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Processo n.º 201/13
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente a sociedade A., S.A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 30 de janeiro de 2013.
2. Pela Decisão Sumária n.º 333/2013, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«1. De acordo com o artigo 75.º-A, n.º 1, da LTC, o recorrente tem o ónus de indicar no requerimento de interposição de recurso a norma cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie.
Do requerimento de interposição de recurso e do respetivo aperfeiçoamento resulta que a recorrente pretende a apreciação da inconstitucionalidade da Portaria n.º 80/2006. Requer a apreciação de um diploma legal e não de uma norma concreta, sendo certo que quando o Tribunal decide recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC aprecia apenas a norma que tribunal recorrido aplicou como razão de decidir. E daí impender sobre o recorrente o ónus de indicar a norma cuja apreciação requer.
É assim de concluir que, não obstante o convite para aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso, a recorrente não satisfez um dos requisitos desta peça processual, em violação do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC. Não pode, pois, conhecer-se do objeto do recurso, o que justifica a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 2, da LTC).
2. De acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo Isto é: o conceito de norma jurídica é o elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto do mesmo (cf., entre outros, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Ao invocar a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra por violação do artigo 29.º, n.º 4, da Constituição, a recorrente estará a requer apreciação da conformidade constitucional da decisão judicial à luz deste parâmetro. Tal não pode, porém, ser apreciado e decidido por este Tribunal.
Não há, pois, que conhecer do objeto do recurso, também nesta parte, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC)».
3. Da decisão sumária vem agora a recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, com os seguintes fundamentos:
«A douta decisão não tomou conhecimento do recurso, por a Recorrente não ter indicado qual a norma concreta cuja apreciação se requer.
A) Da Portaria
A Portª nº 80/2006 apenas tem um artigo que fixa os limiares mássicos mínimos e os máximos das emissões de poluentes para atmosfera, fixando num asterisco do anexo regras específicas para quem utiliza como combustível o coque de petróleo.
Nada mais consta na portaria.
A recorrente considera que esta portaria e consequentemente a norma por si estabelecida viola os princípios constitucionais consagrados nos artigos 81, al. f) e artº 86 da C.R.P. da livre concorrência;
considerando ainda que existe uma constitucionalidade orgânica por violação dos artº 165, nº 1 , al. b); artº 198, nº l, al. b) da CRP por violar as regras de competência da assembleia de república e ainda o artº 112, nº 5 da CRP, por violação do princípio da proeminência da lei.
o artº 75-A da LTC impõe que o recorrente indique qual a alínea do nº 1 do artº 70 da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto (o que consta no recurso) e a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o tribunal aprecie;
o que na opinião da opinião da recorrente foi indicado, pois o diploma legal apenas tem uma norma jurídica;
os motivos de consideração da inconstitucionalidade apenas serão expostos nas alegações.
Pelo que deve considerado cumprindo o formalismo previsto no artº 75- A, do LCT e ordenado o prosseguimento processual do recurso.
B) Da apreciação da decisão judicial
A recorrente veio alegar que o acórdão do Tribunal da Relação Coimbra viola o artº 29, nº 4 da CRP, como tal deve ser declarada nulo.
As nulidades são de conhecimento oficioso, pelo que o Tribunal Constitucional, sendo um tribunal de recurso se pode pronunciar sobre a nulidade alegada (artº 48 da LTC)».
4. Notificado desta reclamação, o Ministério Público veio dizer o seguinte:
«2º
Efetivamente, invocando o recorrente a inconstitucionalidade da Portaria n.º 80/2006, de 23 de Janeiro, vem requerer a apreciação de um diploma legal e não de uma norma, sendo certo que o Tribunal Constitucional exerce a sua competência no controlo da constitucionalidade das normas.
3º
O recorrente vem agora dizer que a Portaria tem apenas um artigo que fixa os limites mássicos mínimos e máximos das emissões de poluentes para a atmosfera, fixando em asterisco do anexo regras específicas para quem utiliza como combustível coque de petróleo.
4º
Ora, o recorrente confunde preceito legal com normas, sendo que aquele é apenas o recipiente desta (Acórdão n.º 239/2002).
5.º
Diz-se ainda, a esse respeito no Acórdão n.º 611/2012:
“Evidentemente, a ciência jurídica não acolhe uma assimilação entre “preceito legal” – ou seja, o enunciado semântico que verbaliza o comando normativo – e “norma jurídica”, que daquele é extraída. Em suma, não se afigura bastante a identificação genérica de determinado “preceito legal”, antes se exigindo a descrição do específico conteúdo da interpretação normativa dele extraída”.
6.º
Tal bastaria para indeferir a reclamação.
7.º
Por outro lado, apesar da Portaria ter três artigos, aquele que efetivamente dispõe sobre a matéria em causa é o artigo 1.º.
8.º
Porém, os limites mássicos são fixados no anexo da Portaria, dela fazendo parte integrante.
9.º
Ora, nesse anexo, são reguladas as mais variadas situações.
10.º
Que era fundamental o recorrente ter identificado a específica dimensão normativa, pode ver-se, por exemplo, do Acórdão n.º 274/2012, que não julgou inconstitucional a Portaria n.º 80/2006, de 23 de Janeiro, na parte em que estabelece, no que respeita às instalações de combustão que consomem coque de petróleo como combustível, a obrigatoriedade de monitorização em contínuo das emissões de dióxido de enxofre (SO2) independentemente do caudal mássico.
11.º
Na presente reclamação, o recorrente já foi mais longe nessa identificação, embora não lograsse fazê-lo em condições.
12.º
No entanto, ainda que o tivesse feito de forma adequada, este já não seria o momento adequado para tal, pois esse teria sido o da resposta ao despacho-convite.
13.º
Quanto à segunda questão de inconstitucionalidade (nulidade do Acórdão da Relação, por violação do artigo 29.º, n.º 4 da Constituição), parece-nos óbvio que o recorrente pretenda ver apreciada a constitucionalidade da decisão, nada dizendo de relevante, quanto a esta parte, na reclamação.
14.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso por a recorrente não ter satisfeito um dos requisitos do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade. Apesar de ter sido convidada a aperfeiçoar esta peça processual, não indicou a norma cuja constitucionalidade pretendia ver apreciada (artigo 75.º-A, n.º 1, parte final da LTC).
Argumenta agora a reclamante que tal diploma legal – a Portaria n.º 80/2006, de 23 de janeiro – tem apenas um artigo, que fixa os limites mássicos mínimos e máximos das emissões de poluentes para a atmosfera, fixando num asterisco do anexo regras específicas para quem utiliza como combustível o coque de petróleo. Nada mais constando da Portaria, a reclamante sustenta que a indicação desta portaria e consequentemente da norma por si estabelecida, é suficiente para dar satisfação àquele requisito do requerimento de interposição de recurso. Sem razão.
A Portaria n.º 80/2006, da qual constam três artigos, é também composta por três tabelas em anexo, de onde decorre que estamos perante um diploma que é integrado por várias normas, autonomizáveis entre si, às quais poderão corresponder juízos distintos sobre a sua conformidade constitucional.
É disso mesmo significativo o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 274/2012, mediante o qual se decidiu não julgar inconstitucional a Portaria n.º 80/2006, de 23 de Janeiro, na parte em que estabelece, no que respeita às instalações de combustão que consomem coque de petróleo como combustível, a obrigatoriedade de monitorização em contínuo das emissões de dióxido de enxofre (SO2) independentemente do caudal mássico (disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Quando o Tribunal decide recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC aprecia apenas a norma que tribunal recorrido aplicou como razão de decidir, impendendo sobre o recorrente o ónus de indicar tal norma, o que manifestamente não sucedeu nos presentes autos. Há que confirmar, por isso, a decisão reclamada.
2. Foi também proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, na parte em que se invocava a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, por violação do artigo 29.º, n.º 4, da Constituição. Entendeu-se que, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir seu objeto.
Argumenta a reclamante que as nulidades são de conhecimento oficioso e que, sendo o Tribunal Constitucional um tribunal de recurso, deve pronunciar-se sobre tal questão.
Sem razão. Segundo os artigos 280.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa e 71º, n.º 1, da LTC, os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade são restritos à questão de constitucionalidade suscitada. O Tribunal Constitucional é o tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional.
Há que confirmar, pois, também nesta parte, a decisão reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 15 de julho de 2013. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria lúcia Amaral.