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Processo n.º 356/13
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1.ª secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido o Sindicato dos Professores da Região dos Açores, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão daquele Tribunal de 8 de abril de 2013.
2. O Sindicato dos Professores da Região dos Açores requereu «o decretamento, de forma urgente e provisória, da providência cautelar de admissão provisória ao concurso aberto com a publicação do Aviso n.º 1340-A/2013, de 28 de janeiro, dos docentes que, sendo sócios do Requerente, tenham trabalhado 365 dias, nos últimos três anos, contado a partir da data de publicação do Aviso, no sistema de educação público, ainda que apenas em escolas da Região Autónoma dos Açores».
Antecipando o juízo sobre a causa principal, nos termos do disposto no artigo 121.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a ação foi julgada procedente. O tribunal recorrido recusou «a aplicação da norma que excluiu do âmbito do concurso externo extraordinário os associados do requerente que, preenchendo os demais requisitos, tenham prestado serviço docente efetivo com qualificação profissional, em pelo menos 365 dias, nos 3 anos imediatamente anteriores ao da data de abertura do concurso, em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo em estabelecimento público de educação na dependência da Região Autónoma dos Açores (Secretaria Regional da Educação e Formação), contida (a referida norma) na parte final do ponto IV, n.º 1, al. a) do Aviso n.º 1340-A/2013 do Ministério da Educação e Ciência e do artigo 2º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de janeiro, com fundamento na violação dos artigos 5º, 6º, 13º, 47º, n.º 2 e 225º, n.º 3 da CRP, bem como dos artigos 7º, n.º 1, al. 1) e 127º, n.º 3 do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, 1º, n.º 1 da Lei n.º 23/2009, de 21 de maio e 1º, n.º 4 da Lei de Bases do Sistema Educativo»; declarou «a ilegalidade da exclusão dos associados do requerente com fundamento no facto de as escolas públicas em que lecionaram estarem dependentes da Região Autónoma dos Açores (Secretaria Regional da Educação e Formação) e não do Ministério da Educação e Ciência»; e condenou «a entidade requerida a admitir a apresentação de candidaturas dos associados do requerente que, preenchendo os demais requisitos, tenham prestado serviço docente efetivo com qualificação profissional, em pelo menos 365 dias, nos 3 anos imediatamente anteriores ao da data de abertura do concurso, em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo em estabelecimento público de educação na dependência da Região Autónoma dos Açores (Secretaria Regional da Educação e Formação)».
É a seguinte a fundamentação da decisão recorrida:
«A argumentação do requerente contém dois aspetos distintos que serão analisados separadamente, um referente à inconstitucionalidade das normas concursais e outro atinente à sua ilegalidade.
IV.1 - Inconstitucionalidade
O requerente começa por referir que a exclusão do concurso de um as sociado que tenha, nos últimos três anos, exercido a função de docente pelo menos 365 dias num estabelecimento de ensino público situado na Região Autónoma é ilegal porque as normas com base nas quais a entidade requerida pretende impedir a apresentação da candidatura ou rejeitar a candidatura apresentada violam os princípios da igualdade e da não discriminação, a liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública e o direito ao trabalho (artigo 13º, 47º e 58º da CRP), bem como obliteram a noção de Estado unitário, diferenciando, sem justificação, professores que trabalharam/trabalham numa parte do território português de outros que trabalharam noutra parte do território.
A entidade requerida defende que a exigência de uma ligação ao Ministério da Educação e Ciência, enquanto entidade empregadora pública não representa uma opção arbitrária, injustificada ou desadequada. Acrescenta que a estrutura normativa dos recursos humanos docentes nos dois sistemas educativos é desigual, impondo um tratamento diferenciado.
Vejamos.
O artigo 13º da Constituição consagra no número 1 o princípio da igualdade em termos genéricos ao estabelecer que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”.
Ao densificar o princípio da igualdade, o Tribunal Constitucional tem afirmado que a Constituição estabelece que deve ser tratado de forma igual o que é igual e deve distinguir-se o que é diferente na medida dessa diferença, ou seja, o princípio da igualdade contém em si um princípio orientador que se reconduz à proibição do arbítrio como critério de razoabilidade transversal à atuação do Estado – cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 319/00 de 21.06.2000, Proc. 521/99, e 563/96 de 10.04.1996, Proc. 198/93.
A este propósito importa referir que é jurisprudência do Tribunal Constitucional que o princípio da igualdade «proíbe diferenciações de tratamento, salvo quando estas, ao serem objetivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes, se revelem racional e razoavelmente fundadas. Tal proibição não alcança assim as discriminações positivas, em que a diferenciação de tratamento se deve ter por materialmente fundada ao compensar desigualdades de oportunidades. Mas deve considerar-se que inclui ainda as chamadas discriminações indiretas, em que, e sempre sem que tal se revele justificável de um ponto de vista objetivo, uma determinada medida, aparentemente não discriminatória, afete negativamente em maior medida, na prática, uma parte individualizável e distinta do universo de destinatários a que vai dirigida.» – in Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/03 de 13.05.2003, Proc. 306/03.
Por sua vez, o artigo 47º da CRP consagra no número 1 a liberdade de escolha de profissão, estabelecendo que a mesma apenas poderá ser objeto de restrições em função do interesse público coletivo ou de aspetos inerentes à própria capacidade. E no número 2 do mesmo artigo é estatuído que “todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”.
De frisar que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o artigo 47º, n.º 2 da Constituição constitui uma projeção do princípio da igualdade na matéria específica de acesso à função pública – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/03 de 13.05.2003, Proc. 306/03.
Por fim, o artigo 58º da CRP estabelece que “todos têm direito ao trabalho” (número 1), competindo ao Estado promover ativamente políticas em vista a garantir o pleno emprego, a igualdade de oportunidades e a formação técnico-profissional dos trabalhadores (número 2).
A norma concursal em análise estabelece como requisito de admissão ao concurso externo extraordinário o exercício efetivo de funções docentes com qualificação profissional, em pelo menos 365 dias, nos 3 anos letivos imediatamente anteriores ao da data de abertura do presente concurso, em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo decorrente da aplicação do Decreto-Lei n.º 35/2007 de 15 de fevereiro, e do Decreto-Lei n.º 20/2006, de 31 de janeiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 51/2009, de 27 de fevereiro.
Tal aviso tem por suporte legal o Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de janeiro. Consta do preâmbulo do referido Decreto-Lei que «a ligação objetiva dos candidatos ao sistema público de educação concretizado no exercício do seu trabalho prestado nas escolas que se encontram na dependência do Ministério da Educação e Ciência, constitui prerrogativa essencial para os candidatos poderem beneficiar do regime extraordinário estatuído no presente diploma.»
O Decreto-Lei n.º 35/2007, de 15 de fevereiro estabelece que para assegurar necessidades temporárias de serviço docente e de formação em áreas técnicas específicas, podem ser celebrados contratos de trabalho a termo resolutivo entre os estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário na dependência do Ministério da Educação e o pessoal docente nas situações previstas no artigo 9º da Lei n.º 23/2004, de 22 de junho (artigo 1º. n.º 1 do referido diploma).
Por sua vez o Decreto-Lei n.º 20/2006, de 31 de janeiro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 51/2009, de 31 de janeiro, regula o concurso para seleção e recrutamento do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário.
Não há dúvidas, portanto, que a norma em causa, face aos normativos legais em que se apoia, pretende excluir o acesso ao concurso externo extraordinário aos docentes que prestam serviço docente efetivo com qualificação profissional, em pelo menos 365 dias, nos 3 anos imediatamente anteriores ao da data de abertura do concurso, em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo em estabelecimento público de educação na dependência da Região Autónoma dos Açores (Secretaria Regional da Educação e Formação).
Do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de janeiro resulta que o Governo constatou que para a satisfação das necessidades educativas temporárias se tem recorrido à contratação a termo de pessoal docente. A par dessas necessidades temporárias o Governo constatou a existência de necessidades tendencialmente permanentes por grupo de recrutamento. Do preâmbulo resulta também que o Governo pretende desencadear mecanismos que promovam a empregabilidade possível, sempre numa perspetiva de boa gestão de recursos humanos adequados às reais necessidades rigorosamente aferidas. De modo a satisfazer as necessidades permanentes por grupo de recrutamento e promover a empregabilidade, o Governo regulou, através do Decreto-Lei em análise, um concurso externo extraordinário com vista à entrada de novos docentes na carreira que satisfaçam as necessidades reais e permanentes do sistema educativo apuradas por grupo de recrutamento.
Resulta ainda do preâmbulo que a filosofia subjacente ao concurso é a compatibilização entre as necessidades reais e permanentes e as preferências individuais de acordo com os requisitos de habilitação profissional e preferência por quadros de zona pedagógica.
É também referido no preâmbulo que «a ligação objetiva dos candidatos ao sistema público de educação concretizado no exercício do seu trabalho prestado nas escolas que se encontram na dependência do Ministério da Educação e Ciência, constitui prerrogativa essencial para os candidatos poderem beneficiar do regime extraordinário estatuído no presente diploma.»
Aos docentes que ingressem na carreira através da colocação num quadro de zona pelo concurso externo extraordinário é conferido o direito de no próximo concurso interno concorrerem a par dos restantes docentes da carreira.
Do exposto resulta que o Governo decidiu regulamentar um concurso externo extraordinário, com vista à satisfação de necessidades reais e permanentes do sistema educativo por quadros de zona pedagógica, conferindo aos docentes que ingressem na carreira o direito de concorrerem no próximo concurso a par dos restantes docentes da carreira.
Resulta também que é de exigir uma ligação objetiva dos candidatos ao sistema público de educação, sendo tal aferido pela prestação de trabalho de docência nas escolas que se encontram na dependência do Ministério da Educação e Ciência.
O Tribunal Constitucional já se pronunciou, em sede de fiscalização sucessiva, no acórdão n.º 232/03 de 13.05.2003, Proc. 306/03, a propósito da norma constante do artigo 2º do Decreto Legislativo Regional n.º 26/2003 que estabelecia como requisito de acesso ao concurso de provimento por período não inferior a três anos, que a exigência de uma ligação especial à Região Autónoma dos Açores violava o disposto no artigo 13º e 47º, n.º 2 da CRP.
Afigura-se que a análise aí efetuada é valida para o presente caso: naquele processo a Região Autónoma dos Açores vinha colocar um entrave à admissão a um concurso de docentes que não tivessem uma especial ligação ao sistema educativo público regional; no caso sub judice pretende-se excluir os docentes por os mesmos não terem uma especial ligação ao sistema educativo público central.
Importa, portanto, verificar se a ratio da exigência de uma ligação objetiva dos candidatos ao sistema público de educação concretizado no exercício do seu trabalho prestado nas escolas que se encontram na dependência do Ministério da Educação e Ciência, com exclusão dos docentes que tenham prestado o mesmo serviço em escolas públicas na dependência da Região Autónoma dos Açores, possui uma fundamentação razoável.
Como decorre da análise ao diploma, com o concurso externo extraordinário em análise, o Governo pretende satisfazer necessidades reais e permanentes dos quadros de zona pedagógica recrutando docentes que tenham exercido funções de docência no sistema educativo público nos últimos três anos mediante contrato a termo.
Não se percebe porque razão apenas é válida a experiência de docência nas escolas públicas dependentes do Ministério da Educação e Ciência.
Nos termos do artigo 1º, n.º 4 da Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de outubro, alterada e republicada pela Lei n.º 49/2005, de 30 de agosto, o Sistema Nacional de Educação “tem por âmbito geográfico a totalidade do território português continente e Regiões Autónomas”.
Tal consagração legal é uma decorrência do princípio do Estado unitário e da unicidade da cidadania portuguesa (artigos 5º, 6º e 225º, n.º 3 da CRP).
Assim, todos os docentes quer integrados em escolas públicas sob a tutela do Ministério da Educação quer sob a tutela da Região Autónoma dos Açores, participam em igualdade de circunstâncias na concretização do Sistema Nacional de Educação; as diferenças existentes entre aquelas escolas 24 públicas e estas não são diferenças materiais, mas apenas organizativas: são diferenças impulsionadas pelas caraterísticas insulares e ultraperiféricas da Região Autónoma dos Açores.
Assim o Tribunal Constitucional, no referido acórdão n.º 232/03 de 13.05.2003, Proc. 306/03 pronunciou-se pela conformidade com a Constituição de uma norma regional que atribui uma preferência a docentes que tenham uma ligação regional, de modo a permitir a estabilidade do corpo docente; porém, pronunciou-se no sentido da desconformidade com a Constituição de uma norma que excluía os docentes sem uma ligação regional.
Ora, no caso em apreço, o Governo pretende dotar os quadros de zona pedagógica sob a tutela do Ministério da Educação de docentes permanentes, pelo que não se percebe porque razão os docentes em regime de contrato temporário em escolas públicas da Região Autónoma dos Açores não podem concorrer.
Ao contrário do alegado pela entidade requerida, as diferenças de carreira entre os docentes nas escolas públicas das Regiões Autónomas e os docentes nas escolas públicas no território português do continente, não justifica este tratamento, porque o concurso em causa não abrange professores do quadro, mas apenas professores sob o regime do contrato temporário.
Os docentes com contrato a termo na Região Autónoma dos Açores e os docentes no território português continental estão nas mesmas circunstâncias.
E não pode materialmente afirmar-se que o contributo de uns e outros para a satisfação das necessidades reais e permanentes do sistema educativo possa vir a ser diferente, até porque, como é do conhecimento geral, a Região Autónoma dos Açores tem anualmente que se socorrer de docentes oriundos do território português do continente para satisfazer as necessidades de docência nas escolas públicas.
Assim, verifica-se existir um tratamento discriminatório, não justificado entre docentes de escolas públicas sob a tutela do Ministério da Educação e Ciência e docentes de escolas públicas sob a tutela da Região Autónoma dos Açores.
Nessa medida, há que desaplicar a norma consubstanciada na parte final do ponto IV, n.º 1, al. a) do Aviso n.º 1340-A/2013 do Ministério da Educação e Ciência e do artigo 2º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de janeiro, com fundamento na violação do princípio da igualdade (artigos 13º, 47º, n.º 2 da CRP) e dos princípios do Estado unitário e da unicidade da cidadania portuguesa (artigos 5º, 6º e 225º, n.º 3 da CRP).
IV.2 - Ilegalidade
A par do primeiro ponto, o requerente entende que as normas em causa violam também o disposto nos artigos 7º, n.º 1, al. 1) e 127º, n.º 3 do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, e ainda o disposto no artigo 1º, n.º 1 da Lei n.º 232009, de 21 de maio.
A entidade requerida entende que o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores tem um âmbito de aplicação territorial que se restringe ao território da respetiva Região Autónoma, não sendo aplicável aos concursos realizados a nível regional. Invoca também que a Lei n.º 23/2009, de 21 de maio tem valor igual ao do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de janeiro, que serve de fundamento legal ao Aviso de abertura do concurso externo extraordinário.
Vejamos então a quem assiste razão.
Como se referiu no ponto anterior, a norma concursal em análise estabelece como requisito de admissão ao concurso o exercício efetivo de funções docentes com qualificação profissional, em pelo menos 365 dias, nos 3 anos letivos imediatamente anteriores ao da data de abertura do presente concurso, em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo em escolas públicas sob a dependência do Ministério da Educação e Ciência, conclusão dos docentes que prestaram serviço docente efetivo com qualificação profissional, em pelo menos 365 dias, nos 3 anos imediatamente anteriores ao da data de abertura do concurso, em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo em estabelecimento público de educação na dependência da Região Autónoma dos Açores (Secretaria Regional da Educação e Formação).
Importa, portanto, verificar se tal exclusão é legal, em face do disposto na Lei n.º 23/2009, de 21 de maio e nos artigos 7º, n.º 1, al. 1) e 127º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
A Lei n.º 23/2009, de 21 de maio veio consagrar a garantia de intercomunicabilidade entre os docentes provenientes das Regiões Autónomas com o restante território nacional, estabelecendo no artigo 1º, n.º 1 que “os docentes e educadores contratados ou pertencentes aos quadros de pessoal docente da rede pública das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores podem ser opositores a concurso de recrutamento e seleção para pessoal docente no restante território nacional em igualdade de circunstâncias com os docentes que prestem serviço no continente”.
E o artigo 7º, n.º 1, al. l) do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, aprovado pela Lei n.º 39/80, de 5 de agosto, alterada e republicada pela Lei n.º 2/2009, de 12 de janeiro, estabelece que a Região tem direito a uma Administração Pública com quadros próprios, bem como à garantia da mobilidade dos trabalhadores entre as várias administrações públicas.
Por sua vez o artigo 127º do mesmo Estatuto estabelece o seguinte:
Artigo 127.º
Função pública regional
1 – A administração regional autónoma tem quadros próprios que devem obedecer a critérios de economia de meios, de qualificação e de eficiência profissional.
2 – As bases e o regime geral do recrutamento para a função pública nos serviços regionais, da formação técnica, do regime de quadros e carreiras, do estatuto disciplinar e do regime de aposentação são os definidos por lei para a Administração Pública do Estado.
3 – É garantida a mobilidade entre os quadros da administração regional autónoma, administração local e administração do Estado, sem prejuízo dos direitos adquiridos, designadamente em matéria de antiguidade e carreira.
Entende a requerente que o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores tem apenas um âmbito regional, não podendo as suas normas vincular os concursos realizados a nível nacional.
Afigura-se, porém, que tal conclusão não é de acolher.
Na verdade, o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores visa desenvolver o quadro constitucional relativo à autonomia do arquipélago dos Açores no quadro unitário da República Portuguesa.
As suas normas não só regulamentam o funcionamento dos órgãos da Região Autónoma no quadro das atribuições próprias, mas também regulamentam as relações destes órgãos com os órgãos de soberania nacional. Existem normas aliás dirigidas diretamente ao Estado, como, por exemplo as constantes do artigo 132º e ss.; por exemplo, a garantia de que em cada ilha, com exceção do Corvo, existirá, pelo menos um juízo do tribunal de 1.ª instância é uma norma que não é dirigida diretamente aos órgãos da Região Autónoma, mas antes ao próprio Estado (central).
É que a Região Autónoma dos Açores constitui ainda parte integrante do território nacional português, integrando a República Portuguesa, conforme decorre dos artigos 5º e 6º da CRP.
Assim, o seu Estatuto político próprio regulamenta não só as atribuições dos órgãos da Região, mas também dos demais órgãos do Estado, quer limitando os poderes destes, quer atribuindo-lhes funções específicas.
Consciente disso, o legislador não estabeleceu expressamente no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores uma norma de delimitação territorial. Deste modo, na ausência de tal norma expressa, o âmbito de aplicação territorial de cada norma deverá ter em conta a sua natureza e função específica.
O artigo 127º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores regula a função pública regional estabelecendo que a Região Autónoma dos Açores está dotada de uma administração autónoma que tem quadros próprios, distinta da administração nacional (n.º 1). O artigo referido estabelece também que são aplicáveis à função pública regional as bases, do regime geral do recrutamento e da formação técnica, o regime de quadros e carreiras, o estatuto disciplinar e o regime de aposentação tal como definidos para a Administração Pública do Estado (número 2). Por fim, o artigo em análise, prescreve a garantia de mobilidade entre os quadros da administração regional autónoma, administração local e administração do Estado, sem prejuízo dos direitos adquiridos, designadamente em matéria de antiguidade e carreira (número 3).
Ora, a garantia de mobilidade referida no número 3 do artigo 127º e na alínea a) do número 1 do artigo 7º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores não vincula apenas os órgãos próprios da Região Autónoma, mas vincula também os órgãos das autarquias locais, bem como os órgãos do Estado. É que tal norma destina-se a garantir que a autonomia regional não irá prejudicar a igualdade entre os cidadãos. O escopo de proteção da norma são, pois, os cidadãos nacionais. A norma referida, no desenvolvimento dos ditames constitucionais da igualdade e unicidade do Estado, garante aos cidadãos igual acesso às funções públicas, independentemente de estarem nos quadros da administração regional, da administração local ou da administração do Estado. Visa-se corporizar o princípio da igualdade e não discriminação, consagrados no artigo 13º da CRP no quadro da autonomia, protegendo os particulares; dito de outro modo, as especificidades da função pública regional não podem justificar entraves de acesso à administração regional quanto à mobilidade de funcionários provenientes da administração local ou da administração central e, do mesmo modo, tais especificidades não podem fundamentar restrições de acesso à administração local ou à administração central quanto à mobilidade de funcionários oriundos da administração regional. Tal garantia de mobilidade corporiza também os princípios constitucionais da unicidade do Estado e da cidadania portuguesa, os quais impõem que, independentemente da origem geográfica ou da área de residência, qualquer cidadão deve ter um tratamento igual quer no acesso aos serviços públicos quer no acesso à função pública.
Não obstante as especificidades da função pública regional, que se justificam pela insularidade e localização ultraperiférica do arquipélago dos Açores, o legislador entendeu que tais especificidades não poderiam justificar um entrave à mobilidade dos funcionários entre as diversas administrações ao nível regional, local e central.
Assim, a garantia de mobilidade constante nos artigos 7º, n.º 1, al. 1) e 127º, n.º 3 do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores vincula não só a administração própria da Região autónoma, mas também a administração do demais território nacional.
Deste modo, a norma concursal constante do ponto IV, n.º 1, al. a) do Aviso n.º 1340-A/2013 do Ministério da Educação e Ciência que impede os docentes que tenham prestado serviço docente efetivo com qualificação profissional, em pelo menos 365 dias, nos 3 anos imediatamente anteriores ao da data de abertura do concurso, em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo em estabelecimento público de educação na dependência da Região Autónoma dos Açores (Secretaria Regional da Educação e Formação) de aceder ao concurso para vagas em escolas públicas dependentes do Ministério da Educação e Ciência não é consentânea nem com a garantia de mobilidade referida, impedindo tais docentes de ingressarem na Administração Pública do Estado (central), nem com a garantia de intercomunicabilidade entre os docentes provenientes das Regiões Autónomas com o restante território nacional, conforme disposto no artigo 1º, n.º 1 da Lei n.º 23/2009, de 21 de maio.
Porém a norma em causa tem fundamento legal, como já se referiu: como decorre do próprio aviso, com a abertura do concurso externo extraordinário em causa a entidade requerida pretende dar execução ao disposto no Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de janeiro, sendo o ponto IV, n.º 1, al. a) do Aviso n.º 1340-A/2013 do Ministério da Educação e Ciência uma reprodução exata do artigo 2º, n.º 1, al. a) do referido Decreto-Lei.
Assim, a norma concursal só será de afastar se se constatar que o seu fundamento legal é de desconsiderar por violar uma norma de valor superior.
O artigo 112º, n.º 2 da CRP prevê que, em princípio, as leis e os decretos-leis têm igual valor e o n.º 3 do mesmo artigo estabelece que “têm valor reforçado, além das leis orgânicas, as leis que carecem de aprovação por maioria de dois terços, bem como aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas”.
Assim, a menos que seja de reconhecer aos artigos 7º, n.º 1, al. l) e 127º, n.º 3 do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores e 1º, n.º 1 da Lei n.º 23/2009, de 21 de maio um valor paramétrico, a norma impugnada ficará salvaguardada por ser uma reprodução do artigo 2º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de janeiro.
Quer os referidos artigos 7º, n.º 1, al. 1) e 127º, n.º 3 do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores quer o artigo 1º, n.º 1 da Lei n.º 23/2009, de 21 de maio visam regular uma matéria atinente ao acesso à função pública: aquele permitindo a mobilidade de funcionários entre as diversas administrações do Estado português (regional, autárquica e centra) e este equiparando o serviço de docência na Região Autónoma ao serviço de docência no território português continental.
De frisar ainda que, de qualquer modo, mesmo que assim se não entendesse, o Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de janeiro não pode servir de fundamento legal válido à norma concursal impugnada. É que está em causa o acesso de docentes à função pública – a vagas de escolas do ensino público –, pelo que uma qualquer restrição a tal acesso em função da dependência da escola pública em que lecionaram os docentes nos últimos três anos, importa uma restrição a direitos e princípios constitucionais estruturantes (artigos 5º 6º, 13º e 47º, n.º 2 da CRP), pelo que, por força do artigo 18º e 165º, n.º 1, al. b) da CRP, tal norma só seria válida se integrasse uma Lei ou um Decreto-Lei autorizado, o que não se verifica.
As normas invocadas pelo requerente constituem, portanto, normas atinentes a um direito, liberdade e garantia, constitucionalmente consagrado no artigo 47º da CRP. E nessa medida, constituem parâmetros legais em matéria estruturante do Estado, conforme decorre da conjugação dos artigos 18º, 112º, n.º 3 e 165, n.º 1, al. b) todos da Constituição, desenvolvendo, nos campos específicos da mobilidade de funcionários e dos docentes um direito, liberdade e garantia.
De acrescentar ainda que o referido supra encontra enquadramento na própria Lei de Bases do Sistema Educativo, cujo artigo 1º, n.º 4 estabelece a unicidade do sistema educativo português, abrangendo o território continental e o das Regiões Autónomas. E quanto a este último não há dúvidas que o Decreto-Lei em causa lhe deve obediência nos termos do artigo 112º, n.º 2 da CRP. Ora, uma norma que restringe o acesso a um concurso a docente que exerceram funções em determinadas escolas públicas, com exclusão dos docentes que exerceram as mesmas funções em outras escolas situadas num outro território nacional, não pode deixar de ofender a unicidade do sistema educativo nacional.
É, portanto, de concluir pela ilegalidade da norma concursal impugnada por violação dos artigos 7º, n.º 1, al. l) e 127º, n.º 3 do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, 1º, n.º 1 da Lei n.º 23/2009, de 21 de maio e 1º, n.º 4 da Lei de Bases do Sistema Educativo.
Assim, ao abrigo do artigo 204º da CRP, é de recusar a aplicação da norma que excluiu do âmbito do concurso externo extraordinário os associados do requerente que, preenchendo os demais requisitos, tenham prestado serviço docente efetivo com qualificação profissional, em pelo menos 365 dias, nos 3 anos imediatamente anteriores ao da data de abertura do concurso, em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo em estabelecimento publico de educação na dependência da Região Autónoma dos Açores (Secretaria Regional da Educação e Formação), contida (a referida norma) na parte final do ponto IV, n.º 1, al. a) do Aviso n.º 1340-A/2013 do Ministério da Educação e Ciência e do artigo 2º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de janeiro, com fundamento na violação dos artigos 7º, n.º 1, al. 1) e 127º, n.º 3 do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores e 1º, n.º 1 da Lei n.º 23/2009, de 21 de maio e artigo 1º, n.º 4 da Lei de Bases do Sistema Educativo.
*
Isto posto, seja com fundamento na inconstitucionalidade (ponto IV. 1), seja com fundamento em ilegalidade ponto IV.2), não podem os associados do requerente, que preencham os restantes requisitos, ser impedidos de apresentarem a sua candidatura ao concurso ou ser excluídos com fundamento na referida norma, ou seja, é de condenar a entidade requerida a admitir a apresentação de candidaturas dos associados do requerente que, preenchendo os demais requisitos, tenham prestado serviço docente efetivo com qualificação profissional, em pelo menos 365 dias, nos 3 anos imediatamente anteriores ao da data de abertura do concurso, em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo em estabelecimento público de educação na dependência da Região Autónoma dos Açores (Secretaria Regional da Educação e Formação)».
3. Foi desta decisão que o Ministério Público interpôs o presente recurso, por a mesma ter recusado «a aplicação do artigo 2º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de janeiro, com fundamento na sua inconstitucionalidade por violação do disposto nos artigos 5º, 6º, 13º, 47º, n.º 2, e 225º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, e na sua ilegalidade por violação do disposto nos artigos 7º, n.º 1 e 127, n.º 3, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, e 1º n.º 1, da Lei n.º 23/2009, de 21 de maio».
4. Notificado para alegar, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, concluindo o seguinte:
«49. O Ministério Público interpôs recurso nos presentes autos, da douta sentença neles proferida, na qual foi decidido, que:
“há que desaplicar a norma consubstanciada na parte do ponto IV, n.º 1, al. a) do Aviso n.º 1340-A/2013 do Ministério da Educação e Ciência e do artigo 2.º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de janeiro, com fundamento na violação do princípio da igualdade (artigos 13º, 47º, n.º 2 da CRP) e dos princípios do Estado unitário e da unicidade da cidadania portuguesa (artigos 5º, 6º e 225º, n.º 3 da CRP)”.
50. Mais foi nela decidido que:
“É, portanto, de concluir pela ilegalidade da norma concursal impugnada por violação dos artigos 7º, n.º 1, al. l) e 127º, n.º 3 do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, 1º, n.º 1 da Lei n.º 23/2009, de 21 de maio e 1º, n.º 4 da Lei de Bases do Sistema Educativo”.
51. O recurso do Ministério Público restringiu-se às apreciações da constitucionalidade e ilegalidade da norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º º do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de Janeiro, tendo excluído dessa apreciação a norma ínsita na alínea a) do n.º 1 do ponto IV do Aviso n.º 1340-A/2013 da Direcção-Geral da Administração Escolar.
52. O regime jurídico imposto pela norma em análise, estabelece um regime arbitrário e discriminatório no modelo de admissão ao concurso externo extraordinário para a seleção e o recrutamento de pessoal docente dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário na dependência do Ministério da Educação e Ciência, tratando de forma diferenciada docentes que tenham exercido funções, com qualificação profissional, em pelo menos 365 dias, nos 3 anos letivos anteriores ao da data de abertura do concurso, em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo, em estabelecimento de ensino dependente do Ministério da Educação e Ciência; e docentes que tenham exercido as suas funções com qualificação profissional, em pelo menos 365 dias, nos 3 anos letivos anteriores ao da data de abertura do concurso, em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo, mas em estabelecimento de ensino dependente da Região Autónoma dos Açores (e, bem assim, diga-se, da Região Autónoma da Madeira).
53. Consequentemente, há que concluir que a norma ínsita na alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de Janeiro, viola o princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, sendo, por tal razão, inconstitucional.
54. Para além disso, aquela norma viola, igualmente, o princípio da liberdade de acesso à função pública constante do n.º 2 do artigo 47.º da Constituição da República Portuguesa, sendo, também por este motivo, inconstitucional.
55. A norma sob escrutínio não viola, no nosso entender, os princípios constitucionais da cidadania portuguesa e do Estado unitário, extraíveis, segundo o Mm.º Juiz «a quo», dos artigos 5.º, 6.º e 225.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.
56. A norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de Janeiro, é, ainda, organicamente inconstitucional por violação do disposto, conjugadamente, nos artigos 18.º, n.º 2 e 3; e 165.º, n.º 1, al. b) da Constituição da República Portuguesa.
57. Verificando-se que a norma constante do disposto no artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2009, de 21 de Maio, não integra uma lei de valor reforçado, entendemos que não deve o Tribunal Constitucional conhecer do seu confronto com a norma plasmada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de Janeiro.
58. A norma em apreço – a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de Janeiro - é ilegal por violação do disposto na alínea l) do n.º 1 do artigo 7.º; e no n.º 3 do artigo 127.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, aprovado pela Lei n.º 39/80, de 30 de Agosto, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 2/2009, de 12 de Janeiro.
59. Em face do acabado de expor, deverá ser negado provimento ao presente recurso, no que concerne à desaplicação, pela douta sentença impugnada, da norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de Janeiro, por inconstitucionalidade resultante da violação dos princípios da igualdade e da liberdade de acesso à função pública (artigos 13.º e 47.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa); e, bem assim, subsidiariamente, por ilegalidade resultante da violação do disposto nos artigos 7.º, n.º 1, al. l) e 127.º, n.º 3 do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, aprovado pela Lei n.º 39/80, de 30 de Agosto, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 2/2009, de 12 de Janeiro.
60. No mais, entende-se que a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de Janeiro, não viola os princípios da cidadania portuguesa e do Estado unitário (artigos 5.º, 6.º e 225.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa); e, bem assim, que não deverá o Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre a alegada ilegalidade resultante da violação do disposto no artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2009, de 21 de Maio».
5. Notificado, o recorrido não contra-alegou.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Nos presentes autos foi requerida a apreciação do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de janeiro, ao abrigo das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, por violação do disposto nos artigos 5.º, 6.º, 13.º, 47.º, n.º 2, e 225.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), no artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2009, de 21 de maio, e nos artigos 7.º, n.º 1, e 127.º, n.º 3, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPARAA).
A Lei n.º 23/2009 – diploma que consagra a garantia de intercomunicabilidade entre os docentes provenientes das Regiões Autónomas com o restante território nacional – não é, porém, uma lei de valor reforçado (artigo 112.º, n.º 3, da CRP), o que obsta ao conhecimento da questão de ilegalidade posta ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
2. A disposição legal em apreciação tem a seguinte redação:
«Artigo 2.º
Requisitos de admissão
1 – Podem ser opositores ao concurso os candidatos que reúnam cumulativamente os seguintes requisitos de admissão:
a) Exercício efetivo de funções docentes com qualificação profissional, em pelo menos 365 dias, nos três anos letivos imediatamente anteriores ao da data de abertura do presente concurso, em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo decorrente da aplicação do Decreto-Lei n.º 35/2007, de 15 de fevereiro, e do Decreto-Lei n.º 20/2006, de 31 de janeiro.
b) (…)
c) (…)
2 – (…)».
A norma cuja inconstitucionalidade e ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie integra-se no Decreto-Lei n.º 7/2013, diploma que «estabelece um regime excecional para a seleção e o recrutamento do pessoal docente dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário na dependência do Ministério da Educação e Ciência», mediante «concurso externo extraordinário» (artigo 1.º, n.ºs 1 e 2). Foi reproduzida no ponto IV, n.º 1, alínea a), do Aviso n.º 1340-A/2013 do Ministério da Educação e Ciência, pelo qual foi declarado aberto o concurso externo extraordinário de seleção e recrutamento de pessoal docente nos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário (publicado no Diário da República, 2.ª série – N.º 19 – 28 de janeiro).
O Decreto-Lei n.º 7/2013 introduziu uma «fase extraordinária de seleção e recrutamento de pessoal docente com vista ao acesso à carreira em momento prévio ao concurso ordinário previsto no Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho» (Portaria n.º 22-A/2013, de 23 de janeiro, que fixa as vagas postas a concurso). Uma vez colocados, ao abrigo daquele diploma, os docentes ingressam na carreira em quadros de zona pedagógica (artigos 5.º e 6.º, n.º 1) e, segundo o artigo 7.º, n.º 1, do mesmo Decreto-Lei, «são obrigados, para efeitos de colocação em quadro de agrupamento ou de escola não agrupada, a serem opositores na qualidade de docentes de carreira de quadro de zona pedagógica no primeiro concurso interno a ser realizado após a entrada em vigor do presente diploma, previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho».
Ao estatuir que podem ser opositores a este concurso externo extraordinário os candidatos que reúnam, entre outros, o requisito do exercício efetivo de funções docentes com qualificação profissional, em pelo menos 365 dias, nos três anos letivos imediatamente anteriores ao da data de abertura do presente concurso, em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo decorrente da aplicação do Decreto-Lei n.º 35/2007 e do Decreto-Lei n.º 20/2006, a norma impede que sejam opositores ao concurso os que tenham exercido efetivamente funções docentes pelo tempo e com a qualificação profissional exigida, em estabelecimentos de ensino e educação da Região Autónoma dos Açores, em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo, celebrado com a Região. Tal decorre da circunstância de o regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo decorrente da aplicação daqueles dois diplomas pressupor o exercício de funções docentes em estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário na dependência do Ministério da Educação (artigos 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 35/2007, diploma que permite a celebração de contratos de trabalho para assegurar necessidades temporárias de serviço docente, e 4.º e 54.º e ss. do Decreto-Lei n.º 20/2006, na redação do Decreto-Lei n.º 51/2009, de 31 de janeiro, diploma que regula o concurso para seleção e recrutamento do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário).
O diploma onde é regulado o concurso para seleção e recrutamento do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário «aplica-se a todo o território nacional, sem prejuízo das especificidades dos processos de seleção e recrutamento do pessoal docente das Regiões Autónomas, os quais são regulamentados por diplomas emanados dos respetivos órgãos de governo próprio» (artigo 4.º). Na Região Autónoma dos Açores o Regulamento de Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário, atualmente vigente, foi aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 22/2012/A, de 30 de maio (tendo vigorado anteriormente o Decreto Legislativo Regional n.º 27/2003/A, de 9 de junho), em cumprimento do estabelecido no Estatuto da Carreira Docente dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário da Região Autónoma dos Açores, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 21/2007/A, de 30 de agosto.
Por seu turno, a Lei n.º 23/2009, de 21 de maio, consagra a garantia de intercomunicabilidade entre os docentes provenientes das Regiões Autónomas com o restante território nacional, dispondo o artigo 1.º, n.º 1, que «os docentes e educadores contratados ou pertencentes aos quadros de pessoal docente da rede pública das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores podem ser opositores a concurso de recrutamento e seleção para pessoal docente no restante território nacional em igualdade de circunstâncias com os docentes que prestem serviço no continente».
3. Na medida em que os que exerceram efetivamente funções docentes com qualificação profissional, em pelo menos 365 dias, nos três anos letivos imediatamente anteriores ao da data de abertura do concurso, em regime de contrato de trabalho em funções públicas, em estabelecimentos públicos de educação e ensino na dependência da administração regional autónoma, não podem ser opositores ao concurso externo extraordinário, a decisão recorrida recusou a aplicação do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 7/2013 com fundamento em inconstitucionalidade e ilegalidade.
Louvando-se em jurisprudência constitucional, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada começou por concluir pela violação do princípio da igualdade (artigos 13.º e 47.º, n.º 2, da CRP), por haver um «tratamento discriminatório, não justificado, entre docentes de escolas públicas sob a tutela do Ministério da Educação e Ciência e docentes de escolas públicas sob a tutela da Região Autónoma dos Açores». A decisão recorrida concluiu, ainda, pela violação dos «princípios do Estado unitário e da unicidade da cidadania portuguesa (artigos 5.º, 6.º e 225.º, n.º 3, da CRP)» e dos artigos 18.º e 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP, por a norma em causa não constar de lei ou de decreto-lei autorizado; bem como pela violação do artigo 7.º, n.º 1, alínea l), e 127.º, n.º 3, do EPARAA, do artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2009 e do artigo 1.º, n.º 4, da Lei de Bases do Sistema Educativo.
4. É já vasta a jurisprudência constitucional em matéria de violação do princípio da igualdade, tendo já incidido sobre a seleção e recrutamento de pessoal docente (assim, Parecer da Comissão Constitucional n.º 1/76 e Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 412/2002 e 232/2003, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Encerrando uma síntese sobre a jurisprudencial constitucional relativa ao princípio da igualdade lê-se no Acórdão n.º 232/2003 que:
«Pode assim concluir-se que o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República e de que o artigo 47º, nº 2 da nossa lei fundamental consagra uma projeção específica em matéria de acesso à função pública, proíbe diferenciações de tratamento, salvo quando estas, ao serem objetivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes, se revelem racional e razoavelmente fundadas. Tal proibição não alcança assim as discriminações positivas, em que a diferenciação de tratamento se deve ter por materialmente fundada ao compensar desigualdades de oportunidades. Mas deve considerar-se que inclui ainda as chamadas “discriminações indiretas”, em que, e sempre sem que tal se revele justificável de um ponto de vista objetivo, uma determinada medida, aparentemente não discriminatória, afete negativamente em maior medida, na prática, uma parte individualizável e distinta do universo de destinatários a que vai dirigida».
Seguindo este entendimento, o Tribunal não se pronunciou pela inconstitucionalidade do segmento da alínea a) do n.º 7 do artigo 25.º do Regulamento do Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensino Básico e Secundário, aprovado pelo artigo 1.º do Decreto da Assembleia Legislativa Regional dos Açores n.º 26/2003, que dava precedência na ordenação dos candidatos com habilitação profissional que aceitassem ser providos por um período não inferior a três anos aos que tivessem prestado pelo menos 3 anos de serviço docente, como docente profissionalizado no respetivo grupo ou nível de docência em escola da rede pública da Região Autónoma dos Açores. Mas já se pronunciou pela inconstitucionalidade, por violação dos artigos 13.º e 47.º, n.º 2, da CRP, da alínea c) do n.º 4 do artigo 23.º do Regulamento do Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensino Básico e Secundário, na redação provisória que lhe foi conferida pelo artigo 2.º do Decreto da Assembleia Legislativa Regional dos Açores n.º 26/2003. Nesta alínea previa-se, para poderem concorrer a provimento por período não inferior a três anos, que os candidatos satisfizessem a condição (alternativa) de terem prestado pelo menos 3 anos de serviço docente, como docente profissionalizado no respetivo grupo ou nível de docência em escola da rede pública da Região Autónoma dos Açores.
As pronúncias do Tribunal foram assim fundamentadas:
«Com o dispositivo em questão [o referido artigo 25.º, n.º 7] visa o legislador regional a “estabilização dos quadros docentes dos Açores com vista à promoção da educação e da qualidade do ensino na Região”.
Não está em causa a legitimidade do fim último prosseguido, que claramente se insere nas obrigações dos entes públicos regionais, assim como a adequação, para o efeito, do escopo instrumental utilizado pelo legislador: a estabilização dos quadros docentes da região. Não sofre contestação, na realidade, que uma rede escolar caracterizada pela presença de quadros dotados de estabilidade assegurará muito mais eficazmente a qualidade do ensino que uma outra em que os agentes de ensino mantenham apenas laços precários com a comunidade que a escola serve e onde por imperativo constitucional se deve achar inserida [artigo 74º, nº 2, alínea f),da C.R.P.]. O que levou o legislador a, no interior de cada categoria incluída na ordenação (candidatos providos em quadro de escola com nomeação definitiva; candidatos com habilitação profissional; e, no caso da candidatura aos quadros de zona pedagógica, candidatos com habilitações próprias), dar sistematicamente preferência àqueles candidatos que aceitem ser providos por um período não inferior a três anos. Questiona-se apenas a legitimidade das diferenças de tratamento que o referido nº 7 introduz no seio dos “candidatos com habilitação profissional que aceitem ser providos por um período não inferior a três anos”.
Tais dúvidas afiguram-se em princípio desprovidas de fundamento. Na verdade, as diferenças de tratamento assim introduzidas são meras preferências relativas que intervêm no interior de uma mesma categoria mais geral. E não constituem qualquer vedação de acesso à candidatura ao subgrupo de candidatos que delas não goza. Com efeito, todos os indivíduos com habilitação profissional que aceitem ser providos por um período não inferior a três anos podem candidatar-se e gozam inclusivamente de preferência na ordenação, nos termos referidos, sobre outras categorias de candidatos. O que o referido preceito se limita a fazer é a conceder preferência dentro dessa categoria a uma parte daqueles que nela se integram e que se podem prevalecer de uma especial ligação à Região Autónoma dos Açores definida nos termos da sua alínea a).
Não é desrazoável pensar que uma especial ligação aos Açores possa favorecer a radicação nesta Região e por aí a estabilização dos seus quadros docentes. Resta pois indagar se os termos por que tal ligação é concretizada desnaturam o objetivo prosseguido e, revelando-se arbitrários ou carecidos de adequada fundamentação, nos termos supra indicados, constituem uma discriminação constitucionalmente proibida em relação àqueles cuja candidatura é preterida pela atuação do comando que analisamos.
Tal afigura-se excluído no que tange à primeira condição de preferência consagrada (…).
O mesmo se diga das segunda e terceira razões de preferência a que alude a alínea a) do nº 7 do artigo 25º e que se referem, respetivamente, à prestação de pelo menos três anos de serviço docente, como docente profissionalizado no respetivo grupo ou nível de docência em escola da rede pública na Região Autónoma dos Açores, e à realização de estágio profissionalizante, mesmo quando este não seja remunerado, em escola da mesma rede. Trata-se aqui de elementos objetivos, reveladores de uma ligação à Região Autónoma dos Açores, que não envolvem qualquer privilégio de naturalidade, origem ou residência e cuja eleição, para os efeitos em vista, se enquadra pois manifestamente na liberdade de conformação que não pode deixar de ser reconhecida ao legislador.
(…)
3.2. Vejamos agora a norma do artigo 2º do Decreto da Assembleia Legislativa Regional nº 26/2003 na medida em que estabelece, para os procedimentos do concurso do pessoal docente da educação pré-escolar e ensinos básico e secundário para o ano 2003/2004, uma redação provisória para o nº 4 do artigo 23º do Regulamento.
Integrada na disposição relativa aos candidatos, aquela norma faz depender o concurso a provimento por período não inferior a três anos do preenchimento de uma, pelo menos, das condições (reveladoras, no entender do legislador regional, de uma especial ligação à Região Autónoma dos Açores) acima apreciadas no contexto do artigo 25º, nº 7 do Regulamento. Importa referir a este propósito que a aceitação do provimento por um período não inferior a três anos constitui, nos termos do artigo 25º do Regulamento, na redação que lhe é dada pela disposição transitória do artigo 2º do Decreto da Assembleia Legislativa Regional nº 26/2003, um critério de ordenação dos candidatos aos quadros de escola ou de zona pedagógica providos em lugar de escola ou de zona pedagógica com nomeação definitiva, e, apenas no caso dos concursos para os quadros de zona pedagógica, de ordenação dos candidatos com habilitação profissional e dos dotados de habilitação própria (que sofrem contudo a preferência dos anteriores).
Diferentemente do que acontecia com a disposição do Regulamento cuja conformidade ao princípio da igualdade se começou por analisar, os mencionados índices de ligação especial à Região Autónoma dos Açores não operam agora como fator de preferência relativa no interior de uma categoria, mas como condição de acesso a um tipo particular de concurso (o de provimento por período não inferior a três anos). Importa acrescentar que, nos termos da redação provisória do referido artigo 25º, é conferida prioridade, nos concursos para os quadros de escola e de zona pedagógica, aos candidatos providos em quadros de escola com nomeação definitiva e a candidatura a tal tipo de provimento é fator de preferência, nos concursos para os quadros de escola ou de zona pedagógica, entre os candidatos providos em quadros de escola com nomeação definitiva que neles ocupam a primeira posição, e, nos concursos para os quadros da zona pedagógica, no seio dos candidatos com habilitação profissional e dos que têm habilitação própria (que, por sua vez, sofrem a preferência dos anteriores).
Nestes termos, ao invés de constituir um critério relativo de prioridade no seio de uma categoria que ocupava um determinado lugar num processo de ordenação dos candidatos, como no artigo 25º, nº 7 do Regulamento, os mesmos fatores de revelação de uma pretendida ligação especial à Região Autónoma dos Açores constituem agora, para os concursos referentes ao ano escolar 2003/2004, na redação dada pela norma transitória do artigo 2º do Decreto da Assembleia Legislativa Regional nº 26/2003, ao artigo 23, nº 4 do Regulamento, verdadeiras condições de acesso a um tipo particular de concursos. Concursos estes que dão aos que a ele são admitidos ou posições de prioridade na ordenação dos candidatos aos quadros de escola ou de zona pedagógica, nos termos já referidos, ou que, para certas categorias (a dos candidatos com habilitação profissional), constituem a única possibilidade de acesso aos quadros de escola.
As condições referidas não consubstanciam nestes termos meras preferências relativas, mas autênticas condições de acesso a um particular tipo de concursos, discriminando, em violação do disposto no artigo 47º, nº 2 da Constituição, todos os candidatos que as não preencham, ao impedi-los de concorrer, com aqueles que se encontrem em situação funcional ou académica semelhante, a um provimento por período não inferior a três anos, que por sua vez constitui, como vimos, critério de prioridade na ordenação de candidatos ou condição de participação, para determinadas categorias de candidatos, em certos concursos.
Na verdade, os candidatos em que não concorram tais condições não podem sequer propor-se concretizar uma das finalidades assumidas da legislação regional em apreciação – a constituição de uma ligação estável ao ensino na Região Autónoma dos Açores – uma vez que ficam por aquela disposição impedidos de se candidatarem a um “provimento por período não inferior a três anos”.
Nestes termos, não pode a conformidade à Constituição daquela disciplina provisória deixar de ser rejeitada, por a sua aplicação envolver uma manifesta discriminação a favor daquelas categorias, discriminação que não logra basear-se em qualquer fundamento objetivo em favor dos candidatos que preencham as referidas condições. Com efeito, não se alcança desde logo em que medida é que a norma em questão serve a finalidade, declarada pelo legislador regional, de estabilização do corpo docente da Região, uma vez que veda a uma categoria de candidatos (os que não preencham as condições referidas e elencadas no artigo 23º, nº 4, na sua versão provisória) o acesso a um tipo de concursos que, precisamente por conduzirem a um provimento por duração não inferior a três anos, garantem uma particular estabilização do corpo docente. E não se vê em que é que o não preenchimento daquelas condições constitui um fundamento objetivo de afastamento dos candidatos por elas excluídos da possibilidade de concorrer a provimento por período não inferior a três anos e, portanto, de contribuírem nessa medida para a estabilização do corpo docente regional. Nem se alcança em que medida é que a circunstância, referida no preâmbulo do diploma a que nos reportamos, de, tendo já decorrido o prazo para entrega das candidaturas ao concurso para pessoal docente para o ano escolar de 2003/2004 entretanto aberto, se manter a respetiva tramitação, implica que a seleção dos candidatos nele devesse ser feita por critérios distintos dos consagrados em geral para o futuro pelo legislador regional no artigo 25º.
Nesta medida, não pode deixar de se considerar que a referida restrição ao acesso ao concurso de provimento por período não inferior a três anos carece de fundamento objetivo, contrariando aliás a finalidade que o legislador regional prossegue, e constitui uma limitação arbitrária dos direitos dos candidatos, ofendendo o princípio constitucional da igualdade».
5. O entendimento que se extrai desta decisão é transponível para os presentes autos.
De acordo com a norma em apreciação, os que exerceram efetivamente funções docentes com qualificação profissional, em pelo menos 365 dias, nos três anos letivos imediatamente anteriores ao da data de abertura do concurso, em regime de contrato de trabalho em funções públicas, em estabelecimentos públicos de educação e ensino na dependência do Ministério da Educação e Ciência, podem ser opositores ao concurso externo extraordinário, diferentemente dos que exerceram tais funções, pelo mesmo tempo, com a mesma qualificação e segundo o mesmo regime de contrato de trabalho, em estabelecimentos públicos de educação e ensino na dependência da administração regional autónoma.
Aquele índice de ligação especial ao território continental intervém como condição de acesso a concurso externo para ingresso na carreira docente através da colocação num quadro de zona pedagógica, tendo os docentes aí colocados «o direito de, no próximo concurso interno, concorrerem a par dos restantes docentes da carreira» (Exposição de motivos do Decreto-Lei n.º 7/2013; e, ainda, artigo 7.º deste diploma). Há aqui uma discriminação a favor destes docentes contratados que não se baseia, porém, em qualquer fundamento objetivo em favor dos candidatos que reúnam aquele requisito de admissão ao concurso, com violação do disposto nos artigos 13.º, n.º 1, e 47.º, n.º 2, da CRP.
Na Exposição de motivos daquele diploma é alegado que «a ligação objetiva dos candidatos ao sistema público de educação concretizado no exercício do seu trabalho prestado nas escolas que se encontram na dependência do Ministério da Educação e Ciência, constitui prerrogativa essencial para os candidatos poderem beneficiar do regime extraordinário estatuído no presente diploma». Mas daqui só pode fazer-se decorrer que constitui prerrogativa essencial a ligação objetiva dos candidatos ao sistema público, concretizado no exercício do seu trabalho prestado nas escolas. Abona neste sentido a razão de ser do concurso externo extraordinário: a «entrada de novos docentes na carreira que satisfaçam as necessidades reais e permanentes do sistema educativo apurados por grupo de recrutamento», quando tais necessidades, tendencialmente permanentes, vinham sendo satisfeitas com recurso à contratação a termo de pessoal docente.
Atenta a razão alegada pelo legislador para estabelecer um regime excecional para a seleção e o recrutamento do pessoal docente dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário na dependência do Ministério da Educação e Ciência, daquela passagem não pode fazer-se decorrer qualquer justificação para que sejam opositores apenas os candidatos que tenham prestado o seu trabalho nas escolas que se encontram na dependência deste Ministério. O objetivo específico de satisfazer as necessidades reais e permanentes do sistema educativo e o objetivo geral, também afirmado pelo legislador, de «melhoria do sistema educativo garantindo a sua maior eficácia» é prosseguido independentemente de os docentes com qualificação profissional terem exercido efetivamente funções (por determinado período, em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo) em estabelecimentos públicos de educação e ensino dependentes do Ministério da Educação e Ciência ou em estabelecimentos de educação e ensino da rede pública dependentes da administração regional autónoma.
Estes estabelecimentos também integram o sistema educativo, em nome do qual foi aberto o concurso externo extraordinário. De acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de outubro), diploma que incide, entre o mais, sobre organização, recursos humanos e materiais, administração, desenvolvimento e avaliação do sistema educativo, este sistema tem por âmbito geográfico a totalidade do território português – continente e Regiões Autónomas (artigo 1.º, n.º 4, primeira parte). Note-se que é da responsabilidade da administração central, entre outras, a função de conceção, planeamento e definição normativa do sistema educativo, com vista a assegurar o seu sentido de unidade e de adequação aos objetivos de âmbito nacional; e que os planos curriculares do ensino básico são estabelecidos à escala nacional (sem prejuízo de existência de conteúdos flexíveis integrando componentes regionais), tendo os do ensino secundário uma estrutura de âmbito nacional (podendo as suas componentes apresentar características de índole regional e local) – artigos 47.º, n.º 1, alínea a) e 50.º, n.ºs 4 e 5. A experiência profissional releva, por isso, da mesma forma, independentemente, portanto, do estabelecimento de educação e ensino, da rede pública, onde tenham sido exercidas funções docentes.
6. Em suma, na medida em que da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 7/20013 decorre uma diferenciação de tratamento que não é objetivamente fundada, há que concluir pela violação do princípio da igualdade. O Tribunal tem entendido, reiteradamente, que o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP – de que o artigo 47.º, n.º 2, é uma projeção específica, enquanto estatui que todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública em condições de igualdade, em regra por via de concurso – «não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento» Ponto é que sejam «‘razoável, racional e objetivamente fundadas’, sob pena de assim não sucedendo, ‘estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objetivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes’» (Acórdão n.º 563/96, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
7. O juízo de inconstitucionalidade com fundamento naquele parâmetro torna inútil a apreciação daquela disposição legal por referência às outras normas constitucionais indicadas no requerimento de interposição de recurso, bem como consome a apreciação da questão de ilegalidade, por violação dos artigos 7.º, n.º 1, e 127.º, n.º 3, do EPARAA.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se:
a) Não tomar conhecimento do objeto dos recursos interpostos ao abrigo das alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional;
b) Julgar inconstitucional o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de janeiro, por violação dos artigos 13.º, n.º 1, e 47.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa; e, em consequência,
c) Negar provimento ao recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.
Sem custas.
Lisboa, 16 de julho de 2013. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral (com declaração) – Joaquim de Sousa Ribeiro.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei a decisão, mas na convicção de que o fundamento para o juízo de inconstitucionalidade se encontra desde logo no n.º 2 (e não no n.º 1) do artigo 13.º da CRP. A diferença importa. Para verificar a lesão do princípio geral de igualdade necessita o Tribunal de demonstrar que, à evidência, as diferenças entre as pessoas ou entre os grupos de pessoas, que o legislador introduziu, não apresentam um qualquer fundamento racional que as legitime. O grau de escrutínio de que aqui se dispõe é, portanto, ténue. Mas já para verificar a lesão de princípios especiais de igualdade necessita apenas o Tribunal de demonstrar que o legislador não justificou suficientemente as diferenças que introduziu. O grau de escrutínio das medidas do legislador, de que dispõe nestas situações o juiz constitucional, é portanto maior do que aquele que ocorre quando se aplica o princípio geral da igualdade. Nas relações especiais de igualdade, sabe-se à partida que há certos fatores (aqueles identificados pelos princípios especiais) que não devem prima facie servir para causar, ou fundamentar, tratamentos jurídicos diferenciados. É o que se passa, a meu ver, com regimes que diferenciem o acesso a funções públicas em função da organização político-administrativa do território nacional. A convocação do direito consagrado no n.º 2 do artigo 47.º da CRP é suficiente para justificar a existência, aqui, de uma relação especial de igualdade, mais densa do que a decorrente do princípio geral contido no n.º 1 do artigo 13.º, e, por isso mesmo, menos restrita quanto à margem de apreciação que o Tribunal detém relativamente à medida legislativa. Argumentar que a categoria “território de origem”, identificada no n.º 2 do artigo 13.º, não é aplicável ao caso, não resolve, a meu ver, a questão. O n.º 2 do artigo 13.º da CRP não contém uma regra. Contém um princípio, que se distingue do princípio geral fixado no n.º 1 por ser a sede primeira das relações especiais de igualdade, algumas delas com reverberação noutros pontos do sistema constitucional.
Maria Lúcia Amaral.