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Processo n.º 567/02
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A, B e C instauraram contra o REITOR DA UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA, 'nos termos do nº 3 do artº 383º do CPC e ao abrigo do nº 4 do artº 268º da Constituição, do artº 1º da LPTA, e do artº 381º do CPC, como dependência do processo de impugnação de normas (...) do Despacho reitoral nº 6/2001, de 6 de Julho de 2001 (...), uma providência cautelar não especificada' consistente na sua intimação, a título provisório, 'a definir, no quadro do ponto 4.4 do Despacho Reitoral n.º 6/2001, de 6 de Julho, como matérias da exclusiva competência do Conselho Científico da Faculdade de Arquitectura as relativas a: revisão curricular (alínea a) do n.º 1 do artigo 25º dos Estatutos da Faculdade de Arquitectura); definição dos júris a propor para provas de doutoramento e agregação (alíneas c) e f) do preceito anterior); propostas de abertura de concursos para vagas de professor e composição do respectivo júri (alínea e) do mesmo preceito); e distribuição do serviço docente (alínea m), ainda do mesmo artigo 25º dos Estatutos da Faculdade de Arquitectura); a serem decididas mediante convocação daquele Conselho ao abrigo do ponto 4.4 do Despacho Reitoral n.º 6/2001, de 6 de Julho – publicado no Diário da República, II Série, em suplemento ao dia 6 de Julho de 2001, sob o n.º 14232-A/2001'.
Por acórdão do Tribunal Central Administrativo de 2 de Maio de 2002, de fls. 338, o pedido foi indeferido, 'considerando que o meio processual ora deduzido não é plausível em face do ordenamento jurídico vigente'. Inconformados, os requerentes recorreram para o Supremo Tribunal Administrativo, que por acórdão de 11 de Julho de 2002, de fls. 410, confirmou a decisão impugnada, nos seguintes termos:
«(...)
1. O âmbito das providências cautelares não especificadas, agora designado por
'procedimento cautelar comum', está definido no art. 381° do CPCivil (...).
(...).
2. O recurso a providências cautelares não especificadas não se encontra previsto na LPTA nem no ETAF. No entanto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem-se pronunciado pela sua admissibilidade no contencioso administrativo, ao abrigo da remissão feita pelo art. 1° da LPTA, entendendo que não existem, face à actual redacção do n° 4 do art. 268° da CRP, quaisquer normas ou princípios de direito processual administrativo que obstem à utilização da providência cautelar não especificada, tal como está formulada na lei processual civil. Também a doutrina tem apontado nesse sentido, da legitimidade da convocação das providências cautelares no contencioso administrativo, entendendo corresponder tal posição à garantia de tutela jurisdicional efectiva consagrada com a revisão constitucional de 1997. Mas essa admissibilidade não é irrestrita, antes se contém, no actual quadro constitucional e legal, no âmbito da impugnação de actos administrativos, não sendo admissível a adopção de medidas cautelares conservatórias ou antecipatórias relativamente a actos de natureza normativa, como é o caso dos regulamentos administrativos.
2.1. Esta limitação resulta desde logo, de modo implícito, do próprio texto constitucional, concretamente do confronto dos nºs 4 e 5 do art. 268° da Lei Fundamental.
(...) Retira-se linearmente do teor do n° 4 (...) que apenas está prevista a adopção de medidas cautelares relativamente a actos administrativos, nenhuma alusão ali se descortinando a actos normativos ou regulamentares. Conclusão que resulta reforçada do confronto com o teor do nº 5, no qual se consagra a garantia de impugnação de normas administrativas, sem se mencionar, como se faz no nº 4, a possibilidade de adopção de medidas cautelares.
(...) Afigura-se, pois, perfeitamente consonante com a previsão do texto constitucional, mesmo após a revisão de 1997, a não inclusão na LPTA e no ETAF de qualquer procedimento cautelar (típico ou comum) relativo a actos normativos ou regulamentares. Deste modo, há que concluir que o acórdão sob impugnação não afrontou o princípio da tutela jurisdicional efectiva, não violando pois, contrariamente ao alegado, os arts. 20° e 268°, nºs 4 e 5 da CRP .
2.2. Por outro lado, e como genericamente se alude na decisão impugnada, é muito mais gravosa e complexa a anulação ou a paralisação da eficácia das normas
(dadas as suas características de generalidade, traduzida na indeterminação dos seus destinatários e na definição destes por meio de conceitos ou categorias universais, e de abstracção, consistente na previsão hipotética das situações objectivas, que se aplicam sempre que concorram os elementos típicos da previsão), do que a dos avulsos actos administrativos, por natureza individuais e concretos. Compreende-se pois que a lei não preveja (pelo menos, por enquanto) para os actos normativos o mesmo grau de impugnabilidade contenciosa prevista em geral para os actos administrativos, designadamente quanto aos meios cautelares. Daí a previsão contida no nº 3 do art. 11º do ETAF , (...).
(...) Ao regular por este modo o âmbito de eficácia da declaração de ilegalidade de normas, o legislador concilia, em sede de função normativa ou regulamentar, os interesses em confronto, utilizando uma fórmula, no dizer do acórdão recorrido
'manifestamente calibrada de modo a preservar o essencial da autonomia administrativa na função de produção de normas, sem alienar a margem de controle judicial havida por indispensável'.
É evidente que a mera retroactividade dos efeitos cassatórios da declaração de ilegalidade de normas não bastará, em certos casos, como alegam os recorrentes, para eliminar eventuais efeitos lesivos que a paralisação da norma (por via cautelar) poderia evitar. Mas essa é, como vimos, uma solução de compromisso do ordenamento jurídico, que, não reconhecendo, por princípio, e pelas razões já apontadas, a admissibilidade de procedimentos cautelares relativamente a actos normativos, admite, em casos excepcionais de interesse público, a retroactividade da declaração de ilegalidade de normas, como forma de salvaguardar especiais situações de lesividade provocada pela aplicação das normas em causa. A solução contida neste preceito do ETAF demonstra assim, igualmente, em termos de coerência sistemática, a inadmissibilidade de procedimentos cautelares relativamente a actos normativos ou regulamentares, não resultando assim qualquer violação, por parte do acórdão recorrido, do apontado preceito legal.
2.3. Refira-se ainda que o pedido de providência cautelar formulado pelos recorrentes comportava, como se disse já, a suspensão parcial do determinado no n° 4 do despacho e, simultaneamente, a intimação da autoridade requerida para proferir regulamentação a definir um novo regime de competências do Conselho Científico. Ora, em termos de procedimentos cautelares típicos previstos na LPTA, é sabido que o nosso ordenamento jurídico não permite a suspensão judicial de eficácia de diplomas regulamentares ou de quaisquer actos emitidos por órgãos administrativos que não sejam actos administrativos individuais e concretos (Ac. STA de 26.01.93 - Rec. 31.530), e que o procedimento de intimação judicial para comportamento só é admitido relativamente a particulares ou concessionários, não podendo ser dirigido contra autoridades administrativas (art. 86°). Também pois por esta via, como bem se decidiu, era inadmissível a adopção das requeridas providências cautelares.
2.4. Quanto ao argumento do texto do novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos - CPTA (Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro), que, em matéria de impugnação de normas regulamentares, admite expressamente a possibilidade da suspensão da sua eficácia (art. 112.º, n.º 2, alínea a), in fine), cabe dizer que o mesmo é reversível, pois pode ser utilizado no sentido de que ali se consagra uma nova realidade normativa, justamente demonstrativa de que no actual quadro legal a mesma não tem cobertura. Estamos, na verdade, perante normas não interpretativas, mas sim perante normas inovadoras que vêem regular ex novo matérias já hoje previstas na LPTA e no ETAF. Seja como for, estamos perante um diploma que ainda não está em vigor, e que não pode, pois, servir de apoio a soluções não ditadas, antes repelidas, pelo ordenamento jurídico vigente. Improcedem, por conseguinte, as alegações dos recorrentes.»
2. De novo inconformados, os requerentes recorreram para o Tribunal Constitucional 'ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro', recurso esse em que pretendem ver apreciadas e julgadas inconstitucionais 'a interpretação restritiva do artigo 11º, n.ºs 1 e 3, do ETAF (Decreto-Lei n.º
129/84, de 27 de Abril) – constante do Acórdão ora recorrido – no sentido de não permitirem estes preceitos qualquer tutela cautelar acessória em processos de impugnação de normas e, in casu, vedarem a adopção de uma providência cautelar não especificada como meio acessório de um processo de impugnação de normas' e ainda 'a interpretação restritiva do artigo 1º da LPTA no sentido de a remissão para a lei de processo civil não abranger as providências cautelares não especificadas quando estas sejam acessórias de um processo de impugnação de normas'. No entender dos recorrentes as normas mencionadas, com a interpretação que lhes atribuem, 'violam frontalmente o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, consagrado, quer no n.º 1 do artigo 20º, quer nos n.ºs 4 e 5 do artigo 268º, ambos da Constituição – na medida em que o respeito por este princípio postula uma tutela cautelar adequada'.
Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as correspondentes alegações. Os recorrentes concluíram-nas deste modo:
1ª O recorrido Acórdão da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 11 de Julho de 2002, manteve o Acórdão proferido pela Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo que rejeitara um pedido de providência cautelar não especificada no quadro da aplicação subsidiária da lei de processo civil com o fundamento de que a lei processual administrativa não admite esse tipo de protecção acessória dos impugnantes de normas administrativas, circunscrevendo a tutela respeitante ao tempo do decurso da acção de impugnação à faculdade que assiste ao juiz de reportar os efeitos da declaração de invalidade da norma à data da entrada em vigor do diploma ou a um momento ulterior;
2ª O ora recorrido Acórdão da 1ª Secção do Contencioso Administrativo negou provimento ao recurso perante aquela interposto com o mesmo fundamento da inadmissibilidade das providências cautelares na acção de impugnação de normas administrativas;
3ª Segundo o Acórdão ora recorrido, resulta do próprio texto constitucional que a garantia da adopção de medidas cautelares adequadas não respeita à impugnação de normas emitidas pela Administração;
4ª E, assim sendo, segundo o Acórdão ora recorrido, não afronta qualquer garantia constitucional uma leitura do ETAF e da LPTA de acordo com a qual estes textos legislativos não consentem o emprego de qualquer procedimento cautelar em acessoriedade da impugnação de actos normativos ou regulamentares;
5ª Segundo o Acórdão ora recorrido, é, pelo contrário, a própria Constituição a justificar uma leitura do n.º 3 do artigo 11º do ETAF e do artigo 1º da LPTA segundo a qual estes diplomas não consentem o emprego de qualquer procedimento cautelar relativamente aos efeitos imediatos de normas emitidas pela Administração;
6ª O Acórdão sob recurso reconhece no entanto expressamente que a mera retroactividade dos efeitos cassatórios da declaração de ilegalidade de normas
(nos termos do aludido n.º 3 do artigo 11º do ETAF) não bastará, em certos casos, para eliminar eventuais efeitos lesivos que a paralisação da norma por via cautelar poderia evitar;
7ª Mas considera ainda assim ser essa solução de compromisso entre a necessidade de salvar especiais situações de lesividade provocada pela aplicação de normas e o modo de preservar o essencial da autonomia administrativa na função de produção de normas;
8ª Em suma, o Acórdão ora recorrido considera que o n.º 3 do artigo 11º do ETAF
«...demonstra..., em termos de coerência sistemática, a inadmissibilidade de procedimentos cautelares relativamente a actos normativos ou regulamentares...» e, por outro lado, que a remissão feita pelo artigo 1º da LPTA para a lei de processo civil não abarca a utilização de providências cautelares não especificadas no tocante à impugnação de normas;
9ª A decisão ora impugnada é recorrível para o Tribunal Constitucional e os recorrentes têm legitimidade;
10ª Com efeito, no Acórdão da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo sob recurso, a ratio decidendi reside na aplicação do artigo 11º, n.º 3, do ETAF e do artigo 1º da LPTA de acordo com uma interpretação destas regras que é desconforme com a garantia de tutela jurisdicional administrativa efectiva resultante em particular dos artigos 20º, n.º 1, e 268º, n.ºs 4 e 5, da Constituição;
11ª E a inconstitucionalidade daquelas regras quando de tal modo interpretadas fora suscitada pelos recorrentes nas alegações do recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo de um Acórdão do Tribunal Central Administrativo que também incorria em tal interpretação desconforme à Constituição;
12ª No caso vertente, o entendimento inconstitucional das referidas regras processuais e administrativas assenta por seu turno numa leitura defeituosa da própria Constituição;
13ª Desde logo, o Acórdão sob recurso não extrai as ilações necessárias da circunstância de, à face do disposto no n.º 4 do artigo 268º da Constituição, a efectividade com que esse preceito qualifica a tutela jurisdicional administrativa por ele garantida incluir a admissibilidade abstracta da protecção acessória através de meios cautelares quando se verifiquem os respectivos requisitos específicos, centrados nas ideias de fumus boni iuris e periculum in mora;
14ª A efectividade da tutela jurisdicional não é compatível com a persistência de situações de indefensão por inexistência de meio processual capaz de proporcionar remédio à ofensa antes requerendo a existência de um leque de meios processuais que substanciam a omnicompreensividade da tutela;
15ª Portanto, na medida em que a exclusão genérica da admissibilidade da tutela cautelar permita a sedimentação, ao longo do decurso da acção de impugnação de norma, de consequências irremediáveis da ofensa por esta causada na esfera de particulares, tal exclusão atenta contra omnicompreensividade da tutela jurisdicional administrativa, ou seja, conta a sua efectividade;
16ª Por outro lado, a efectividade da tutela jurisdicional não passará de uma miragem quando os meios processuais não forem à partida adequados à remoção da ofensa dos direitos ou interesses legalmente protegidos;
17ª Mas, ainda que, à luz dos tipos de pronúncias jurisdicionais a que tendam, os meios processuais principais correspondam em princípio a necessidades de protecção, eles poderão ainda assim revelar-se inadequados (e, logo, não-efectivos) à remoção das lesões da esfera pessoal de administrados em consequência de o legislador os haver estruturado de um modo não funcional: é o que, nomeadamente, sucederá graças ao inexistente respaldamento do meio processual principal em meios acessórios indispensáveis à preservação da utilidade da pronúncia principal;
18ª Bastará, para que haja inefectividade, que o leque das providências cautelares se apresente com lacunas que deliberadamente deixem de fora situações tipicamente carecidas dessa protecção;
19ª Mas o Acórdão sob recurso pretende expressamente que a vontade do legislador de deixar sem protecção cautelar certos efeitos lesivos concretizados durante o decurso do meio processual principal não ofende a Constituição;
20ª Por outro lado, o Acórdão sob recurso também não vê desconformidade com a garantia constitucional de tutela jurisdicional efectiva na circunstância de um meio processual principal poder perder adequação para a remoção da violação de direitos por motivo de o legislador vedar quanto a ele o emprego acessório de meios cautelares;
21ª A verdade, porém, é que sem omnicompreensividade do leque de meios processuais e sem adequação da estruturação de cada um deles à remoção da lesão de direitos que se destina a reparar, não há efectividade da tutela jurisdicional;
22ª Logo, viola a garantia constitucional de tutela jurisdicional administrativa efectiva uma leitura (não imposta pela letra dos preceitos) dos artigos 11º, n.º
3, do ETAF e 1º da LPTA de acordo com a qual pode haver no Contencioso Administrativo actual tanto situações de fumus boni iuris e periculum in mora despojadas por lei de tutela cautelar como meios processuais principais totalmente desacompanhados de tutela cautelar;
23ª Aliás, a própria Constituição deixa hoje claramente expresso que não há tutela jurisdicional efectiva sem admissibilidade de medidas cautelares adequadas;
24ª O imperativo constitucional de efectividade da tutela jurisdicional é incompatível com a indisponibilidade de mecanismos de regulação interlocutória capazes de impedir a consumação de factos irreversíveis detrimentais da utilidade da sentença de fundo;
25ª É, aliás, jurisprudência firmada do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJ) o princípio da exigibilidade de providências cautelares eficazes como decorrência necessária do imperativo da efectividade da tutela jurisdicional dos direitos baseados no Direito Comunitário;
26ª Logo, a manter-se a actual jurisprudência dos tribunais administrativos, poderão estes vir a encontrar-se na delicada contingência da aplicação de níveis diferentes de protecção consoante o impugnante de uma norma administrativa e requerente de providências cautelares fundeia sua pretensão em direitos que tenham respectivamente por fonte o Direito Comunitário ou o Direito nacional;
27ª Essa dualidade de standards na tutela jurisdicional de direitos cujo conteúdo poderia nem diferir sequer, apesar de encontrarem a sua fonte ora no Direito Comunitário ora no Direito português, envolveria tratamento discriminatório ou arbitrário, com violação do artigo 13º da Constituição;
28ª Deste modo, ainda que fosse legítimo (e não o é) extrair do artigo 268º da Constituição a não imposição de tutela cautelar a favor dos impugnantes de normas administrativas, o princípio constitucional da igualdade forçaria em todo o caso à desaplicação das normas legislativas processuais que eventualmente recusassem tal tutela;
29ª A verdade, porém, é que a efectividade integra o conteúdo essencial do direito fundamental (análogo a direitos, liberdades e garantias) à tutela jurisdicional, reconhecido pelo artigo 268º da Constituição;
30ª Deste modo seria inconstitucional o n.º 3 do artigo 11º do ETAF se nele se devesse ler uma fórmula de preservação do interesse público de estabilidade das normas administrativas à custa do detrimento da efectividade do processo de impugnação de normas graças à inadmissibilidade do emprego acessório de meios cautelares;
31ª É que, sendo a efectividade um elemento do conteúdo essencial do Direito Fundamental à tutela jurisdicional administrativa e sendo a admissibilidade de tutela cautelar, quando esta se justifique, um elemento imprescindível da efectividade, a exclusão legislativa pura e simples da tutela cautelar representaria uma restrição do conteúdo essencial daquele não permitida pelo n.º
3 do artigo 18º, aplicável por força do disposto no artigo 17º da Constituição;
32ª E, ao contrário do que faz o Acórdão sob recurso, não pode pretender-se extrair da separação formal entre os enunciados dos n.ºs 4 e 5 do artigo 268º da Constituição a ilação de que a Lei Fundamental não estende à garantia de impugnação de normas administrativas imediatamente aplicáveis a conexa garantia de obtenção das medidas cautelares apropriadas;
33ª Tal entendimento baseia-se numa fruste exegese, toda ela assente na distribuição da enunciação da garantia da tutela jurisdicional ao longo de dois números de um extenso artigo quando a interpretação se deveria em primeiro lugar orientar pelos valores ou princípios materiais ordenadores referenciáveis na Constituição;
34ª Ora, é evidente que os n.ºs 4 e 5 do artigo 268º protegem um mesmo valor: o da preservação, através do providenciamento de uma tutela jurisdicional, da dignidade da pessoa humana cujos direitos ou interesses legalmente protegidos sejam lesados pela Administração;
35ª Mas esta preservação só é possível se a protecção for efectiva, com tudo o que isso implica, incluindo a disponibilidade de tutela cautelar quando ela se justifique;
36ª A afirmação lapidar – na parte inicial do n.º 4 do artigo 268º da Constituição – de garantia de tutela jurisdicional administrativa efectiva aplica-se a todas as formas de justiça administrativa e não apenas aos meios processuais possam corresponder aos tipos de pedidos referidos a título exemplificativo no mesmo preceito;
37ª E, como meio de proporcionar a efectividade garantida naquele início do n.º
4, a parte final do mesmo número, sobre tutela cautelar, articula-se necessariamente com todos os meios processuais principais utilizados para o desempenho da jurisdição administrativa;
38ª Aliás, a história do artigo 268º mostra que a distribuição da matéria da garantia de tutela jurisdicional administrativa por dois números, feita a partir de 1989, obedeceu sempre a conveniências de redacção e nunca ao propósito de desarticular a tutela em pólos revestidos de diferentes graus de efectividade;
39ª O entendimento contrário decorre do patente esquecimento do princípio da unidade da Constituição, que impõe a conjugação dos sentidos dos diversos preceitos da Lei Fundamental;
40ª O n.º 5 do artigo 268º tem de ser lido de acordo com a decisão fundamental formalizada na entrada do n.º 4 e parcialmente concretizada na parte final deste número;
41ª Não é, portanto, conforme à Constituição uma leitura do artigo 11º, n.º 3, do ETAF que nele encontra uma indicação de barramento da concessão de tutela cautelar aos impugnantes de normas administrativas imediatamente aplicáveis ainda mesmo quando se reunam os requisitos de tal forma urgente, sumária e provisória de protecção jurisdicional;
42ª É também desconforme à Constituição uma leitura do artigo 1º da LPTA que exclui da remissão que ali se faz para a aplicação subsidiária da lei do processo civil a permissão da aplicação das providências cautelares não especificadas do Código de Processo Civil em conexão com a impugnação de normas administrativas imediatamente aplicáveis.'
O recorrido contra-alegou, defendo a não inconstitucionalidade das normas impugnadas e exprimindo a sua concordância com a decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:
'I. O presente recurso relativo à inconstitucionalidade do artigo
11º do ETAF, na interpretação dada pelo Acórdão recorrido do STA, deve ser indeferido, pois o mesmo está de acordo com a correcta interpretação do artigo
268º da Constituição;
Com efeito, II. Não está previsto na Constituição, concretamente no artigo 268º, o recurso a providências cautelares quanto a regulamentos administrativos, mas apenas em relação a actos administrativos; III. Se o regime previsto no nº 4 deste artigo se aplicasse também aos regulamentos administrativos, o nº 5 deste artigo seria totalmente inútil, o que não é de crer num preceito que tem sido objecto de sucessivas alterações em sede de revisão constitucional; IV. Assim, e mesmo quando de acordo com o princípio da tutela efectiva seja conveniente a suspensão de regulamentos administrativos, caberá ao legislador ordinário regular os casos em que tal se deverá verificar'.
3. Por entender existirem razões susceptíveis de levar ao não conhecimento do recurso, a relatora fez notificar às partes o seguinte parecer, 'nos termos conjugados do disposto no nº 1 do artigo 704º do Código de Processo Civil e no artigo 69º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro', constante de fls. 538:
«(...)
2. O acórdão recorrido confirmou o acórdão do Tribunal Central Administrativo de
2 de Maio de 2002, de fls. 338, que indeferiu a 'providência cautelar não especificada' que os ora recorrentes requereram contra o REITOR da UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA (...).
3. Para negar provimento ao recurso, o Supremo Tribunal Administrativo considerou que, 'no actual quadro constitucional e legal', a admissibilidade de providências cautelares não especificadas 'não é irrestrita', limitando-se ao
'âmbito da impugnação de actos administrativos'. Não é, pois, 'admissível a adopção de medidas cautelares conservatórias ou antecipatórias relativamente a actos de natureza normativa, como é o caso dos regulamentos administrativos'. E foi directamente na Constituição que o Supremo Tribunal Administrativo começou, em primeiro lugar, por fundamentar tal inadmissibilidade. Assim, no ponto 2.1 do acórdão recorrido, considerou que 'Esta limitação resulta, desde logo, de modo implícito, do próprio texto constitucional, concretamente do confronto dos nºs 4 e 5 do art. 268º da Lei Fundamental'. Explicitando, o Supremo Tribunal Administrativo afirmou que se 'Retira(...) linearmente do teor do nº 4 (...) que apenas está prevista a adopção de medidas cautelares relativamente a actos administrativos, nenhuma alusão ali se descortinando a actos normativos ou regulamentares. Conclusão que resulta reforçada do confronto com o teor do nº 5, no qual se consagra a garantia de impugnação de normas administrativas, sem se mencionar, como se faz no nº 4, a possibilidade de adopção de medidas cautelares. Com efeito, o silêncio, no nº 5, do legislador constitucional, relativamente à possibilidade de adopção de 'medidas cautelares adequadas', acabada de incluir no número imediatamente precedente, só pode ter o sentido de uma admissibilidade limitada à impugnação de actos administrativos'. Em segundo lugar, o Supremo Tribunal Administrativo passou a fundamentar a referida inadmissibilidade 'em ser muito mais gravosa e complexa a anulação ou
(...) paralização da eficácia das normas (dadas as suas características de generalidade, traduzida na indeterminação dos seus destinatários e na definição destes por meio de conceitos ou categorias universais, e de abstracção, consistente na previsão hipotética das situações objectivas, que se aplicam sempre que concorram os elementos típicos da previsão), do que a dos avulsos
'actos administrativos, por natureza individuais e concretos' (ponto 2.2 do acórdão recorrido). Essas maiores gravidade e complexidade, continuou o Supremo Tribunal Administrativo, justificam que a lei ordinária também não reconheça 'a admissibilidade de procedimentos cautelares relativamente a actos normativos'.
É precisamente por não prever para os actos normativos 'o mesmo grau de impugnabilidade contenciosa prevista em geral para os actos administrativos, designadamente quanto aos meios cautelares' que o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na perspectiva do Supremo Tribunal Administrativo, permite, no nº 3 do seu artigo 11º, que o tribunal, ao declarar a ilegalidade de uma norma, possa nos termos daquele preceito referir 'à data da entrada em vigor da norma' a produção de efeitos da declaração. Este nº 3 representa, assim, 'uma solução de compromisso do ordenamento jurídico (...), como forma de salvaguardar especiais situações de lesividade provocada pela aplicação das normas em causa'. E, a concluir a fundamentação da decisão de confirmação do indeferimento, o Supremo Tribunal Administrativo referiu 'ainda' que 'é inadmissível a adopção' das requeridas providências cautelares' porque, comportando 'a suspensão parcial do determinado no nº 4 do despacho' do Reitor da Universidade Técnica de Lisboa
'e, simultaneamente, a intimação da autoridade requerida para proferir regulamentação a definir um novo regime de competências do Conselho Científico', não pode ser deferida 'em termos de procedimentos cautelares típicos previstos na LPTA', porque 'o nosso ordenamento jurídico não permite a suspensão judicial de eficácia de diplomas regulamentares (...)' e porque 'o procedimento de intimação judicial para comportamento só é admitido relativamente a particulares ou concessionários, não podendo ser dirigido contra autoridades administrativas
(art. 86º). Também pois por esta via, como bem se decidiu, era inadmissível a adopção das requeridas providências cautelares' (ponto 2.3 do acórdão).
4. Parece, assim, resultar da análise do acórdão recorrido que não foi nas normas impugnadas perante o Tribunal Constitucional que o Supremo Tribunal Administrativo se baseou para decidir; e, que, aliás, lhes não deu a interpretação que os recorrentes acusam de violar a Constituição. No que respeita ao artigo 1º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, o acórdão recorrido apenas se lhe refere para notar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem considerado admissíveis providências cautelares não especificadas 'ao abrigo da remissão feita pelo artº 1º da LPTA' por não existirem, 'face à actual redacção do nº 4 do art. 268º da CRP, quaisquer normas ou princípios de direito processual administrativo que obstem à utilização da providência cautelar não especificada, tal como está formulada na lei processual civil' – ou seja, no âmbito da impugnação contenciosa de actos administrativos. Não parece, deste modo, possível sustentar que o fundamento para a confirmação da decisão de indeferimento da providência requerida se encontra na aplicação implícita deste artigo 1º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. Com efeito, trata-se de uma norma que apenas define qual é o direito subsidiariamente aplicável em caso de lacuna do próprio diploma que a contém e da 'legislação para que ele remete', e não de uma norma que torne, por si mesma, aplicável um determinado regime. Ora o que o Supremo Tribunal Administrativo parece ter entendido, com base numa análise textual do artigo 268.º da Constituição corroborada por argumentos de interpretação teleológica, foi que não existe qualquer lacuna de regulamentação na Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, relativamente a medidas cautelares contra actos normativos. Não parece, assim, que a 'ratio decidendi' do indeferimento confirmado pelo acórdão recorrido decorra de uma determinada interpretação da norma do referido artigo
1º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. No que toca aos nºs 1 e 3 do artigo 11º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Supremo Tribunal Administrativo apenas os analisou
(explicitamente quanto ao nº 3, mas tendo implícito o confronto com o nº1) para utilizar o regime ali definido como argumento de 'coerência sistemática [com] a inadmissibilidade de procedimentos cautelares relativamente a actos normativos ou regulamentares', e não como fundamento dessa mesma inadmissibilidde.
5. Ora não tendo sido aplicadas as normas impugnadas – as quais, repita-se, o Supremo Tribunal Administrativo não interpretou com o sentido impugnado pelos recorrentes – pelo Supremo Tribunal Administrativo como ratio decidendi do indeferimento da providência requerida, não pode o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do presente recurso, como resulta da lei (artigo 79º-C da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro ) e o Tribunal tem repetidamente afirmado (cfr., a título de exemplo, os acórdãos nºs 311/94, 187/95 e 366/96, Diário da República, II Série, respectivamente de 1 de Agosto de 1994, 22 de Junho de 1995 e de 10 de Maio de 1996).
6. A terminar, cumpre ainda observar não integrarem o objecto do recurso as normas aplicadas pelo Supremo Tribunal Administrativo no ponto 2.3 do acórdão recorrido.»
4. Os recorrentes vieram pronunciar-se sobre este parecer, manifestando a sua discordância. No essencial, sustentaram que o parecer assenta numa incompreensão do acórdão recorrido, na medida em que atribui a este último o entendimento de que a Constituição proíbe a existência de tutela cautelar acessória de processos de impugnação de normas; essa interpretação não seria correcta (senão mesmo
'absurda'), pois que o que o Supremo Tribunal Administrativo teria entendido foi que as normas impugnadas no presente recurso, além de efectivamente aplicadas na decisão recorrida, o foram no sentido de determinar a inadmissibilidade de tal tutela. O recorrido nada disse sobre o parecer.
5. São os seguintes os textos das normas impugnadas: Artigo 11º, n.º 3, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril:
'3. Quando razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo assim o exijam, pode o tribunal em decisão especificamente fundamentada reportar os efeitos da declaração à data da entrada em vigor da norma ou a momento ulterior.' Artigo 1º da Lei de Processo no Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho:
'O processo nos tribunais administrativos rege-se pelo presente diploma, pela legislação para que ele remete e, supletivamente, pelo disposto na lei de processo civil com as necessárias adaptações.'
6. Resulta da leitura atenta do acórdão recorrido que estas normas, como se observou no parecer de fls. 538, nem constituíram a sua ratio decidendi , nem foram interpretadas com o sentido que os recorrentes lhes atribuem, o que, como no mesmo parecer se indica, impede que o Tribunal Constitucional conheça do objecto do recurso. Antes, porém, de analisar esta questão relativamente a cada uma das normas em causa, cumpre fazer duas observações às objecções feitas ao referido parecer. Assim, e em primeiro lugar, não é exacto que o parecer tenha feito a absurda interpretação do acórdão recorrido que consistiria em lhe atribuir o entendimento de que a Constituição proíbe a tutela cautelar acessória de processos de impugnação de normas. Na verdade, o que ali se afirma é que o acórdão recorrido considerou que a Constituição apenas prevê tal tutela relativamente à impugnação contenciosa de actos administrativos; e que, portanto, não é possível filiar a sua admissibilidade na Constituição. Imprevisão é, naturalmente, diferente de proibição. O que significa, adiante-se já, que não é aceitável atribuir-se ao parecer a conclusão de que o Supremo Tribunal Administrativo se teria pronunciado pela
'inconstitucionalidade global do artigo 103º do CPTA'. Em segundo lugar, não se pode confundir delimitação dos poderes jurisdicionais dos tribunais administrativos com definição do regime processual neles aplicável; ora, quando se trata de saber se é ou não admissível aquela tutela cautelar, está em causa a extensão dos poderes jurisdicionais, e não a definição do regime processual aplicável no seu exercício. Pretender retirar do artigo 1º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos a admissibilidade de tutela cautelar nos termos pretendidos pelos recorrentes, transformando uma norma sobre regime processual numa norma de definição de jusrisdição, implica tal confusão. A determinação do regime processual aplicável a determinados meios contenciosos pode ser feita através da remissão para normas de direito subsidiário, mas a definição dos próprios meios contenciosos, enquanto garantias integrantes da jurisdição administrativa e dos poderes do tribunal, não pode em caso nenhum ser feita a coberto de uma remissão genérica para o Código de Processo Civil.
7. No que toca em particular à norma contida no nº 3 do artigo 11º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, nada se diz na resposta ao parecer que justifique alterar o que ali se afirmou. Não se compreende, nomeadamente, como se pode entender não se ver «assim razão para concluir, sem que o Acórdão o tenha afirmado, que aquele preceito fora convocado apenas a título de 'argumento de coerência sistemática'» (ponto 10. da resposta), já que é o próprio acórdão recorrido que, expressamente, o diz, na passagem, que se volta a transcrever, com a qual conclui a referência a tal preceito: 'A solução contida neste preceito do ETAF demonstra assim, igualmente, em termos de coerência sistemática, a inadmissibilidade de procedimentos cautelares relativamente a actos normativos ou regulamentares, não resultando assim qualquer violação, por parte do acórdão recorrido, do apontado preceito legal' . Basta, aliás, ler o acórdão recorrido para se verificar que não foi efectivamente no artigo 11º (no nº 3, em especial), que se fundamentou a inadmissibilidade de providências cautelares acessórias de impugnação de normas; diferentemente, o que o Supremo Tribunal Administrativo fez foi considerar o regime de retroactividade definido no nº 3 como uma forma de evitar ou atenuar consequências desfavoráveis que podem ocorrer, justamente, dessa inadmissibilidade, a qual foi previamente deduzida de outras normas ou princípios jurídicos. Não foi, pois, aplicada pelo acórdão recorrido como ratio decidendi a norma contida no nº 3 do artigo 11º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o que impede que o Tribunal Constitucional conheça do objecto do recurso nesta parte.
8. Relativamente à norma do artigo 1º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, também nada se diz na resposta ao parecer que leve o Tribunal a afastar o que ali se observou. Reitera-se não ser exacto que, no mesmo parecer, se tenha afirmado que a Constituição seja 'fonte de uma interdição de tutela cautelar nos processos de impugnação de normas' (ponto 11. da resposta). Apenas se afirmou, repete-se, que o acórdão recorrido não encontrou na Constituição a fonte da sua admissibilidade, o que é obviamente diferente. Não se compreende o que se pretende afirmar quando, na resposta dos recorrentes, se diz que o acórdão recorrido, não encontrando na Constituição a interdição, mas considerando ser inadmissível tal tutela, teve de localizar a fonte da inadmissibilidade 'no ETAF e na LPTA'. Com efeito, em matéria de poderes jurisdicionais, não tem de ser procurada a fonte de uma proibição, mas sim a fonte da jurisdição; e foi essa fonte de jurisdição que o acórdão recorrido não encontrou, nem na Constituição, nem na lei ordinária. Para além disso, não é exacto que o acórdão recorrido tenha fundamentado aquela inadmissibilidade numa 'interpretação restritiva do artigo 1º da LPTA de acordo com a qual o conteúdo remissivo deste se deve considerar amputado de produção de efeitos no tocante à aplicabilidade de providências cautelares não especificadas relativamente a actos de natureza normativa' (ponto 11 da resposta). Independentemente de outras considerações, esta afirmação significa atribuir ao acórdão recorrido a confusão atrás apontada entre jurisdição e regime processual, confusão que, manifestamente, o acórdão não fez, pois apelou ao nº 4 do artigo 268º da Constituição para o efeito de fundamentar a admissibilidade de providências cautelares não especificadas no âmbito do contencioso relativo a actos administrativos. Não comportando a jurisdição administrativa, na óptica do acórdão recorrido, a mesma tutela 'relativamente a actos normativos', não se tornou naturalmente necessário recorrer ao referido artigo 1º. Não foi, assim, aplicado este preceito – que o Supremo Tribunal Administrativo, aliás, não interpretou com o sentido que os recorrentes afirmam ser inconstitucional – como ratio decidendi, não podendo, pois o Tribunal Constitucional conhecer do recurso também quanto a tal preceito.
9. Afirma-se, pois, a existência dos obstáculos ao conhecimento do objecto do recurso que, como hipótese, se adiantaram no parecer de fls. 538. Como igualmente ali se disse, não foram impugnadas outras normas; ora a verdade
é que o Supremo Tribunal Administrativo, não encontrando no ordenamento jurídico vigente qualquer norma que pudesse fundamentar a adopção de providências cautelares não especificadas, reguladas no Código de Processo Civil, recorreu aos 'procedimentos cautelares típicos' previstos na Lei de Processo nos Tribunais Administrativos para julgar o pedido formulado, que decompôs numa
'suspensão parcial do determinado no nº 4 do despacho' em causa e numa
'intimação da autoridade requerida para proferir regulamentação a definir um novo regime de competências do Conselho Científico'. Feita essa análise, o Supremo Tribunal Administrativo – aqui aplicando, embora sem a citar, a norma que define o âmbito da suspensão de eficácia – e referindo, agora expressamente, o artigo 86º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, julgou inadmissível 'a adopção das requeridas providências cautelares'. Tais normas, porém, não integram o objecto do presente recurso. Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide não conhecer do objecto do recurso. Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs por cada recorrente. Lisboa, 29 de Janeiro de 2003 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida