 2 do artº 22º do Decreto-Lei nº 49.408, deixaram de ter campo de aplicação quanto ao caso dos autos, óbvio se torna que os mesmos não poderiam ser convocáveis para dirimir o litígio em apreço. Uma tal dirimição haveria, então, de ser regida por outros normativos que não aqueles.
Mas, se porventura o dito Alto Tribunal não levasse a efeito uma tal interpretação, isto é, se entendesse que os mencionados artº 1º e 22º, nº 2, não foram derrogados, e caso os mesmos fossem chamados como ratio juris da decisão a proferir, então, na perspectiva da recorrente, aquelas disposições não deveriam ser aplicadas à situação em espécie, porque maculadas de vício de inconstitucionalidade, no particular de não permitirem que os contratos de docência houvessem de ser vistos como submetidos a um regime de livre acordo ou a um regime idêntico ao estabelecido para as universidades públicas.
2.2. Isto posto, passemos a analisar a questão que se intenta colocar ao Tribunal Constitucional.
Dispõe o artº 1º do Decreto-Lei nº 64-A/89:
Artigo 1.º
(Aprovação do novo regime jurídico)
É aprovado o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, que é publicado em anexo ao presente diploma, dele fazendo parte integrante.
Por sua vez, o nº 2 artº 24º do regime jurídico do contrato individual de trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408 (e só àquele regime se deverá reportar a recorrente, já que o Decreto-Lei apenas contém doze artigos) comanda:-
Artigo 22.º
(Prestação pelo trabalhador de actividades compreendidas ou não no objecto do contrato)
1.
............................................................................
.................................................................................
2. A entidade patronal pode encarregar o trabalhador de desempenhar outras actividades para as quais tenha qualificação e capacidade e que tenham afinidade ou ligação funcional com as que correspondam à sua função normal, ainda que não compreendidas na definição da categoria respectiva.
3...............................................................................................................................................................
4...............................................................................................................................................................
5.............................................................................
.................................................................................
6...............................................................................................................................................................
7...............................................................................................................................................................
8...............................................................................................................................................................
O acórdão desejado submeter à censura deste Tribunal, de todo em todo, e por mais esforços que se façam, não convocou, como razão jurídica da decisão no mesmo constante, a norma constante do nº 2 do artº 22º acima transcrita.
Antes, após a análise da factualidade que era carreada aos autos, concluiu que o negócio bilateral que veio a ser estabelecido entre a recorrente e a recorrida assumia características tais que o haveriam de subsumir à qualificação dada pelo artº 1º do regime jurídico do contrato individual de trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, na modalidade de contrato individual de trabalho por tempo indeterminado.
Desta arte, e tocantemente ao referido nº 2 do artº 22º deste Decreto-Lei, inexiste um dos pressupostos do recurso a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, justamente aquele que consiste na aplicação, na decisão judicial querida impugnar perante o Tribunal Constitucional, da norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada previamente
àquela decisão.
De facto, torna-se inquestionável que a recorrente, em passo algum da sua alegação de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, questionou a conformidade constitucional do artº 1º do regime jurídico do contrato individual de trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408 quando aplicável a uma relação obrigacional assumida em face de uma universidade privada ou de um estabelecimento de ensino superior, particular ou cooperativo por parte de alguém para ali exercer funções de docência.
E foi este entendimento dado ao citado artº 1º que, afinal, serviu, numa primeira linha, de suporte jurídico à decisão tomada por aquele Supremo.
Neste contexto, não poderá este Tribunal tomar conhecimento do objecto do recurso no que tange à norma do nº 2 do artº 22º do regime jurídico do contrato individual de trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408.
2.3. Não obstante o Supremo Tribunal de Justiça ter perfilhado a perspectiva de harmonia com a qual, no caso sub iudicio, a relação contratual estabelecida entre a impugnante a e impugnada se haveria de considerar como subsumida a um contrato individual de trabalho por tempo indeterminado e, por isso, para a respectiva cessação, haveriam que ser tidas em conta as normas constantes do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A[/]98, poder-se-ia ainda eventualmente sustentar que, não obstante a caracterização que foi feita daquela relação, a aplicabilidade a um tal contrato do indicado regime era inconstitucional, já que a prestação obrigacional objecto dele dizia respeito a uma actividade de docência a uma universidade privada ou a um estabelecimento de ensino superior, particular e cooperativo.
Só que, como se viu, não foi assim que a questão foi posta pela recorrente no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, pois o que a mesma pretendeu foi a apreciação da inconstitucionalidade da norma constante do artº 1º do Decreto-Lei nº 64-A/89, se se não considerasse ela derrogada pelo nº 2 do artº 40º do Decreto-Lei nº
271/89 e pelo nº 2 do artº 24º do Decreto-Lei nº 16/94, nomeadamente para efeitos da cessação contratual aplicada aos contratos de docentes celebrados com as universidades privadas ou estabelecimentos de ensino superior, particular ou cooperativo.
Ao Tribunal Constitucional não compete censurar o entendimento perfilhado pelos tribunais judiciais quanto à interpretação do direito ordinário, no sentido de estes considerarem ou não derrogadas determinadas normas por superveniência de outras.
E se, na hipótese acima delineada (cfr. primeiro parágrafo do presente ponto 2.3), ainda se poderia vislumbrar o equacionamento de uma questão de inconstitucionalidade normativa, o que é certo é que não foi assim que a mesma foi colocada, quer aquando da alegação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, quer no requerimento do recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
Em face do exposto, não se toma conhecimento do objecto do recurso, condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em cinco unidades de conta”.
Da transcrita decisão reclamou, nos termos do nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, a B..
Surpreendem-se, na peça processual consubstanciadora da reclamação, os seguintes fundamentos:-
“..............................................................................................................................................................................................................................................................................................
4. O Ex.mo. Juiz Conselheiro Relator, porém, considerando não preenchido um pressuposto processual específico deste tipo de recurso, decidiu não tomar conhecimento do mesmo.
5. De facto, entendeu que o presente recurso carece do requisito previsto no n°
2 do art. 72° da LTC, qual seja «.... o da suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa durante o processo, em termos processualmente adequados, de modo a obrigar o tribunal recorrido a dela tomar conhecimento....»
(cf. fls. da Decisão recorrida).
6. Para tanto, a decisão ora impugnada apoia-se nas conclusões das alegações apresentada pela reclamante perante o STJ - transcritas de fls. 1069 a 1072.
7. Ante tal circunstanci[ ]alismo conclui o Ex.mo. Juiz Conselheiro Relator que não se encontram satisfeitos os requisitos para a admissão do recurso interposto para o Tribunal Constitucional e, por isso, não tomou conhecimento do objecto do recurso.
8. Mas na decisão aqui reclamada - e para assim ai se concluir - evidencia-se, desde logo, um erro capital na consideração dos preceitos cuja inconstitucionalidade se invoca. Só por essa razão - a ocorrência de tal lapso
se compreende que na decisão se haja escrito que «... a impugnante não colocou a questão de inconstitucionalidade referente às indicadas normas nos mesmos moldes que se surpreendem no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional» (vd. fls. 1076, ponto 2.1).
9. Com efeito, se é certo que a norma do art. 1º do Decreto-Lei n° 64-A/89, de
27 de Fevereiro, foi uma das invocadas, já o mesmo não sucedeu quanto ao art.
22°, n° 2, do art. 24° do Decreto-Lei 49.498 - porquanto foi antes e só, deste Decreto-Lei, a norma do n° 1 do aludido art. 22° (do DL 49.498), que a recorrente visou, quer no recurso para o STJ quer no requerimento de interposição para o TC, a qual reza, antes, o seguinte: « O trabalhador deve, em principio, exercer uma actividade correspondente à categoria para que foi contratado».
10. Corrigido o lapso, afigura-se que já não se poderá dizer que a norma em que se apoia o recurso para o Tribunal Constitucional, no que concerne ao aludido art. 22° - 1, não foi invocada perante o STJ (cf. clª 42ª, fls. 1071 da decisão).
11. Cabe recurso para o TC das decisões dos tribunais que, de acordo com o disposto na al. b) do n° 2 do art. 70° da LTC, «... apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».
12. A exigência de tal requisito, ou pressuposto processual, é reforçada e concretizada no art. 72° - 2, da qual resulta que os recursos previstos na alínea acima transcrita «.... só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar dela obrigado a conhecer».
13. Salvo o devido respeito - que é muitíssimo -, contrariamente ao entendimento perfilhado pelo Ex.mo. Conselheiro Relator, pensa a reclamante ter suscitado, perante o STJ, a questão da inconstitucionalidade «de modo processualmente adequado».
14. Na verdade, no recurso interposto do Acórdão Tribunal da Relação para o STJ, a reclamante, cumprindo o ónus de alegar e formular conclusões e o dever de indicar os fundamentos com base nos quais pedia a alteração ou anulação da decisão, apontou nas suas conclusões as normas jurídicas violadas e o sentido com que, em seu entender, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deveriam ter sido interpretadas e aplicadas (art. 690° - 1 e 2 do CPC).
15. E assim fez a reclamante também quanto à matéria que entendeu consubstanciar a inconstitucionalidade e as respectivas normas feridas de inconstitucionalidade, como se constata, nomeadamente, das conclusões que a seguir se transcrevem - das elencadas na decisão reclamada, de fls. 1069 a 1071:
16ª - As funções de docente que a A. foi - sucessivamente - contratada exerciam-se na C. e vigora entre nós o princípio da autonomia universitária. consagrado até constitucionalmente, segundo o qual as universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia cientifica, pedagógica, administrativa e financeira
(art. 76 - 2 da Constituição da República e art. 9 do DL 271/89, de 19 de Agosto);
17ª - Tal autonomia, constitucional e legalmente instituída, impede, desde logo, a relação de dependência e subordinação jurídica - com a qual se não harmonizam - próprias do contrato individual de trabalho, relativamente à R. B.;
33ª - Se, porventura, de contrato de trabalho subordinado se tratasse - o que se não concede -, nunca seria de aplicar ao caso o regime legal próprio previsto na lei geral, já que a sua aplicação era manifestamente afastada pelo art. 40º - 2 do DL 271/89, de 19.08;
34ª - De igual modo - o regime da lei do contrato de trabalho individual - foi afastado pelo diploma que lhe sucedeu: o DL 16/94, de 22.02, no seu artigo 24°;
38a - A autonomia universitária obsta à aplicação - à R., B. - do dever de ocupação efectiva à A., distribuindo-lhe serviço, por lhe falecer o correspondente direito (cf. art. 76°- 2 da CRP; DL 271/89, art. 9º - 1 e 2, b) e d), art. 11º - 1, a), e art. 33° - 2; Regu1amento Interno da C., art. 22, e); Estatutos da C, art. 8 - 1);
39ª - Na verdade, foram tão só os órgãos académicos da C. que não distribuíram serviço docente à A., sem qualquer interferência - aliás legal e constitucionalmente vedada- da B.;
40ª - A aplicação daquelas controvertidas normas do regime geral do trabalho conduziria a que a R. B., «forçada» pela decisão judicial, frustrasse a autonomia universitária, sobrepondo-se à Universidade na distribuição do serviço docente;
41ª - A autonomia universitária é, na nossa ordem jurídica, um direito fundamental e uma garantia institucional que actua como elemento condicionador do alcance da competência do legislador ordinário;
42ª - As normas constituídas pelos arts. 1° DL 64-A/89, de 27.02, e 22° - 1, de
24 de Novembro, se não forem consideradas derrogadas pelo art. 40°- 2 do DL
271/89, de 19.08, e pelo alto 24°- 2 do DL 16/94, de 22.01, quando aplicadas aos contratos de docência no ensino superior particular e cooperativo, maxime pala efeitos de cessação contratual, deverão ser julgadas materialmente inconstitucionais por ofenderem o disposto no art. 76° - 2 da Constituição - e ainda violarem os seus artigos 13°, 43°, 73° e 74°;
43ª - Essas normas podem e devem ser interpretadas em conformidade com a Constituição, no sentido de que, na omissão da legislação em falta, seja aplicado aos contratos de docência universitária privada, ou um regime de livre acordo, ou então um regime especial de contrato de trabalho (ou de prestação de serviço), com características que não sejam dissemelhantes das estabelecidas para os contratos de docência nas universidades públicas;
44ª - De outro, tais normas ofendem o conteúdo essencial da liberdade de gestão de recursos humanos docentes, enquanto dimensão elementar, ao nível do ensino superior, da liberdade de gestão da escola e da liberdade de definição de um projecto educativo de qua1idade, inerentes ao direito de criação de escolas privadas e cooperativas (art. 43°- 4 da Constituição);
45ª - Elas desfiguram a autonomia universitária, afectando o núcleo característico da autonomia científica e pedagógica das escolas e dos seus
órgãos académicos (seu art. 76° - 2);
46ª - Violam o principio da autonomia universitária, a norma constitucional que o consagra no art. 76° - 2 e ainda o principio de justiça insíto na ideia de Estado de Direito decorrente dos seus arts. 2° e l8º - 2.
16. Em qualquer recurso jurisdicional o recorrente impugna, antes de mais, uma decisão, se bem que com fundamento na preterição de determinadas normais legais e/ou constitucionais.
17. Pois a censura da inconstitucionalidade, nos termos exigidos pelo citado art. 72° da LTC, há-de de ser assacada a determinada(s) norma(s) lega1(ais).
18. Importa, consequentemente) a compatibilização entre uma e outra censuras - por um lado, a dirigida à decisão recorrida e, por outro, aquela assacada a determinadas normas legais que, no entender da recorrente e na interpretação dada às mesmas pela decisão recorrida, ofendem preceitos constitucionais.
19. E essa compatibilização entre uma e outra perspectivas - necessariamente distintas - será. aquela em que se admita, de acordo com o n° 2 do art. 72° da LTC, a censura da inconstitucionalidade dirigida a determinados preceitos legais na interpretação e aplicação que a decisão recorrida faz dos mesmos.
20. A este respeito, entende-se justificar-se referir a seguinte Jurisprudência do Tribunal Constitucional (in, wvw.dgsi.pt, Acórdãos do Tribunal Constitucional):
«II. Independentemente da formulação verbal utilizada, tendo sido questionada a conformidade constitucional da interpretação de uma norma na sua aplicação ao caso concreto na decisão recorrida, esta questão tem sido entendida como questão de constitucionalidade da competência do Tribunal Constitucional; III. Daí que se considere verificado o pressuposto do recurso de constitucionalidade de suscitação da inconstitucionalidade de uma norma jurídica, na interpretação Perfilhada pelo tribunal recorrido». (Nº Convencional- ACTCOO003858, de
3.03.1993, Proc. n ° 92-0412 };
«II. (...) a questão de inconstitucionalidade pode respeitar não apenas a norma, ou a uma sua dimensão parcelar ) considerada «em: si», mas também, e mais restritamente, a interpretação ou sentido com que ela foi tomada no caso concreto e aplicada na decisão recorrida nem sempre se recortando nitidamente a fronteira entre norma e decisão. III. A Jurisprudência deste Tribunal, fortemente sedimentada, distingue entre a direita estatuição de certa norma e uma determinada interpretação de que a mesma seja susceptível, da impugnação de decisão propriamente dita, só neste último caso não abrindo via para o recurso previsto no art. 70°, n o 1, al. b), da Lei n° 28/82» (N. Convencional: ACTCO0004778, de 22.03..94, Proc. n° 93-0715);
«...nada obsta a que, em sede de fiscalização concreta constitucionalidade
(...), se discuta a constitucionalidade de uma norma, tal como ela foi interpretada e aplicada no caso concreto. Pode mesmo dizer-se que, ao submeter-se ao TC, em via de recurso, a apreciação da constitucionalidade de uma norma jurídica, o que o Tribunal deve fiscalizar é, não a constitucionalidade, em abstracto, da norma em questão (por ele não poder declarar a inconstitucionalidade dessa norma), mas a constitucionalidade dessa mesma norma na sua aplicação concreta» (Ac. n° 102/84).
21. Neste mesmo sentido e contrariamente ao sustentado- aliás fundado num lapso quanto ao questionado art. 22°, n.º 1, do DL 49.408 (que não foi o n.º 2 invocado pela reclamante) - pelo Ex.mo. Juiz Conselheiro Relator) entende a reclamante - repete-se - ter suscitado de modo «processualmente adequado» a questão da inconstitucionalidade, como crê fluir claramente e sem esforço da análise das conclusões do seu recurso para o STJ transcritas acima sob o ponto
15.
22. De resto, a recorrente fê-lo em termos idênticos aos que usou posteriormente no requerimento a interpor o recurso para este Tribunal - e de forma análoga, quase decalcada, àquela em que o havia feito no processo pendente neste mesmo Tribunal e 3ª Secção, sob o n° 579/02, onde a questão de (in)constitucionalidade suscitada é precisamente a mesma, sendo os mesmos a recorrente e o caso apreciado no Tribunal recorrido.
23. Neste recurso, ainda pendente sob o n° 579/02, o TC tomou conhecimento do objecto do recurso, já havendo a recorrente produzido aí as suas alegações, pelo que também a norma do art. 8° - 3 do Código Civil - que se cuida ser de aplicação geral a todos os julgadores - aponta no sentido deste recurso dever ser igualmente admitido.
..............................................................................................................................................................................................................................................................................................”
Ouvida sobre a reclamação, a recorrida A. veio propugnar pela respectiva improcedência.
Cumpre decidir.
2. Em primeiro lugar, cabe assinalar que, efectivamente, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, a ora reclamante reportou-se ao nº 1 do artº 22º do regime jurídico do contrato individual de trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, tal como se diz na decisão ora em apreço (cfr. fls. 1075).
Daí que, aquando da transcrição, efectuada no ponto 2.2. daquela decisão, dos normativos a que se fez alusão no requerimento de interposição de recurso, se devesse referir o conteúdo do nº 1, que assim reza:
1. O trabalhador deve, em princípio, exercer uma actividade correspondente à categoria para que foi contratado.
Identicamente, nos primeiro, terceiro e sexto parágrafos daquele mesmo ponto 2.2, ao se mencionar o nº 2 do artº 22º, dever-se-ia mencionar o nº 1 do artº 22º.
Todavia, à parte esses lapsos de transcrição e menção, o que se contém na decisão em causa não é minimamente abalado.
Efectivamente, não foi com esteio naquele nº 1 do artº
22º que o acórdão proferido em 14 de Maio de 2003 pelo Supremo Tribunal de Justiça veio a tomar a decisão dele constante, já que, como se disse na peça processual agora impugnada, aquele aresto, «após a análise da factualidade que era carreada aos autos, concluiu que o negócio bilateral que veio a ser estabelecido entre a recorrente e a recorrida assumia características tais que o haviam de subsumir à qualificação dada pelo artº 1º do regime jurídico do contrato individual de trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, na modalidade de contrato individual de trabalho por tempo indeterminado».
Ou seja:- foi esta última disposição legal que constitui o suporte legal da qualificação do contrato em causa, sabido como é que o litígio se posicionava em torno da questão de saber se se estava perante um contrato de trabalho ou um contrato de prestação de serviços.
E, sendo assim, mesmo no que diz respeito ao nº 1 do artº 22º do indicado regime jurídico (notando-se que a decisão reclamada, neste ponto, referiu, por manifesto lapso, o nº 2 do artº 22º), haverá que concluir-se que falta um dos pressupostos do recurso a que se refere a alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, precisamente aquele que consiste na aplicação, pela decisão impugnada, da norma cuja desconformidade com a Constituição constitui objecto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade.
Justamente pelo que foi dito, em nada releva a circunstância de, no seu ponto 2.2., a decisão sub specie ter aludido, por lapso, ao nº 2 do artº 22º do regime jurídico do contrato individual de trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408.
Aliás, a ratio da decisão reclamada, neste particular, como da mesma bem se extrai, consistiu na não aplicação, no acórdão desejado impugnar perante o Tribunal Constitucional, da norma objecto do recurso (a do nº
1 do artº 22º já citado), e não, como a reclamante parece dar a entender, na não suscitação da questão de inconstitucionalidade efectuada precedentemente à prolação daquele aresto.
E, tendo, como se viu, o suporte normativo da decisão lavrada pelo Supremo Tribunal de Justiça sido ancorado na norma vertida no artº
1º do regime jurídico do contrato individual de trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408 - norma essa acerca da qual a ora reclamante não suscitou qualquer questão de enfermidade constitucional -, terá, tal como se disse na decisão em análise, de concluir-se pela impossibilidade de tomar conhecimento do recurso no que se reporta ao normativo constante do nº 1 do artº 22º do dito regime.
2.1. Pelo que tange à norma ínsita no artº 1º do Decreto-Lei nº 64-A/89, a reclamação ora em análise é silente quanto a um eventual intento de demonstração de que aquilo que na decisão em causa foi dito a respeito de da mesma não poder ser tomado conhecimento, era falho de razão.
Analisando a argumentação que àquela decisão foi levada, não descortina este Tribunal qualquer fundamento para, neste ponto, discordar do que, quanto ao mesmo, foi dito na decisão em causa.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se a reclamante nas custas processuais, fixando em quinze unidades de conta a taxa de justiça.
Lisboa, 4 de Julho de 2003 Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida