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Processo nº 503/02
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, proferiu o Relator a seguinte DECISÃO SUMÁRIA:
'1. A, com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23 de Maio de 2002, que, ‘ao abrigo do art. 420ª, nº 1 do CPP’, decidiu ‘rejeitar o recurso por manifesta improcedência’, ou seja, o recurso por ele interposto da sentença da primeira instância que o condenou ‘como autor material, de um crime de desobediência, p. e p. artº 348º, nº 1 a) do C.P., na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 32.43 Euros, o que perfaz a quantia global de 2594.40 Euros ou Esc. 520 130$50, ou subsidiariamente na pena de 53 dias de prisão e, ainda, na proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria, por um período de 5 meses, nos termos do artº 69º, nº 1 c) do C.P.’, limitando-se no respectivo requerimento a referir a ‘parte’ do acórdão ‘em que se pronunciou sobre a matéria de direito, especificamente sobre a aplicação do Decreto Regulamentar nº 24/98, de 30 de Outubro’, visando-se ‘a fiscalização concreta da constitucionalidade das normas constantes do já referido Decreto Regulamentar’. No requerimento em que o recorrente vem, acedendo ao convite do Relator neste Tribunal, ‘prestar os esclarecimentos pedidos’, diz ele que: o o ‘presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei nº
13-A/98, de 26 de Fevereiro’. o pretende-se que ‘o Tribunal aprecie a constitucionalidade das normas constantes do art. 1º nº 1 e 2, e do art. 2º nº 1, do Decreto Regulamentar nº
24/98, de 30 de Outubro’, pois ‘considera-se que as referidas normas violam, enquanto princípios constitucionais, o princípio da legalidade (art. 3º nº 3 da CRP) e o princípio da reserva de lei (art. 165º nº 1 al. c), da CRP)’. o esclarece que ‘no texto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Torres Vedras, não consta, na fundamentação da decisão, qualquer menção ao referido Decreto Regulamentar, não tendo, portanto, sido as normas aplicadas’, mas ‘o acórdão recorrido, eventualmente suprindo uma nulidade da sentença, vem aplicar as referidas normas’ e ‘só depois deste momento – a aplicação das mesmas - é que o recorrente podia suscitar a questão de constitucionalidade’, o que fez, ‘requerendo a aclaração do acórdão, onde suscitou a nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação, bem como a inconstitucionalidade do normativo constante do Decreto Regulamentar 24/98, então já aplicado pelo Tribunal da Relação’. o daí resulta que ‘o recorrente, apenas pode suscitar a questão de inconstitucionalidade, no requerimento de aclaração do acórdão recorrido, pois apenas este fez menção e aplicou, como fundamento da Sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Torres Vedras, as normas cuja apreciação constitucional se requer, e como tal, estão integralmente preenchidas as exigências do art. 75º-A, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo art. 2º, da Lei 85/89, de 7 de Setembro’.
2. É facto que a sentença da primeira instância se limitou, à luz do direito aplicável ao caso – artigo 348º, nº 1, a), do Código Penal, e artigo 158º, nº 3, do Código da Estrada aprovado pelo Decreto-Lei nº 265-A/2001, de 28 de Setembro
-, a constatar que se provou que o arguido, ora recorrente, ‘conduzia um veículo automóvel, no dia 05/01/2002, pelas 04h25, na EN 9, Km 64, comarca de Torres Vedras, tendo-se recusado a fazer o exame de pesquisa de álcool no ar expirado face à ordem emanada do soldado da G.N.R., tal como impunha a disposição legal constante do artº 158º, nº 3, do Código da Estrada, preenchendo, assim, com a sua conduta os elementos objectivos do tipo penal transcrito’ e mais se provou
‘que o arguido quis agir do modo descrito, sabendo que, enquanto condutor, não se podia recusar a realizar a supra mencionada prova (elemento subjectivo do tipo), sabendo que a sua conduta era vedada por lei (tinha consciência da ilicitude dessa conduta)’ (e daí a condenação acima transcrita).
É também facto que na motivação do recurso interposto pelo recorrente para o Tribunal da Relação de Lisboa, não se encontra arguida nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa, designadamente reportada ao questionado Decreto Regulamentar. Tal diploma vem referenciado pela primeira vez no acórdão recorrido (depois de se concluir que ‘o arguido praticou um crime de desobediência, previsto e punível pelo artº 348º, n° 1, al. a), do Código Penal, por referência ao disposto no artº 158º, n° 3, do Código da Estrada, aprovado pelo Dec.-Lei n°
265-A/2001, de 28 de Setembro’), a propósito da resposta oferecida pelo Ministério Público, ‘de harmonia com o disposto no artº 413º, do Código de Processo Penal’, em que se diz haver ‘desconhecimento, por parte do recorrente, da existência do Decreto Regulamentar n°24/98 de 30 de Outubro, que regulamenta os procedimentos para a fiscalização sob a influência do álcool’. E lê-se a seguir no acórdão:
‘Dispõe o seu art° 1º que a presença de álcool no sangue pode ser indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo e que a quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo. Verifica-se, assim, a necessidade de realização de um segundo teste quando o primeiro acusa resultado positivo porque os aparelhos para despistagem de álcool habitualmente utilizados pelas entidades fiscalizadoras dentro dos veículos fazem a pesquisa da taxa de álcool no ar expirado (TAE), procedendo, posterior e automaticamente à sua conversão em taxa de álcool no sangue, isto é convertem TAE em TAS. Acontece que tais aparelhos, para além de não serem dotados de um alto grau de precisão, operam em arredondamentos de 0,05 em 0,058/1 e, em regra por excesso, havendo, assim, a necessidade de confirmar no aparelho Drager, com exactidão, o grau de alcoolémia acusado no Seres. Na sentença recorrida, não é referido qual dos testes o arguido recusou efectuar, nem havia necessidade de o referir, porquanto em ambos se faz a pesquisa da taxa de álcool no ar expirado e ambas as recusas são proibidas, sendo sancionadas com a prática do crime de desobediência. Não se verifica, assim, nenhuma incorrecta interpretação do art° 158°, n° 3 do C.E. sendo manifestamente inglória a pretensão do recorrente’. Daqui resulta que é irrelevante a circunstância de na sentença recorrida da primeira instância não vir referido ‘qual dos testes o arguido recusou efectuar’ e ‘nem havia necessidade de o referir, porquanto em ambos se faz a pesquisa da taxa de álcool no ar expirado e ambas as recusas são proibidas, sendo sancionadas com a prática do crime de desobediência’. Portanto, para a consideração da consumação do crime de desobediência previsto e punível no Código Penal não foi chamada à colação o Decreto Regulamentar nº
24/98, apenas se interpretou e aplicou o artigo 158º, nº 3 do Código da Estrada, concluindo-se no acórdão recorrido que não se verifica ‘nenhuma incorrecta interpretação’ desse artigo. A conclusão a tirar é, pois, a de que não houve aplicação no acórdão recorrido daquele Decreto Regulamentar, e nem sequer havia necessidade de o referir.
3. Face a tal conclusão, tem de se admitir uma outra, a de que nenhum relevo jurídico se pode extrair do requerimento de aclaração do acórdão recorrido apresentado pelo recorrente, em que se vem questionar se ‘é ou não é inconstitucional o normativo constante do Dec. Regulamentar nº 24/98, devendo por isso ser desaplicado com fundamento nessa mesma inconstitucionalidade’, porque através da sua aplicação ‘determina-se se alguém vai ser ou não sujeito a uma pena’ e ‘as normas que conduzem à aplicação de penas (neste caso pode ser até privativa de liberdade), são normas processuais penais, que teriam, todo o cabimento, no Livro II do Código de Processo Penal, devendo, provavelmente, ser um dos capítulos desse mesmo Livro, mas nunca num Decreto Regulamentar’. E é irrelevante o requerimento exactamente porque o dito normativo não foi objecto de aplicação no acórdão recorrido. Tanto assim que ele foi liminarmente indeferido por ‘manifesta falta de suporte legal’ por despacho do Exmº Desembargador-Relator, que não conheceu daquela pretensa questão de inconstitucionalidade normativa. De tudo decorre faltar um pressuposto processual específico do tipo de recurso de constitucionalidade de que se serviu o recorrente, o da aplicação de norma arguida de inconstitucionalidade durante o processo e suposto mesmo que essa arguição se fez no momento próprio. Com o que não pode tomar-se conhecimento do presente recurso.
4. Termos em que, DECIDINDO, não tomo conhecimento do recurso e condeno o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em cinco unidades de conta.' B. Dela veio o recorrente 'apresentar reclamação, de acordo com o n. 3 do art.
78º-A da LTC (redacção da Lei nº 13-A/98 de 26 de Fevereiro)', sustentando que
'para a consideração do crime de desobediência previsto e punível no Código Penal não só se interpretou e aplicou o artigo 158º, n. 3 do Código da Estrada, como foi chamado à colação o Decreto Regulamentar nº 24/98, sendo que, deste modo, houve aplicação, da norma arguida, no acórdão recorrido, existindo pressuposto processual de recurso de constitucionalidade' Para o reclamante, 'para se concluir que em ambos os testes se faz a pesquisa da taxa de álcool no ar expirado e que, por isso, é desnecessário saber qual dos dois testes o arguido se recusou a fazer, é necessário atender ao que alude o Decreto Regulamentar, no seu artigo 1º, nº 1 e nº 2, pois só aí, e não na norma estradal, se estabelece e regulamenta a detecção e quantificação da taxa de
álcool por meio do ar expirado'. E depois acrescenta:
'8º E, ainda, para se concluir que ambas as recusas, e não só uma delas, são proibidas e sancionadas como comina o art. 158° n.º 3 do Código da Estrada, é necessário que ambas sejam obrigatórias, e para sabê-lo tem de atender-se ao que dispõe o art. 2° nº 1 do Decreto Regulamentar, pois, nestes disposição, se estabelece a sua obrigatoriedade.
9º Se é certo que, para a consideração da consumação do crime de desobediência previsto e punível no Código Penal, basta a verificação do art. 158° nº 3 do Código da Estrada, que estatui essa punição, também nos merece certeza que, a verificação deste último, depende consideração das provas obrigatórias estabelecidas e reguladas pelo Decreto Regulamentar.
10º Assim sendo, para concluir sobre uma correcta interpretação e consequente aplicação do art. 158° nº 3 do Código da Estrada é necessário, pelas considerações expostas, interpretar e aplicar o aludido Decreto Regulamentar'. C. Na sua resposta, veio o 'representante do Ministério Público junto deste Tribunal' dizer que a 'presente reclamação é manifestamente improcedente', adiantando o seguinte:
'2 - Efectivamente - e como está há muito assente - incumbe à ordem dos Tribunais Judiciais a fixação das normas de direito infraconstitucional relevantes e aplicáveis a determinada situação controvertida.
3 - Sendo evidente que a decisão recorrida não fez apelo - como ‘ratio decidendi’ - às normas que constam do Decreto Regulamentar n° 24/98, considerando ‘desnecessária’ a invocação deste, por irrelevante o circunstancialismo nele previsto quanto à regulamentação dos testes destinados a determinar o grau de alcoolémia, fundando-se exclusivamente - tal como a decisão da 1 a instância -, na norma constante do artigo 158°, n° 3, do Código de Estrada.
4 - Deste modo, não sendo a norma que integra o objecto do recurso fundamento jurídico da decisão, é manifesta a falta de um pressuposto do recurso interposto'. D. Cumpre decidir. O reclamante não alcançou com a sua argumentação abalar minimamente a conclusão a que se chegou na DECISÃO reclamada, quanto à não aplicação no acórdão recorrido do decreto regulamentar questionado, que não é, portanto, e como diz o Ministério Público, ratio decidendi do julgado naquele acórdão. Aliás, é o próprio reclamante a reconhecer que 'para a consideração da consumação do crime de desobediência previsto e punível no Código Penal, basta a verificação do art. 158° nº 3 do Código da Estrada, que estatui essa, punição ' e que ' nesse caso, inconstitucional seria o dispositivo constante do nº 3 do art. 158º de Código da Estrada, por violação do art. 29º nº 1 da C.R.P..' Só que essa norma do Código da Estrada não integra o objecto do recurso de constitucionalidade, tal como ele foi exibido pelo recorrente, ora reclamante, e, portanto, não pode agora aproveitar-se o que ele adianta na sua reclamação. Tanto basta para concluir que não há motivo para alterar a DECISÃO reclamada. E. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e condena-se o reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta. Lisboa, 26 de Novembro de 2002 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa