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Proc. nº 296/2002
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional I Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que figura como recorrente A e como recorrido o Vereador da Administração Urbanística da Câmara Municipal de Loures, o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 14 de Fevereiro de 2002, considerou o seguinte: A sentença recorrida rejeitou o recurso por ilegalidade na sua interposição porquanto, tendo o Senhor Advogado, signatário da petição, escritório na cidade de Lisboa que é a da sede do tribunal administrativo, a remessa da petição pelo correio registado, não releva para efeitos de fixação do prazo de interposição do recurso, nos termos do artº 150° do CPC96, atento o disposto no artº 35°, n°
5 da LPTA. Esta questão, a única que, como questão prévia, foi decidida na sentença recorrida, tem sido apreciada e decidida por este Supremo Tribunal reiteradamente no sentido daquela sentença, com fundamentos que inteiramente sufragamos (Cfr., entre outros, os Acs. do Pleno de 14.10.1999, rec. 42466; de
19.12.2001, rec. 48051; de 21 de Março de 2001, rec. 46753; de 10.07.2001, rec.
46597, e 9.10.2001, rec. 47999). Vejamos, pois, o que se julgou, sobre a mesma questão, no Ac. de 10.07.2001, rec. 46597, também subscrito pelo ora relator, não vindo aduzidas razões susceptíveis de abalar a doutrina ali consagrada : Dispõe o n° 1 do artigo 150° CPC: Os articulados, requerimentos, respostas e as peças referentes a quaisquer actos que devam ser praticados por escrito pelas partes no processo podem ser entregues na secretaria judicial ou a esta remetidos pelo correio, sob registo, acompanhados dos documentos e duplicados necessários, valendo, neste caso, como data do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal. Por seu lado, o n° 1 do artigo 35° LPTA, estatui: Os recursos contenciosos são interpostos pela apresentação da respectiva petição na secretaria do tribunal a que é dirigida, salvo o disposto nos nºs 2 a 5. E o n° 5 do mesmo artigo : A petição pode ser enviada, sob registo postal, à secretaria do tribunal a que é dirigida, quando o respectivo signatário não tiver escritório na comarca da sede do tribunal. Final mente, o artigo 1° LPTA, diz que O processo nos tribunais administrativos rege-se pelo presente diploma, pela legislação para que ele remete e, supletivamente, pelo disposto na lei de processo civil, com as necessárias adaptações. Este o quadro legal em que devemos mover-nos. E a resposta parece ser fácil e consentânea com a sentença recorrida. Muito embora com a reforma de 1995, no processo civil – cujo regime de apresentação da petição de recurso era igual ao do artigo 35° LPTA – é deixada a faculdade de a apresentar na secretaria do tribunal ou a enviar pelo correio, sob registo, valendo, nestes caso, como data a da efectivação do respectivo registo postal, no contencioso administrativo, não existe tal faculdade para os advogados que têm escritório na sede do Tribunal, só sendo outrossim permitido o envio pelo correio registado quando o respectivo signatário não tiver escritório na comarca da sede desse tribunal. E não pode aqui aplicar-se o disposto no n° 1 do artigo 150° CPC, porque a aplicação do processo civil só se justifica supletivamente, isto é, quando o contencioso administrativo não dispõe de disciplina própria. Esta tem sido a jurisprudência deste STA, seja na secção do Contencioso Administrativo, seja no Tribunal Pleno. Contempla pois o transcrito preceito a única hipótese, ressalvada aliás no próprio n° 1 do artº 35º, em que a petição do recurso contencioso pode ser remetida – de forma regular – por via postal. Encontra-se assim afastada a aplicação, em tal matéria, da regra do n° 1 do artº
150° do CPC, pretendida pela recorrente, a qual faculta ao interessado, em qualquer circunstância, o envio por via postal de qualquer petição, articulado, requerimentos ou outras peças referentes a qualquer acto que deva ser praticado por escrito pelas partes em processo, considerando-se como data do acto processual aquela em que foi realizado o registo ao abrigo do qual o papel em causa foi enviado ao tribunal. Em contencioso administrativo, a petição do recurso contencioso só pode ser enviada por via postal (registada) à secretaria do tribunal a que é dirigida na hipótese contemplada no n° 5 do artº 35° LPTA, não possuir o signatário da petição escritório na comarca da sede do tribunal em causa. Aqui – mas só aqui – é que, de forma supletiva, na ausência de qualquer regra específica própria do contencioso administrativo, haverá que lançar mão do que a esse respeito dispõe no n° 1 do artº 150° do CPC, o qual ... considera como relevante para determinar a data do acto processual em causa aquela em que o respectivo registo postal foi realizado. Esta é a doutrina da sentença recorrida, a qual, considerando que o signatário da petição tem escritório em Lisboa sede do TAC e que o acto recorrido foi notificado ao recorrente em 19.01.2000 , funciona a regra geral do n° 1 do artº
35° da LPTA, ou seja, a petição devia ser apresentada na secretaria desse tribunal até ao dia 20.03.2000, considerando que o dia 19 fora domingo. Como só deu entrada em 22.03.2000, o recurso é intempestivo.
'A aplicação dos nºs 1 e 5 do artigo 35° LPTA, com a leitura que acaba de fazer-se, não viola, por outro lado, os princípios da igualdade, do acesso aos tribunais, nem posterga a defesa dos direitos e interesses da reclamante. Trata-se de opções do legislador ordinário que não contendem com os direitos referidos pela recorrente, impedindo o seu exercício, como é óbvio, ou sequer restringindo-os. A recorrente, ora reclamante, pelo facto de ter de apresentar a petição na secretaria deste STA, não ficou impossibilitada de exercer o seu direito ao recurso contencioso de um acta que pretende ilegal e, desse modo, ver reconhecida a ilegalidade pelo Tribunal. Tem domicílio profissional nesta cidade de Lisboa, onde o STA está igualmente sediado, e não demonstrando justo impedimento em apresentar atempadamente aqui a petição, nem tendo alegado escolhos difíceis de ultrapassar para exercitar aquele direito, não se vê em que a sua tarefa saia mais dificultada que a de advogado que tenha escritório fora de Lisboa, ainda que em comarca limítrofe e possa, assim, enviar a petição por via postal registada. Antes pelo contrário, este último terá que contar com as vicissitudes da opção postal escolhida, especialmente com os atrasos inerentes, que não são tão pouco frequentes assim. E a faculdade que a estes é concedida, não traduz um tratamento desigual beneficiário mas, diferentemente, pretende é aproximá-los dos domiciliados na sede da comarca para que não sofram, ou sofram o menos possível, os gravames da exterioridade. Além de que, claro está, sempre pode dizer-se que as situações são diferentes, razões por que colhem soluções diferentes, nem discriminatórias, nem desproporcionadas.'
2. A interpôs recurso de constitucionalidade, nos seguintes termos:
1. O art. 35° da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos (LPTA), que viola o direito fundamental de acesso à Justiça e o princípio da igualdade, tutelados nos arts. 20°, 268°, n° 4 e 13° da Constituição. Esta questão foi suscitada nas Conclusões 6ª e 7ª, apresentadas em 22.11.01, das Alegações de Recurso para Supremo Tribunal Administrativo.
2. Interpretar o regime processual da LPTA/CPC no sentido de permitir que possa ser proferida sentença sobre a nulidade do acto recorrido nos termos da decisão prevista no art. 54° da LPTA, designadamente sem que o Recorrente tivesse tido oportunidade de apresentar Alegações, implica uma violação dos arts. 13°, 20° e
268°, n° 4, da Constituição. Esta questão foi suscitada na Conclusão 9ª, apresentada em 22.11.01, das Alegações de Recurso para Supremo Tribunal Administrativo. A Relatora proferiu despacho do seguinte teor:
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que figura como recorrente A e como recorrido o Vereador da Administração Urbanística da Câmara Municipal de Loures, é submetida à apreciação do Tribunal Constitucional a norma do artigo 35º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos e o 'regime processual da LPTA/CPC no sentido de permitir que possa ser proferida sentença sobre a nulidade do acto recorrido nos termos da decisão prevista no artigo 54º da LPTA, designadamente sem que o recorrente tivesse tido oportunidade de apresentar alegações'. Ora, sendo o presente recurso interposto ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, o seu objecto só pode ser constituído por normas jurídicas. A questão indicada em segundo lugar (a que se reporta a um regime processual) não tem por objecto uma norma jurídica. Na verdade, nem no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade nem nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo o recorrente indicou uma qualquer norma que considerasse inconstitucional, apenas impugnando genericamente um regime processual. Assim, quanto a tal questão não se verifica o pressuposto processual consistente na suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade normativa, pelo que não se poderá tomar conhecimento de tal questão.
2. Notifique-se o recorrente para produzir alegações quanto à questão reportada ao artigo 35º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, suscitando-se a referida questão prévia, à qual o recorrente poderá responder, nos termos do artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional. O recorrente alegou, concluindo o seguinte:
21. Do que ficou exposto nos números antecedentes podem formular-se as seguintes conclusões:
1ª Ao estabelecer que as petições de recurso podem ser enviadas sob registo postal à secretaria do tribunal a que é dirigida, sendo a data da apresentação do recurso a data do registo postal, e ao exceptuar deste regime as petições subscritas por mandatário com escritório na comarca daquele tribunal (art. 35°, n° 5, da LPTA), caso em que a petição deve ser apresentada na secretaria do tribunal ou, pelo menos, a data da propositura do recurso é a data em que a secretaria do tribunal recebe o recurso (art. 35°, n° 5, da LPTA), esta norma é inconstitucional por violação da tutela conferida pelo direito fundamental de acesso ao Direito, aos Tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva e pelo princípio da igualdade, tutelados nos arts. 20o, 268°, n° 4 e 13° da Constituição.
2ª A exigência da norma sub judice relativamente aos mandatários com escritório na comarca da sede do tribunal competente não respeita a tutela do direito fundamental de acesso aos tribunais, pois, num cenário jurídico-processual em que o legislador já aceita que as peças processuais sejam enviadas para tribunal por registo postal, fax ou por meios informáticos (art. 150º do CPC), a exigência de que o mandatário se desloque à secretaria do tribunal para apresentar a peça processual (ou o seu envio por via postal suficientemente atempado de modo a ser recebido no tribunal antes do prazo terminar) constitui:
(i) uma exigência social e temporalmente desadequada e ultrapassada – na actual sociedade de informação/comunicação os mandatários já não se deslocam aos tribunais para entregar petições de recurso; (ii) um requisito jurídico-processual formal, desnecessário, desadequado e desproporcionado, em especial quando articulado com a sanção para o seu incumprimento, o que dificulta e impede hoje o acesso aos tribunais, violando a ideia de um processo justo (due process of law); (iii) uma ofensa à ideia de uma necessária Constituição aberta às estruturas sócio-jurídicas que, em cada tempo, se pretendem tuteladas e a uma interpretação actualista dos direitos fundamentais aí consagrados, designadamente do acesso aos tribunais.
3ª No preâmbulo do Decreto-Lei n° 329-A/95, de 12 de Dezembro, que alterou o regime do Código de Processo Civil, o legislador foi bem claro nos seus propósitos densificadores do direito fundamental de acesso aos tribunais num regime que constitui, na dogmática e na lei, a referência geral e estruturante do direito processual: i. 'O direito de acesso aos tribunais envolverá identicamente a eliminação de todos os obstáculos injustificados à obtenção de uma decisão de mérito, que opere a justa e definitiva composição do litígio, privilegiando-se assim claramente a decisão de fundo sobre a mera decisão de forma'; ii. 'Como concretização desta ideia, importará fazer especial referência
à revogação dos preceitos que, no regime vigente, condicionam o normal prosseguimento da instância e a obtenção de uma decisão de mérito (...)'; iii. em especial quanto ao regime estabelecido no art. 150o do CPC e ao envio postal de peças processuais, como necessária densificação do art. 20º da Constituição, o legislador foi bem explícito: '... faculta-se às partes – no sentido de poupar inúteis deslocações a juízo e descongestionar as secretarias judiciais de um excessivo afluxo de pessoas – a remessa pelo correio, sob registo, directamente ao tribunal competente, de quaisquer peças ou documentos, valendo como data do acto a da expedição daquele registo postal' (o sublinhado é nosso).
4ª 0 art. 35°, nºs. 1 e 2, da LPTA viola também o princípio da confiança dos cidadãos no sistema jurisdicional, como dimensão essencial do direito fundamental de acesso aos tribunais, pois estando o direito de acesso aos direitos plenamente assegurado em espaços processuais referência e estruturantes
(art. 150º do CPC), noutros domínios processuais, sem qualquer justificação relevante, ainda vigoram regras de outros tempos, definitivamente ultrapassadas, que dificultam ou impedem o acesso aos tribunais.
5ª A restrição estabelecida no art. 35°, nºs. 1 e 5, da LPTA relativamente aos mandatários com escritório na comarca da sede do tribunal competente não se encontra expressamente prevista na Constituição nem esta lei fundamental pode suportar por qualquer forma a exigência sub judice, pelo que resulta violado a força jurídica do direito fundamental de acesso aos tribunais com a força jurídica estabelecida no art. 18° da Constituição. Do mesmo modo, esta exigência não se limita ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, pois não se vislumbram quaisquer valores, interesses ou situações jurídicas que poderiam pretender-se salvaguardadas com a letra do art. 35°, nºs. 1 e 5, pelo que se conclui por um definitivo juízo de incompatibilidade com o direito fundamental de acesso aos tribunais tutelado nos arts. 20º e 268°, n° 4, da Constituição, como análogo aos direitos, liberdade e garantias.
6ª O art. 35°, nºs. 1 e 5, da LPTA viola ainda o direito fundamental de acesso aos tribunais em condições de igualdade para todos os cidadãos e situações processuais sem suficientes/relevantes factores distintivos, pois permite a alguns cidadãos e mandatários determinados meios de acesso aos tribunais que nega a outros sem que se verifiquem aqueles factores distintivos. Assim, um regime mais gravoso (i) para os administrados cujos mandatários tenham escritório na comarca da sede do Tribunal do que para os administrados que sejam representados por mandatários com escritório fora dessa comarca; (ii) para os mandatários que tenham escritório na comarca da sede do Tribunal do que para mandatários com escritório fora dessa comarca; (iii) um regime mais gravoso para os administrados/mandatários que litigam com a Administração Pública nos tribunais administrativos do que aqueles que são remetidos pelo legislador, ainda no âmbito de relações jurídico-administrativas, para os tribunais judiciais (v.g. expropriações); (iv) em suma, um regime mais gravoso para os administrados/mandatários do que para os cidadãos/mandatários que litigam entre si nos tribunais judiciais.
7ª O princípio da igualdade, designadamente no acesso dos cidadãos aos tribunais, exige 'tratamento desigual de situações desiguais, mas substancial e objectivamente desiguais «impostas pela diversidade das circunstâncias ou pela natureza das coisas» - e não criadas ou mantidas artificialmente pelo legislador' (JORGE MIRANDA) e a igualdade a atender não é uma mera igualdade formal mas uma igualdade conformada por vinculações jurídico-materiais (GOMES CANOTILHO), onde o arbítrio é vedado, pelo que este princípio, como se vem decidindo neste Tribunal Constitucional, proíbe diferenciações destituídas de fundamentação racional, à luz dos critérios axiológicos constitucionais (...), daí decorrendo que será exigível um tratamento diferenciado de duas categorias de situações quando existir justificação para tal num plano de justiça material.
8ª Assim, porque não existem fundadas/relevantes razões materiais para distinguir, no âmbito da remessa de peças processuais para o Tribunal, o processo judicial comum do recurso contencioso, as acções e demais meios processuais do contencioso administrativo face ao recurso contencioso de actos administrativos e o escritório do mandatário fora da comarca do que aí se situa, um regime com restrições e mais gravoso para os segundos viola a igualdade constitucional de acesso aos tribunais.
9ª Sob pena de ser reconhecida uma injustificada restrição do direito fundamental de impugnar actos administrativos e de aceder aos tribunais administrativos em condições de igualdade (arts. 20° e 268°, n° 4, da Constituição), o art. 35°, n° 1, da LPTA deve considerar-se revogado pelo art.
150° do C PC na redacção da reforma de 1995 que, como regime estruturante do Direito Processual densificador daqueles preceitos constitucionais, permite o envio para tribunal de qualquer ponto do país sob registo postal de peças processuais e que considera como data do acto processual a do respectivo registo postal (o citado preâmbulo do Decreto-Lei n° 329-A/95, de 12 de Dezembro e as razões/princípios aí invocados são suficientemente esclarecedores quanto à teleologia e valores que este regime pretendeu servir).
10ª A revogação do art. 35° da LPTA pelo art. 150° do CPC resulta expressamente do art. 7°, nºs. 2 e 3, do CC, pois aquele preceito não era (nem é) lei especial e, em qualquer círcunstâncía, verifica-se uma incompatibilidade entre a lei nova
(art. 150° do C PC) e as disposições precedentes (art. 35° da LPTA) e a lei nova regula toda a matéria da lei antiga (remessa de peças processuais para o tribunal e data relevante para o cumprimento de prazos processuais).
11ª Ainda que o art. 35°, nºs. 1 e 5, da LPTA seja qualificado como lei especial, se se entender que não estamos perante uma intenção revogatória inequívoca da lei geral face à lei especial, sempre se dirá que a lei geral só não revoga lei especial quando, ao tempo da lei nova, subsistam as razões que fundamentam aquela especialidade normativa. Na verdade, se essas razões deixaram de se verificar face à disciplina geral, também não se poderá pretender aplicar o regime especial, sob pena de uma irrefutável incongruência normativa: aplicação de um regime especial, afastando o regime geral, que se fundamenta em pressupostos que não se verificam e que não diferenciam a situação do regime geral: 'Pode, por exemplo, a lei nova ter por objectivo justamente pôr termo a regimes especiais antigos que deixaram de se justificar. Se se puder chegar a esta conclusão, a lei especial antiga fica revogada pela lei geral (OLIVEIRA ASCENSÃO).
12ª Porque o Acórdão recorrido também interpretou e aplicou o art. 35°, nºs. 1 e 5, da LPTA no sentido de a petição de recurso dever ser recebida na secretaria do tribunal competente no prazo de recurso, mesmo que enviada por via postal
(cfr. o ‘intempestivo’ da 3ª linha da pág. 8), verifica-se que a situação jurídico-constitucional do Recorrente que ficou exposta é em tudo idêntica, segundo critérios materiais, à decidida pelo Acórdão deste Venerando Tribunal n°
161/00, de 22,03.2000, Processo n° 224/99, que decidiu julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, a norma constante do n° 4 do artigo 78° do Decreto-Lei n° 267/85, de 16 de Julho, na parte em que manda contar o prazo para responder ao pedido de suspensão de eficácia a partir da data da expedição da notificação correspondente: o legislador está impedido de criar obstáculo que dificultem ou prejudiquem sem fundamento e de forma excessiva ou desproporcionada o acesso dos cidadãos aos tribunais em geral ou à justiça administrativa. O recorrido contra-alegou, tirando as seguintes conclusões:
1ª Não se verifica qualquer impossibilidade ou restrição do recorrente de exercer o seu direito, isto é, de aceder ao direito, aos tribunais e a ter uma tutela jurisdicional efectiva, só pelo facto de o signatário da petição de recurso, tendo escritório na sede da comarca do TACL, ter que apresentar a referida petição na secretaria do tribunal, até ao último dia do prazo, podendo apresentá-la, através de via postal, desde que assegure a sua entrada na secretaria do tribunal nesse último dia, pelo que não foram violados os Arts.
20° e 268°, nº 4, da C.R.P..
2ª Igualmente, o princípio da igualdade previsto no Art. 13°, da C.R.P . (em conjugação com os Arts. 20° e 268°, nº 4, da C.R.P.) não foi minimamente violado, não só porque o Art. 35°, nºs 1 e 5, da LPTA procurou afastar a desigualdade que existia entre advogados com escritório na sede da comarca onde o acto ía ser praticado e os que não tinham, já que para estes era mais gravosa a obrigatoriedade de apresentar a petição de recurso na secretaria do tribunal.
3ª O direito e o processo administrativos têm carácter e natureza profundamente diferentes do direito processual civil, pelo que se compadecem com regimes diferentes.
4ª Acresce que, ao recorrente era, ainda, facultada a possibilidade de apresentar a petição de recurso contencioso através de telecópia, até às 24 horas do último dia do prazo, se no prazo legal remetesse os respectivos originais ao tribunal.
5º O Art. 150°, do C.P.C., não revogou os nºs 1 e 5, do Art. 35°, da LPTA, já que esta é lei especial, acrescendo o facto de aquele dispositivo legal não ser aplicável 'in casu', pois não existe qualquer caso omisso.
Cumpre apreciar e decidir.
II Fundamentação
3. A Relatora, no despacho de fls. 152, transcrito supra, suscitou uma questão prévia relativa ao conhecimento do objecto do recurso na parte em que se refere ao regime processual da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos 'no sentido de permitir que possa ser proferida sentença sobre a nulidade do acto recorrido nos termos da decisão prevista no artigo 54º da LPTA, designadamente sem que o recorrente tivesse oportunidade de 'apresentar alegações', à qual o recorrente não respondeu nas alegações do recurso de constitucionalidade apresentado. Assim, pelas razões constantes do despacho indicado, não se tomará conhecimento de tal questão relativa ao regime processual da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.
4. O presente recurso tem, deste modo, por objecto a apreciação da conformidade
à Constituição do artigo 35º, nºs 1 e 5, da LPTA, nos termos do qual, a petição de recurso só pode ser enviada sob registo postal à Secretaria do Tribunal ao qual o recurso é dirigido quando o respectivo signatário não tiver escritório na comarca sede desse tribunal, devendo o signatário que tiver escritório nessa comarca entregar directamente a petição de recurso na Secretaria do Tribunal. Na perspectiva do recorrente, tal norma viola o disposto nos artigos 13º, 20º e
268º, nº 4, da Constituição.
5. O Tribunal Constitucional já julgou inconstitucionais normas que impõem encargos ou estabelecem restrições destituídas de fundamento material (cf. Acórdãos nº s 145/2001 – D.R., II Série, de 9 de Maio de 2001; e 161/2000, D.R., II Série, de 10 de Outubro de 2000). No entanto, em situações em que a diferença de tratamento legal assente num razão apreensível objectivamente e que não revele arbitrariedade ou privilégio injustificado, o Tribunal Constitucional tem considerado não haver violação de princípios constitucionais, nomeadamente o da igualdade (cf. Acórdão nº 381/91 – D.R., II Série, de 6 de Outubro de 1993). O artigo 35º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, estabelece que os recursos contenciosos são interpostos pela apresentação da respectiva petição na Secretaria do Tribunal competente. Esta é, pode dizer-se, a regra geral, também acolhida no Código de Processo Civil (cf. artigo 150º, nº 1, primeira parte, do Código de Processo Civil]. O nº 5 do mesmo artigo 35º consagra, porém, uma excepção a essa regra, permitindo que a petição seja enviada sob registo quando o signatário não tiver escritório na comarca da sede do tribunal. Trata-se, naturalmente, de uma solução que visa minimizar os inconvenientes decorrentes da distância entre o domicílio profissional do signatário da petição e o tribunal no qual deve ser apresentada a petição de recurso.
É verdade que o Código de Processo Civil consagra, a par da entrega da petição na secretaria, a possibilidade de envio da petição sob registo postal para o tribunal, independentemente da localização do escritório do signatário. Esta solução tem evidentes vantagens, uma vez que diversifica e simplifica os modos de entrega das peças processuais nos tribunais competentes. Contudo, a solução da questão de constitucionalidade objecto do presente recurso não assenta numa mera averiguação da existência de regras mais adequadas do que aquela que é apreciada. Com efeito, uma dada norma pode não conter a melhor solução configurável, não tendo de ser por essa circunstância necessariamente inconstitucional. Ora, a diferença de tratamento conferido a quem tem escritório na comarca sede do tribunal ao qual a petição é endereçada (que pode enviar a petição via postal) tem um fundamento objectivo: os advogados domiciliados fora da comarca sede do tribunal encontrar-se-iam numa situação de desvantagem, dado a entrega da peça processual na secretaria implicar uma deslocação que, em alguns casos, poderia ser significativa e redutora do próprio prazo processual. Por outro lado, o envio sob registo postal da peça processual coloca os advogados domiciliados fora da comarca sede numa situação de paridade em relação aos domiciliados na comarca, limitando as necessidades de deslocação às instalações dos correios. Apesar de outras soluções poderem ser concebidas, a verdade é que quem tem o domicílio profissional dentro da comarca não é, em geral, excessivamente onerado com a deslocação à Secretaria do Tribunal. Não se verifica, pois, qualquer violação do princípio da igualdade.
6. O direito ao recurso também não é violado, uma vez que o dever de entregar a peça processual na Secretaria do Tribunal em nada afecta o poder que o sujeito tem de utilizar os mecanismos processuais que a lei coloca ao seu dispor. Com efeito, a entrega das peças processuais constitui encargo do respectivo sujeito, sendo manifestamente improcedente sustentar a violação do direito ao recurso pela norma que estabelece que a entrega se faz na Secretaria do Tribunal. O artigo 268º, nº 4, da Constituição, que consagra a garantia da tutela judicial efectiva também não se encontra violado pela norma que consagra o encargo de a petição de recurso ter de ser entregue na Secretaria do Tribunal quando o respectivo signatário tiver escritório na comarca da sede do tribunal. É que esse encargo é absolutamente razoável e justificado, uma vez que corresponde ao modo normal de relacionamento entre os causídicos e os tribunais. A circunstância de existirem outros meios, nomeadamente tecnológicos, mais confortáveis não torna ilegítima a solução que pode considerar-se tradicional.
7. O recorrente desenvolveu considerações várias a propósito da alegada revogação do artigo 35º, nºs 1 e 5, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, operada pelo artigo 150º do Código de Processo Civil. A apreciação dessa questão pressupõe a interpretação do artigo 150º do Código de Processo Civil, questão que não se insere nos poderes cognitivos do Tribunal. Improcede, portanto, o presente recurso.
III Decisão
8. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao presente recurso, confirmando consequentemente a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs.
Lisboa, 29 de Janeiro de 2003 Maria Fernanda Palma Bravo Serra Mário Torres Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa