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Processo n.º 709/02
2.ª Secção Relator: Cons. Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. O recorrente A deduziu reclamação para a conferência, nos termos do n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro
(doravante designada por LTC), contra a decisão sumária de não conhecimento do presente recurso, subscrita pelo primitivo Relator.
Essa decisão sumária é do seguinte teor:
'l. A, Juiz de Direito, com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional, «ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro», do acórdão da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Março de 2002, «pois na decisão recorrida aplicou-se uma norma inconstitucional – o artigo 25.º, n.º 1, da LPTA». E acrescentou o recorrente no requerimento respectivo:
«Na decisão impugnada rejeitou-se o recurso contencioso, considerando-se que o acto impugnado não constituiria um acto administrativo definitivo e executório, nos termos do artigo 25.º da LPTA, em virtude de consubstanciar acto de execução de uma deliberação anterior. O artigo 25.º, n.º 1, da LPTA, interpretado no sentido que não é admissível recurso contencioso de um acto administrativo pela simples razão de se tratar de um acto de execução de outro anterior, não definitivo ou executório, independentemente de qualquer juízo sobre a sua lesividade, como é feito na decisão em causa, é uma norma inconstitucional e inaplicável in casu, por violação do artigo 268.º, n.º 4, da CRP e do direito de acesso à justiça e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Lei Fundamental. Anote-se que o requerente não teve qualquer oportunidade processual de suscitar a insconstitucionalidade da norma em causa, constituindo a sua aplicação in casu uma verdadeira decisão surpresa com que o recorrente não podia legitimamente contar.»
2. É facto que no acórdão recorrido decidiu-se «não tomar conhecimento do recurso [interposto pelo mesmo recorrente], por ser legalmente inadmissível», aderindo-se à «exposição» do Relator, «de harmonia com o disposto no n.º 3 do artigo 173.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais».
Acontece que nessa exposição foi seguido o entendimento do Ministério Público expresso no parecer de fls. 62 e seguintes dos autos, no qual se levantou a questão prévia de que «o interposto recurso é manifestamente ilegal», por não se estar «in casu perante um acto definitivo e executório».
Lê-se nesse parecer:
«6. Ora, in casu, o recurso vem interposto da deliberação do CSM que desatendeu reclamação do Ex.mo Recorrente relacionada com o despacho do Ex.mo Vice-Presidente do CSM de fls. 15, no qual lhe foi comunicado que devia deixar de imediato de exercer funções.
7. Tal despacho vinha na sequência do trânsito em julgado da deliberação que aposentara compulsivamente o Ex.mo Recorrente – cf. certidão remetida pelo CSM.
8. Consequentemente, segundo nos parece, a deliberação ora recorrida não se alicerça num acto administrativo definitivo e executório, consubstanciando apenas e tão-só a mera execução daquele acto sancionatório
(esse sim definitivo e executório), limitando-se a impor ao Ex.mo Recorrente o dever de cessar o exercício de funções, por força do artigo 106.° do EMJ.
9. Ora, de harmonia com o disposto no artigo 25.°, n.º l, da LPTA, aplicável subsidiariamente ex vi artigo 178.º do EMJ, nos recursos contenciosos
'só é admissível recurso dos actos definitivos e executórios'.»
Sobre essa questão prévia foi mandado ouvir o recorrente, que se pronunciou largamente no sentido da sua improcedência, «pelas seguintes razões»:
«a) O acto impugnado no presente recurso lesa directamente direitos e interesses legalmente protegidos do recorrente, conforme se referiu na petição de recurso, pois determinou que este deixasse de imediato de exercer funções como magistrado judicial, pelo que é recorrível nos termos do artigo 268.º, n.º
4, da CRP, sendo irrelevante apurar se se trata de um acto definitivo e executório; b) Do artigo 151.º do CPA e do princípio nulla executio sine titulo resulta que os actos de execução são em muitos casos passíveis de recurso contencioso, pelo que o recurso não pode ser considerado manifestamente ilegal com a simples invocação de que se trata de acto de execução de acto administrativo anterior; c) Em face da nulidade da deliberação de 21 de Janeiro de 1997, que não pode, assim, produzir quaisquer efeitos, não existe qualquer acto administrativo válido e eficaz que permitisse à entidade recorrida determinar que o recorrente deixasse de exercer funções, resultando assim inquestionável que o despacho de
26 de Setembro de 2001 e a deliberação recorrida que o confirmou violaram o disposto no artigo 151.° do CPA e o princípio nulla executio sine titulo; d) Sendo nula, a deliberação de 21 de Janeiro de 1997 não pode produzir quaisquer efeitos, nomeadamente, não pode servir de título para qualquer execução, o acto impugnado é directamente lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos do recorrente e não consubstancia a execução de qualquer acto administrativo válido anterior, pelo que o presente recurso encontra fundamento directo no artigo 25.° da LPTA e no artigo 268.°, n.º 4, da CRP; e) O recorrente imputou ao acto contenciosamente sindicado diversos vícios independentes e autónomos relativamente à deliberação de 21 de Janeiro de 1997, e, sendo assim, o presente recurso sempre terá assim de ser considerado plenamente admissível por força do disposto no artigo 151.°, n.º 4, do CPA.»
Ora, não se colhe de tais «razões» ou do próprio texto da resposta a suscitação de questão de insconstitucionalidade da norma em causa («o artigo
25.º, n.º 1, da LPTA»), qua tale, ou de uma sua dimensão interpretativa, e era nessa peça processual que o recorrente deveria ter confrontado o Supremo Tribunal a quo com tal questão (artigo 72.°, n.° 2, da Lei n.° 28/82, na redacção do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 13-A/98, de 26 de Fevereiro), não procedendo, assim, a invocação do recorrente de que a aplicação da norma constituiu «verdadeira decisão surpresa com que o recorrente não podia legitimamente contar».
Tanto assim que o acórdão recorrido, remetendo para a «exposição» do Relator, não tratou de nenhuma questão de insconstitucionalidade normativa formulada de modo processualmente adequado. Tanto basta para concluir que, face ao tipo de recurso de que se serviu o recorrente, não se verifica o pressuposto processual específico da suscitação de questão de insconstitucionalidade normativa durante o processo. Com o que, por falta desse pressuposto, não pode tomar-se conhecimento do presente recurso.
3. Termos em que, decidindo, não tomo conhecimento do recurso e condeno o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em cinco unidades de conta.'
2. Na sua reclamação, o recorrente desenvolveu a seguinte argumentação:
'1. Entendeu o Ex.mo Conselheiro Relator que não se verifica in casu o pressuposto processual específico da suscitação de questão de insconstitucionalidade normativa durante o processo.
Salvo o devido respeito, não podemos concordar.
No requerimento de interposição do presente recurso, o recorrente afirmou que:
«O recurso é interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º l, alínea b), da mencionada Lei n.º 28/82, pois na decisão recorrida aplicou-se uma norma inconstitucional – o artigo 25.°, n.º 1, da LPTA.
Na decisão impugnada rejeitou-se o recurso contencioso, considerando-se que o acto impugnado não constituiria um acto administrativo definitivo e executório, nos termos do artigo 25.° da LPTA, em virtude de consubstanciar acto de execução de uma deliberação anterior.
O artigo 25.°, n.º 1, da LPTA, interpretado no sentido que não é admissível recurso contencioso de um acto administrativo pela simples razão de se tratar de um acto de execução de outro anterior, não definitivo ou executório, independentemente de qualquer juízo sobre a sua lesividade, como é feito na decisão em causa, é uma norma inconstitucional e inaplicável in casu, por violação do artigo 268.°, n.º 4, da CRP e do direito de acesso à justiça e aos tribunais, consagrado no artigo 20.° da Lei Fundamental.
Anote-se que o requerente não teve qualquer oportunidade processual de suscitar a insconstitucionalidade da norma em causa, constituindo a sua aplicação in casu uma verdadeira decisão surpresa com que o recorrente não podia legitimamente contar.»
Com efeito, verifica-se que a decisão impugnada foi proferida na sequência da exposição de fls. 80 – da qual o recorrente nunca foi notificado – no sentido de não se conhecer do recurso contencioso, não tendo havido lugar a alegações finais nem a pronúncia sobre a questão da inadmissibilidade do recurso contencioso, tal como entendida pelo Tribunal a quo.
Por outro lado, a fls. 89 foi julgado inadmissível o recurso ordinário interposto pelo recorrente (vide fls. 87) do acórdão de 19 de Março de
2002.
Daí ter o recorrente considerado não ter tido a oportunidade processual de suscitar a questão da insconstitucionalidade da norma do artigo
25.°, n.º 1, da LPTA, na interpretação que dela foi feita pelo Tribunal, nem antes nem depois de a decisão ter sido proferida.
Cremos assim que, ao contrário do que entendeu o Ex.mo Conselheiro Relator, estamos claramente perante a situação a que alude o douto acórdão deste Tribunal Constitucional de 23 de Maio de 1997, no sentido de que «é de considerar dispensada a suscitação durante o processo – antes da prolação da decisão recorrida – da questão de inconstitucionalidade que constitui objecto do recurso quando a interpretação judicial adoptada se configure como insólita e imprevisível, contrariando as expectativas e a própria estratégia processual da parte, em termos tais que seria perfeitamente desrazoável impor-lhe o ónus de contar com essa interpretação» (Acórdão n.° 386/97; cf. Acórdãos n.º 74/2000, de
10 de Outubro de 2000, n.º 278/98, de 10 de Março de 1998, e n.º 1053/96, de 10 de Outubro de 1996).
2. Conclui ainda o Ex.mo Conselheiro Relator que a questão da insconstitucionalidade do artigo 25.°, n.º 1, da LPTA, devia ter sido suscitada na resposta à questão prévia levantada no parecer do Ministério Público de fls.
62 e seguintes, e que «não se colhe de tais 'razões' ou do próprio texto da resposta a suscitação de questão de insconstitucionalidade da norma em causa ('o artigo 25.°, n.º 1, da LPTA'), qua tale, ou de uma sua dimensão interpretativa».
Mais uma vez, não podemos deixar de manifestar a nossa discordância.
Em primeiro lugar, não é por o Ministério Público adoptar determinado entendimento que o recorrente há-de contar com uma decisão insólita e imprevisível por parte do tribunal.
Em segundo lugar, na sua resposta à questão prévia de fls. 62 e seguintes, apresentada em 14 de Fevereiro de 2002, o recorrente referiu expressamente o seguinte:
«Antes de mais, cumpre referir que, nos termos do artigo 268.°, n.º 4, da CRP, 'é garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas'.
Deste modo, qualquer interpretação do disposto no artigo 25.°, n.º 1, da LPTA que exclua o direito ao recurso contencioso de um acto administrativo lesivo de direitos tem de ser havida como constitucionalmente inadmissível.
Assim, e como bem afirma Santos Botelho, 'o que torna o acto administrativo recorrível não é o facto de ser ou não definitivo, mas o de lesar ou não direitos e interesses legalmente protegidos' (Contencioso Administrativo,
2.ª edição, pág. 96).
O acto impugnado no presente recurso lesa directamente direitos e interesses legalmente protegidos do recorrente, conforme se referiu na petição de recurso, pois determinou que este deixasse, de imediato, de exercer funções como magistrado judicial sem que estes actos estivessem suportados por normas jurídicas que permitissem tal medida ou por actos administrativos válidos e eficazes anteriores que assim decidissem.
Nesta conformidade, a recorribilidade deste acto não pode ser posta em causa.»
Mais adiante, e em jeito de conclusão, referiu-se:
«O acto impugnado no presente recurso lesa directamente direitos e interesses legalmente protegidos do recorrente, conforme se referiu na petição de recurso, pois determinou que este deixasse, de imediato, de exercer funções como magistrado judicial, pelo que é recorrível nos termos do artigo 268.°, n.º
4, da CRP, sendo irrelevante apurar se se trata de um acto definitivo e executório.»
Parece-nos que, em face do parecer de fls. 62 e seguintes dos autos, o recorrente não tinha o ónus de suscitar a inconstitucionalidade do disposto no artigo 25.°, n.º 1, da LPTA, tendo já em vista o pressuposto a que alude o artigo 72.°, n.º 2, da LTC.
É que o recurso para o Tribunal Constitucional cabe de decisões dos tribunais que apliquem normas inconstitucionais – ou normas interpretadas de modo tal que se tornem contrárias à Lei Fundamental –, sendo manifesto que o recorrente não pode ser onerado com a necessidade de invocar a inconstitucionalidade de normas que ainda não foram aplicadas nem interpretadas pelo tribunal, tanto mais que, no caso em apreço, e como se decidiu a fls. 89, não cabe recurso ordinário da decisão recorrida. Em qualquer caso, a entender-se, como entendeu o Ex.mo Conselheiro Relator, que era na resposta de 14 de Fevereiro de 2002 que «o recorrente deveria ter confrontado o Supremo Tribunal a quo com tal questão», não pode deixar de se considerar que a questão foi adequadamente suscitada, uma vez que, como já se referiu, o recorrente alegou expressamente que:
«Nos termos do artigo 268.°, n.º 4, da CRP, 'é garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas'.
Qualquer interpretação do disposto no artigo 25.°, n.º 1, da LPTA que exclua o direito ao recurso contencioso de um acto administrativo lesivo de direitos tem de ser havido como constitucionalmente inadmissível.
O acto impugnado no presente recurso lesa directamente direitos e interesses legalmente protegidos do recorrente, conforme se referiu na petição de recurso, pois determinou que este deixasse, de imediato de exercer funções como magistrado judicial sem que estes actos estivessem suportados por normas jurídicas que permitissem tal medida ou por actos administrativos válidos e eficazes anteriores que assim decidissem.
O acto impugnado no presente recurso lesa directamente direitos e interesses legalmente protegidos do recorrente, conforme se referiu na petição de recurso, pois determinou que este deixasse, de imediato, de exercer funções como magistrado judicial, pelo que é recorrível nos termos do artigo 268.°, n.º
4, da CRP, sendo irrelevante apurar se se trata de um acto definitivo e executório.»
Se o douto tribunal a quo não tratou de nenhuma questão de inconstitucionalidade, limitando-se a considerar que o acto contenciosamente sindicado não era contenciosamente recorrível, por não ser definitivo e executório, assim adoptando uma interpretação do artigo 25.°, n.º 1, da LPTA claramente desconforme com a Constituição, é uma situação que não pode de modo algum ser imputada ao recorrente, sobretudo em termos de restringir o seu direito ao recurso previsto no artigo 70.°, n.º 1, alínea b), da LTC.
3. Em face do exposto, parece-nos que o presente recurso é plenamente admissível.'
3. O recorrido Conselho Superior da Magistratura não apresentou resposta à reclamação.
Redistribuído o processo, por o primitivo Relator ter cessado funções neste Tribunal, cumpre apreciar e decidir.
4. A admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LCT – que foi o interposto pelo recorrente – depende da suscitação 'durante o processo' da inconstitucionalidade da(s) norma(s) aplicada(s) pela decisão recorrida e cuja conformidade constitucional o recorrente pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, esclarecendo o n.º 2 do artigo 72.º da mesma Lei que tal recurso só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer'.
Constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional que o apontado requisito só se pode considerar preenchido se a questão de constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido ter proferido a decisão final, pois com a prolação desta decisão se esgota, em princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido uniformemente entendido que, proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade ou o pedido da sua aclaração, rectificação ou reforma não constituem já meio adequado de suscitar a questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve
'lapso manifesto' do juiz quer na determinação da norma aplicável, quer na qualificação jurídica dos factos, nem desconsideração de elementos constantes do processo que implicassem necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida. E também, por maioria de razão, não constitui meio adequado de suscitar a questão de constitucionalidade a sua invocação, pela primeira vez, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade ou nas respectivas alegações.
Só assim não será nas situações especiais em que, por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade.
Expostos estes critérios, há que apreciar o mérito da reclamação deduzida.
O ponto fulcral desta reclamação consiste na defesa da tese – aliás, já adiantada no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade – de que 'o requerente não teve qualquer oportunidade processual de suscitar a insconstitucionalidade da norma em causa [ o artigo
25.°, n.º 1, da LPTA, interpretado no sentido que não é admissível recurso contencioso de um acto administrativo pela simples razão de se tratar de um acto de execução de outro anterior] , constituindo a sua aplicação in casu uma verdadeira decisão surpresa com que o recorrente não podia legitimamente contar'.
Este fundamento da reclamação é claramente improcedente.
A questão da rejeição do recurso com fundamento na apontada interpretação da norma do artigo 25.º, n.º 1, da LPTA, fora expressamente suscitada no parecer do Ministério Público, onde se lê: 'a deliberação ora recorrida não se alicerça num acto administrativo definitivo e executório, consubstanciando apenas e tão-só a mera execução daquele acto sancionatório [ a deliberação, não impugnada, que aposentara compulsivamente o recorrente] (esse sim definitivo e executório), limitando-se a impor ao Ex.mo Recorrente o dever de cessar o exercício de funções, por força do artigo 106.º do EMJ' e 'de harmonia com o disposto no artigo 25.º, n.º 1, da LPTA, aplicável subsidiariamente ex vi artigo 178.º do EMJ, nos recursos contenciosos «só é admissível recurso dos actos definitivos e executórios»'.
O subsequente acórdão da 'Secção de Contencioso' do Supremo Tribunal de Justiça, ora recorrido, ao acolher este entendimento, não pode, assim, considerar-se uma decisão surpresa com que o recorrente não pudesse legitimamente contar. E, como é inegável, o recorrente teve oportunidade processual para suscitar a questão da inconstitucionalidade daquela interpretação normativa na resposta que apresentou àquele parecer do Ministério Público.
Ora, nessa resposta, o recorrente, apesar de ter suscitado diversas questões de inconstitucionalidade normativa, devidamente individualizadas (refere, por exemplo, que 'os artigos 82.º, 85.º, n.º 1, alínea f), e 95.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais são claramente inconstitucionais'), nunca chegou a acusar directa e explicitamente a interpretação do artigo 25.º, n.º 1, da LPTA, no sentido da irrecorribilidade dos actos de mera execução, de padecer de inconstitucionalidade. Não o fez, pelo menos, em termos adequados a constituir o tribunal recorrido na obrigação de conhecer dessa questão, como o exige o n.º 2 do artigo 72.º da LTC.
5. Em face do exposto, e sem necessidades de considerações suplementares, acordam, em conferência, em indeferir a presente reclamação, mantendo o despacho reclamado.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 12 de Fevereiro de 2003. Mário José de Araújo Torres (Relator) Paulo Mota Pinto Luís Nunes de Almeida