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Processo nº 412/2002
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 452, foi proferida a seguinte decisão sumária:
«1. A. recorreu para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12 de Dezembro de 2001, de fls. 432, pretendendo que se aprecie a inconstitucionalidade da 'norma constante dos arts.412º, nº 1, e 420º, nº 1, do Código de Processo Penal quando interpretada no sentido do que a deficiência das conclusões da motivação deve levar à rejeição imediata do recurso, sem que previamente seja feito o convite ao recorrente para aperfeiçoar a deficiência, por violação do art. 32º, nº 1, da Constituição, como, aliás, já foi decidido por douto acórdão da 1ª Secção do Tribunal Constitucional, proferido no proc. n.º 46/98, e publicado no Diário da República, 2ª série, nº 72, em 26 de Março de 1999, a pp. 4494 a 4496'. Notificado do despacho de fls. 447, o recorrente veio responder que o recurso era interposto ao abrigo do disposto na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro e que 'a questão da inconstitucionalidade foi suscitada na resposta dada ao M.P. nos termos do artº 417º do CPC'. O recurso foi admitido, em decisão que não vincula este tribunal (nº 3 do artigo
76º da Lei nº 28/82).
São recorridos o Ministério Público e B.
2. Por sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Valpaços, de 28 de Novembro de 1998, de fls. 270, A, ora recorrente, foi condenado pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de um ano e oito meses de prisão, previsto no artigo 11º, nº 1, a) e nº 2 do Decreto-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro, na redacção resultante do Decreto-Lei nº 316/97, de 19 de Novembro, cuja execução ficou suspensa sob condição de pagamento à ofendida, até determinada data, 'da quantia titulada no cheque acrescida dos respectivos juros de mora'. Foi igualmente condenado no pagamento de uma determinada indemnização. Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de
26 de Janeiro de 2000, de fls. 349, manteve a sentença recorrida. Restringindo-nos ao que agora releva, verifica-se que, pelo despacho 7 de Março de 2001, de fls. 384, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dele constantes. Deste despacho, A recorreu para o Tribunal da Relação do Porto. Este Tribunal, pelo acórdão agora recorrido, rejeitou o recurso. Em primeiro lugar, porque, versando o recurso sobre matéria de direito, o recorrente não tinha cumprido o ónus, imposto pelo nº 2 do artigo 412º do Código de Processo Penal, de indicar as normas jurídicas violadas, o sentido com que as normas aplicadas pelo tribunal recorrido foram – e deveriam ter sido – interpretadas e aplicadas e, sendo caso disso, as que deveriam ter sido efectivamente utilizadas; em segundo lugar porque, 'de todo o modo, sempre o recurso teria de ser rejeitado por manifesta improcedência, ao abrigo do nº 1 do artº 420º do CPP', explicando, seguidamente, por que razão – substancial – ocorre tal manifesta improcedência do recurso. Assim, o Tribunal da Relação do Porto terminou o acórdão desta forma: 'Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, em rejeitar o recurso, quer por falta de observância do formalismo prescrito nas alíneas do nº 2 do artº 410º [412º] do CPP, quer por ser manifestamente improcedente'.
3. E a verdade é que o Tribunal Constitucional não pode conhecer do objecto do presente recurso.
É exacto que já foi julgada inconstitucional a norma que constitui o respectivo objecto, como indica o recorrente. Aliás, pelo acórdão nº 320/2002, ainda não publicado, foi declarada 'com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do artigo 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, da norma constante do artigo 412º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência'. A verdade, todavia, é que a rejeição do recurso assentou em dois fundamentos, cada um deles suficiente para conduzir a tal resultado: a falta das referidas indicações e a manifesta improcedência do mesmo, por razões de fundo; assim, mesmo que o presente recurso de constitucionalidade fosse provido, sempre subsistiria o outro motivo de rejeição do recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto, o que revela a inutilidade do julgamento respectivo. Com efeito, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, o recurso de constitucionalidade tem natureza instrumental, o que implica, como se sabe, que é condição do conhecimento do respectivo objecto a possibilidade de repercussão do julgamento que nele vier a ser efectuado na decisão recorrida
(ver, por exemplo, o acórdão deste Tribunal com o nº463/94, publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Novembro de 1994). Ora, no caso, nenhuma repercussão teria. Estão, pois, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Assim, decide-se não conhecer do objecto do recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 ucs.»
2. Inconformado, A veio reclamar para a conferência, nos termos previstos no nº
3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, por entender que a decisão reclamada 'viola o princípio da cindibilidade do recurso, acolhido no artº 403º, nº 1 e reafirmado nos artºs 410º, nº 1, e 412º, nº 2, todos do Código de Processo Penal', e que 'o julgamento deve prosseguir com vista ao conhecimento da inconstitucionalidade suscitada'. E concluiu da seguinte forma:
'1. No recurso para a Relação do Porto formulam-se várias pretensões.
2. A rejeição de uma delas, não impede o prosseguimento do recurso quanto às demais (V. Ac. Plenário das Secções Criminais do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA de
24/6/82; DR, I Série, de 6 de Agosto do mesmo ano).
3. A douta decisão reclamada violou o princípio da cindibilidade do recurso, e as normas constantes dos 403/1º, 410/1 e 412/2 do CPP.
4. A douta decisão deve ser substituída por outra que ordene o julgamento do recurso.' Notificado para o efeito, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da manifesta improcedência da reclamação, por nela se não alegar 'nada de susceptível de pôr em causa o teor da decisão proferida, no plano dos pressupostos de admissibilidade do recurso'. Diz ainda o Ministério Público ser 'verdadeiramente absurda a invocação do
‘princípio da cindibilidade do recurso’, fundado nos artigos 403º, 410º e 412º do Código de Processo Penal – quando o recorrente tem o dever de não ignorar que
à tramitação dos recursos de fiscalização concreta é aplicável subsidiariamente o preceituado na lei de processo civil. E sendo óbvio que o número de pretensões eventualmente formuladas perante a Relação é perfeitamente irrelevante para aferir dos pressupostos de admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional'.
3. Com efeito, a reclamação é manifestamente improcedente, não tendo em conta a função e, portanto, as particularidades do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas.
Nada há, pois, a acrescentar à decisão reclamada, que, pelo fundamento dela constante, se confirma.
Nestes termos, indefere-se a presente reclamação, confirmando-se a decisão reclamada. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa,23 de Outubro de 2002- Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida