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Proc. nº 683/02 TC – 1ª Secção Rel.: Consº Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 – A, identificada nos autos, arguida nos autos nº 2/99.8/TOCB pendente no Tribunal de Instrução Criminal de Coimbra, viu indeferida uma diligência probatória (exame pericial às contas da instituição ofendida) por si requerida, com fundamento na falta de interesse para a instrução e ao abrigo do disposto no artigo 291º nº 1 do Código de Processo Penal.
A arguida recorreu deste despacho para a Relação de Coimbra; do respectivo requerimento transcreve-se o seguinte trecho (fls. 9):
'Requer consequentemente a V. Exª se digne admitir o Recurso interposto que recai sobre o despacho proferido, o qual apesar de ser um despacho irrecorrível (artº 291/1 do CPP) ofende o direito de defesa da Arguida, privando-a do exercício do contraditório, o que implica a sua inconstitucionalidade (cfr. artº 32/5 da Constituição da República Portuguesa)'.
O recurso não foi admitido com fundamento na irrecorribilidade do despacho impugnado nos termos do artigo 291º nº 1 do CPP (fls. 14).
A arguida reclamou então deste despacho para o Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra nos termos da peça de fls. 15, de que se extractam os seguintes trechos:
'É certo que os despachos judiciais interpostos ao abrigo do artº
291/1 do CPP não são recorríveis. Porém, no caso dos autos evidencia-se a necessidade urgente de ser tomada posição relativamente ao douto despacho que não admitiu a diligência suscitada pela arguida no âmbito da Instrução e que consistia no pedido de Exame Pericial às contas da Instituição.
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Assim sendo e não obstante as considerações que se deixam referidas, entende-se que a denegação 'in casu' da diligência suscitada pela Arguida viola o princípio do contraditório, sendo por tal motivo inconstitucional o artº 291/1 do CPP na medida em que a mera invocação do referido dispositivo processual não justifica a decisão.'
Sobre a reclamação, foi proferido, pelo Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, despacho de não conhecimento, de que se extrai o seguinte trecho (fls. 19):
'A douta reclamação apresentada não se insurge contra o não recebimento do recurso apesar de citar o art. 291, nº 1 do C.P.Penal.
Ela insurge-se claramente apenas e só contra o indeferimento da diligência, que diz ofender o princípio do contraditório consagrado na Constituição: (transcreve-se, de seguida, o trecho da reclamação que acima se extractou).
Quer dizer, dúvidas não há de que a reclamação não impugna o não recebimento do recurso, mas apenas o despacho que indeferiu a diligência que se tem por inconstitucional.
Assim o entendeu, e bem, na sua resposta, a Irmandade.
Ora, como se vê do artigo 405º nº 1 do Código citado, reclama-se para o Presidente da Relação do despacho que não admitir ou que retiver o recurso.
O Presidente da Relação não tem jurisdição para sindicar, designadamente em termos de constitucionalidade, todas as demais decisões proferidas em 1ª instância. Ou seja, o Presidente da Relação não tem jurisdição para sindicar o despacho que indeferiu a diligência, ao qual se dirige a reclamação.
Nestes termos não conheço da reclamação.'
A arguida interpôs então recurso deste despacho para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da LTC, para apreciação da constitucionalidade do artigo 291º nº 1 do CPP (fls. 20).
O recurso não foi admitido, por despacho do Presidente da Relação de Coimbra (fls. 23), com fundamento em não ter sido aplicado no despacho recorrido
'qualquer norma de que possa agora discutir-se a constitucionalidade'.
É deste despacho que vem deduzida a presente reclamação.
Dela se extractam os seguintes passos:
'A questão não pode, salvo o devido respeito e melhor opinião, colocar-se nos termos em que foi colocada. Na verdade, não faria qualquer sentido deduzir-se reclamação do despacho que não admitiu o recurso interposto para o Meritíssimo Juiz Presidente da Relação, se como é o caso, não tivesse sido indeferido o recebimento do recurso que havia sido interposto. O que está em causa é, não só a decisão que não admitiu o recurso interposto do despacho que indeferiu a diligência, mas também a própria constitucionalidade do artº
291/1 do CPP ao abrigo do qual decisão foi proferida.
Dizer-se que não se tomou conhecimento da reclamação porque não foi aplicada qualquer norma de que possa agora discutir-se a constitucionalidade é inverter-se a questão, porquanto o que está em causa é não só a decisão inicial mas a norma ao abrigo da qual foi proferida, a qual na redacção que actualmente tem, é clara e ostensivamente redutora do direito de defesa dos arguidos, ainda que alguns pretendam negar a evidência.
Importa acentuar que a apreciação duma reclamação não implica sempre e necessariamente a apreciação da constitucionalidade de normas jurídicas. No caso vertente no entanto a reclamação tinha e tem na sua génese a inconstitucionalidade do artº 291/1 do CPP que foi oportunamente suscitada.
De facto, a constitucionalidade daquele dispositivo processual já havia sido suscitada em razão do despacho proferido pela Meritíssima Juiz do TIC que indeferiu a diligência requerida pela arguida, Na altura, acentuou-se que a denegação da diligência requerida pela arguida ofendia o princípio do contraditório na medida em que a arguida ficava impedida de demonstrara a sua inocência apesar dela se presumir.
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A observância do contraditório, cuja dimensão jurídica não pode ser escamoteada e desvalorizada, impunha que tivesse sido aceite e logo deferido o pedido da diligência que a arguida formulou, pois que até era a primeira vez que intervinha nos autos!
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Em suma: não obstante o Tribunal Constitucional venha considerando o artº 291º/1 do CPP constitucional, o facto de estar vedado à arguida o direito de recurso dos despachos interlocutórios proferidos em sede de instrução, quando como é o caso, está em causa a demonstração técnica de que os factos constantes da Acusação Pública não foram criticamente examinados, mas aceites sem discussão, como verdades apodícticas, implica necessariamente uma redução ou diminuição dos direitos de defesa de quem tem a posição de arguido.
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O Exmo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emite douto parecer no sentido de que a reclamação é manifestamente infundada.
Cumpre decidir.
2 – A reclamação é claramente improcedente.
Com efeito, é pressuposto do recurso interposto ao abrigo do artigo
70º nº 1 alínea b) da LTC que a norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada tenha sido aplicada na decisão recorrida como ratio decidendi.
No caso, pois, pretendendo a reclamante, no recurso interposto para o Tribunal Constitucional, a apreciação da constitucionalidade da norma ínsita no artigo 291º nº 1 do CPP, a questão é tão só a de saber se essa norma foi aplicada no despacho recorrido.
Ora, este despacho, como se deixou relatado, apreciou a reclamação deduzida pela arguida contra o despacho de não admissão do recurso interposto da decisão que indeferiu o requerimento de uma diligência instrutória com fundamento de ela não interessar à instrução.
A verdade é que, devendo a reclamante pôr então (na reclamação) em causa a constitucionalidade da norma que lhe vedava o recurso, toda a sua argumentação se dirigiu contra o indeferimento da diligência instrutória por ela requerida, o que violaria os seus direitos de defesa e o princípio do contraditório.
Nesta conformidade, compreende-se que o despacho que se pronunciou sobre a reclamação tenha concluído por uma decisão de não conhecimento; é que, dado o disposto no artigo 405º nº 1 do CPP, ao presidente da relação só compete sindicar o juízo formulado em 1ª instância de não admissão do recurso, devendo, no caso de a questão ter sido suscitada, pronunciar-se sobre a constitucionalidade da norma que prescreve a não admissibilidade do recurso.
Mas a reclamante suscitara, diferentemente, a constitucionalidade do indeferimento da diligência instrutória (nem aqui uma questão de constitucionalidade normativa, mas antes da própria decisão judicial de indeferimento) questão que, como bem se decidiu no despacho pertinente, não competia ao presidente da relação resolver, no âmbito da reclamação prevista no artigo 405º nº 1 do CPP.
Sendo assim, o despacho do Presidente da Relação de Coimbra recorrido, não conhecendo da reclamação com o fundamento exclusivo de o conhecimento da questão suscitada se não inserir no âmbito dos poderes que o artigo 405º nº 1 do CPP lhe confere, não faz aplicação, expressa ou implícita, da norma do artigo 291º nº 1 do CPP.
Não se mostrava, assim, preenchido o aludido pressuposto do recurso de constitucionalidade ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da LTC, pelo que bem decidiu o despacho de não admissão desse recurso, ora reclamado.
3 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs. Lisboa,6 de Dezembro de 2002 Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa