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Proc. n.º 323/03
2.ª Secção Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – O relatório
1. O MINISTÉRIO PÚBLICO recorre para este Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos art.os 280º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa (doravante designada por CRP) e 70º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (doravante designada por LTC), do despacho proferido pelo 2.º Juízo Criminal de Lisboa que julgou prescrito o procedimento criminal exercido contra A., identificada nos autos, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade da norma constante do art.º 120º, n.º 1, alínea c) do Código Penal de 1982, na interpretação segundo a qual ela é aplicável a factos ocorridos em 18 e em 25 de Março de 1981, tendo a arguida sido notificada nos termos do art.º 311º do Código de Processo Penal de 1987 a 18 de Dezembro de
1995, por violação do disposto nos art.os 18º, n.º 2 e 29º, n.os 1 e 4 da CRP.
2. A arguida A. foi acusada no referido Tribunal pela prática de dois crimes de emissão de cheque sem cobertura, p. e p. pelos art.os 23º e 24º do DL. n.º13 004, de 12.01.1927, com a alteração introduzida pelo art.º 5º do DL. n.º 400/82, de 23.09, conjugados com os art.os 28º e 29º da L.U. sobre Cheques e art.os 11º do DL. n.º 454/91, de 23.12 e 313º do Código Penal, tendo sido notificada, em 18 de Dezembro de 1995, de, entre o mais, o despacho equivalente ao de pronúncia que recebeu aquela acusação, do dia designado para julgamento e para prestar termo de identidade e residência, no prazo de cinco dias.
Não tendo comparecido em juízo no dia de julgamento nem prestado termo de identidade e residência, foi a arguida declarada contumaz.
3. Por despacho de 26.02.2003 do senhor juiz do Tribunal Criminal de Lisboa (2.º Juízo-2.ª Secção) declarou-se cessada a contumácia da arguida e extinto o procedimento criminal.
Fundamentando esta decisão escreveu-se:
«1.Declaro cessada a contumácia. Dê publicidade legal. Notifique.
2. O procedimento criminal está extinto por prescrição a 25.3.96, uma vez que o prazo de prescrição é de cinco anos e nenhum facto interruptivo ou suspensivo se verificou naquele período que mediou entre 18.3.91 e 25.3.96.
3. Com efeito, a notificação de 18.12.95, de fls. 67, não consubstancia nenhum facto interruptivo da prescrição. Qualquer interpretação diversa é inconstitucional na medida em que pressupõe a aplicação analógica do art.º 120º, alínea c) do CP/1982 a factos anteriores com violação dos art.os 18º, n.º 2 e
29º, n.os 1 e 4 da CRP.
4. Pelo exposto, declaro inconstitucional o art.º 120º alínea c) do CP/1982 na interpretação segundo a qual ele é aplicável a factos ocorridos em 18.3.1991 e 25.3.1991, tendo o arguido sido notificado nos termos do art.º 311º do CPP/1987 a 18.12.1995.
5. Em consequência, declaro prescrito o procedimento criminal e determino o oportuno arquivamento dos autos. Notifique.».
4. É deste despacho que o Ministério Público recorre para este Tribunal Constitucional, nos termos já referidos.
Simultaneamente o mesmo recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação, pedindo a revogação do mesmo despacho judicial e que seja proferida
“decisão em conformidade com a jurisprudência fixada no Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 10/2000, de 19 de Outubro de 2000, publicado no DR I-A, de 10 de Novembro de 2000, e no Acórdão do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2001, de 1 de Março de 2001, publicado no DR I-A, de 15 de Março de 2001”.
5. Ambos os recursos interpostos foram admitidos por despacho do senhor juiz do tribunal a quo, tendo-se ordenado a subida dos autos ao Tribunal Constitucional.
6. Notificado para alegar, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal Constitucional suscitou a questão prévia do não conhecimento do recurso de fiscalização concreta de inconstitucionalidade, tendo condensado na seguinte proposição conclusiva as razões para tanto aduzidas:
«Por força do preceituado no n.º 5 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, tem precedência sobre o recurso de fiscalização concreta, interposto para o Tribunal Constitucional, o “recurso ordinário obrigatório”, previsto no art.º 446º, n.º 1 do Código de Processo Penal, a interpor pelo Ministério Público e a dirimir previamente na ordem dos tribunais judiciais, no que se refere à desaplicação pela decisão recorrida da interpretação normativa realizada pelo Supremo Tribunal de Justiça do art.º 120º, n.º 1, alínea c) da versão originária do Código Penal de 1982, no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 5/2001».
6. Notificada a recorrida para responder à alegação do Ministério Público, nada disse.
B – A fundamentação
7. Da questão prévia suscitada pelo Ministério Público
Antes de mais cumpre notar que, não obstante o recurso para este Tribunal ter sido admitido, tal decisão não o vincula, como se estabelece no art.º 76º, n.º 3 da LTC.
No art.º 70º, n.º 5 da LTC prescreve-se que “não é admitido recurso para o Tribunal Constitucional de decisões sujeitas a recurso ordinário obrigatório, nos termos da respectiva lei processual”.
Ora, no presente recurso, a decisão recorrida, afastando, por inconstitucionalidade, a aplicação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2001, publicado no Diário da República, I Série-A, de 15 de Março de 2001, está, como se infere do disposto no art.º 446º, n.º 1 do Código de Processo Penal, sujeita a recurso obrigatório por parte do Ministério Público.
Falta, porém, saber se, não obstante o Código de Processo Penal qualificar este recurso obrigatório como recurso extraordinário, como emerge do seu Título II do Livro IX, deverá o mesmo considerar-se abrangido na hipótese estabelecida no n.º 5 daquele art.º 70º da LTC.
Esta pergunta obteve resposta positiva em diversos Acórdãos deste Tribunal (cfr., entre outros, os Acórdãos n.os 93/02, 322/01 e 282/01, todos inéditos, e 281/01, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 50.º volume, págs. 587).
Sobre a matéria discreteou-se, no último aresto, pelo seguinte modo:
« 5. Para o efeito cabe averiguar se a razão que justifica o regime previsto neste n.º 5 – apenas recorrer para o Tribunal Constitucional da decisão que proferir a última palavra na ordem dos tribunais que julgaram a causa – ocorre no caso presente e em caso afirmativo se deve prevalecer não obstante se tratar por um lado de um recurso interposto ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 e por outro de um recurso obrigatório extraordinário.
É sabido que a Lei n.º 28/82 apenas impõe a prévia exaustão das vias de recurso no âmbito dos recursos interpostos ao abrigo do disposto nas als. b) e f) do n.º
1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, ou seja, interpostos de decisões que aplicaram norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade foi suscitada durante o processo; e que diferentemente abre recurso directo para o Tribunal Constitucional de decisões não definitivas (ainda susceptíveis de recurso ordinário) de recusa de aplicação de normas pelos mesmos motivos como é o caso presente. Ora, quer num caso quer no outro, a não ser interposto previamente o recurso obrigatório dentro da ordem a que pertence o tribunal que julgou a causa pode vir a subsistir uma decisão sujeita a recurso obrigatório que versa exactamente sobre a norma julgada pelo Tribunal Constitucional; e o problema põe-se da mesma forma quando é o recurso previsto no artigo 446º do Código de Processo Penal que está em causa apesar de ser qualificado por lei como recurso extraordinário. Vejamos o caso precisamente do recurso imposto por este preceito. A ser julgado primeiro o recurso interposto para o Tribunal Constitucional por recusa de aplicação de uma norma, se o Tribunal Constitucional confirmar o juízo de inconstitucionalidade ou de ilegalidade subsiste uma decisão contrária a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça – logo ainda sujeita a recurso obrigatório que não pode deixar de ser interposto. Interposto esse recurso – e vamos admitir que chegamos ao Supremo Tribunal de Justiça – este Tribunal para respeitar o caso julgado formado no processo sobre a questão de constitucionalidade nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 80º da Lei n.º 28/82 tem de alterar a orientação jurisprudencial que definiu revendo o assento sem ter tido a oportunidade de se pronunciar sobre a decisão que recusou a respectiva aplicação por inconstitucionalidade. Do ponto de vista das relações institucionais entre o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal Constitucional há-de concordar-se não ser esta a melhor solução. Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 9º do Código Civil o intérprete há-de presumir, ao fixar o sentido da lei, que o legislador consagrou a solução mais acertada. E essa directriz leva-nos a não distinguir para efeitos de aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 entre recursos ordinários e o recurso previsto no artigo 446º do Código de Processo Penal».
Esta fundamentação é inteiramente de acolher.
No mesmo sentido se pronunciou recentemente o Acórdão desta secção nº 412/03, inédito.
Sendo assim, tratando-se de caso em tudo paralelo ao ai afrontado, há-se concluir-se que, também aqui, este Tribunal não pode conhecer do recurso nos termos do referido n.º 5 do art.º 70º da LTC.
C – A decisão
8. Destarte, atento tudo o exposto, este Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Lisboa, 15 de Outubro de 2003
Benjamim Rodrigues Paulo Mota Pinto (com declaração idêntica à que juntei ao Acórdão nº 412/2003) Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos